Alberto Pimentel, As Amantes de Dom João V

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Alberto Pimentel

AS AMANTES DE DOM JOÃO V

apresentação

Aníbal Fernandes


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© SISTEMA SOLAR, CRL RUA PASSOS MANUEL, 67B, 1150-258 LISBOA apresentação © ANÍBAL FERNANDES, 2017 NA CAPA: DOM JOÃO V, atribuído a POMPEO BATONI (SÉCULO XVIII) REVISÃO: ANTÓNIO D’ANDRADE 1.ª EDIÇÃO, JULHO DE 2017 ISBN 978-989-8833-20-4 DEPÓSITO LEGAL 429388/17 ESTE LIVRO FOI IMPRESSO NA ACDPRINT RUA MARQUESA DE ALORNA, 12-A 2620-271 RAMADA PORTUGAL


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Nasci no Porto a 14 de Abril de 1849, escreveu Alberto Pimentel no mais autobiográfico dos seus livros1, acrescentando-lhe esta ironia: Lembra-me muito bem, como diria qualquer humorista, que eram nove horas e meia da noite e que eu vinha bastante incomodado de saúde. Entanguido, quase exânime, foi que entrei neste mundo, mas não sei ao certo se me fingia mais doente pela embirração que tinha a nascer à noite. De facto, na memória de Gonçalves Crespo que lhe andou perto desde a infância, a escassa firmeza destes primeiros vagidos deu passagem a «um rapaz magrito, encolhido, um pouco triste, mas com uma grande viveza dos olhos, viveza que o estudo, o trabalho e as lutas da vida esmoreceram mais tarde ligeiramente». Alberto Pimentel tinha sobre si os cuidados de um pai-cirurgião atento à sua saúde; mas a esta vigiada debilidade física somavam-se incontroláveis diferenças de «pássaro pintado», de menino desde muito cedo com sussurrada fama de escritor precoce, de versos publicados em jornais. Se voltarmos a Crespo para este mesmo tempo, ainda poderemos ler: «Isto fazia com que os seus companheiros o olhassem com um certo sentimento de respeito e de simpática consideração.» Alberto dividiu-se desde o nascimento entre o Porto e Cinfães, onde o seu pai possuía a quinta de Vila Verde (os dois lugares dos 1 Salvo indicação em contrário, o discurso directo será sempre extraído de Luar de Saudade, Livraria Editora Guimarães & Ca., Lisboa, 1924.


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seus futuros livros, ligados com persistência a uma memória saudosa e romântica que se encarregará, não poucas vezes, de os amolecer) e viu-se desde muito cedo seduzido pelas letras que viriam a firmar-se como oposição a um sonho de pai onde era visto com prestígios de doutor em direito — o curso que abria portas na política e dava acesso aos mais respeitados cargos públicos. Alberto nunca chegou a estudos em Coimbra, ficando a saber-se (confissão de 1872 no seu Nervosos, Linfáticos e Sanguíneos) que não estiveram em causa peremptórias recusas de fazer um desvio à sua vocação central mas apenas, e de uma forma muito mais prosaica, «motivos económicos». Escrever foi o irreprimível impulso que condicionou toda a sua vida. Mal saído da Instrução Primária cometeu audaciosamente a sua iniciação na letra redonda, embora viesse a confessar: Uma estreia prematura é a maior desgraça que pode acontecer a um escritor, porque nem por muito madrugar amanhece mais cedo, e eu acordei antes de tempo. […] 1863… Não posso escrever esta data sem estremecer de saudade e horror. Em Fevereiro desse ano fundi em público o primeiro elo de uma algema de ferro que durante muitos anos me trouxe acorrentado à galé das letras. Quero dizer que publiquei então, no Porto, um jornalzinho — chamava-se Tentativas Literárias — de que felizmente não possuo exemplar nenhum. A remar desde muito cedo nesta galé, vai Alberto Pimentel escrevendo poesias sem leitores mas também contos e textos que percorrem quase todas as modalidades da prosa. (O seu ídolo, o seu Mestre, é Camilo Castelo Branco, já muito antes do bom acaso que foi conhecê-lo pessoalmente e de obter prefácios para dois dos seus livros; o Camilo que também será matéria de sete obras suas,


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de onde queremos destacar O Romance do Romancista, publicado em 1890.) Em 1868 a sua «facilidade» já era publicamente notada e motivo de aviso para Feliciano de Castilho, depois de receber o poema «Rosas Brancas»: «Por parte da natureza, vejo que nada lhe falta; ora por isso mesmo é que eu lhe recomendo que para se completar não descure a arte, e empregue os mais particulares desvelos em cultivar o que tão espontâneo e exuberante lhe brota do ânimo. Olhe que neste ramalhete de versos e rimas de primeira qualidade lá há-de descobrir algum e alguma a que a sua consciência não possa chamar irrepreensível, assim como há-de enxergar talvez um ou outro dizer que descai de natural para excessivamente familiar. A poesia tem seus foros legais e consagrados, que sempre e em tudo se lhe devem guardar.» Se o poeta toma nota desta objecção e se retrai, se defende de mais fáceis ventos o seu barco, um cronista e um polemista ansiosos por se revelar, e já libertos do entrave de Coimbra, encontram um modesto abrigo no Jornal do Porto. A sua função é ali menor, resume-se a pouco mais do que traduzir notícias para o «noticiário do estrangeiro», com a sorte de uma crónica só de vez em quando a chegar-lhe à mão; mas vai surgir-lhe num dia de bons astros a ajuda involuntária de Ponson du Terrail, autor de um folhetim que o jornal tem comprado mas não consegue imprimir na data prevista. Ora, o romancista ainda secreto tem um em estado de publicação, e aquele embaraçoso momento do jornal é permeável a uma alternativa «caseira»: O Testamento de Sangue faz-se, em fascículos (anos depois passados a livro), a sua estreia como ficcionista publicado. Surge a partir deste dia o «imparável» autor conhecido como Alberto Pimentel; o que chegará, numa vida literária de meio


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século, a duas centenas de títulos. A sua mão não se cansa, a sua imaginação não pára, a sua energia esgota todas as fontes que lhe informam os livros históricos. Também é romancista com dois primeiros êxitos, O Anel Misterioso e A Porta do Paraíso, ambos de 1873. (Foram estes romances que me tornaram conhecido entre o público de Lisboa, porque as primeiras edições se esgotaram logo.) O escritor polígrafo tem encorajamentos que o incitam ao frenesi da escrita, que o fazem cavalgar uma festejada onda de prosa espalhada de livro a livro, e a todo o passo saudosa do que ele próprio viveu e há muito tempo passou. Pode portanto espantar-nos que lhe tenha sobrado tempo para um exigente amor. Alberto vê um dia a jovem Ludovina Adelaide, e sente-a como amor de toda a sua vida. Ludovina Adelaide tem qualidades para as exigências de um homem decente; tem a pureza das donzelas oitocentistas, sabe tocar no piano aquelas músicas que a época seleccionava como bom tom do romantismo ligeiro, e chega em certos serões a cantar; multiplicam-se encontros de um namoro de severas regras, trocam-se cartas onde não faltam promessas e expressões que anunciam um incondicional afecto; da mão do escritor saem poemas que a pressentem de verso a verso, saem histórias que mais e menos a imaginam, como nos Contos ao Correr da Pena, o seu livro de 1869. Ludovina Adelaide marca-o com um amor sublime, que embora lhe pareça digno de bênçãos à Platão é incomodado pelas impertinências do sexo: Triunfam como sempre as leis que regulam fisiologicamente com a mesma bruteza os actos sexuais das feras e dos homens (inesperada confissão caída numa página de Luar de Saudade). Alberto resiste, porém, às picadas do aguilhão físico, e tudo anda por bons caminhos e defendido de consumadas


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tentações, até ao dia em que a família da prometida reflecte sobre o que vão ser as incertezas de uma vida ao sabor dos bons e maus momentos de um homem de letras, e se decide por outro casamento, garantido por seguras folgas materiais. Alberto Pimentel recebe um emissário que lhe pede a devolução das cartas de Ludovina, não fossem existir provas embaraçosas, entregues por despeito a um futuro marido. Mas Ludovina, essa, mantém-se na sua, e nada diferente do seu Alberto consegue a família impor-lhe. Vai por isto Alberto receber outro emissário; desta vez a mãe da amada que vem anunciar-lhe a inevitabilidade do regresso ao interrompido amor. Muito religiosa, Ludovina contou-me quantas promessas fizera pela nossa reconciliação: a Santa Rita, advogada dos impossíveis, a Nossa Senhora da Esperança, que lhe inspirou a quotidiana devoção no Recolhimento de São Lázaro, e ao Imaculado Coração de Maria, que ainda hoje se venera fervorosamente na majestosa igreja de São Bento da Vitória. Celebra-se, com a associada ajuda destes santos, o casamento; visto por sogros pouco entusiasmados mas feliz e fecundo, ao longo de anos acrescentado por duas filhas chamadas num poema «duas rosas», e um filho que chega (ao contrário do pai) a Coimbra e ao canudo, este de licenciado em medicina. O maior perigo seria ele ver-se — filho de peixe imagina-se a nadar — obcecado por um destino de escritor. Custou-me evitar que este rapaz se entregasse a lucubrações literárias durante o seu curso médico, porque ninguém melhor do que eu sabia quanto isso prejudica o futuro; mas logo que se formou escreveu um romance — História de um Ideal. (Alberto Pimentel Filho, a léguas da energia criativa que dilatava a grande velocidade a bibliografia do progenitor, tem direito a um prefácio paterno e fôlego para acrescentar ao seu


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romance, pelo menos, uma nosografia sobre Camilo e um livro sobre a morte do Cristo, tudo muito longe da notoriedade literária onde o mesmo nome então soava… com a distinção — «Pai».) Se calcularmos o tempo em que se cumpriram as suas longas horas de escrita, podem surpreender-nos a disponibilidade para aquelas polémicas em jornais, as energias pedidas ao director de O Primeiro de Janeiro, os entusiasmos que o destacaram no Partido Regenerador, as intervenções que fez como deputado, a dedicação de um fundador da Sociedade de Geografia de Lisboa, a força que mostrou como inventor do que hoje conhecemos sob a designação de Santa Casa da Misericórdia. Chega porém o dia em que as exigências do sustento de uma família, dos livros que continua a querer escrever, de algum esmorecimento da idade, lhe pedem um remanso e as tranquilidades do ordenado de funcionário público vencido a horas certas e com precisão pendular. Alberto Pimentel acaba, depois de tentativas menos logradas, por ser aceite como banal manga-de-alpaca; mas reconhecidas capacidades levam-no, em 1876, a inspeccionar escolas primárias de cinco concelhos do sul do Tejo, e em 1878 a administrar o concelho de Portalegre. Na literatura, na administração pública e na intervenção política os seus êxitos bastam para um baile de lusitanas invejas; sobretudo a designação de Mestre, uma vez por outra inspirada pelo seu peso nas letras. E a mais alta crista desta onda talvez tenha sido cavalgada em Setembro de 1884 pela revista A Ilustração, quando publicou um artigo com este final: «O senhor Alberto Pimentel quer ser tudo, […] e daqui resulta que, querendo ser tudo, o senhor Pimentel não é por enquanto cousa alguma nas lusitanas letras. […] Quanto melhor não fora que o senhor Alberto Pimentel pen-


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sasse apenas em ser poeta, ou em ser jornalista, ou em ser regenerador. Havia de valer alguma coisa, pois que nós não duvidamos um momento do apregoado talento do sr. Pimentel. Mas com a mania de querer ser tudo, de querer falar e escrever sobre tudo, há-de cada dia ver mais distante a sua porta para a Posteridade. Ora, o senhor Pimentel avançava na idade, em cansaços de uma vida que lhe pedira persistências, energias e um trabalho estendido a horas roubadas ao lazer e ao sono, e sofria desgostos que lhe chegavam ao mais fundo dos sentimentos. Com maior e menor energia, diz a contar-se neste tempo, eu recomeçava a escrever esta ou aquela obra que tinha posto de parte. E preocupava-se com Ludovina Adelaide, atacada por erisipela e depois por uma pneumonia, abandonada já a uma apatia pressaga, requeimada no alquebrado organismo. Seguiu-se uma estranha agonia, onde não faltava uma inesperada obsessão pelo solfejo: À meia-noite sobrevinha o delírio em que Ludovina solfejava três notas de música — dó, ré, mi — nunca mais nunca menos. Era uma morte que ia avisando outra, aquela que em Julho de 1925 pôs termo a uma das mais intensas actividades criativas que se conhecem na literatura em português. «Já Bocage não sou… à cova escura meu estro vai parar desfeito em vento…», tinha escrito Barbosa du Bocage cerca de cem anos antes, avisado pela negra sombra do fim. Ao seu jeito e noutro soneto, cedeu Alberto Pimentel à mesma evidência: Secou-se em mim o gosto de escrever Como a seiva numa árvore doente, Que permanece em pé, serenamente, mas que não torna mais a florescer.


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Esse gozo mental, esse prazer, Essa minha paixão tão veemente Num acervo morreu de cinza quente E eu entrei numa paz que ainda é viver. Já não tenho inimigos nem combates; Esqueci mil agravos, mil ofensas; Já não conheço os zoilos nem os vates. Sou mais feliz, amigo, do que tu pensas, Pois que me emparedei co’os meus penates E não oiço do mundo as desavenças. * As Amantes de Dom João V — um dos festejados títulos na obra literária de Alberto Pimentel — é de 1892. A este rei, que o «sol» francês de Luís XIV iluminou, chamaram O Magnânimo. Alexandre Herculano marcou-lhe essenciais diferenças: «Luís XIV, mais guerreador que guerreiro, malbaratou o sangue dos seus súbditos em conquistas estéreis, enquanto D. João V, mais pacífico que tímido, comprou sempre, sem olhar ao preço, a paz externa dos seus naturais.» Oliveira Martins, esse, prefere vê-lo «freirático» e «esbanjador», cheio de «brutalidade soez» e «parvoíce carola». No entanto, a esta visão extremada já houve correcções que o deixam num centro menos batido por tão evidentes desacatos de conduta. Não pode porém fugir-se a esta verdade: um encanto com toques provincianos pelo rei Sol, encontrou nas farturas do ouro do Brasil um aliado; viu-se na corte de Lisboa uma opulência com olhos postos no figurino francês; não havia mão-de-obra que bas-


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tasse para a construção de tantas igrejas e palácios. E a sonhar com Versalhes, D. João V chegou à monumentalidade pouco graciosa do convento de Mafra. A nobreza encontrava nas barrigas de freira requintes de doçura mas também o percalço de incómodos bastardos. O país encheu-se de infantes escondidos ou mesmo ignorados. D. António, D. Gaspar e D. José eram os que Sua Majestade tinha gerado em madres de convento, uma delas francesa, os seus filhos que a linguagem popular designou por «meninos de Palhavã». Habitavam o palácio do marquês do Louriçal, defendido nessa época pela discrição de um arredor da cidade, mas hoje central e conhecido como sede da embaixada de Espanha. A legislação portuguesa acabou por dissuadir este convívio em leitos conventuais. Quis acabar por decreto as cartas enviadas às freiras e os acenos quando eram vistas na rua; exigiu aos nobres com fama de freiráticos o compromisso de não voltarem a entrar em conventos; disse-lhes que o desrespeito a estes «conselhos» podia, à primeira, ser causa de cinco meses de prisão, e depois disso de mais pesadas penas. Alberto Pimentel passeia de capítulo a capítulo pelas mais notáveis amantes deste D. João V com uma lubricidade que chegou a precisar, para jogos prolongados, da bem recebida ajuda dos afrodisíacos. Teve um dos mais longos reinados da monarquia portuguesa, ou seja, muito tempo para se mostrar ágil, desembaraçado e robusto, as qualidades que Pimentel destaca quando lhe descreve o físico; mas amigas, também, do que lhe foi mais precioso nesta lida consumada em leitos de baldaquino: compreender sem hesitações as mulheres e, a conferir-lhe à corte invulgar eficácia, fazer-se compreender sem delongas. A.F.


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L’histoire humaine, voilá l’histoire mderne. Irmãos Goncourt, Les maîtresses de Louis XV


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duas pa l av r as

Não escrevo história com intuitos políticos; mas unicamente por amor da arte. Já o disse no prólogo dos Idílios dos reis, e agora o repito, para que não restem dúvidas. Não é ofício rendoso, nem glorioso. Mas é um hábito do espírito, arreigado em anos que já não permitem vencê-lo. Os primeiros frades de Benfica faziam colheres, como diz frei Luiz de Sousa. Eu faço história, sem ter o vagar dos frades, porque os meus ócios, nada monásticos, regulam-se pelo breve compasso de espera, que vai de tarefa a tarefa. Deste livro, se algum corolário político pudesse tirar-se, seria abonatório da morigeração hodierna da monarquia, confrontada com os desmandos realengos de D. João V. A corrente dos costumes força a mão dos homens. No século passado, a licença não era apanágio do rei: todos, rei e vassalos, faziam a mesma coisa. Foi por isso que D. João V, um césar, logrou ser estimado dos seus contemporâneos. Admira-se disto o historiador Bouchot. Não devera admirar-se. D. João V foi um rei à altura do seu tempo e, como noblesse oblige, não consentiu que ninguém lhe deitasse a barra adiante em liberdade de costumes. Hoje, que o cesarismo acabou, um rei como D. João V seria o coveiro da sua própria coroa; mas, naquele tempo, um rei


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que não fosse D. João V ficaria inferior ao último dos fidalgos, não mereceria que os poetas do tempo o emparelhassem com Luís XIV, como quando o autor do Pinto renascido lhe chama o — Sol El-Rei D. João. Lisboa, 25 de Abril de 1891

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i. o primeiro amor

D. João V foi solenemente aclamado rei de Portugal no primeiro dia do ano de 1707. Tinha então dezassete anos completos, feitos a 22 do mês de Outubro anterior. Era uma criança, e todavia já seu pai havia pensado em casá-lo com alguma das três arquiduquesas da casa d’ Áustria, filhas do imperador Leopoldo I. D. Pedro II faleceu a 9 de Dezembro de 1706, e dois meses antes, a 6 de Outubro, nomeara o conde de Vilar Maior, Fernando Telles da Silva, para ir a Viena felicitar o sucessor de Leopoldo I pela sua aclamação, pedir a mão de uma das arquiduquesas para o príncipe real, e tratar de outros gravíssimos negócios, diz o cronista da embaixada1. Estes negócios gravíssimos eram de carácter político, pois que Portugal se tinha envolvido, no tempo de D. Pedro II, na chamada guerra de sucessão de Espanha, reconhecendo e auxiliando o arquiduque Carlos, que se fez aclamar rei em Madrid, quando ali entrou o exército português comandado pelo marquês das Minas, e que mais tarde ocupou o trono imperial da Alemanha com o nome de Carlos VI. Embaixada do conde de Vilar Maior Fernando Telles da Silva de Lisboa à corte de Viena, e viagem da Rainha Nossa Senhora D. Maria Ana de Áustria de Viena à corte de Lisboa, etc., pelo padre Francisco da Fonseca, da companhia de Jesus. (Viena, 1717). 1


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Justificadamente nota Ferdinand Denis que Portugal, para estabelecer essa nova aliança, passara uma esponja sobre o estranho rigor da casa d’Áustria com um desgraçado príncipe da casa de Bragança1. Refere-se ao infante D. Duarte, irmão de D. João IV, cuja biografia o sr. Ramos Coelho tão proficientemente acaba de estudar2. D. João V teve de seguir a orientação política de seu pai na questão de alianças diplomáticas, e a breve trecho pôde reconhecer que essa orientação não era isenta de incómodos. A 25 de Março de 1707, o exército que sustentava a causa de Filipe V batera, perto de Almanza, as tropas inglesas, holandesas e portuguesas. Mas a carta estava jogada, e D. João V, que dilatara até ao Outono desse ano a partida do conde de Vilar Maior, teve, para se não ver a braços com a desconfiança da Áustria e com a inimizade da França e da Espanha, que estreitar por meio do seu casamento a aliança austríaca. A 24 de Setembro o embaixador partia a bordo de uma fragata inglesa, levando uma comitiva de noventa e dois portugueses, distribuídos por outras duas fragatas, também inglesas, as quais comboiavam uma grande frota de navios mercantes. D. João V manifestou logo, nos primeiros actos do seu reinado, incluindo a embaixada, as tendências de ostentação e galanteria que o levavam a plagiar a corte de Luís XIV, seu modelo predilecto, posto que seu adversário político. Realmente, até nos primeiros passos amorosos D. João V releva uma certa semelhança com o grande Luís. Sabe-se que L’univers, histoire et description de tous les peuples, Portugal, p. 348. História do infante D. Duarte, irmão d’el-rei D. João IV. Lisboa, 1.° vol. 1889; 2.º vol. 1890. 1 2


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este monarca se apaixonou por Maria Mancini, sobrinha do cardeal Mazarino, e que a rainha-mãe, receosa de um casamento desigual, pensara primeiro em casar o filho com Margarida de Sabóia, e depois com a princesa espanhola Maria Teresa, o que veio a acontecer. Maria Mancini teve que recolher-se a um convento, e Luís XIV esqueceu-a facilmente. D. João V, antes de subir ao trono, pareceu querer eleger esposa por livre impulso do coração. Recaiu a escolha do príncipe em D. Filipa de Noronha, irmã do terceiro marquês de Cascais, D. Manuel. D. Filipa era formosa, rica, nobre, e inteligente como sua avó D. Bárbara Estefânia de Lara, cujas cartas existem manuscritas em poder de particulares 1. A história galante de D. João V tem que procurar-se em documentos inéditos, porque só viram a luz pública aqueles que não podiam contrariar as conveniências sociais ou que arriscadamente se escoavam anónimos, como aconteceu com alguma frouxa sátira, por entre as malhas apertadas das devassas da polícia. Se formos pedir à História Genealógica a biografia de D. Filipa de Noronha, ficaremos sabendo pouquíssimo, apenas o que as conveniências sociais consentiam. Diz-nos António Caetano de Sousa que a infeliz dama era filha do segundo marquês de Cascais, D. Luiz Alvares de Castro Noronha Sousa e Ataíde e de D. Maria Joana Coutinho, da casa de Marialva. 1 Possui uma colecção muito importante o sr. José Maria Nepomuceno. O sr. Luciano Cordeiro também é possuidor de algumas cartas da primeira marquesa de Cascais, D. Bárbara.


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Noticia outrossim que nasceu a 6 de Março de 1682, sendo portanto mais velha sete anos que D. João V; que foi dama do Paço, e que se recolheu no mosteiro de Santa Clara de Lisboa. Mais nada, como as conveniências exigiam. D. Filipa teve muitos irmãos, e três irmãs. Uma delas, D. Catarina, morreu na infância. As outras duas casaram: D. Bárbara Isabel de Lara com o terceiro marquês de Nisa, e D. Ana Maria Coutinho com o terceiro conde da Ponte. Ambas eram mais velhas do que D. Filipa. Só a desditosa noiva de D. João V ficou solteira, agrilhoada toda a vida às duras consequências da malograda escolha do príncipe. Quando começaram os amores do príncipe D. João com D. Filipa de Noronha? Sousa, na História Genealógica, noticiando que D. Filipa fora dama do Paço, acrescenta que servira nessa qualidade, como suas irmãs, duas rainhas: D. Maria Sofia de Neuburgo e D. Maria Ana, de Áustria. É possível que assim acontecesse, porque em 1699, quando D. Maria Sofia morreu, tinha D. Filipa dezassete anos. Mas não é provável que o galanteio entre a dama e o príncipe começasse por esse tempo, quando D. João apenas contava dez anos de idade. Temos de caminhar por conjecturas, e só poderemos arquitectá-las sobre um documento que representa o desfecho violento desse idílio amoroso. Refiro-me à suposta carta que D. Filipa de Noronha escreveu a D. João, já então rei, desiludida pelo próximo casamento do jovem soberano com D. Maria Ana, de Áustria.


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Existem cópias desta carta, talvez apócrifa, nas bibliotecas de Évora e do Paço da Ajuda. Vamos transcrevê-la seguindo a lição da cópia de Évora, e confrontando-a com a da Ajuda, que já foi publicada. As diferenças que se notam entre uma e outra versão tornam suspeita a autencidade da carta. Ligeiras alterações são por via de regra vulgares em qualquer cópia, mas as substituições de palavras inspiram desconfiança. O que é natural é que sabendo-se que D. Filipa de Noronha escrevera ao rei uma carta bastantemente picante, como diz um outro manuscrito, alguém se lembrasse de alegar imaginariamente as razões que ela poderia aduzir, encostando-se aos episódios do galanteio que eram conhecidos do público. Esta última circunstância faz com que a aproveitemos, não como documento autêntico, mas como base verosímil das nossas conjecturas. Eis a suposta carta de D. Filipa: «Senhor — Estas letras, que algum dia mereceram as atenções de Vossa Majestade, bem sei que hoje lhe darão1 mais impaciência que gosto; porém como hão-de ser as últimas que porei a2 seus reais pés sofra-me Vossa Majestade o desafogar neste papel a justa dor que padece meu coração, nas experiências do seu esquecimento. «Quem dissera, Senhor, que um príncipe, e3 tão grande, havia de ser ingrato a uma mulher do meu nascimento! Donde4 estão aqueles afectos, que quase5 passavam a adorações? E que A cópia da Ajuda diz «deverão». aos (Ajuda). 3 Esta conjunção não aparece na cópia da Ajuda. 4 Aonde (Ajuda). 5 que passaram (Ajuda). 1 2


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delito1 foi fiar-me das finezas de um rei, para que não contente da solidão em que vivo, me condene à solidão da sepultura, no desterro das suas memórias! Depois das injúrias padecidas na pessoa, até quer Vossa Majestade que as sinta no amor! «Quem crera, que me era necessário, para merecer as atenções de Vossa Majestade valer-me da protecção dos seus ministros! Recorde Vossa Majestade as obrigações2 que me devia3 para que me livre4 da afronta, que me custa o repeti-las. Como posso eu acusar o esquecimento de Vossa Majestade, sem que faça também público o meu delito? Há-de ser tal a força da minha desgraça, que procure o seu5 remédio com a minha injúria! Já que sou tão infeliz que todos a conhecem, deva-me ao menos a atenção de não confessá-la; porque a minha infelicidade6 é tal, que a queixa, que em todos7 é desafogo, para mim seria injúria8. «Oh não queira Vossa Majestade enlouquecer-me tanto com a sua sem-razão, que me obrigue a perder o medo ao silêncio. Esta é a última afronta que me pode fazer9 a desatenção de Vossa Majestade, reduzir-me a tão miserável estado10, que não mereça lástima, sem repreensão. A quem hei-de repetir a minha queixa, que se não escandalize da razão dela11? Só Vossa Que delito (Ajuda). as finezas (Ajuda). 3 que me deve (Ajuda). 4 para livrar-me (Ajuda). 5 o meu (Ajuda). 6 a infelicidade (Ajuda). 7 para todos (Ajuda). 8 tormento (Ajuda). 9 que pode fazer-me (Ajuda). 10 reduzir-me a tal estado (Ajuda). 11 da sem-razão dela (Ajuda). 1 2


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Majestade a pode ouvir1 sem horror, que como não ignora2 as repetidas finezas que lhe devi3, a sua mesma memória estará sendo a minha desculpa, com4 seguranças de ventura tão alta, que quando não fora o amor me precipitara na vaidade. «Bem reconheço5 que era muita audácia6 aspirar a tanto; porém este meu engano não teve menos autoridade, que a fé devida a um príncipe. E como, em Portugal, não era eu a primeira a quem um rei desse a mão para subir tão alto, foi fácil o7 amor deixar-se persuadir do exemplo. Não me excederam as primeiras em qualidade, senão em ventura, pois todos os meus avós, entre as grandes famílias de Portugal, foram os de mais superior estimação, devendo a muitos deles os augustos progenitores de Vossa Majestade a dilatação8 da monarquia ou a segurança da coroa. De toda esta esclarecida descendência só herdei a memória, para me deixar9 vencer do desvanecimento. Presumi que fosse o esplendor da minha casa e fiquei sendo o escândalo de todos10. E para que fosse sem igual a minha desventura, o mesmo príncipe que me reputava11 digna da sua coroa, pleiteia o satisfazer-me12 com o despacho de um título, no que a pode ouvir (Ajuda). e não ignora (Ajuda). 3 que me deve (Ajuda). 4 Na cópia da Ajuda começa aqui um período que se funde com os dois seguintes até à palavra «exemplo». 5 conheço (Ajuda). 6 ousadia (Ajuda). 7 ao amor (Ajuda). 8 devendo os progenitores de Vossa Majestade a muitos deles a dilação (Ajuda). 9 para deixar-me (Ajuda). 10 de toda ela (Ajuda). 11 julgava (Ajuda). 12 satisfazer-me (Ajuda). 1 2


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mesmo1 tempo que minhas irmãs merecem esta honra, e eu2 a tivera, se o mesmo que as dá, me não segurara outra muitas vezes maior. «Não há mulher mais desgraçada. Para todos o agrado de Vossa Majestade serve para exaltação3, só para mim de precipício. Desterrou-me injuriosamente4 do Paço, perdi a comunicação dos meus parentes, falou-se na minha reputação, e até nesta sepultura em que estou, só5 para as injúrias pareço viva, que para tudo o mais6 me olham com horror7; e para que não haja género de infelicidade, que não experimente8, aprovou-me9 Vossa Majestade a pessoa de Fulano; quando este tratado, na fé da sua promissão10, se começa a pôr em público, são tantas as dúvidas e comissões que se lhe oferecem, que me tem custado tanta paciência estes três meses de prática, como os quatro anos11 que sofro de injúrias. «Já, Senhor, estou resoluta a não pretender12 nada; e para que Vossa Majestade conheça que mulheres da minha esfera se não contentam com satisfação, que não seja digna do seu sangue, ou que não pareça desempenho do rei13, ordene Vossa Majestade ao mesmo (Ajuda). e eu também (Ajuda). 3 de exaltação (Ajuda). 4 afrontosamente (Ajuda). 5 e em que só (Ajuda). 6 para tudo o mais (Ajuda). 7 Na cópia da Ajuda, é período novo. 8 que eu não padeça (Ajuda). 9 aprova-me (Ajuda). 10 promessa, etc., são tantas as dúvidas e omissões (Ajuda). 11 que há que (Ajuda). 12 não pedir nada (Ajuda). 13 de um rei (Ajuda). 1 2


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a quem quer que entregue todas as jóias que me ofereceu algum tempo1 o amor, ou a sua grandeza2, pois não quero comigo cousa, que me recorde3 a sua ingratidão e a minha4 afronta. «O que peço a Vossa Majestade é só licença para professar no convento em que morreu Santa Teresa de Jesus; que assim como o amor de Vossa Majestade me desterrou do paço, quero que a sua ingratidão me extermine do reino. Nenhum outro favor procuro5 de Vossa Majestade que6 deixar-me aproveitar da sua ingratidão7 para o acerto deste8 desengano; e ficará Vossa Majestade tendo a glória de premiar uma mulher, como eu, até com o esquecimento. «Enquanto me durar a vida, fie Vossa Majestade de mim, que só empregarei os dias em pedir a Deus lhe acrescente os anos tão cheios de felicidades, que se contem em instantes as venturas. «Espero da real grandeza de Vossa Majestade que logo, logo, entregando-se de tudo o que há nesta casa, me não retarde a licença que lhe peço, porque me obrigará esta sem-razão a impaciência menos santa9 e ficará por conta de Vossa Majestade correndo toda a desesperação da minha fortuna. que algum dia me ofereceu (Ajuda). ou (dizendo melhor) a sua grandeza (Ajuda). 3 que recorde (Ajuda). 4 ou a minha (Ajuda). 5 pretendo (Ajuda). 6 mais que (Ajuda). 7 tirania (Ajuda). 8 do meu (Ajuda). 9 Na cópia da Ajuda todo este período desapareceu. O que aí se lê, é: «Enquanto me durar a vida, fie Vossa Majestade de mim, que só empregarei os dias, em pedir a Deus, lhe acrescente os anos, tão cheios de felicidades, que se contem a instantes as venturas: e ultimamente, ficará por conta de Vossa Majestade, toda a desesperação da minha fortuna». 1 2


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«A real pessoa de Vossa Majestade guarde Deus1 muitos anos»2. A carta pode ser apócrifa, mas o facto a que ela alude está autenticado pela tradição. Um manuscrito da casa Pombal corrobora-o nestes termos: «Logo que D. Filipa soube do casamento (do rei) pediu-lhe por uma carta bastantemente picante, que a mandasse para o convento mais pobre, e mais distante da corte que houvesse no reino, etc.»3 Aqui está uma divergência de pormenor, que aliás não invalida essencialmente o facto. Segundo o manuscrito da casa Pombal, D. Filipa pede para retirar-se a algum remoto convento Deus guarde a pessoa de Vossa Majestade (Ajuda). Biblioteca de Évora, codices CV / 1 – 3, CIX / 1 – 4. O manuscrito da real biblioteca da Ajuda intitula-se: Carta que ao senhor rei D. João V mandou D. Filipa de Noronha, irmã do ilustríssimo e excelentíssimo marquês de Cascais D. Manuel de Castro; pai do último que faleceu sem sucessão, D. Luís José Leonardo de Castro Noronha Ataíde e Sousa. De cujo monarca, ela se deixou vencer sendo dama do paço, e ele ainda príncipe, por lhe haver dado primeiro um escrito de casamento. Escrita do convento de Santa Clara para onde foi recolhida por conselho dos ministros de estado, que lhe estorvaram o cumprimento de se receber com ela. (Miscelânea de prosas, em quarto. É uma colecção de cópias feita por António Correia Viana em 1782. Lisboa). O sr. Bernardes Branco, nas Minhas queridas freirinhas de Odivelas, (Lisboa, 1886), seguiu a cópia da Ajuda, com ligeiros lapsos; mas na 2.ª edição do livro Portugal na época de D. João V, (Lisboa, 1886), reproduziu a variante que Ribeiro Guimarães tinha publicado no Jornal do Comércio de 18 de Abril de 1868 e reeditado em 1873 no III volume do Sumário de vária história. É de notar que Ribeiro Guimarães não dá como autêntica a carta de D. Filipa. Estando publicada e reproduzida a variante que Ribeiro Guimarães encontrou, entendemos que só o confronto entre as duas cópias, a de Évora e a da Ajuda, diferentes daquela, poderia inspirar interesse. 3 Biblioteca Nacional da Lisboa, secção pombalina, Papéis curiosos e interessantes, códice n.º 686, p. 174. Sempre que nos referirmos ao manuscrito da Biblioteca Nacional, deve entender-se que é este. 1 2


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do reino; segundo qualquer das variantes da carta, pede autorização para transferir-se ao mosteiro de Ávila onde morreu Santa Teresa de Jesus. O galanteio do príncipe real deve ter começado por 1704, quando D. João tinha apenas 15 anos, e D. Filipa 22: leva-nos à fixação daquela data a circunstância de D. Filipa dizer (ou alguém por ela) que havia quatro anos que sofria injúrias por causa do amor do príncipe, cumprindo notar que fora o casamento do rei com a arquiduquesa de Áustria que determinara a reclusa de Santa Clara a escrever a carta. Devera ser ardente, como acontece sempre com a primeira paixão de um coração juvenil, o idílio do príncipe. A carta fala de repetidas finezas e de presentes de jóias. O temperamento ardente de D. João revelara-se nessa primeira explosão de incêndio amoroso. Para combater os escrúpulos e receios de D. Filipa, (dar-lhe-ia o príncipe, como refere a tradição, um escrito de casamento. D. Filipa acreditou, não só pela fé devida a um príncipe, como também porque, sendo ela nobre, o casamento era possível. Havia precedentes, que o autorizavam. Os amores do príncipe tornaram-se conhecidos de toda a gente, e as conveniências da política e da corte aconselharam a reclusão de D. Filipa. Foi o amor do príncipe que injuriosamente a desterrou do paço, como diz a carta. Nos primeiros tempos de reclusão, D. Filipa sofreria com altivez os comentários da opinião pública, porque a animava a esperança de que o príncipe a desposaria. Mas o príncipe subiu ao trono, a embaixada partiu a pedir a mão da arquiduquesa austríaca, e então o despeito e o ciúme explodiram no coração de D. Filipa.


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Depreende-se da carta que, desiludida quanto ao casamento, D. Filipa exigia, como reparação pública, a concessão de um título que a nivelasse em honras e consideração com suas irmãs. «E para que fosse sem igual a minha desventura, o mesmo príncipe que me reputava digna da sua coroa pleiteia o satisfazer-me com o despacho de um título, no mesmo tempo que minhas irmãs merecem esta honra, etc.». Que razão teria D. João V para vacilar sobre a concessão de um título? É possível que passando D. Filipa por ter sido, justa ou injustamente, a amante do príncipe, o marquês de Nisa e o conde da Ponte, cunhados de D. Filipa, se opusessem à mercê, julgando que ela seria afrontosa para eles e suas esposas. O rei procurava evitar talvez um conflito, e lembrara-se de recorrer ao expediente vulgar de casar D. Filipa. Mas nem a reclusa de Santa Clara julgava bastante essa satisfação, porque mulheres da sua esfera se não contentam com satisfação que não seja digna do seu sangue, nem a opinião pública parecia aceitar o facto sem murmurações que, ao tempo em que a carta se supõe escrita, duravam havia já três meses. A pessoa escolhida para casar com D. Filipa de Noronha era Rodrigo César de Menezes, irmão do conde de Sabugosa, e mais velho que D. Filipa apenas sete anos1. Este fidalgo estudou em Coimbra, mas, renunciando à vida das letras, seguiu a das armas. Foi brigadeiro de um dos regimentos de infantaria da corte. Supomos que não seria estranho ao seu malogrado casamento com D. Filipa o facto de ir exercer o cargo de governador da capitania de S. Paulo. Quereria afas1

Catálogo dos manuscritos da Biblioteca Pública Evorense, tomo II, p. 213.


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tar-se da corte. Foi no seu consulado que se descobriram as minas de Cuyabá. Voltando ao reino, reconheceria talvez a necessidade de evitar a corte por mais algum tempo. O facto não teria esquecido ainda. O que é certo é que obteve novo despacho, e retirou para Angola como governador e capitão-general. Foi talvez a doença que o obrigou, a voltar à metrópole, onde faleceu em 1738. D. João V, posto tomasse como modelo Luís XIV, mostrou menos coração perante a desgraça da pobre reclusa de Santa Clara. Maria Mancini dissera ao grande Luís uma frase que ficou notável: Oh! Sire, vous êtes roi! Vous pleurez et je pars. D. Filipa de Noronha não podia dizer — Eu parto —, conquanto o seu desejo fosse partir para Ávila, para longe da corte. Também lhe não podia dizer — Vós chorais —, porque D. João V não chorou. A sua resposta foi dura. Conhecêmo-la pelo manuscrito da casa Pombal: «… mas Ele (o rei) escandalizado da carta que ela lhe escreveu, não deferiu à súplica senão com a resposta — que o convento de Santa Clara era o que ela tinha elegido, e que nele havia de viver e morrer». Contudo, em face da carta que se atribui a D. Filipa, carta bastantemente picante D. João V achou-se na mesma situação de Luís XIV quando Maria Mancini lhe dizia ironicamente — Vous êtes roi —, como se quisesse significar-lhe que os reis esquecem depressa, e quando a La Vallière lhe enviou, na despedida, um soneto bem mais fulminante do que a frase, meio apaixonada e meio irónica, de Maria Mancini. Este paralelo devia lisonjear D. João V, que havia adoptado como modelo o famoso rei de França.


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Rebelo da Silva fez dos primeiros amores de D. João V um romance, que toda a gente conhece. Aproveitando como tema o facto histórico, modulou sobre ele variações de pitoresca fantasia, que o acidentam imaginariamente. Na Mocidade de D. João V, a individualidade histórica de D. Filipa de Noronha está personificada em D. Cecília da Gama, secular do convento de Santa Clara. A desditosa irmã do marquês de Cascais viveu largos anos retirada do mundo. Habitava uma casa contígua ao convento de Santa Clara, e a ele ligada por comunicação interior. A acção destruidora do tempo tem poupado este prédio: é o que, no alinhamento do palácio dos Tribunais Militares, faz recanto com o Arsenal do exército. Na tradição do sítio chama-se-lhe ainda a casa da freira. Aí viveu retirada do mundo a noiva malograda de D. João V. A dor não mata; se matasse, deixaria de ser um suplício. Ao passo que D. Filipa sofria tão cruelmente entregue à sua dor insanável na solidão de Santa Clara, em casa de seu pai havia serões de jogo, concorridos de damas e cavalheiros, o que faz supor que o segundo marquês de Cascais, viúvo desde 1700, queria mostrar à sociedade que repudiava o desaire que estava tendo um longo e lutuoso desfecho; aparentava que tinha suprimido moralmente a pessoa da filha mais nova. Aos serões da casa do marquês assistiriam sua filha D. Bárbara, ainda solteira, sua filha D. Ana Maria, já casada com o conde da Ponte, e sua nora, mulher do herdeiro da casa, D. Luísa de Noronha, que podia recrear-se desenfadadamente, porque esteve quatorze anos sem ter filhos. D. Carlos de Menezes e o conde de Vimioso eram certos nestes serões, a que também concorria, posto não jogasse, o académico José da Cunha Brochado, então conselheiro da


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fazenda, que deixou preciosas cartas, a que por vezes, como agora, nos socorremos. As relações de Brochado com o segundo marquês de Cascais provinham do facto de ter sido seu secretário na embaixada à corte de Paris em 1695. O marquês recolheu ao reino em 1699, e Brochado demorou-se em Paris com o carácter de enviado extraordinário, até 1704. Repatriando-se, foi nomeado conselheiro da fazenda, permanecendo em Lisboa até 1710, em que saiu para a corte de Londres em missão diplomática1. O trecho de carta que vai ler-se foi escrito de Lisboa entre o seu regresso de Paris e a saída para Londres. «Em casa do Sr. marquês de Cascais — diz Brochado — se abriu jogo há um pouco de tempo, e nesta assembleia assistem muitas senhoras que se divertem em várias mesas; e todas as noites há dois sermões, um de jogo em que prega D. Carlos de Menezes, e outro de política que faz o conde de Vimioso; mas em um e outro concurso são contrários os efeitos; porque no sermão de D. Carlos os que perderam saem arrependidos, e no sermão do conde os que não ganharam saem conformes. Eu não sou ouvinte nem de um, nem de outro, ainda que em nenhum deles tenho que perder.»2 1 Para a sua biografia consulte-se o Gabinete Histórico, vol. 9, p. 56 e o Dicionário Bibliográfico de Innocencio, tomo IV. As cartas de Brochado ficaram inéditas; mas alguns trechos foram publicados no Investigador Português. Foi director da Academia Real de História e um dos censores da História Genealógica. 2 Cartas ao conde de Viana. 1705-1710. A colecção da real biblioteca da Ajuda é muito extensa, consta de grande número de volumes. A da Torre do Tombo compreende apenas algumas cartas incluídas naquela.


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Na sua triste reclusão quase conventual D. Filipa tragava, esquecida pela própria família, a amargura do seu destino. Algumas vezes decerto se lembraria de que na casa do capítulo daquele convento, que comunicava com a sua habitação, em frente de uma vidraça que tinha debuxadas as quinas reais, estava sepultada uma ilustre dama, esposa prometida de outro rei, que a deixara também numa situação equívoca, semelhante à de D. Filipa. Refiro-me à Excelente Senhora, rainha sem rei nem reino, a noiva malograda de D. Afonso V. Não sei de mais notícias que possam lançar maior luz sobre os infelizes amores de D. Filipa de Noronha. O convento de Santa Clara danificou-se por ocasião do terramoto de 1755. A maior parte da igreja caiu. Mas a casa de D. Filipa, como já dissemos, ficou de pé. Quanto à pessoa de D. Filipa, achei alguns documentos na Torre do Tombo; falam apenas dos seus haveres, nada interessando à história das suas desventuras amorosas. Referir-me-ei a eles para completar tanto quanto possível a biografia de uma dama, que tem na vida galante de D. João V o primeiro lugar. As religiosas do mosteiro do Salvador, de Lisboa, deviam a D. Filipa de Vilhena 7019$760 réis, principal, juros e custas de uma sentença que contra as mesmas religiosas alcançara. Para reembolso desta dívida, mandara D. Filipa arrematar em praça pública as tenças de 71$5001, 22$9002, 9$6003 e 77$3004, com Chancelaria de D. João V, liv. 11, fl. 309, v. Id., liv. 13, fl. 324, v. 3 Id., liv. 16, fl. 2. 4 Id., liv. 14, fl. 6. 1 2


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assentamento na casa das Carnes e na casa dos Cinco, como se pagavam àquelas religiosas, sendo os pagamentos efectuados aos quartéis de ano, por inteiro e sem quebra alguma. Em Setúbal possuía D. Filipa de Noronha propriedades e bens, sobre os quais impendiam litígios. Viu-se ela então na necessidade de recorrer à justiça de D. João V, muito mais severa em negócios forenses entre particulares do que nos amorosos em que o rei era réu. No Arquivo Nacional encontra-se uma provisão de 14 de Novembro de 1734 «mandada passar a D. Filipa de Noronha, pelo haver requerido, para que um dos Corregedores do Cível fizesse avocar ao seu Juízo as causas, somente, que a dita D. Filipa trazia na vila de Setúbal, a fim de que no mesmo se sentenciassem, como fosse justiça, sem embargo de serem fora das cinco léguas da corte; por quanto que, estando recolhida no convento de Santa Clara da cidade de Lisboa, e tendo diversas causas de importância na dita vila, em que litigava com algumas pessoas poderosas ali residentes, estas lhe embaraçavam o legal andamento dos processos com gravíssimo prejuízo, que daí lhe advinha: ao que queria obstar, gozando do privilégio que, como recolhida do dito convento, lhe facultava que trouxesse os seus contendores ao Juízo da Corte.»1 D. Filipa faleceu a 2 de Fevereiro de 1738, o mesmo ano em que faleceu Rodrigo César de Menezes. O seu testamento, segundo me informa pessoa que o viu em poder de um particular, não faz a menor alusão ao passado, mas revela uma alma que, aborrecida do mundo, só aspirava à 1

Chancelaria de D. João V, liv. 122, fl. 306.


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felicidade eterna. Essa mesma pessoa me informou que os herdeiros foram os jesuítas da Casa Professa de S. Roque, e que à porta deste convento se fizera, durante um mês, o leilão do copioso espólio de D. Filipa. Quanto aos herdeiros não alcancei outra notícia; mas pelo que respeita aos testamenteiros sei de ciência certa que foram os irmãos da congregação de Nossa Senhora da Doutrina. No Arquivo Nacional existe uma provisão «mandada passar ao Prefeito e mais Irmãos da Mesa da Congregação de Nossa Senhora da Doutrina, como testamenteiros de D. Filipa de Noronha por haverem requerido que, tendo sido passada outra Provisão à dita D. Filipa a fim de poder trazer os seus contendores à Corte, e responderem no Juízo da Correição do Cível pelas causas na mesma mencionadas, o que se observou até ao tempo de seu falecimento; a alma da testadora continuasse gozando do mesmo privilégio, e, assim, se concedesse aos ditos Prefeito e mais Irmãos, na qualidade de seus testamenteiros idêntica prerrogativa, mandando-se observar as mesmas disposições, e nomeando-se por Juiz das Causas da testamentária ao Provedor dos Resíduos, Fernando José Marques Bacalhau: o que, tudo, por esta Provisão, com efeito, se lhes concede.» Tem a data de 31 de Outubro de 17381. A alma de D. Filipa de Noronha gozou de privilégios singulares que eram concedidos às religiosas reclusas. Triste compensação do muito que ela sofreu, neste mundo, por efeito de singulares desgraças de amor!

1

Chancelaria de D. João V, liv. 131, p. 156, v.


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v. s oror paul a

D. João V teve amores com uma francesa, cujo nome não pude descobrir. Seria porventura descendente de alguma das criadas que acompanharam a Portugal a rainha D. Maria Francisca de Nemours. Já D. Pedro II houvera um bastardo de outra francesa, viúva de um capitão que viera no séquito daquela rainha. A francesa dera a D. João V um filho, que nasceu em 1714, e recebeu o nome de António. São muito incompletas as notícias que se referem à origem dos bastardos de D. João V, e é agora ocasião oportuna de tratarmos esse ponto. Camilo Castelo Branco equivocou-se quando disse que a Flor da murta fora a mãe dos infantes D. Gaspar e D. José1. O sr. Soriano, referindo-se aos três bastardos do rei, diz que D. João V os reconheceu por decreto de 6 de Agosto de 1742; que os houvera de diferentes mulheres, e que todos eles foram educados no convento de Santa Cruz de Coimbra com frei Gaspar da Encarnação2. Vilhena Barbosa apenas nomeia os três filhos «naturais, mas reconhecidos d’el-rei»3. Perfil do marquês de Pombal, p. 180. História do reinado de el-rei D. José e da administração do marquês de Pombal, tomo I, p. 452. 3 Arquivo Pitoresco, vol. VI, p. 82. 1 2


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O sr. visconde de Castilho (Júlio), na sua Lisboa antiga, faz uma ligeira referência aos meninos da Palhavã1. Pinheiro Chagas escreve que «entre os muitos filhos bastardos que D. João V deixou, houve três que por motivos que não vale a pena investigar, ele reconheceu»2. Nada diz a respeito das mães. Benevides vai um pouco além destes escritores. «Fora do matrimónio — escreve ele — teve D. João V por filhos: Gaspar, que nasceu a 8 de Outubro de 1716, foi arcebispo de Braga, e faleceu a 18 de Janeiro de 1789; José, filho da célebre Paula, freira de Odivelas, que nasceu a 8 de Setembro de 1720, foi grande-inquisidor, e faleceu a 31 de Agosto de 1801; António, filho também de uma freira, nasceu a 1 de Outubro de 1714 e faleceu a 14 de Agosto de 1800: estes últimos eram vulgarmente conhecidos com o nome de Meninos de Pavalhã. Além destes é fama haver o monarca freirático tido outros filhos das suas muitas aventuras amorosas»3. Fiz investigações na Torre do Tombo, e o que encontrei de melhor, por favor do sr. Albano Alfredo d’Almeida Caldeira, ali empregado, foram os apontamentos genealógicos coordenados por seu falecido pai, o sr. Bartolomeu Maria d’Almeida, que os extraiu de documentos que lhe passaram pela mão, enquanto também ali serviu largos anos, e que gozou de bons créditos como linhagista seguro. Aí se me deparou notícia de que o infante D. António o houvera D. João V em uma francesa. Tomo IV, p. 223. História de Portugal, 1.ª edição, vol. 7.°, p. 224. 3 Rainhas de Portugal, tomo II, p. 153. 1 2


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É provável que esta francesa também estivesse recolhida em Odivelas, porquanto dois estrangeiros, dignos de crédito, afirmam que os bastardos de el-rei saíram de Odivelas. Assim o assevera o autor do livro L’etat présent du royaume de Portugal en l’année 1767, que escrevia apenas dezassete anos depois da morte de D. João V, e o duque de Chatelet na sua Voyage en Portugal (1801). Quanto a outro bastardo, D. Gaspar, que foi arcebispo de Braga, corrigiu o sr. Bartolomeu d’Almeida o seu manuscrito por meio de uma emenda que diz — havido em D. Madalena Máxima de Miranda, freira no convento de N. Visivelmente, o nome da freira fora um achado que o ilustre genealogista fizera depois de escrito o seu apontamento. Basta a tinta a indicar que a correcção foi muitos anos posterior à redacção do manuscrito. A respeito do terceiro bastardo, D. José, que foi inquisidor-geral, declara o apontamento ter sido sua mãe D. Paula, de Odivelas, o que concorda com a indicação dada pelo sr. Benevides. Diz mais o apontamento que estes bastardos de D. João foram educados em Coimbra, no convento de Santa Cruz, por um dilecto amigo do rei, frei Gaspar da Encarnação, cujo perfil biográfico esboçaremos no capítulo seguinte. Posso, porém, acrescentar desde já que o infante D. Gaspar, que Braga recebeu com grandes festas quando o teve por arcebispo1, foi baptizado com o nome de Manuel, mas que D. João V o fez crismar dando-lhe o nome do seu mais estremecido amigo. Na Biblioteca da Ajuda existem (Colecção Académica) as poesias recitadas em honra do arcebispo D. Gaspar, no paço bracarense, pela Academia dos Preclaros em 7 de Novembro de 1759, quando ele ali entrou. Notarei a título de curiosidade que o crânio do arcebispo D. Gaspar está hoje em poder de um cavalheiro de Braga, 1


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índ ic e

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

5

Duas palavras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. O primeiro amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Enquanto a rainha não chega. . . . . . . . . . . . . . . III. A rainha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. A corte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V. Soror Paula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VI. Margarida do Monte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VII. A Flor da Murta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VIII. A actriz Petronilla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX. O Ocaso de um césar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

15 17 35 51 75 112 141 158 179 196



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