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Alexandre Melo André e. Teodósio Vasco Araújo
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Alexandre Melo André e. Teodósio Vasco Araújo
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Este livro inclui o texto (com base em As Aves, de Aristófanes) bem como uma seleção de imagens do vídeo Augusta (Vasco Araújo, 2008), uma adaptação da transcrição de dois diálogos de Alexandre Melo com Vasco Araújo e André e. Teodósio e duas cartas destes comentando as conversas. Os temas em discussão, motivados pela análise do vídeo, são as noções de poder, utopia, crítica e criação artística, tal como se manifestam no legado das reflexões sobre as noções históricas de «cidade ideal» e «Império» e nas práticas dos mundos da arte e da sociedade contemporânea em geral. As conversas tiveram lugar num apartamento no Chiado, em Lisboa, nos dias 10 e 18 de fevereiro de 2011. Os autores combinam os registos da ficção teatral, especulação abstrata e comentário de atualidade. Não deixando de mobilizar as suas experiências pessoais e profissionais específicas, os intervenientes representam as suas próprias personagens e convocam, sem preocupações com o rigor histórico, as figuras de César, Octávio e Cícero. Sendo uma obra autónoma, este livro é também o segundo volume de uma série de trabalhos dos autores que encontra em Roma o seu tema genérico. Entendeu-se que as referências a Roma e ao Império Romano e a adoção de uma metodologia híbrida, na discussão e na forma de apresentação do livro, poderiam contribuir para um alargamento do espaço de interpretação e invenção também por parte dos leitores.
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AUGUSTA (texto baseado na comédia As Aves, de Aristófanes)
Vasco Araújo
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Leão I Caro companheiro… mas afinal por onde vamos? Já perdi completamente a direção… Leão II É em frente! Na direção daquela árvore que se vê além! Leão I A partir daqui, deste lugar… eras capaz de descobrir a cidade? Leão II Sim, claro! Eu já a vi. É uma cidade maior e mais livre, onde posso concretizar o meu sonho. Leão I Mas então… o que vamos lá fazer? Leão II Nós que somos honrados em pertencer a uma ideologia e em ter um nome de família, em sermos cidadãos entre cidadãos, sem que ninguém nos espante, voámos da nossa terra a sete pés. Não é que não nos agradasse essa cidade, por não ser grande… mas quando se tratava de pagar impostos ou fazer sacrifícios, ou mesmo de subordinação… Leão I É verdade! Quando o meu patrão se tornou senador, mandou-me transformar em servo, para ter um companheiro e um criado. Mas que vamos lá fazer? Leão II Foi por isso que te disse que me iria embora. Eu quero fundar uma cidade, uma orbe. 11
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Leão I Orbe? Que é isso de orbe? Leão II Digamos o universo delas. Só que, como gira e tudo lá irá parar, é conhecido hoje em dia por «orbe». Depois coloniza-se, fortifica-se com muralhas e de «orbe» vai passar a chamar-se «urbe». De tal forma que irei andar em cima dos homens como de gafanhotos. Leão I Homens-gafanhotos? Leão II Vamos companheiro, desperta do sono!! Leão I E não tens medo do povo? Leão II Acolherei dois grupos entusiastas para a nossa sociedade, apesar de ser com os inimigos que os sábios mais aprendem. Também as cidades: não foi com os amigos, foi com os inimigos que aprenderam a construir grandes muralhas e a precaver-se com navios poderosos. Este é um princípio que salva a família, a casa e o património. Imperium, percebes? Leão I E como é que os vais convencer a ter o comando da cidade? Leão II Digo-lhes simplesmente que a minha família foi a primeira a existir aqui, antes mesmo de as árvores nascerem. Entretanto, morreram todos de doença. Só fiquei eu. Não será justo que me caiba o poder por antiguidade? Leão I Tenho algumas dúvidas! Precisas de ser mais articulado daqui por diante. Não é assim do pé para a mão que irás conquistar o ceptro da cidade. Leão II É por esse tipo de posturas que antes todos te prestavam homenagem, pela tua grandeza e santidade, e hoje te tratam como um escravo, 12
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Augusta 2008 Vídeo Duração: 7’23” Texto: Baseado na comédia As Aves, de Aristófanes Vozes: Peter Shaw, Walter Bilderback Dimensões variáveis
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CONVERSA EM LISBOA Alexandre Melo | Vasco Araújo 10 de fevereiro de 2011
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Alexandre Melo
Vasco Araújo
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Tenho estado aqui a pensar, há uns dias… para onde é que vou? Não sei muito bem para onde é que devo ir ou, mesmo, se consigo ir. Não sei se me consegues ajudar nesta decisão, sendo tu mais experiente do que eu. Para onde é que devo ir? O problema que essa pergunta levanta é… Este início já está errado porque devemos considerar que não há problemas. Uma interrogação, uma ansiedade, uma angústia, uma expectativa, podem ser encaradas de várias maneiras e a pior maneira é encará-las como um problema. A resposta consiste em saltar diretamente para a solução. Como quem não se interroga? Evitando o período em que pensamos as questões como problemas e considerando-as em vez disso como razões para fazer alguma coisa. Na sociedade em que vivemos os artistas são talvez os únicos que têm essa atitude. Podemos dizer que são pessoas que estão obrigadas por definição a fazer o que querem e a nunca saber o que fazem. Porque alguém depois vai solucionar-lhes o problema. (risos) Uma sociedade em que toda a gente se queixa de estar submetida a objetivos, prazos, programas, métodos, rácios, condicionamentos técnicos e práticos que têm de ser respeitados, abre esta maravilhosa exceção para os artistas; e para os imperadores, evidentemente, mas isso é uma coisa mais difícil de encontrar na vida quotidiana. «Vocês são artistas e portanto nós queremos que façam o que quiserem.» 37
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Por isso os artistas têm de inventar razões para fazer o que fazem, façam o que fizerem. Mas não pensas que essa ação, ou esse método, de analisar ou de atirar para cima dos artistas, e de os próprios artistas atirarem para cima dos outros, essa não problematização da sua vida e daquilo que fazem, por um lado é uma atitude absolutamente egoísta? Isto no sentido em que lhes é indiferente, não se questionam e, portanto, torna-os quase como indigentes. Ao mesmo tempo, são sempre tomados como marginais (risos), mas quem permite que eles façam isso é também egoísta, no sentido em que lhes atribui uma responsabilidade, porque não estão a solucionar, não estão a problematizar, mas estão a tentar imediatamente passar para o problema seguinte, que é apresentar a solução. Isso faz-me lembrar uma coisa muito concreta em relação às evoluções recentes na distribuição de funções e de tarefas no interior do chamado mundo da arte contemporânea: que é um dos mundos que, apesar de tudo, mais gosto de frequentar nas minhas relações com os mortais… Na década de 1990, a figura do curador ganhou preponderância em poder e influência, o que resulta do aumento do número de artistas e da diversificação das circunstâncias em que se podem fazer exposições. E da própria reinvenção do que é mostrar arte contemporânea e da sua relação com a sociedade atual. Lembro-me de que na altura um artista me disse «gostava que trabalhássemos em conjunto porque no fundo não há diferenças entre os artistas e os críticos e os curadores, vamos todos trabalhar em conjunto»… É essa a pergunta que quero fazer-te a seguir…
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CONVERSA EM LISBOA Alexandre Melo | André e. Teodósio 18 de fevereiro de 2011
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Alexandre Melo
André e. Teodósio
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Começo por desabafar a minha preocupação em relação à crítica. Se por um lado aceito a existência de uma crítica popular ao que fazemos, ao nosso modo de agir, por outro tenho sérias reservas à crítica como modo institucionalizado. Em Augusta o leão critica um mundo no qual se encontra, mas que é em simultâneo um mundo de que faz parte como rei da selva. É verdade que vivemos tempos em que a crítica institucional se dissipa em três segundos. Há cada vez mais instituições a criticar instituições, jornais a criticar jornais, blogues, sites e páginas do Facebook a criticarem-se uns aos outros. Sei que se vão destruindo mas o peso de um padrão tende a não desaparecer. E eu fico perplexo sem saber muito bem como reagir. Qualquer tipo de crítica tem a capacidade de se transformar em palavras de ordem para muitas pessoas. Ao criticar-se uma ópera, ou uma exposição, está-se a disponibilizar algo que será escutado por alguém. Para mais, atentemos que o privilégio do crítico ou que o seu poder, hoje, é acima de tudo um poder de interesses paralelos aos interesses imperiais. Há um Tudo que vai dando à luz reis da selva. Venho pedir-te alguns conselhos sobre esta matéria… Porque se por um lado nós não temos de nos preocupar, cada vez que escutamos uma crítica popular não significa que mudemos a nossa conduta mas sim que ficamos alerta aos problemas do mundo, por outro com uma crítica institucional não há nada que possamos fazer. Não defendo com isto que tenhamos de ser rebeldes e querer matar as instituições, mas existe um perigo iminente a partir do momento em que ela é lançada e lida por não sei quantas mil pessoas: ela já moldou a sociedade que se segue. Por mais que tentemos rebater, o nosso direito de resposta será sempre publicado no fim do jornal ou num sítio secreto para quem a procura, é sempre o fim da linha, o fim de tudo. Reafirmo de novo: isto não é uma preocupação em relação 57
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ao que fazemos, meu Imperador, só uma preocupação em relação ao pretenso espelhamento da sociedade implícito no ato da crítica. Vamos proceder metodicamente. A palavra crítica é usada de forma comum de muitas maneiras diferentes e designando coisas diferentes. Mesmo fazendo uma separação entre alguns dos significados mais fáceis de distinguir, ainda há uma grande margem para variações. Digamos que são duas as utilizações mais frequentes da palavra crítica. Em primeiro lugar, a crítica no sentido da crítica a obras de arte, ou seja, o crítico, que faz crítica de cinema, de teatro, de ópera, de literatura, enfim o crítico como uma das figuras que funcionam no sistema da arte e cuja função é produzir discursos que comentam ou, com mais rigor, no sentido tradicional, avaliam, julgam, qualificam, classificam obras de arte. Esse é um sentido. A crítica num outro sentido é o famoso subtítulo de O Capital, Crítica da economia política. A partir daí criou-se o hábito de chamar pensamento crítico, crítica disto e daquilo e daqueloutro, a todas as formas de pensamento, ou mesmo ausência de pensamento, que pretendem apresentar-se sob a forma de uma declaração de intenções verbalizada como sendo a oposição ao que para o efeito consideram ser o que existe, o que antigamente se chamava o sistema. Estamos a falar de luta político-ideológica e de toda uma tradição que é a tradição do chamado pensamento crítico. Preferes começar pela crítica da arte, por esta última noção de crítica, ou será melhor juntar já os problemas das duas? A arte sempre esteve ligada ao Poder. Até ao início do século XX não existiu nenhuma arte estranha ao Poder ou são ínfimos os artistas que estavam fora do Poder. A arte deixou de estar junto ao Poder e com a emergência da cultura do entretenimento, os media, os jornais, etc., surgiu um novo núcleo institucional em torno do dinheiro… A crítica sempre existiu na história europeia como uma ação política, como a criação de uma crise no telos comum, i.e., «criemos uma ruptura para um novo pensamento». Criar para reinar. O que me leva a pensar que após Alexandre não existiu escuta popular. Após Alexandre não existiu dádiva para o povo. A única coisa que existiu foi a edificação de um im58
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CORRESPONDÊNCIA André e. Teodósio | Vasco Araújo
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Índice
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Augusta (texto baseado na comédia As Aves, de Aristófanes) Vasco Araújo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Conversa em Lisboa (10 de fevereiro de 2011) Alexandre Melo, Vasco Araújo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Conversa em Lisboa (18 de fevereiro de 2011) Alexandre Melo, André e. Teodósio. . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Correspondência André e. Teodósio, Vasco Araújo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Desta edição de Augusta fizeram-se duas tiragens: — uma tiragem normal de 400 exemplares com fotogramas do filme Augusta impressos a preto e branco — uma tiragem única de 100 exemplares com fotogramas do filme Augusta impressos a cores numerados de 1/100 a 100/100 e assinados pelos autores