De Natura – Cristina Ataíde

Page 1

La couleur du jour , 2022
La couleur du jour #7 , 2013

deNa tura Cristina Ataíde

Doris von Drathen

Maria Filomena Molder

Rui Chafes

DOCUMENTA
2017, Lago Gaet’Ale, Etiópia | Ethiopia 2021, Residência artística na Viarco, São João da Madeira, Portugal

Índice | Index

12. Considerações sobre o trabalho de Cristina Ataíde

Testemunhos do tempo

Doris von Drathen

60. Observations on the art of Cristina Ataíde

Silent Witnesses as Measures of Time and Place

Doris von Drathen

84. Linha, linho, lençol, linha da vida, linha agónica, linha de flutuação

Maria Filomena Molder

124. Line, linen, linens, lifeline, agonic line, waterline

Maria Filomena Molder

160. Do Rui Chafes

166. Lista de Obras | List of Works

170. Biografia | Biography

Considerações sobre o trabalho de Cristina Ataíde

Testemunhos do tempo

Doris von Drathen

É um dia ameno de Fevereiro. A data, numa repetição do algarismo 2, parece querer escavar o tempo. É a primeira vez que visito o atelier de Cristina Ataíde, inserido na enorme Tapada da Ajuda do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa. E é com grande entusiasmo e espanto que descubro tudo de uma vez: os trabalhos, o local da sua produção e a artista.

Fico sozinha na maior sala do atelier por alguns instantes. No chão estão espalhadas grossas folhas de papel, com cerca de 56 ❌ 76 cm, cobertas de espessas camadas de pigmentos de cores garridas: vermelho-carmesim, vermelho-hibisco, vermelho-sangue, verde-pinheiro, azul-noite, violeta e amarelo-limão. Cores luminosas, cujo único propósito é o da sua presença física, o seu volume escultórico. Tudo está tranquilo, a luz forte do sol incide sobre os papéis. Antes de me poder questionar sobre como estariam fixados os pigmentos, uma rabanada de vento entra pela sala e levanta as camadas de pigmentos em redemoinhos, que voltam a pousar sobre os papéis formando novos padrões. Estarrecida, chamo a artista. A Cristina ri-se; o vento é bem-vindo. Talvez não o esperasse tão forte, mas este tipo de surpresa é, para ela, uma manifestação das forças que a artista reconhece como co-autoras dos seus trabalhos. Pode ser o vento, como pode ser uma corrente do rio pintado de vermelho pelos sais de ferro que nele correm, que deixa vestígios da sua passagem sobre os grandes papéis ou páginas de livros feitos à mão, ou uma onda que escorre sobre o pigmento solto. Nalgumas obras, também as marcas deixadas pelo sal a cristalizar ou uma gota de água sobre grandes torrões de argila que, à primeira vista, nos parecem pedras, água que pode ser da chuva ou da neve [pp. 34-35], que muitas vezes inscreve os seus vestígios quase impossíveis de prever nas pinturas da artista.

Só mais tarde é que as grandes folhas de papel ou as páginas do livro são fixadas, antes de prosseguirem o seu caminho numa exposição ou numa colecção.

Alguns acontecimentos também permanecem efémeros, sendo registados apenas em fotografias ou vídeos curtos, como aconteceu com os desenhos de vento e de ondas, numa praia em Marrocos [pp. 1-3, 32-33]. Cristina Ataíde debruça-se sobre uma pedra na areia, pouco antes de a onda subir. Repete pacientemente os mesmos gestos: com as pontas dos dedos, pega numa pitada de amarelo-limão, seguindo-se uma experiência com vermelho-carmesim, depois um pigmento cor de salmão; tira-os de frascos bem fechados, salpicando pacientemente uma e outra pitada sobre a pedra. O vento sopra o pigmento sobre a areia que parece ter sido feita de propósito para guardar desenhos, por um instante, na sua superfície granulosa. Pouco a pouco, o pigmento assenta sobre

13

a pequena pedra, até se destacar da areia num vermelho-vivo. A onda aproxima-se, cada vez mais ruidosa, cada vez mais insistente, até que banha a pedra, desenhando ramificações e nervuras em conjunto com a areia e o pigmento vermelho, numa rede de linhas que se mantêm visíveis até a onda desaparecer e uma nova onda subir sobre a areia. O tempo deste desenho é o do curto intervalo entre uma onda e a seguinte. Depois da terceira onda, resta apenas um brilho amarelo ou vermelho mais fraco sobre a pedra, caso não tenha ela mesma sido levada pela corrente. O fascínio rege-se por um outro tempo. Não é importante quanto tempo dura a fina teia vermelha sobre a areia molhada; importante é o facto de aí aparecer, como uma realidade pictórica que, para Ataíde, definiu o momento, o local e o material, e que foi realizada pelo vento e pela onda do mar. Este acontecimento, ainda que tão curto, permite abrir a nossa mente para novos caminhos, sensibilizar-nos para a possibilidade de criar imagens com a natureza, em co-autoria com a natureza. Ao dar espaço à natureza, ao permitir-se não fazer nada e esperar, a artista abre espaço para mostrar os tempos em que as manifestações da natureza se apresentam como obra de arte. Poderíamos pensar em John Cage e no seu lema de não ter «nada a acrescentar», mas esta artista não se refere a Cage. Ela atreve-se a fazer experiências, olha para o seu trabalho fora do mundo da arte e dos conceitos artísticos. Quer descobrir qualquer coisa. Para isso, transforma o seu atelier num observatório, num laboratório de pequenos ou minúsculos processos naturais. Vestígios, testemunhos mudos do tempo e matérias-primas preenchem os seus espaços de trabalho. Alguns têm título, outros, a maioria, indicam nas legendas apenas o local, o ano de observação ou da experiência e, eventualmente, o material. Isto para os objectos em si. As imagens que os documentam estão cheias de poesia – dada a sua pureza, dada a sua existência desinteressada, dada a naturalidade da sua aparência. Nenhum espanto é solicitado. É apresentada uma mera observação. Nada mais.

Ataíde conhece várias formas de jogar com a sua arte e a natureza: por um lado, encontra na natureza pedras, paus, torrões de argila onde reconhece esculturas a que dá visibilidade; por outro, pode pintar com o Riotinto, depois de lhe misturar pigmentos na sua corrente. Ou pode imitar o próprio rio na forma como este pinta e afecta o espesso papel artesanal. Ou pode reproduzir pedras ou moldar pedaços de madeira em bronze fundido. Assim, o trabalho desta artista balança entre o dar visibilidade a manifestações da própria natureza e a sua mimetização.

Uma das suas actividades, da qual surgiram séries extensas, é o trabalho com e na corrente dos rios. Livros inteiros feitos de papel espesso, que ela submerge no

14

Riotinto [pp. 36-39], que atravessa a Andaluzia, no sudoeste de Espanha, e não só tinge as páginas com a sua água avermelhada de lodo, como as pinta, efectivamente, de estrias arqueadas e sedimentos ocasionais. Algumas partes destas pinturas permanecem brancas, como se o rio soubesse o segredo do vazio de uma imagem. A artista limita a sua intervenção à secagem. O livro é aberto sob o calor do sol. As suas páginas têm de ser separadas cuidadosamente, para não ficarem coladas e poderem mostrar cada uma das pinturas no seu interior. Ou seja, exige uma atenção cuidada. O mesmo acontece com o processo do livro do sal [pp. 44-45]: Ataíde embebe-o no enorme e raso lago verde, entre as crostas de sal das suas margens e o interminável deserto salgado de Danakil, na região de Afar, na Etiópia [pp. 40-43]. O papel é tão espesso que forma bolhas ruidosas ao absorver a água. A artista coloca ervas delicadas entre as folhas ainda húmidas, uma simples flor aqui, uma folha ali – testemunhas da parca e frágil vegetação do deserto. Também aqui é sempre necessário voltar a separar as páginas com o máximo cuidado durante o processo de secagem, assegurando que as plantas não se deslocam. A secagem, porém, é aqui rápida, com temperaturas a rondar os 40-50°C, podendo mesmo atingir os 60°C no pico do calor da tarde. O livro em si apresenta uma beleza transcendental: individualizadas, as ervas desenham as suas formas com delicado pormenor e cores frescas sobre a superfície de um branco cristalino, como se transmitissem algo mais do que a vastidão e o silêncio do deserto salgado, com os seus rituais de trabalho milenares inalterados; os mesmos gestos repetidos a recolher blocos de sal que serão transportados ainda e sempre ao mesmo ritmo dos camelos de carga. O pequeno livro torna-se testemunha, uma testemunha do espaço e do tempo. O próprio sal e as delicadas ervas são os artistas deste livro, que existe num único exemplar.

Muitas obras só ganham vida quando integramos o processo no próprio trabalho. Este tipo de discurso pode ser comparado com o de Richard Serra, que menciona repetidamente o seu processo de trabalho ao explicar as suas obras. Quem não sabe que os seus enormes e pesadíssimos painéis de aço estão simplesmente encostados uns aos outros, sem qualquer fixação ao chão, não compreendeu a parte mais importante das suas esculturas, nomeadamente a estabilidade que lhes é transmitida pela energia vital da gravitação. Esta arte que insiste em realçar o processo de trabalho como parte da obra pode ser comparada com a de Fabienne Verdier, que realiza as suas pinturas no chão, com grandes pincéis chineses que balançam livremente no espaço, como grandes pêndulos; para Verdier, a sua pintura não se resume a imagens, mas sim ao testemunho directo das forças espaciais. Quem não tiver esta informação, não conseguirá deduzi-la

15

apenas através da observação das obras. Também Pat Steir se insere nesta forma de pensar, ao propor uma «natureza da pintura», nomeadamente de pinturas que se executam sozinhas através do escorrimento da tinta, ou seja, a força gravitacional da pintura. Quem não consegue compreender este potencial da pintura como autora principal da imagem, por acção das forças espaciais, não pode compreender os trabalhos de Pat Steir apenas pela sua observação. Volta-se a salientar: estes artistas não pensam os seus trabalhos unicamente como o resultado final; todo o processo é parte integrante da obra de arte. Talvez sem o saber, Ataíde relaciona-se com eles e com a sua forma de pensar a arte.

Quando Ataíde mostra os seus desenhos, grandes papéis tingidos de tonalidades esverdeadas e pigmento vermelho, não vemos nada se não conhecermos a história de como surgiram [pp. 49-50]. A artista atravessou o rio Ganges, na sagrada cidade de Varanasi [pp. 46-47], num pequeno bote de madeira e com a ajuda de um barqueiro. Durante a passagem, mergulhou várias folhas de papel no rio, molhando-as na água e, depois, levantando-as para que escorressem. De todas as vezes, uma nova surpresa: o rio oferecia um fundo esverdeado, alterações, redes de linhas e formas originais desenhadas nas folhas, escritos numa cifra desconhecida. De regresso às lendárias escadarias de onde partira, que ligam a cidade ao rio ao longo de uma extensão de cinco quilómetros, estendeu os papéis sobre os degraus. Aí polvilha umas pitadas de pigmentos vermelhos de curcuma, hibisco, bindi ou sindoor sobre as folhas húmidas, volta a segurar as folhas ao sabor da brisa que varre o pigmento vermelho da superfície da folha. As formas que surgem são imprevisíveis, podem desenhar nervuras autónomas ou aparecer como eixos de nuvens sobre o verde-musgo da pintura fluida do rio.

Através da poesia do fazer, la poesia del fare, através do material voltam a surgir relações: o pigmento solto, as suas ondulações, a forma como penetra em todos os poros do corpo, que também tem um papel importante nalgumas instalações de Ann Hamilton, cria uma proximidade entre Ataíde e a artista americana.

Ao dar o lacónico título Durante o Rio aos desenhos do rio estendidos sobre o chão do seu atelier, enquanto se volta a surpreender com a força pictórica que aí encontra, Ataíde está a nomeá-lo (ao rio) seu professor e começa então a criar uma situação semelhante no átrio do seu estúdio. Enche de água grandes tinas rasas, como as que os fotógrafos usam para revelar as suas fotografias, acrescentando depois um pouco de pigmento verde-musgo. Mais uma vez, debruça-se sobre a superfície da água, mergulha o papel, deixa-o embeber, polvilha-o com uma pitada de pigmento vermelho, talvez duas, repetindo os gestos que lhe ensinaram o barco e o rio, e chama a esta nova série Depois do Rio [p. 50]. Mas na

16

sua cabeça, na verdade, no seu conceito de trabalho, a artista transforma-se no rio. Muito mais do que uma imitação, trata-se de uma altération, uma apropriação da experiência do alheio.

Quando Giuseppe Penone quis mostrar o rio através da escultura, foi buscar ao seu leito um seixo rolado, do tamanho de uma cabeça. Depois, trabalhou noutra pedra de tamanho idêntico até quase não se conseguir distinguir uma da outra. A seguir, colocou-as lado a lado. Ataíde é mais livre, menos didáctica. Vai buscar pedras à praia, na lagoa de Óbidos, entre a falésia do Bom Sucesso e o leito do rio Cortiço [pp. 52-53]; escolhe as que consegue carregar e as formas que lhe parecem surpreendentes. Por vezes, duas pedras parecem estar relacionadas, parecem aninhar-se. As suas esculturas marinhas são mostradas em longas filas. As pedras surgem nas mais variadas formas e cores, não há duas iguais. Cada uma moldada pelas outras no vai-e-vem das ondas e do rio que ali desagua. Ataíde mostra as pedras como esculturas feitas por uma mão que não a dela. Viu-as e, agora, mostra-as ao observador, para que também este as possa ver. É o olhar sobre a estranheza destes objectos que decide se são entendidos como esculturas ou não. É o olhar que decide se são vistas como simples pedras ou como fenómeno, como obras de arte do mar. Junto à falésia encontram-se grandes rochedos com depressões formadas pela água na sua superfície. Pesam toneladas. É impossível uma pessoa, ou mesmo duas e fortes, transportá-las. Ataíde opta por trabalhar de uma forma que já tinha experimentado nos trabalhos com o rio: decide trabalhar «depois da» ou «segundo a» falésia, por assim dizer. Escolhe pedras que possam ser transportadas por duas pessoas; o segundo critério é terem uma superfície onde já se tenham formado depressões. Assim que as pedras chegam ao local da exposição, pouco mais de duas ou três, a artista começa a replicar o trabalho das pedras e do mar: aumenta a cova com o cinzel [p. 54]. Depois, enche-a com água que trouxe do mar. De facto, as pequenas poças parecem cintilar, como quando estão junto ao mar, sob o céu aberto. Ataíde não teme este «como se». Pelo contrário, transforma-o na liberdade dos seus jogos. Ao lado, expõe grandes blocos de barro [p. 54]. O visitante observa, arrebatado, a sua aparência frágil: os blocos de barro do tamanho de ovelhas estão deitados em tinas de água rasa. Até ali, uma parte da natureza já foi transportada para outro lugar. Daí em diante, porém, a artista procura de novo imitar um processo da natureza, um processo que observara na falésia do Rio Cortiço. A intervalos regulares, uma gota de água cai lá do alto sobre os grandes blocos de barro [p. 54]. Estes desfazem-se gradualmente sob a acção das pequenas gotas. A praia de Óbidos surge, então, com alguns elementos na galeria – também aqui é criado

17

um laboratório que permite aos espectadores observar ao vivo os frágeis processos da natureza. Em oposição a estes processos efémeros, que ocorrem em períodos de tempo relativamente curtos, surgem formações rochosas que cresceram ao longo de milénios: madeira fossilizada [pp. 54-55]. Por um lado, dura e resistente, esta rocha de cor antracite, brilhante, com centenas de finas camadas, é extremamente frágil. Aqui e ali, Ataíde espalha um pouco de pigmento vermelho-vivo, numa ou outra fenda.

Há muito que emprestou o seu nome a este vermelho, mais ou menos escondido em quase todas as suas obras, que se tornou uma espécie de assinatura: é o «vermelho-Ataíde», este vermelho que também podia surgir como uma mistura de todos os tons de vermelho da Índia, do carmesim ao vermelho-hibisco, ao curcuma, ao papoila e ao bindi, que é usado nas bênçãos. A estas tonalidades, a artista acrescenta um brilho ainda mais forte ao juntar tons vermelhos encontrados na Europa, um vermelho-forte tornado ainda mais intenso por um toque de pigmento azul. Ataíde, que, no seu entusiasmo, se deixa frequentemente levar pelo lado técnico, denomina este vermelho com base na tabela NCS, ou seja, o Natural Color System®, com o número S1580-R. Esta precisão técnica é característica da artista, que sabe que a experiência emocional na arte só pode surgir a partir de composições pictóricas de extrema precisão. Poderíamos estabelecer aqui uma ligação com Anish Kapoor, que a artista conheceu quando Kapoor mandou cortar e polir os elementos de mármore de que precisava em Portugal na sua oficina de pedra. O lema de Kapoor era, também, a mais alta precisão, pois estava consciente de que um estado de espírito contemplativo e calmo só podia ser despertado no espectador através da mais elevada precisão física e matemática.

Olhando para o trabalho de Ataíde, ninguém adivinha que este vermelho omnipresente veio originalmente de velhas peças de ferro fundido de locomotivas, cujos moldes eram marcados no seu interior com um vermelho-vivo, para que fosse possível distinguir umas partes das outras [pp. 56-57, 59]. Talvez haja aqui uma ligação com o seu barco indiano, cujo interior a artista pintou com pigmento vermelho.

Este mundo de trabalho, que já encontramos no deserto salgado de Danakil, ou na história semi-industrial de Riotinto, cujos minérios de cobre e ferro são importantes para a produção de ferro fundido e aço, está muito próximo do fascínio dos fenómenos naturais e da sua beleza, ou dos ritos antigos e das suas danças e cores cativantes.

Na Tailândia, por exemplo, durante uma estada na cidade de Ayutthaya, observou longas procissões de monges que caminhavam descalços ao longo de

18

quilómetros de tapetes de flores [pp. 70-77]. A população recolhera as flores amarelas douradas durante dias e as pétalas foram usadas para fazer estreitos tapetes da altura do tornozelo à beira da estrada. Entre os espectadores estava também, extasiada, a artista. Assim que os monges passaram, começou, tal como as outras pessoas que ali assistiam de pé ou agachadas à beira da estrada, a recolher as pétalas douradas. Porém, Ataíde colocou-as entre as páginas de um outro exemplar único; as páginas desse livro estavam tingidas de vermelho-salmão, vermelho-hibisco e vermelho-Ataíde, de modo que, à excepção de alguns intervalos de páginas brancas, as pétalas jaziam como sobre um tapete vermelho, fundindo-se com os diversos tons de vermelho ou rodopiando nos espaços brancos, como que sopradas pelo ar. Começou, logo ali, a prensar as páginas. E ocorreu uma metamorfose muito ligeira, muito bela, por entre as folhas, como se as pétalas se transformassem em bandos de pequenos pássaros chilreantes ou libelinhas zumbidoras. Tread of a Thousand Monks (2014) é o nome deste portefólio. O título indica: «28 desenhos» – também neste caso, as pétalas e a artista são co-autoras. Mas a sua homenagem é dedicada também ao tapete de pétalas, que cintilava em tons de amarelo e vermelho. De facto, a toda a situação vivida, como se tudo o que fora observado fosse um doador especialmente rico de imagens, a quem nunca poderíamos agradecer o suficiente. Agradecimentos que incluem colher as flores, espalhar as pétalas e voltar a recolhê-las, que incluem os gestos de se baixar, alcançar o chão, agachar-se e esperar, que incluem as vestes brancas festivas.

Nesta linha de pensamento, encontramos entre os seus trabalhos expostos também o barco que se assemelha àquele em que atravessou o rio Ganges. As tábuas encurvadas, como que formando uma barriga ou um útero, estão cobertas de um pigmento vermelho-vivo, que torna a superfície um entorpecedor e rico veludo vermelho-papoila [pp. 80-81]. O pigmento que voava solto no ar encontrou aqui um corpo. O objecto, outrora instrumento, parece transformado: agora é aqui honrado, transportado, celebrado; contudo, o seu papel enquanto veículo de muitos trabalhos é integrado no conjunto da obra. Sem hierarquias, o instrumento é co-autor, tal como o rio, o vento, as pétalas, os papéis, o barqueiro e as forças que actuam no espaço. Cada elemento conta, nenhum poderia existir sem o outro.

Ataíde faz dessa consciência dos elementos individuais do todo o tema central do seu livro Auto-retrato [pp. 78-79]. Entendendo o corpo enquanto paisagem, a artista declina as partes do corpo e os gestos, de modo que as marcas deixadas evocam a sua presença física. Assim, aparece em primeiro lugar o umbigo, o

19

mais próximo do conceito do «Eu»; seguem-se marcas lamacentas do nariz e da boca, uma mão, um braço dizendo «abraça-me», uma boca aberta e outra fechada, os gestos ecoam verbos como «rasgar», «prender», «abrir», e, por fim, a ideia que aqui se expõe, nomeadamente de que uma artista pode transmitir directamente uma experiência sensual sem palavras nem explicações.

A questão que aqui se pode abrir poderia tocar o campo ainda hoje pouco explorado de até que ponto o radar da percepção sensorial consegue reagir a sinais físicos-sensoriais que estejam para lá das explicações racionais. Talvez uma das chaves essenciais para compreender o trabalho de Ataíde, cuja percepção assenta tão directamente nos sentidos, resida exactamente nesta questão.

Considerando as mais recentes posições da teoria da arte, que, mais do que nunca, entende o corpo como uma unidade entre os sentidos, a mente e a presença física, baseando a contemplação nessas premissas, uma expressão como a transmissão directa de uma percepção sensorial parece agora óbvia. Mas o trabalho de Ataíde aparenta ir mais longe, dado que a artista faz dessa transmissão directa da experiência a medida do seu trabalho.

Quem toma o corpo como um todo, constituído por sensualidade, espírito e físico no centro da sua experiência e acção, define assim também uma medida, pois a presença de um corpo num espaço constitui uma medida, bem como orientação e proporção. Mas poderíamos ir mais longe e depreender daqui que cada acto de medir, em especial a avaliação através do próprio corpo, traz consigo um segredo: esse segredo reside no salto entre aquilo que é mensurável e aquilo que pode ser compreendido intelectualmente. O filósofo Edgar Wind cunhou a frase fundamental para a actual teoria da arte, de que o mensurável é heterogéneo para o pensamento. Podemos medir a distância entre algumas estrelas e, de certo modo, a dimensão do universo, mas não conseguimos imaginar aquilo que foi medido. Os trabalhos de Ataíde não são apenas testemunhas do tempo ou de uma experiência extraordinariamente sensorial. São também unidades de medida do seu próprio testemunho. Conseguem mostrar uma pequena parte daquilo que testemunharam. Mas o que podemos nós entender das extensões do deserto salgado, quando seguramos o livro de sal nas nossas mãos? O que podemos sentir dos ritos milenares do Ganges e da vida nas suas margens, quando tocamos nos desenhos de Durante o Rio? [pp. 48-49] Estes desenhos apontam para muito mais além do que eles próprios, no espaço e no tempo. Nestas dimensões, que os trabalhos conseguem abrir como unidades de medida, estes ultrapassam em muito a nossa compreensão intelectual. Mas é nesse salto que reside o seu encanto.

20

É, por isso, impossível para a artista predeterminar uma fase de trabalho. Porque tem de estar num estado de espírito particularmente equilibrado, tem de trabalhar com a máxima intuição, com uma harmonia que permita que as forças que convoca se desenvolvam livremente. Tem de conseguir ceder sem se anular e dar espaço suficiente para as flutuações que reanima. Isso significa que é exigido um equilíbrio excepcional.

Essa ondulação em sintonia harmónica torna-se especialmente visível, quando os desenhos do período de Depois do Rio (2005) [p. 50] têm uma relação tão forte com as grandes folhas de formato 145 ❌ 230 cm da série Com o Vento (2022) [p. 82]. Como se fosse um elogio ao movimento rodopiante, como se o modelo aqui tivesse sido a dança extática dos dervixes, cuja arte de meditação consiste, contudo, em conseguir pará-la em qualquer momento e regressar à realidade.

Ao mesmo tempo, parece que o virtuosismo da artista, que aprendeu com o rio e com o vento, aumentou ainda mais, como se dominasse ainda com mais habilidade a complexidade deste processo de pintura, como se fosse ainda mais versada no controlo da delimitação das energias que fluem e sopram. Como se William Turner tivesse pintado o movimento rodopiante de Loïe Fuller, assim parece um dos desenhos que nasceram Depois do Rio. Ninguém consegue realmente compreender como são feitos, mesmo sabendo que o pigmento indiano tem tendência para dissolver-se como aguarela, enquanto o pigmento europeu tende a aderir à superfície como pó. Mas quem quer fazer essa separação tão exacta? Demasiado fluido, demasiado flutuante, demasiado trémulo, o pigmento parece ligar-se à aguarela, demasiado leve, o pigmento parece pairar sobre a superfície agitada. Possivelmente podemos observar nos desenhos de Depois do Rio que os movimentos rodopiantes da figura central vermelha dão origem a rios de cor que escorrem para fora, numa ou noutra direcção. Os movimentos nos grandes desenhos de Com o Vento, pelo contrário, parecem flutuar e virar-se em diversas direcções. Os desenhos grandes podem bem ser vistos como um somatório do trabalho da artista. Dado que estas folhas são extremamente difíceis de manusear, é sempre necessário voltar a seleccionar os desenhos, é sempre necessário descartar alguns, até se formar uma pequena série de eleitos. Como uma marca do reconhecimento, porém, todos estes desenhos possuem uma zona em branco na borda superior do papel: foi por aí que Ataíde puxou as folhas de dentro da água corrente, depois de serem embebidas na água verde-musgo e seguradas ao vento com o pó do pigmento. Confiar no vento, saber quando sopra com força suficiente, mas sem ser em demasia, para que não abafe as forças da artista, faz parte da obra de arte. Também aqui o centro é

21

a medida certa, tal como um dervixe no seu êxtase, que tem de manter a medida certa, a fim de regressar à sua plena consciência em qualquer momento.

A presença de espírito está no centro deste trabalho – para a artista e para o observador. E talvez também para os próprios trabalhos, pois esse é o sentimento transmitido após longa observação.

22
> 2021, Residência artística na Viarco, São João da Madeira, Portugal Tread of a Thousand Monks , 2014-2015, Fundação Carmona e Costa, Lisboa | Lisbon
78
Livro de artista, Auto-retrato , 2006
79
80
(Im)permanências , 2009, Museu de Arte Contemporânea de Elvas, Paiol
82 Com o Vento #2 e #3 , 2022 > 2022 | No atelier em processo | In the studio, work in progress

Linha, linho, lençol, linha da vida, linha agónica, linha de flutuação

Maria Filomena Molder

A casa onde habita Cristina Ataíde

Entramos na casa onde habita a artista, não a casa que a viu nascer, mas aquela que ela construiu usando uma linha, que atravessa imaginariamente o mapa por desenhar da sua vida nos pontos em que esta está privada de magnetismo (sem declinação magnética), suspendendo nela uma bússola que se orientará sem hesitação para o norte verdadeiro1. Os grãos de limalha de ferro, que a artista desde 1998 recolheu e juntou, afectados irresistivelmente pelos estremecimentos da agulha, voaram céleres para o pólo atractor, formando cachos. Assim vejo como nasceu e cresceu esta lista de Ser Linha Ser [pp. 106-107], mostrada na exposição de 2015, com o mesmo título, sobre a qual conversei com Cristina Ataíde durante mais de uma hora2. Tudo o que escrevo aqui partiu dessa conversa, mas também a interrompeu, desordenou e desfez.

Ser é um verbo e também um substantivo. Nesta linha, ser é um acto que remete para uma vida, dando-se uma fusão do verbo com o substantivo, um magma de onde se soltam e escorrem incontáveis determinações: qualidades abstractas e concretas, personificações, possessões, valores morais, políticos, sensíveis, paixões, desejos, emoções, disposições sentimentais. Por um lado, ser não é ninguém; por outro, pode reconhecer-se em qualquer um de nós. Aqui, ser é um acto em actuação, a artista ela mesma. Como veremos, a última actuação é precisamente ser linha.

O que é uma linha?

Nascida do fio de linho, a fibra natural mais antiga e laboriosa, a linha também se dá bem com a corda e o cordel. Com os fios de linho, as linhas, tecem-se os lençóis (lençol vem de linteolum, em latim pedaço de pano de linho).

Ao ser traçada, a linha abre sulcos; há quem a faça correr como um fio de água. Linha é uma corda fina, traço ou marca estreita, alargando-se conforme se desenha (no papel, numa parede, na terra, em seda, em linho). Às vezes a linha sublinha, i.e., acrescenta traços sob os traços.

No início, a série de motivos Ser Linha Ser pareceu-me formar uma linha quebrada, depois vi nela uma linha tracejada, não tanto em sentido geométrico como nos usos mais antigos e na etimologia latina: tracejada vem de tracto que significa manejar, tocar, dedilhar, traçar, verbo, por sua vez originado de tractus: trilho, curso; delimitação por meio de traços; rastro. Relacionada ainda com o ver-

1 Aplicando ao caso a definição de «linha agónica» em geofísica: linha imaginária na superfície da Terra ou linha num mapa, que liga os pólos magnéticos norte e sul e que passa pelos pontos em que não há declinação magnética e onde uma agulha magnética, livremente suspensa, indica o norte verdadeiro.

2 Fundação Carmona e Costa, no dia 12 de Setembro de 2015.

85

bo traho, que tem o sentido de puxar, arrastar; estirar; dar um traço. Geometricamente falando, a linha é um ponto que se desloca no espaço, e que inclui as suas possíveis posições, uma geometria dinâmica. Na escrita, a linha é a sequência horizontal das palavras (horizontalidade respeitada integralmente pela artista nesta série). Porém, nos grandes desenhos em papel, intitulados Ser Linha [pp. 108-111], surpreende-se a linha perpendicular, a linha com peso e porte, a que se deixa cair e se pendura. A etimologia é dupla, de perpendeo, balançar com cuidado, ponderar, e de pendeo, suspender, que inclui estar suspenso de uma palavra, perplexo; e ainda pendurar, sopesar (desses desenhos se falará mais adiante). Aqui, entram bem as maravilhosas marcas d’água, irmãs das veias que uma pele translúcida deixa ver.

Algumas linhas chamam por nós, em primeiro lugar a linha da vida, sempre a vincar-se nas nossas mãos (na esquerda, o que nos foi dado; na direita, o que nós acrescentamos), inseparável da linha do tempo e da linha de fuga. E, para lhe dar guarida, a linha do horizonte, aquela em que o céu se deixa cair sobre o mar ou uma planície, a linha que nunca se demora num lugar, que avança enquanto caminhamos ou navegamos (lembro uma escultura de 2011, precisamente intitulada Linha do Horizonte [p. 103]). Para quem navega há uma linha-irmã, a linha de flutuação, aquela que se desenha subtilmente entre a parte imersa e a parte emersa de um navio. Também se chama linha de água. Na obra de Cristina Ataíde, em outras exposições, anteriores e posteriores, esta linha desloca-se para a suspensão dos barcos e o pigmento vermelho que cobre o seu interior. Protegidos secretamente pela cor, os barcos flutuam no ar (veja-se a obra de 2003 (Im)permanências [pp. 80-81]).

Na infância gostamos de saber que os comboios correm suspensos sobre linhas (que equilibristas!). E o anel, a maravilhosa linha curva que se enrola nos nossos dedos, testemunho de amor e, nas histórias antigas, sinal de hospitalidade, promessa de reencontro como no Romance da Nau Catrineta. A linha também segrega a linhagem, que é o que nos agarra aos que já não vivem connosco a não ser no coração. E então o tira-linhas, o mágico que, nas aulas de desenho, fazia sair da cartola todos os sulcos e cursos? Não são de esquecer os desastres quando, em vez de tirar uma linha, o tira-linhas deixava cair um borrão, que sob forma explosiva é protagonista nalguns dos desenhos intitulados Eclipse [pp. 112-115].

No seu conjunto, a exposição evoca, convoca e exprime, outras tantas variações, estes movimentos e tensões, expelindo um desenho (im)permanente, fluido, ondulatório como nos Auto-retratos [pp. 116-117] de 2006.

86 ser
ser trans -
linha ser espaço ser tempo ser desenho ser vida ser sangue ser corpo ser desejo ser coração

Pequeno dicionário em forma de diálogo

Cada linha, cada fio, faz parte de uma meada, que se desdobra, se propaga e se emaranha. Quer dizer, a lista de ser isto e aquilo é uma lista de linhas, em que se surpreende uma teia a despontar: apronta-se um tecido vivo, uma vida. É sempre uma questão de escolha súbita, sem saber, dando mais por umas linhas do que por outras, esquecendo estas e agarrando-se àquelas. Uma e Outra encarregam-se de o mostrar.

UMA – O que achas da transcendência?

OUTRA – Assim perguntado, não sei. Convém lembrar que se trata sempre de ser qualquer coisa, neste caso, transcendência.

UMA – Tens razão, há sempre alguém que está a ser, e não é um alguém qualquer.

OUTRA – Embora nada impeça que o seja.

UMA – Sim, mas não vou por aí. Para mim, tornou-se cada vez mais claro que é ela, a artista, que está a jogar este jogo consigo própria, sem precisar de um detector de mentiras.

OUTRA – Voltamos ao início?

UMA – A ser transcendência?

OUTRA – Vieram-me à ideia três coisas: vencer-se a si própria; ser vencida por outrem e aceitar; e êxtase.

UMA – E o próximo lance, qual será?

OUTRA – O acaso trouxe-me uma sequência quase natural: ser passividade.

UMA – Qual foi o desdobramento que te ocorreu?

OUTRA – Ser ferida, ser afectada, ser quieta, ser mansa.

UMA – Agora escolho eu. São três lances, que talvez formem uma constelação: ser escravatura, ser escravidão e ser fúria. Por um lado, a referência a um sistema político-económico-religioso de sujeição que apaga qualquer vestígio de igualdade humana. Por outro, a situação de ser sujeita à decisão da força alheia nas teias da vida, por exemplo, na dependência amorosa ou outra. Finalmente, ser fúria, aquele reagir a qualquer outro, súbito e insubmisso, com gestos que se abatem como vagas de um mar proceloso ou irrompem como lava ardente. Fúria é das poucas palavras que se repetem. No caso, pelo menos quatro vezes.

OUTRA – Muito curioso, sim. Talvez a resistência que se observa nesta série Ser Linha Ser tenha a ver com um furor heróico, criativo. Deixa-me passar a uma figura única, que reúne quatro variações do tesouro de cada um: iniciar-se na vida, a saber, ser infância, ser criança, ser brinquedo e ser criancice. Seguirei

87

a ordem: a infância não é uma idade da vida, mas o salto que se segue ao nascimento, capaz – assim me ensinou Benjamin – de uma tarefa redentora: lembrar-se do novo (os adultos não conseguem lembrar-se do novo, isto é, convertê-lo em matéria simbólica, só se tentam adaptar a ele); criança, aquele ser em que a espontaneidade está sempre desperta, que não pára de se surpreender, que conhece o inebriamento em estado nascituro; brinquedo, a boneca de trapos, o pião, o espelho – realeza da criança, cuja matriz mítica é Dioniso antes de ser despedaçado pelos Titãs; ser brinquedo: entrar no jogo, aceitar ser marioneta; ser joguete (neste «ser brinquedo» há, mais intensa do que noutros casos, uma dimensão trágica); criancice, a eterna imaturidade (traço que age, incansável, nos artistas).

UMA – É a minha vez. Escolhi coisas que dizem respeito às mulheres (se bem que, o que é muito inesperado, nem a palavra mulher nem a palavra homem entrem nesta lista): ser feminina e ser feminista. Para a primeira, lembrei-me logo de menstruação, maternidade, maquilhagem (aliás, também aparecem: ser menstruação, ser óvulo e ainda ser sémen). Para a segunda, o que está em causa é a insuficiência: não basta ser mulher, é preciso defender a mulher, as mulheres (sempre no plural), que as mulheres se defendam.

OUTRA – Encontrei outro caso único, mas de uma outra ordem, não uma constelação ou um tema com as suas variações, mas aquela escassez, aquela redução, que nos detém: um só animal, uma só planta (flor), uma única cor, uma só estação: ser águia, ser rosa, ser vermelho, ser Estio. Desde tempos arcaicos até aos Evangelhos e aos clubes de futebol, a águia é o primeiro de uma sequência de animais-padrão, tutelares (os outros são o leão e o touro). Ave solitária, predadora, a águia voa no longínquo, vive nas montanhas. Sem porquê é a rosa: «A rosa é sem porquê / floresce porque floresce. / Não cuida de si mesma / não pergunta se alguém a vê» (Angelus Silesius). Também é um mote que retorna, uma forma de ritornello: «uma rosa é uma rosa, é uma rosa» (Gertrude Stein). Sim, não é sem razões que a rosa é a única flor desta lista de ser. Quanto a ser vermelho, desde o início que esta cor acompanha a arte de Cristina Ataíde, «a cor mais cromática», no dizer tão certeiro de Claude Lévi-Strauss. No primeiro dia do Estio (palavra que quase caiu em desuso, costumamos dizer Verão, mas ainda se ouve estival), a declinação solar atinge o extremo máximo. No primeiro dia de Inverno essa declinação alcança o extremo mínimo, que maravilhoso equilíbrio especular, não achas?

88 formação
ser
ser silêncio ser abismo ser solidão ser ausência ser grito ser frio ser isolamento ser viagem

UMA – Acho, e o nome astronómico do início de ambas as estações – Solstício3

– também contribui para a maravilha: nos dois casos assiste-se a um estacionamento do Sol.

OUTRA – Recomeçando, no Estio o ouro tem o seu reinado, fica tudo muito dourado. E talvez sossegado. 4 A calma, uma palavra muito antiga e muito usada na poesia renascentista. No verso de Sá de Miranda: «O sol é grande: caem co’a calma as aves», talvez o mais belo em língua portuguesa, esse uso está bem à vista: a calma é a exalação do Estio, do seu calor silencioso e adormecente, a Terra está a ver se recupera as forças e põe-se muito quieta.

UMA – Sede, transparência, limpeza, purificação, fluidez, remoinho, escoamento, correria, maré, fonte, foz: eis os usos que achei para ser água. E ainda os astros, ser Lua e ser Sol, cujo vínculo com a actuação de dois metais, ser prata e ser ouro, é arcaico. Ambos vêm do fundo da terra, mas o ouro também se dá bem com a água dos rios. Prata, um metal precioso muito susceptível à oxidação, matéria dos belos dedais da costura e das taças lavradas das histórias de encantar.

Também um dos metais do despertar alquímico, irmã do brilho lunar. E o ouro, metal precioso quase incorruptível pelo oxigénio, da cor ofuscante do Sol; no processo alquímico, o metal da sublimação suprema.

OUTRA – Decidi reunir ser imaginação com ser teia, pois encontrei entre eles um vínculo de parentesco. A imaginação tanto é uma mão que agarra as imagens (Aristóteles), como um lugar onde chove abundantemente (Dante), e ainda a fonte do gesto que nos permite pormo-nos no lugar de qualquer um, sem o podermos ocupar (Kant). Elevada a rainha das faculdades, não se confundindo com nenhuma das outras, a imaginação atravessa-as todas, chegando a substituí-las (Baudelaire); capaz de desdobrar paisagens como um leque que se abre, o seu poder de deformar é abissal (Benjamin). Quanto a teia, como é natural, pensei de imediato na aranha, na teia da aranha, cujo fio, levíssimo e resistentíssimo, sai do próprio corpo. A sua geometria labiríntica é amiga do ar e das suas coreografias. Lugar de atracção e morte e fonte de incontáveis imagens, que entraram numa das invenções humanas mais férteis, a tecelagem, logo aplicada ao cosmos inteiro, à vida inteira.

3 Segundo informação do site do Observatório Astronómico de Lisboa, Solstícios são pontos da eclíptica em que o Sol atinge as alturas (distância angular) máxima e mínima em relação ao Equador, isto é, pontos em que a declinação solar atinge extremos: máxima no solstício de Verão (+23° 26’ e mínima no solstício de Inverno (-23° 26’). A palavra de origem latina (Solstitium) associa-se ao facto de o Sol travar o movimento diário de afastamento ao plano equatorial e «estacionar» ao atingir a sua posição mais alta ou mais baixa no céu local.

4 Todas as frases e expressões em itálico no corpo do texto, que não são títulos de obras, exposições e/ou de livros, pertencem a Cristina Ataíde. Elas são testemunhos da conversa havida e funcionam como cesuras rítmicas.

89

UMA – A mim interessaram-me duas disposições sentimentais, nascidas do abismo do coração humano, ligadas a questões morais e religiosas: ser vergonha e ser humilhação. No primeiro caso, não poder evitar as nossas fraquezas; desejar ser dispensado da violência que é feita contra nós, associada à culpa. Não infligir essa violência aos outros: eis a primeira exigência (Nietzsche dixit). Um dos seus agentes é a humilhação. Há quem tenha achado que é possível ser humilhado e não se sentir humilhado, um poder que aquele que humilha não está preparado para reconhecer (Etty Hillesum).

UMA – A propósito, retiro da linha dois actos associados: ser sacrifício e ser delito. No primeiro, sobressai a renúncia e o ser obrigado a renunciar, preparando a condição de vítima até à imolação. No segundo, eleva-se a inadaptação, a recusa de obedecer, a narrativa do delinquente, que num certo desenlace pode tocar o crime.

OUTRA – Olha, agora três actos e uma ausência. Vamos aos actos: ser deserto, senhor do vazio, da sede, da solidão, do sol ardente, da noite pejada de estrelas coalhadas pelo frio; mas também lugar onde se espera, onde se aprende a aceitar. Para ser solidão, uma única coisa me ocorre: ninguém pode nascer nem morrer em vez de mim. Como acto, ser vazio é uma disciplina: deixar cair, respirar mais devagar, comer menos.

UMA – E qual é a ausência? O que é que falta?

OUTRA – O acto de ser nada. Fiquei admirada.

UMA – Ah, mas talvez haja razões, vamos esperar. É muito instrutivo que ser nada tenha ficado fora das actuações: mas não sentes que essa ausência se imiscui entre todas as formas de ser e as transforma em suas variações, metamorfoses, prolongamentos e transfusões? E já agora arremato com ser chaga, ser pus e ser dor. Primeiro, a mancha que alastra e faz doer, a ferida por fechar e a sua cicatriz. Segue-se a segregação da ferida, da sua infecção e a dor que a acompanha. Que a vida seja dor, é uma evidência que vem de tempos antigos, para Nietzsche esse é o segredo segregado pelo excesso, pela abundância de energia vital entre os Gregos. A alegria é o seu único antídoto (só agora me apercebi de que não encontrei ser alegria nesta múltipla linha da vida, que estranho!).

OUTRA – De repente, lembrei-me daquele dito de Jean-Jacques Rousseau de que só a alegria pública é verdadeira (pública como oposto de privada), portanto, para a alegria ser verdadeira não basta haver um. O que se conjuga bem com ser companhia, a condição da comunidade. Quer dizer, o inferno não são os outros. E, por contraste, chamei ao caso ser melancolia, aquela espécie de tristeza que fustiga o corpo e a alma e se intromete em todos os seus poros, geradora de

90
ilha
ser
ser ruga ser história ser sonho ser evasão ser criança ser mudança ser teia ser dor ser intimidade

um vazio que não casa bem com deixar cair, por isso o melancólico não conhece a leveza do esquecimento. A atmosfera da sua solidão é álgida, o frio da morte sopra devastador.

UMA – Finalmente, aqueles gestos mágicos em que as coisas inanimadas agem tão espontaneamente como se fossem vivas: uma porta que se abre e se fecha, por onde se entra e se sai; à qual se bate e que se abre para deixar entrar. Assim também se passa com a janela, aberta ou fechada, ela é uma abertura por onde entram livremente o ar, o vento, a luz, a chuva. Por magia do desejo de habitar, a artista também se torna porta e janela.

OUTRA – E ainda se pode ler: ser nudez, ser ilha, ser labirinto, ser noite, ser estrela, ser arma.

UMA – A juntar a ser fértil, ser metamorfose, ser vertigem, ser génio, ser bulímica, ser repulsa, ser víscera, ser romântica, ser racional, ser vigília, ser misógina, ser perversidade, ser puritana, ser ninfomaníaca, ser aurora, ser crepúsculo... Aqui, sobressai o contraste entre ser isto e o contrário disto, vê-se melhor a polaridade que reina em toda a série, isto é, não se pode dispensar nenhum acto de ser, nem a chaga nem o pus, nem a solidão nem a companhia, nem puritana nem ninfomaníaca, nem a porta nem a janela, nem a melancolia nem a humilhação, nem a escravatura, nem o sémen nem a menstruação. Já se percebeu que a lista é infindável, nunca mais acaba.

OUTRA – E só acabou por haver medidas do tempo e do espaço. Na verdade, trata-se de um movimento que empurra a artista, imparável e fragmentário, guiando-nos numa corrida de longo curso. Aliás, os seus efeitos ainda se observam em séries posteriores compostas também por uma lista de palavras, mas onde o senhorio pertence ao pó5. Quem escreve voltará a isto.

UMA – Também reparei nessa transição. Já agora em Ser Linha Ser, a actuação ser pó surge duas vezes, às quais se acrescenta uma outra: ser poeira.

OUTRA – Gosto dessa diferenciação. Para mim, o pó é cósmico (também se chama assim a uma droga ou chamava-se), mas também é uma coisa que se deposita nas nossas casas e se limpa. A poeira é infantil, descobri-a em pequena quando o sol entrava no meu quarto, os raios do sol transportavam ínfimos grãos que luziam no ar. Há ainda a poeira dos caminhos. Tanta poeira! Para mim, o pó e a poeira nunca foram iguais (risos).

91
5 My Body in Dust, de 2006-2020, série da exposição Dar Corpo ao Vazio/Embodying the Void, 2020, Museu Colecção Berardo.

A astúcia da simplicidade: da frottage à colagem (ou incorporação)

Cristina Ataíde é viajante, recolhe vestígios de outras culturas, como o barco português que no século XVI velejava entre continentes, levando sementes e frutos de um lado para o outro. Na sua arte operam técnicas muito simples e, ao mesmo tempo, muito subtis, vindas de tempos arcaicos (pré-históricas mesmo), onde se incluem os ofícios, desde a cerâmica à culinária; e também próprias dos hábitos infantis de agir com elementos e de os usar: água, lama, tintas, riscar, colar, esmagar. O que é que temos nesta sala? Um conjunto de decalques, frottages, do chão [pp. 118-123], os passeios de certas ruas, em lugares familiares como o Chiado na proximidade da Escola de Belas-Artes, onde Cristina Ataíde estudou; ou em lugares periféricos, como é o caso da Rua das Amendoeiras, cuja destruição foi equivalente àquela que se exerceu neste lugar onde estamos – a Fundação Carmona e Costa –, o antigo Bairro do Rego, a Rua dos Arneiros, em particular. Quem não o conheceu não poderá avaliar sentimentalmente as transformações sofridas devido a um planeamento urbanístico ávido e inclemente. Ou ainda, mudando inteiramente o registo, o belo Miradouro do Monte Agudo, que fica no alto do Bairro das Colónias (composto por exemplos de art déco e modernismo arquitectónico, de salientar o arquitecto Norton Júnior). Embora esteja encavalitado em ruas íngremes de uma das colinas sem nome de Lisboa, e de modo muito exposto, pertence-lhe um carácter secreto. No alto da colina, o Miradouro, cujo acesso só por artes mágicas parece viável, é uma alucinação viva desse secretismo.

Nestas frottages observamos uma tendência do ângulo recto e das linhas rectas para se tornarem curvas6. Trata-se de recolher a pele gasta do mundo, o chão de Lisboa. Aqui, o que salta à vista é que o chão foi pisado, está cheio de passos, passos de pessoas que passaram, que hão-de passar e até de pessoas que já não poderão passar, vestígios que impregnam as pedras da calçada, os seus desenhos, e a parafernália de tampas do gás, da electricidade, dos esgotos (há dezenas de padrões diferentes), que ocultam as forças energéticas e os canais de despejo, espalhados por toda a cidade, alimentando a sua voracidade e já resultado dela. Se mudarmos de sala, surpreenderemos nos 28 desenhos, intitulados Tread of a Thousand Monks [pp. 72-77], uma outra expressão dos vestígios dos passos, agora movimentos rituais energeticamente guardados nas pétalas pisadas por mon-

6 Nas máscaras de 2022 – exposição …dos Rios Voadores, MAMAM – Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife –, onde o elemento dramático é soberano, também os ângulos se encurvam, acompanhando as saliências dos rostos a que se destinam.

92
alma ser identidade ser nudez ser renúncia ser tesouro ser ferida ser tristeza ser incerteza ser esperança

ges budistas numa cerimónia religiosa na cidade de Ayutthaya. Eis a sua história, antiga capital da Tailândia, Ayutthaya foi invadida e destruída pela Birmânia no século XIII. Muitos templos ficaram em ruínas e ainda se mantêm assim, não foram reconstruídos. Nessa cidade continua a viver gente e aquela cerimónia religiosa é um testemunho disso. Portanto, observa-se uma relação entre as ruínas, efeitos de uma invasão violenta, o elemento agónico, violento, e a leveza dos movimentos religiosos, o carácter efémero das pétalas, a sua beleza. Se o vestígio é uma especiaria indispensável na cozinha desta respigadora, já as ruínas, os destroços, os restos de violência – e isto mesmo quando houve precedência da destruição – são transfigurados através das pétalas pisadas, convertidas numa espécie de infusão pictórica. Em todo o caso, é evidente o elemento sacrificial. Falta sublinhar, além das cores das pétalas, o vermelho da passadeira onde elas foram piedosamente lançadas para o ritual e o açafrão das vestes dos monges. Não será de mais sublinhar a potência da escala cromática destes desenhos, com as suas múltiplas variações do vermelho ao amarelo até ao seu quase desvanecimento.

Nem programa nem acaso. Frottages e gesto astronómico

Não sei se Cristina Ataíde é dada à crença em coincidências, mas o acaso não é o primeiro actor da sua encenação que, por outro lado, se manifesta por um gesto antiplanificação, outras tantas recolhas de passos, de pegadas, daqueles que atravessaram estas ruas, manchas onde se desenrolavam as suas vidas. É uma cartografia de vestígios, o contrário de um mapa em sentido moderno. Sem ácido nem metal nem buril, as frottages são uma espécie de gravuras. Lembram-se como nós fazíamos na infância? Púnhamos uma moeda debaixo do papel e, riscando por cima, fazíamos aparecer todas as marcas da moeda com as suas pequeníssimas depressões e saliências, era assim a nossa riqueza.

Pela frottage, o acto de recolher vestígios ganha profundidade, o que não só impede a planificação, como se torna antiplanificação. O que à primeira vista parece contraditório na própria feitura, porque aparentemente estamos no contexto de uma restituição da planificação urbanística. Porém, trata-se de pôr isso mesmo em causa, a artista entra por essa planificação dentro e anula-a, através do gesto arcaico e próprio da infância, recuperando a imaginação dos caminhos.

É possível ver nestas  frottages uma variação de um gesto astronómico cosido àquela inclinação sobre o chão, uma intimidade com o longínquo espacial. Nesse debruçar-se engendra-se uma lonjura, o chão torna-se sideral. Daí se

93

explica que as séries intituladas Eclipse lhes façam tão boa companhia. Esta é a sala antiplanificação que prepara o olhar astronómico.

Eclipses dentro de uma caixa

Segundo a doutrina astronómica, um eclipse é a ocultação passageira de um astro (Sol ou Lua), produzido pela interposição de um outro corpo celeste (entre esse astro e a fonte de luz – o Sol – ou entre esse astro e o ponto de observação, a Terra). Daqui solta-se o contraste entre os nossos olhos efémeros, e amigos das variações da perspectiva, e a duração eterna.

Olhemos agora para a mesa com a caixa onde se guardam os desenhos e a esfera negra, é uma das peças intitulada Eclipse [pp. 112-115], e está ligada ao Observatório Astronómico de Lisboa, um exemplo maravilhoso de arquitectura do final do século XIX, instalado na Tapada da Ajuda. Que Cristina Ataíde tenha escolhido o mesmo lugar para ter o seu atelier, é qualquer coisa que origina e já está originada numa afinidade com os mistérios da luz e da escuridão desenhados pelos movimentos que povoam o firmamento e com tudo o que na Terra se associa a isso.

Nesta sala, à geometria da esfera sólida seguem-se as suas planificações em guache num papel oferecido pelos astrónomos do Observatório: umas folhas usadas cheias de anotações com as declinações das estrelas (elas não têm nome, são numeradas), às vezes com a observação: «hoje não foi avistada» (devido a nevoeiro, nuvens, etc.); e folhas por usar («electrónica oblige»), que parecem ter sido feitos para a artista trabalhar nos seus exercícios preparatórios dos eclipses.

Em sentido astronómico, as declinações das estrelas referem-se aos movimentos circulares que elas realizam, anotados por dias e horas. Em certas línguas, como o latim, as declinações referem-se, gramaticalmente falando, a casos, isto é, o valor das palavras conforme a função e o lugar que ocupam na frase. Esta polaridade da declinação casa bem com Ser Linha Ser, exposição que contém um elemento astronómico e cósmico muito forte e, ao mesmo tempo, como já se viu, uma adesão terrestre aos passos de quem anda na rua, se move numa coreografia ritualística sobre flores ou se embrenha no rastro das suas próprias palavras. Portanto há um duplo endereçamento, à astronomia e às rugas da terra, o chão que pisamos, e as palavras que desenham a linha da vida: amor do longínquo, obediência à proximidade.

94
hesitação
ser poder ser segredo ser alegria ser dádiva ser amor ser compaixão ser diferença ser vermelho ser

Guaches e alquimia

Convém não esquecer que as séries desta exposição se dividem entre dar voz ao título da exposição, Ser Linha Ser e chamar-se Eclipse. Vale a pena olhar de novo a série de guaches guardados numa caixa, nos quais se conjugam o preto, branco e o vermelho, cores mestras que evocam o universo alquímico: as fases espirituais do  nigredo, do  albedo e do  rubedo [pp. 150-151]. Na alquimia, depois do seu estado inicial de enegrecido, escurecimento, «noite escura da alma», nigredo, a matéria passa pelo estado argênteo da lua, albedo, depois na alba, antes do nascer do sol, momento da purificação, do despertar, torna-se rubedo, o que corresponde à elevação do fogo à sua mais alta intensidade, um intensificar da transmutação da matéria original, a obra ao vermelho, o estado de iluminação. Intensificação que, astronomicamente, coincide com o momento em que o Sol está para nascer. O momento em que a energia mais concentrada vai surgir, aquele em que o clarão ainda não brotou e nós podemos olhar sem ficarmos cegos. Eis um exercício, uma espécie de terapia da visão: olhar para o Sol imediatamente antes de ele nascer. É maravilhoso no deserto [pp. 148-149]. Por causa da força, da energia e da cor, não é? E da solidão…

Um óculo para ver para dentro Como já sabemos pelo diálogo entre UMA e OUTRA, na lista de Ser Linha Ser nunca aparece «ser nada», embora possamos ler «ser solidão» e «ser vazio». O que é duplamente instrutivo. Por um lado, porque é impossível não detectar em todas as actuações em série, seja por absorção seja por expansão, um encaminhar-se secretíssimo para o nada. Aqui, recorro a uma série posterior, My Body in Dust [pp. 146-147], mostrada na exposição realizada em 2020, Dar Corpo ao Vazio/Embodying the Void, já referida por UMA, que vem confirmar esta antecipação. Nesta série observa-se o encaminhamento para o nada através da redução a pó de cada coisa ou ser ou actividade ou faculdade. À redução associa-se uma visão simétrica do pó de tudo isso a cair (uma falsa simetria). Trata-se de novo de uma consciência aguda de si como ser em devir, mas agora tudo é da artista, tudo é dela, tudo é «meu». Esta pertença, porém, não tem a ver com propriedade, antes com um movimento de deixar-se arrastar na impermanência universal. As frases são numeradas, eis dois exemplos: «1. pó do meu coração 2. o meu coração em pó» e «107. Pó dos meus ovários 108. os meus ovários em pó». E, por outro – o que é talvez mais relevante –, porque a relação entre ser e nada foi convertida em escultura, um óculo astronómico (em mármore de Estremoz) muito peculiar, pois através dele não se pode

95

olhar para nenhum astro muito distante. É que ele parece ter sido concebido para se ver o que está diante dos olhos, até onde eles podem ver. Porém, quando espreitamos acontece uma coisa que não acontece com nenhum outro óculo, surpreendemos o interior do óculo povoado de montanhas e de depressões, paisagens que se movem no imóvel.  Ao fim ao cabo é um óculo para ver para dentro. Sim, o que está dentro vem ter connosco ou perdemo-nos nas paisagens que estão dentro. O óculo chama-se Ser e Nada [pp. 152-153].

A arte como instrumento e a pequena estampagem de nada

Imaginei um encontro entre Bill Viola e Cristina Ataíde (inesperado será só para aqueles que não sabem esperar).

Primeira cena. Ele falaria daquilo que tem aprendido com os seus vídeos. «E o que é?» pergunta ela. Responde ele, «Que ultrapassa aquilo que é suficiente para continuar a fazê-los.» «E, então?» insiste ela. «É que o vídeo é só um instrumento...» Ela interrompe: «Para ver qualquer coisa sobre a vida e sobre ti próprio?» «É isso.»

Segunda cena. É ainda ele que começa: «Imagina o que descobri nas minhas leituras sobre o funcionamento do cérebro.» «Sim, é apaixonante e surpreendente», concorda ela, adiantando-se-lhe já. «É que,» continua ele, «todos os neurónios estão desligados uns dos outros, começando e terminando com um pequeníssimo quiasma de espaço vazio.» E ela comenta: «Qualquer coisa de imprevisível, não é? O nosso cérebro a ajudar-nos a abrir finíssimas brechas entre as nossas convicções, que se costumam agarrar umas às outras, formando uma pasta agreste.» «Sim», concorda ele, acrescentando: «Todos os nossos pensamentos têm no seu cerne esta pequena estampagem de nada.» Ela promete entusiasmada: «Vou já oferecer-te o meu óculo.»7

Os acidentes felizes

Neste ponto é bem-vindo um regresso à lista das actuações ou palavras em estado de performance. De vez em quanto há acidentes, que não foram desejados, mas para o leitor é um momento de recreio, estabelecem-se primazias, qui pro quo, jogos de linguagem atrevidos, por exemplo:

7 Quase todas as deixas de «ele» procedem de «Statements by the Artist» (edited by Julia Brown, Summer 1985, Los Angeles Museum of Contemporary Art, 1985) in Bill Viola, Catalogue Bill Viola. Installations and Videotapes.

96
ser
sobrevivência ser pele ser mãos ser lágrimas ser semente ser sémen ser êxtase ser lealdade ser ciúme

ser ventoser ânsia serarmadilha ser ser decepçãoser tédio serdinâmica ser assombro sertestemunha ser ascetismo

Terror fisiológico e terror ritualístico Aqui, vamos ter com o filme de Antonioni, O Eclipse (1962), no qual também se desenrola uma relação entre a esfera astronómica e o chão que pisamos. Enquanto preparava o filme, no mesmo ano, assistiu a um eclipse do Sol em Florença e filmou-o. As suas notas sobre essa experiência colocam-nos de imediato in media res, isto é, nas sensações desencadeadas, cuja pulsação irá instruir o filme, ainda antes de ele se achar definido:

Silêncio diferente de todos os outros silêncios. Luz terrestre diferente de todas as outras luzes. E depois o negro. Imobilidade total. Tudo o que sou capaz de pensar é que, durante o eclipse, provavelmente os sentimentos se imobilizam. Trata-se de uma ideia que tem vagamente a ver com o filme que preparo. É mais uma sensação do que uma ideia. Mas que define já o filme, no momento em que o filme está ainda longe de ser definido.

Entre o silêncio, a imobilidade inteira dos corpos e dos sentimentos e a luz negra: eis a atmosfera que se respira durante um eclipse do Sol [p. 154], tal como Antonioni nos diz. Sim, quando se dá um eclipse do Sol, não há nada que não fique no silêncio, na expectativa, no terror animal puro. Em Propos sur la nature, Alain estabelece uma diferença entre o eclipse da Lua e o eclipse do Sol. Enquanto este produz um terror animal, um terror fisiológico, aquele terror que se apodera de nós ao imaginarmos a meio da noite que o Sol não voltará a nascer, o terror gerado pelo eclipse da Lua é de natureza religiosa, tem mais a ver com a possibilidade de ritualizar. O terror do eclipse do Sol imobiliza, não permite a ritualização, é como ficar sem saliva, ficar cego, ficar surdo, sentimos uma ameaça da qual ninguém nos poderá salvar. Pressente-se na diferença de pigmento dos Eclipses em explosão, vermelho e preto, respectivamente a eclosão do ritual lunar e a da ameaça solar. Todos nós já assistimos a alguns eclipses do Sol, até totais, de repente a luz torna-se espectral, parece que a morte acabou de descer sobre a Terra. Em todas as visões em que se sente o terror da morte a descer sobre a Terra, essa luz aparece, por exemplo, no Apocalipse de São João.

97

Arte e natureza

Para Goethe, a partir do momento em que uma obra de arte nasce começa a pertencer à natureza, no sentido mais subtil (enquanto crescimento, metamorfose, estado nascituro permanente). Benjamin deve ter lido esta Máxima. Ora, apesar de se poderem encontrar em Benjamin ligações entre arte e história, arte e redenção, as artes, mesmo a poesia, parecem votadas a pertencer à linguagem muda da natureza, cuja intimidade obscura e anónima partilham, o que se aprofunda e desenrola na carta de 9 de Dezembro de 1923 a Florens Christian Rang, onde se apresenta a ideia de que a arte não nos salva da nossa noite, só a ilumina como as estrelas na noite cósmica.

Segundo fomos informados, há quinze dias (finais de Agosto de 2015), a Terra começou a contagem decrescente, i.e., há quinze dias, a Terra gastou mais de metade dos seus recursos, agora está a gastar a outra metade. Esses recursos incluem os animais e as plantas desaparecidos para sempre, as pedras, as montanhas devastadas, a água apodrecida, o ar envenenado.

Na arte da Cristina Ataíde, a que eu evitaria qualificar de ecológica, age penetrante uma atenção sem desfalecimento às coisas da Terra, às coisas do céu e à relação entre elas, que passa por uma série de símbolos muito arcaicos surgidos em culturas várias, com particular ênfase para a Índia e para o Brasil, e por uma série de gestos, sempre herdados, em particular da infância, a que se acrescenta o uso das palavras enquanto séries de linhas, sinais, e enquanto submergidas pelas manchas de pigmento. É inegável que para esta artista a relação entre arte e natureza não é uma tese teórica, mas uma evidência, uma potência do sentir e do agir.

Sinal e mancha

Chegou o momento de salientar o singular percurso percorrido por Cristina Ataíde, desde 2015, nas peças em que a palavra é o instrumento primeiro. Em Ser Linha Ser, a terceira pessoa rege o gesto de ser. Entre 2006 e 2020, com a série My Body in Dust, dá-se, por assim dizer, a combustão da terceira pessoa acendida pela mecha da primeira pessoa (meu coração, meu óvulo...). Finalmente, na série Salva-me, vemos a segunda pessoa a entranhar-se nas máscaras pretas e vermelhas da lista Salva-me [pp. 143-145]. Aqui, a artista dirige-se a alguém em forma de pedido: «cura-me», «ama-me», «respira-me», «ouve-me», «canta-me», «murmura-me», «chora-me», «desenha-me». Não pode deixar de ser lembrado que é esta precisamente a ordem histórica dos três géneros poéticos na Grécia, nascidos da diferenciação dos pronomes pessoais em conjunto com as pessoas verbais: ele, eu e tu (poesia épica, poesia lírica e poesia dramática).

98
ser
firmeza ser evanescência ser tempo ser perda ser descrença ser experiência ser penitência ser catarse

Há uns poetas, como Zanzotto e Michaux, que acreditam que a pintura está mais próxima da natureza e acaba por fazer parte dela. A palavra, pelo contrário, conhece um abismo, a palavra nunca é natureza. Há outros poetas, que não são dilacerados por essa aflição: Dante e Carlos de Oliveira, por exemplo. Outros ainda, como Kleist, nem sequer precisam de evocar a pintura para sublinhar o abismo da palavra, pois temem o perigo de a palavra obscurecer o espírito, ansiando por um poema sem palavras.

Porém, Cristina Ataíde não é poeta e, portanto, não é dilacerada, como Zanzotto e Michaux pela distância incomensurável entre ver e falar ou escrever, mas também não conhece a intimidade entre um acto e outro, observável em Dante e Carlos de Oliveira. Quanto ao caso de Kleist, ultrapassa já qualquer comparação.

Para chegar ao seu modo de caminhar, convém recorrer ao texto «Mancha e Sinal» de Walter Benjamin, onde se mostra como é fácil na língua alemã passar de Zeichen, sinal (um risco, um traço, uma linha, uma palavra desenhada), para Zeichnung, desenho; e também de Mal, mancha ou chaga, para Malerei, pintura. Por conseguinte, em alemão vê-se logo a relação entre sinal e desenho, mancha e pintura. Em português é mais difícil, embora se fôssemos à raiz etimológica de pintar também encontraríamos na raiz sânscrita a lepra, uma mancha que corrói a pele. A seguir se verá como sinal e mancha se sobrepõem na cozinha e no atelier de costura de Cristina Ataíde.

Uma receita de cozinha e trabalhos de costura Fiquei muito curiosa em saber como é que aqueles Eclipses2 [pp. 158-159], explosões de energia negras e vermelhas, tinham sido feitos. O procedimento é o seguinte:

1. molha-se o papel;

2. coloca-se por cima uma forma (redonda, uma forma para bolinhos, ou quadrada, um azulejo);

3. deixa-se cair o pigmento que penetra na folha;

4. salpica-se com água;

5. retira-se a forma de modo veloz.

Na última operação, o acaso e as leis da necessidade – nascidos dos movimentos velozes e precisos da artista, que retiram a forma do papel pigmentado e espargido com água – encarregam-se das consequências e nós vemos a explosão a dar-se. Ela é provocada, justamente por um movimento muito rápido, nascido de operações lentas. Nesta acção a rapidez está vinculada à lentidão, numa mis-

99

tura insubmissa à previsão. Se o gesto não for exacto e firme, dá-se um desastre, e, em vez de explosão, teríamos um aluimento de terras. Alain também me ensinou a compreender que, se vivêssemos mais lentamente, poderíamos perceber aquilo que costuma ser imperceptível: «A corrente despedaça-se sobre a rocha, a própria rocha desfaz-se em areia [...] se vivêssemos um pouco mais lentamente, veríamos deslizar, quase como água, esses taludes, calcários, inchados, raiados de argila.» Nós vemos esses taludes inchados, raiados, não só aqui nas explosões dos Eclipses, como naquelas folhas grandes de papel, feitas à mão no Laos, que deixam ver a tessitura. É desigual o seu poder de absorção do pigmento, por isso, diferentemente de outros desenhos da família (uns como outros intitulados Ser Linha [pp. 108-111]), a mancha também é desigual e tanto vemos uma povoação habitada como uma paisagem selvagem. Nessa povoação e nessa paisagem incrustam-se sequências de Ser Linha Ser, que aqui se torna uma escrita cósmica longínqua, submersa na energia do pigmento. Se nos esforçarmos durante algum tempo, acabaremos por conseguir ler algumas delas.

Perpendicularmente colocadas, estas folhas, quer tenham sido feitas na Ásia quer na Europa, são atravessadas por linhas, não um traço que se desenhou, mas o vestígio que restou de uma coisa que não era só uma linha, geometricamente falando, era um pedaço de cordel, ou uma fitinha... Era um cordel. Vemos a dispersão de partículas, um sopro líquido de fiozinhos arrastados no pigmento, sempre vermelho, sinais ondulatórios, um fecho-éclair, fecho-relâmpago, uma sutura, cuja raiz é o verbo suo, que significa costurar, unir peças por meio de um fio.

Pigmento nos ossos e sangue na boca

Ainda antes da arte, temos notícia – leia-se André Leroi-Gourhan – do aparecimento da cor em grutas paleolíticas, onde não há figuras, só pigmento ocre-vermelho, que cobre inteiramente o chão, as paredes e o tecto. Nalgumas grutas, além do pigmento envolvente, vêem-se ossos pintados. Percebe-se de imediato uma energia simbólica, quer dizer, só se pintam ossos quando a morte se torna um motivo; só se enche uma caverna de cor, quando se vê no sangue a fonte da vida ou o desejo de renascimento. Além da reflexão sobre a morte e vida, este uso do pigmento prenuncia a arte de lidar com as manchas de cor, a pintura. Aqui, é bem-vindo o rubor, o vermelho que, sem qualquer decisão nossa, vem ao rosto e o tinge, como uma ferida interior que faz expandir a sua mancha, pintura fisiológica.

100
ser
fuga ser deriva ser impermanência ser serenidade ser ternura ser saudade ser vontade ser voo ser

Vale a pena lembrar as instruções de Rimbaud sobre a afinidade entre vogais e cores. Cito os versos nos quais o poeta vê engendrar-se as cores das vogais e, em particular, a vogal I: «A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu : voyelles,». À vogal I, geradora de púrpuras, dedica os dois versos finais da segunda estrofe: «I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles / Dans la colère ou les ivresses pénitentes ;»8. Em português: «A negro, E branco, I vermelho, U verde, O azul: vogais, / […] I, púrpuras, sangue escarrado, riso dos lábios belos / Na fúria ou nas bebedeiras penitentes;». Cor multiplicada, púrpuras diz Rimbaud, o vermelho nasce do sangue, do sangue que vem da boca, que a boca deixa cair, atirando-o para fora com violência, os lábios abertos, belos, um escarro rubro, os lábios riem-se de fúria – já não são os olhos que vêem tudo vermelho, é na saliva sanguínea que a fúria se revela –ou macerados pelas bebedeiras.

Expressão e inexpressivo

Cristina Ataíde gostaria de chegar àquele ponto em que se depararia com expressões ignorando o que elas exprimem, sabendo apenas que exprimem, incapaz de identificar a coisa que exprimem (uma variação de um pensamento muito caro a Giorgio Colli). Por enquanto ela prepara-se para descobrir no seu atelier que aquilo que é expresso se furta a qualquer determinação, quer dizer, a ferida não se fecha e a artista continua o seu processo de cura.

Voltam

UMA e OUTRA

UMA – Já que é a nossa última entrada em cena, proponho que sigamos, por uma vez, a ordem final das actuações (ser isto e aquilo), nove ao todo.

8 Cita-se o soneto completo, restaurada a rítmica das suas estrofes:

A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu : voyelles, Je dirai quelque jour vos naissances latentes :

A, noir corset velu des mouches éclatantes Qui bombinent autour des puanteurs cruelles,

Golfes d’ombre ; E, candeurs des vapeurs et des tentes, Lances des glaciers fiers, rois blancs, frissons d’ombelles ; I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles Dans la colère ou les ivresses pénitentes ;

U, cycles, vibrements divins des mers virides, Paix des pâtis semés d’animaux, paix des rides Que l’alchimie imprime aux grands fronts studieux ;

O, suprême Clairon plein des strideurs étranges, Silences traversés des Mondes et des Anges : — O l’Oméga, rayon violet de Ses Yeux !

101

OUTRA – O número de Dante. Eu leio: ser coração ser desejo ser corpo ser sangue ser vida ser desenho ser tempo ser espaço ser linha.

UMA – Do coração ao desejo o passo é brevíssimo, nem há passo, num corpo vivo o desejo corre nas veias cheias de sangue que o coração bombeia.

OUTRA – Claro que ser desenho (uma segunda vez) tinha de aparecer na cauda das linhas, mas são as outras que lhe seguram a cauda, a saber, ser tempo, ser espaço e ser linha, o desenho em acto, o último acto.

Oferenda Musical

Les offrandes oubliées de Olivier Messiaen.

102
magia ser coragem ser sombra ser medo ser infinito ser essência ser espaço ser mistério ser violência
103
Linha do Horizonte #1 , 2011
105 Ser
Vida
Ser
, 2016, MIEC, Santo Tirso Ser Linha Ser, 2015, Fundação Carmona e Costa, Lisboa | Lisbon

Ser Linha e Ser Linha Ser #1 a #7 , 2015

Fundação Carmona e Costa, Lisboa | Lisbon

108
109

Do Rui Chafes

160

Lisboa, 9-6-2013

Querida Cristina

Os meses passaram, o sol brilhou e a chuva deixou-nos em silêncio, as viagens sucederam-se, também os trabalhos e as alegrias e as dores e as imagens que se evaporam no ar, à nossa frente… em todo este tempo o maravilhoso livrinho que me ofereceste não parou de me observar, de me esperar, de me acompanhar (sempre dentro de mim). O teu gesto, tão bonito e tão cheio de significado, deixou-me sem palavras, surpreso por existirem pessoas como tu que, neste mundo já tão pouco rigoroso, seguem o rigor cristalino do seu coração, assim, sem medo nem inquietação. Encontramo-nos poucas vezes mas tenho sempre a impressão de que nos acompanhamos há anos, na distância. Essa beleza não a quero perder!

Agradeço-te do coração o belo livro que me enviaste, as suas linhas negras, num crescendo em que a suavidade de uma praia se transforma numa quase violência.

Tens razão, tudo são trocas, entre nós, os homens que pensamos com a alma.

Muito obrigado, beijo grande, até breve Rui

161
162
Livro de artista, Sobre a Praia, 2007
163

Lisbon, 9-6-2013

Months passed, the sun shone, and the rain left us in silence. Journeys ensued, but also the work, the joys and pains, and the images that evaporate into the air… right in front of us. In all this time, the wonderful book you gave me has been ever watchful of me; it awaits me and accompanies me (always inside me). So beautiful and full of meaning, your gesture left me speechless, forever surprised that there are people like you who, in this unthorough world, follow the crystalline rigour of their hearts without fear or restlessness. We rarely meet, but I always have the impression that we’ve been following each other for years from a distance. I don’t want to lose this beauty!

I thank you from the bottom of my heart for the beautiful book you sent me, its black lines, in a crescendo in which the softness of a beach turns into an almost-violence.

You’re right; everything is exchange between us, the men who think with the soul.

Thank you very much, a big kiss, see you soon

164
165

LISTA DE OBRAS | LIST OF WORKS

p. 1

La couleur du jour, 2022

Vídeo, PAL, 16:9, stereo, cor, 5’53’’ (loop) | Video, PAL, 16:9, stereo, colour, 5’53’’ (loop)

pp. 2 e 3

La couleur du jour #7, 2013

Impressão pigmentada sobre papel fotográfico | Pigment print on photographic paper

80 ❌ 120 cm

p. 26

Without Wind #1, 2021, Grafite e pigmento sobre papel | Graphite and pigment on paper

78 ❌ 57 cm

Colecção particular | Private collection

p. 27

Without Wind #3, 2021

Grafite e pigmento sobre papel | Graphite and pigment on paper

78 ❌ 57 cm

p. 28

Without Wind #4 e #6, 2021

Grafite e pigmento sobre papel | Graphite and pigment on paper

78 ❌ 57 cm

p. 29

Without Wind #8, 2021

Grafite e pigmento sobre papel | Graphite and pigment on paper

78 ❌ 57 cm

p. 30

Without Wind #10, 2021

Grafite e pigmento sobre papel | Graphite and pigment on paper

78 ❌ 57 cm

p. 31

Without Wind #11, 2021

Grafite e pigmento sobre papel | Graphite and pigment on paper

78 ❌ 57 cm

pp. 32 e 33

La couleur du jour, 2022

Vídeo, PAL, 16:9, stereo, cor, 5’53’’ (loop) | Video, PAL, 16:9, stereo, colour, 5’53’’ (loop)

p. 34

1 Hour Without Snow, 2014

Pigmento e neve sobre papel | Pigment and snow on paper

50,5 ❌ 38 cm

Fotografia | Photograph: ©Fernando Piçarra

3 Hours of Snow, 2014

Pigmento e neve sobre papel | Pigment and snow on paper

50,5 ❌ 38 cm

Fotografia | Photograph: ©Fernando Piçarra

45 Minutes of Snow, 2014

Pigmento e neve sobre papel | Pigment and snow on paper

50,5 ❌ 38 cm

Fotografia | Photograph: ©Fernando Piçarra

56 Minutes Without Snow, 2014

Pigmento sobre papel | Pigment on paper

50,5 ❌ 38 cm

Fotografia | Photograph: ©Fernando Piçarra

pp. 38 e 39

Livro de artista, Riotinto, 2018

Colecção particular | Private collection

pp. 44 e 45

Salt Book, 2017

Sal do Lago Karum e plantas da Etiópia | Lake Karum salt and Ethiopia plants

Fotografias | Photographs: ©Eduardo Sousa Ribeiro Colecção particular | Private collection

pp. 48 e 49

Durante o Rio #D4, 2004

Pigmento e rio sobre papel | Pigment and the river on paper

90 ❌ 42 cm

Fotografias | Photographs: ©Nicolas Lemonier Colecção particular | Private collection

Durante o Rio #D8, 2004

Pigmento e rio sobre papel | Pigment and the river on paper

60 ❌ 42 cm

Fotografias | Photographs: ©Nicolas Lemonier

Durante o Rio #D1 (pormenor | detail), 2004

Pigmento e rio sobre papel | Pigment and the river on paper

90 ❌ 42 cm

Fotografia | Photograph: ©Nicolas Lemonier

p. 50

Depois do Rio #2 e #4, 2005

Pigmento, aguarela e vento sobre papel | Pigment, watercolour and wind on paper

70 ❌ 100 cm

Fotografias | Photographs: ©Nicolas Lemonier

Colecção particular | Private collection

166

Esculturas de Mar #3, 2022

Barro trabalhado pelo mar | Clay worked by the sea

10 ❌ 12 ❌ 9 cm e 12 ❌ 15 ❌ 10 cm

Colecção particular | Private collection

pp. 52 e 53

Esculturas de Mar #2 e #6, 2022

Barro trabalhado pelo mar | Clay worked by the sea

Fotografias | Photographs: ©Miguel Ângelo

Colecção particular | Private collection

Esculturas de Mar, 2022

Barro trabalhado pelo mar | Clay worked by the sea

Esculturas de Mar #3, 2022

Barro trabalhado pelo mar | Clay worked by the sea

10 ❌ 12 ❌ 9 cm e 12 ❌ 15 ❌ 10 cm

Fotografia | Photograph: ©Miguel Ângelo

Colecção particular | Private collection

pp. 54 e 55

Ínfimos Detalhes de Falésia #7, 2009

Barro da falésia do Bom Sucesso (3 cores diferentes), água a cair sobre ele e ferro | Clay from the Bom Sucesso cliff (3 different colours), water falling and iron

50 ❌ 100 ❌ 100 cm

Exposição Intervalos do Real, Galeria Nova Ogiva, Óbidos

Fotografia | Photograph: ©Edgar Libório

Ínfimos Detalhes de Falésia #8, 2009

Pedras calcárias da falésia e água do mar | Limestone cliffs and sea water

20 ❌ 113 ❌ 70 cm

Fotografia | Photograph: ©Edgar Libório

Ínfimos Detalhes de Falésia #1, 2009

Fóssil com 80 milhões de anos | Fossil 80 million years old

24 ❌ 13 ❌ 5 cm

Fotografia | Photograph: ©Edgar Libório

Ínfimos Detalhes de Falésia #2, 2009

Fóssil com 80 milhões de anos e pigmento | Fossil 80 million years old and pigment

15 ❌ 32 ❌ 7 cm

Fotografia | Photograph: ©Edgar Libório

p. 56

Stash, 1994-2005

Madeira, tinta e grafite | Wood, paint and graphite

100 ❌ 25 ❌ 23 cm

Fotografia | Photograph: ©Eduardo Sousa Ribeiro

If, 1995-2021

Contraplacado de madeira, metal, tinta e grafite | Plywood, metal, paint and graphite

9,5 ❌ 33 ❌ 15 cm

Fotografia | Photograph: ©Eduardo Sousa Ribeiro

Colecção particular | Private collection

Smile, 1994-2021

Madeira, tinta e grafite | Wood, paint and graphite 13 ❌ 38 ❌ 18,5 cm

Fotografia | Photograph: ©Eduardo Sousa Ribeiro

p. 57

Strait-AC 08.23S, 1994-2021

Madeira, tinta e grafite | Wood, paint and graphite

121 ❌ 70 ❌ 25 cm

Fotografia | Photograph: ©Eduardo Sousa Ribeiro

p. 59

Surge, 1994

Madeira, tinta e grafite | Wood, paint and graphite

74 ❌ 121 ❌ 56 cm

Fotografia | Photograph: ©Sílvio Santana

Colecção particular | Private collection

Snapper, 1994

Madeira, tinta e grafite | Wood, paint and graphite

47 ❌ 74 ❌ 100 cm

Fotografia | Photograph: ©Sílvio Santana

pp. 72-75

Tread of a Thousand Monks, 2014-2015

Guache, pétalas de flores recolhidas no final da procissão e pigmento | Gouache, flower petals collected at the end of the procession and pigment

28 desenhos | drawings (cada | each 42 ❌ 29,5 cm)

Fotografias | Photographs: ©Nuno Moreira

pp. 76 e 77

Tread of a Thousand Monks, 2014-2015, Fundação

Carmona e Costa, Lisboa | Lisbon

Guache, pétalas de flores recolhidas no final da procissão e pigmento sobre estrado de madeira pintado | Gouache, flower petals collected at the end of the procession and pigment on a painted wooden platform

10 ❌ 94 ❌ 440 cm

Fotografias | Photographs: ©Nuno Moreira

pp. 78 e 79

Livro de artista, Auto-retrato, 2006

Couro, papel manufacturado, grafite e argilas | Leather, handmade paper, graphite and clays

4 ❌ 10 ❌ 6 cm

Colecção particular | Private collection

pp. 80 e 81

(Im)permanências II, 2009 (instalação)

Madeira de cedro, pigmento, grafite, cabos de aço, luz, vídeo e som | Cedar wood, pigment, graphite, steel cables, light, video and sound

Barca| Boat: 50 ❌ 120 ❌ 1050 cm

Vídeo | Video My Body in Dust, PAL, 17:13, 47’’ (loop)

Imagem | Image: Rui Branquinho

Som: composição original | Sound: original composition: ©Carlos Santos

Fotografia | Photograph: ©Alberto Mayer

p. 51
167

p. 82

Com o Vento #2, 2022

Guache, pigmento e vento sobre papel | Gouache, pigment and wind on paper

145 ❌ 235 cm

Com o Vento #3, 2022

Guache, pigmento e vento sobre papel | Gouache, pigment, wind on paper

145 ❌ 235 cm

p. 103

Linha do Horizonte #1, 2011

Bronze e fio de algodão | Bronze and cotton thread

Bronze: 25 ❌ 19 ❌ 17 cm;

Fio | Thread: dimensões variáveis | variable dimensions

Colecção particular | Private collection

pp. 104 e 105

Ser Vida Ser, 2016

Vinil de recorte | Self-adhesive vinyl

MIEC, Santo Tirso, Portugal

pp. 106 e 107

Ser Linha Ser, 2015

Vinil de recorte | Self-adhesive vinyl

Fundação Carmona e Costa, Lisboa | Lisbon

pp. 108 e 109

Ser Linha #1 a #10, 2016

Pigmento sobre papel | Pigment on paper

70 ❌ 50 cm

Ser Linha Ser #1 a #7, 2016

Mármore de Estremoz | Estremoz marble, Portugal

4 ❌ 75 ❌ 50 cm

Fotografia | Photograph: ©Nuno Moreira

pp. 110 e 111

Ser Linha #1, 2015

Pigmento sobre papel | Pigment on paper

70 ❌ 50 cm

Fotografia | Photograph: ©Nuno Moreira

Ser Linha #3, 2015

Pigmento sobre papel | Pigment on paper

70 ❌ 50 cm

Fotografia | Photograph: ©Nuno Moreira

Ser Linha #7, 2015

Pigmento sobre papel | Pigment on paper

70 ❌ 50 cm

Fotografia | Photograph: ©Nuno Moreira

Ser Linha #4, 2015

Pigmento sobre papel | Pigment on paper

70 ❌ 50 cm

Fotografia | Photograph: ©Nuno Moreira

pp . 112 e 113

Eclipse (instalação), 2015

8 desenhos | drawings Eclipse1

50 ❌ 70 cm

Eclipse (caixa II)

20 desenhos a guache sobre papel do Observatório Astronómico de Lisboa, caixa de madeira, esfera em pedra preta de Mem Martins e mesa em madeira

| 20 gouache drawings on Lisbon Astronomical Observatory paper, wooden box, Mem Martins black stone sphere and wooden table

Mesa | Table: 85 ❌ 70 ❌ 136 cm

Caixa II | Box II: 5 ❌ 56 ❌ 41 cm

Esfera | Sphere: Ø 10 cm

Fotografia | Photograph: ©Nuno Moreira

p. 114

Eclipse1 #11, #16, #7, #10, #8 e #9, 2015

Guache e água sobre papel Arches | Gouache and water on Arches paper

70 ❌ 50 cm

Fotografias | Photographs: ©Nuno Moreira

Colecção particular | Private collection

p. 115

Eclipse1 #6 e #13, 2015

Guache e água sobre papel Arches | Gouache and water on Arches paper

70 ❌50 cm

Fotografias | Photographs: ©Nuno Moreira

Colecção particular | Private collection

p. 116

Série Auto-retrato, 2006

p. 117

Auto-retrato #1 e #2, 2006

Impressão pigmentada sobre papel fotográfico | Pigmented print on photographic paper

120 ❌ 200 cm

Colecção particular | Private collection

pp. 118 e 119

Spuren/Traces/Vestígios, 2014

Grafite, caneta, pigmento e linha de costura sobre papel chinês| Graphite, pen, pigment and thread on Chinese paper

2❌ (100 ❌ 2000 cm)

Antiga fábrica da Veritas (Singer), Wittenberge, Alemanha | Old Veritas (Singer) factory, Wittenberge, Germany

pp. 120 e 121

Moi je suis, Yes I am, 2014

Grafite, caneta e pigmento sobre papel chinês | Graphite, pen and pigment on Chinese paper

2❌ (11 ❌ 1600 cm)

Maison de l’Art Contemporain Asilah, Marrocos | Morocco

Colecção particular | Private collection (institucional | institutional)

168

pp. 142 e 143

2023, …dos Rios Voadores, MAMAM – Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife, Brasil | Brazil

…dos Rios Voadores, 2018-2022

17 águas de rios do Brasil: Capibaribe, Negro, Solimões, Cuieiras, Iguarapé Acará, Uatumâ, Jacuípe, Tieté, Pinheiros, Tamanduatei; e de Portugal: Tejo, Douro, Mondego, Almansor, Paiva, Tua e Degebê, frascos de vidro, tinta e fitas de algodão | 17 waters from Brazilian rivers: Capibaribe, Negro, Solimões, Cuieiras, Iguarapé Acará, Uatumâ, Jacuípe, Tieté, Pinheiros, Tamanduatei; and Portugal: Tejo, Douro, Mondego, Almansor, Paiva, Tua and Degebê, glass bottles, ink and cotton ribbons

300 ❌ 400 ❌ 800 cm

Colecção particular | Private collection (institucional | institutional)

Salva-me, 2022

Máscaras de olhos em tecido e tinta | Cloth and ink eye masks

72❌ (10 ❌ 21 cm )

pp. 144 e 145

Salva-me, 2022

Alumínio e tinta | Aluminium and paint

10 ❌ 20 cm

Galeria Ybakatu, Curitiba, Brasil | Brazil

pp. 146 e 147

Lista My Body in Dust, 2020, Museu Colecção Berardo, Lisboa | Lisbon

pp. 150 e 151

Eclipse (caixa II), 2015

20 desenhos a guache sobre papel do Observatório

Astronómico de Lisboa em caixa de madeira, esfera em pedra preta de Mem Martins e mesa em madeira | 20 gouache drawings on Lisbon Astronomical Observatory paper in a wooden box, Mem Martins black stone sphere and wooden table

Desenhos (cada) | Drawings (each): 52 ❌ 37 cm

Caixa | Box: 56 ❌ 41 ❌ 5 cm

Esfera | Sphere: Ø 10 cm

Mesa | Table: 92 ❌ 70 ❌ 136 cm

pp. 152 e 153

Ser e Nada, 2015

Mármore de Estremoz e cabos de aço | Estremoz

marble and steel cables

Ø 10 ❌ 160 cm

p. 155

Eclipse2 #2, 2013

Pigmento e água sobre papel | Pigment and water on paper

76 ❌ 56 cm

pp. 156 e 157

Eclipse2 #15, #19, #18, #16 e #17, 2015

Pigmento e água sobre papel | Pigment and water on paper

76 ❌ 56 cm

pp. 158 e 159

Eclipse, work in progress, 2013

Vídeo, PAL, 16:9, stereo, cor, 3’19’’ | Video, PAL, 16:9, stereo, colour, 3’19’’

pp. 162 e 163

Livro de artista, Sobre a Praia, 2007

Caderno Moleskine, carvão e barro de várias cores da praia da Estrela, Óbidos | Moleskine notebook, charcoal and clay in various colours from Estrela beach, Óbidos

9,4 ❌ 14,5 ❌ 1,4 cm

169

BIOGRAFIA | BIOGRAPHY

Cristina Ataíde nasceu em Viseu, 1951. Vive em Carnaxide, Oeiras, e trabalha em Lisboa. Licenciada em Escultura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, onde também frequentou o curso de Design de Equipamento. | Cristina Ataíde was born in Viseu in 1951. She lives in Carnaxide, Oeiras, and works in Lisbon. She completed a degree in Sculpture at Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa and attended the Equipment Design course at the same school.

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS, PROJECTOS e EXPOSIÇÕES COLECTIVAS (selecção) | SOLO EXHIBITIONS, PROJECTS AND GROUP SHOWS (selection)

2023

¿A Terra Ainda é Redonda? / Is Earth Still Whole? (curadoria de | curated by David Barro, MNAC – Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Lisboa | Lisbon.* Skin Affair, 3.º módulo do 2.º ciclo «O Desenho como Pensamento» (curadoria de | curated by Alexandre Baptista), Casa de Chá, Águeda.*

Desenhar nas Cinzas (instalação), 5.ª Bienal de Gaia, Quinta da Fiação, Lever (colectiva | group show). *

Un Viaje Extraordinario. El Efecto Espejo de los Océanos (curadoria de | curated by David Barro), CentroCentro, Palácio Cibeles, Madrid, Espanha | Spain (colectiva | group show).*

A Prática do Infinito pela Leitura (curadoria de | curated by Catarina Domingues e | and Ricardo Ribeiro) (Sr. Teste Edições), Centro Cultural Vila Flor, Guimarães.

Arte 2023, com | with Ybakatu, Pavilhão da Bienal, Ibirapoera, São Paulo, Brasil | Brazil.

2022

Respiração Boca a Boca, textos de | texts by Sara Antónia Matos e | and Óscar Faria, MIEC –Museu Internacional de Escultura Contemporânea, Santo Tirso.*

Cristina Ataíde, Desenho e Escultura (curadoria de | curated by Lourenço Egreja), Abreu Advogados, Lisboa | Lisbon

…dos Rios Voadores (curadoria de | curated by Márcio Almeida), MAMAM – Museu de Arte

Moderna Aloísio Magalhães, Recife, Brasil | Brazil

Salva-me, Galeria Ybakatu, Curitiba, Brasil | Brazil.

These Walls Can Talk, 10 Anos da Galeria Belo-Galsterer, Lisboa | Lisbon (colectiva | group show).

SP-Arte, Andrea Rehder Arte Contemporânea, Arca, São Paulo, Brasil | Brazil (colectiva | group show).

Sair do Deserto com uma Linha na Mão, in «Memórias/Histórias Fotográficas», JL – Jornal de Letras, 10-23/08/2022 (colectiva | group show).

2021

Cartografias Afectivas (curadoria de | curated by Cassiana Der Haroutiounian), Andrea Rehder Arte Contemporânea, São Paulo, Brasil | Brazil.

Todo y Sólo Luz | All and Only Light (curadoria de | curated by Maria Antónia de Castro), Centro de Arte Faro de Cabo Mayor, Santander, Espanha | Spain.*

Who Am I? Who Are You? (curadoria de | curated by João Silvério), Galeria Diferença, Lisboa

| Lisbon

A Memória da Água (curadoria de | curated by João Pinharanda), Galeria do Parque, Vila Nova da Barquinha.*

Momentos Transitórios, Galeria Quattro, Leiria.

NO NAME, Lista de 44 764 mortes documentadas de migrantes, feita pela «Fortress Police» | “Fortress Police” list of 44.764 documented deaths of migrants, Finestra Sinistra, Nowhere, Lisboa | Lisbon.

170

Malgré le Brouillard (curadoria de | curated by Shannon Botelho), Anne+ Art Contemporain, Paris, França | France.

(Projectos | Projects)

Umbigo 2002 18 ANOS 2020, 18 Anos, 18 Autores, 18 Projectos (38 Artistas), Cristina Ataíde + Tomaz Hipólito, in Umbigo, edição especial, Lisboa | Lisbon.*

Inquérito a 266 Artistas, por Sara & André, in Revista Contemporânea, edição especial 2020, Lisboa | Lisbon.*

Fuso 2021, Anual de Videoarte Internacional de Lisboa, vídeo Rio Negro, 2019, Open Call, selecção de | selection by Jean-François Chougnet, MAAT, Lisboa | Lisbon (25-29/08/2021).

2020

Dar Corpo ao Vazio / Embodying the Void (curadoria de | curated by Sérgio Fazenda Rodrigues), Museu Colecção Berardo, Lisboa | Lisbon.*

Live, para | for Andrea Rehder Arte Contemporânea, São Paulo, Brasil | Brazil, do projecto | from the project EmProcesso, 22/04/2020.

Paisagem com Interior, vídeo para o | video for Paço das Artes, São Paulo, Brasil | Brazil, para o projecto | for the project #paçoemtodolugar.

Dissonâncias, Colecção MNAC: Aquisições e Doações 2010-2020 (curadoria de | curated by Adelaide Ginga & Emília Tavares), MNAC, Lisboa | Lisbon (colectiva | group show).

2019

O Caminho das Mãos, azulejos de | tiles by Cristina Ataíde, Galeria Ratton, Lisboa | Lisbon.

LABVERDE, Art Immersion Program in the Amazon (curadoria de | curated by Lilian Fraiji), Amazónia, Brasil | Brazil.*

Projecto Rizoma, Andrea Rehder Arte Contemporânea, São Paulo, Brasil | Brazil.

Metade do Céu / Half the Sky (curadoria de | curated by Pedro Cabrita Reis), Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva, Lisboa | Lisbon (colectiva | group show).*

Double Jeu, Jardins d’Étretat, França | France (colectiva | group show).

The 6th Baku Biennial of Contemporary Art, Aluminium (curadoria de | curated by Dilara Vahabova), Museum Center, Baku, Azerbeijão | Azerbaijan.

2018

Através da Paisagem (curadoria de | curated by Douglas de Freitas), Andrea Rehder Arte Contemporânea, São Paulo, Brasil | Brazil

Una Arruga en el Aire, Fundación Tres Culturas, Sevilha, Espanha | Spain

Geografias Errantes (Vistas) de Dentro para Fora, com | with Shirley Paes Leme (curadoria de | curated by Fátima Lambert), Palácio das Artes, Porto.

Água Vida, site-specific, ValdelArte, Arte e Natureza, Aracena, Espanha | Spain.

Observadores do Céu / Sky Gazers, Ciclo «Acções Estéticas Quase Instantâneas» #24 (curadoria de | curated by Fátima Lambert), Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.

Por Favor, Segue a Linha Vermelha / Follow the Red Line, Please, POLDRA, Public Sculpture Project, Viseu.*

Quel Amour!? (curadoria de | curated by Éric Corne), Museu Colecção Berardo, Lisboa | Lisbon (colectiva | group show).

2017

Voltar de Vez em Quando / Returning Now and Then (curadoria de | curated by Ana Cristina Cachola), Travessa da Ermida, Lisboa | Lisbon.*

Del Aire o una Emanación, ALCultura, Algeciras, Espanha | Spain.

Ethiopia Walkscapes, Hangar Residency, Etiópia | Ethiopia (residência de pesquisa | research residency).

Geografias – Nosso Lugar É Caminho (curadoria de | curated by Bernardo Mosqueira), SESC Santos, São Paulo, Brasil | Brazil (colectiva | group show).*

171

Nord/Sud/Est/Ovest, Interno 14, Roma, Itália | Italy e | and Espacio BOP, Madrid, Espanha | Spain (colectiva | group show).

Orientieren, Kunsttempel, Kassel, Alemanha | Germany (colectiva | group show).*

2016

Under All of This, Galeria Belo-Galsterer, Lisboa | Lisbon

Et Puis le Chemin, com | with Isabelle Dubrul, Tour Bidouane, Saint-Malo, França | France.*

Até ao Abraço, Galeria Virgílio, São Paulo, Brasil | Brazil.

Na Palma da Mão, Galeria Ybakatu, Curitiba, Brasil | Brazil

Portugal, Portugueses (curadoria de | curated by Emanoel Araujo), Museu Afro Brasil, São Paulo, Brasil | Brazil (colectiva | group show).*

O Subtil Flamejar das Pestanas (curadoria de | curated by Albuquerque Mendes), com | with Ana Vidigal e | and Graça Pereira Coutinho, Árvore – Cooperativa de Actividades Artísticas, Porto.

2015

Ser Linha Ser (curadoria de | curated by João Pinharanda), Fundação Carmona e Costa, Lisboa | Lisbon.*

Time and Weather, The Shed Space Gallery, Wave Hill, Brooklyn, Nova Iorque, EUA | USA. Percursos em Deriva (curadoria de | curated by Priscila Arantes), Paço das Artes, São Paulo, Brasil | Brazil.

São Paulo 461, Museu Afro Brasil, São Paulo, Brasil | Brazil (colectiva | group show).

Une Mer, Deux Rivages, itinérance du projet 4+1, Galerie Noir sur Blanc, Marraquexe, Marrocos | Morocco (colectiva | group show).

El Rumor de la Montaña (curadoria de | curated by Marta del Corral), Sala Fundación Cruzcampo, Málaga, Espanha | Spain (colectiva | group show).

Geografias – Antologia de Omissões e Desvelos, SESC Jundiaí, São Paulo, Brasil | Brazil (colectiva | group show).*

Women: Experimental Films (organizado por | organised by The Shed), BAX, Brooklyn, Nova Iorque, EUA | USA.

2014

Esperando Que Nieve, Centro de Arte Alcobendas, Madrid, Espanha | Spain.

Possibilidades de Passagem, Galeria Quattro, Leiria.*

Open Day, Glyndor Gallery, Wave Hill / Winter Workspace Program, Bronx, Nova Iorque, EUA | USA (colectiva | group show).

Da Cartografia do Poder aos Itinerários do Saber (curadoria de | curated by Catarina Pires, Pedro Bernaschina, Emanoel Araujo), Oca do Ibirapuera, São Paulo, Brasil | Brazil (colectiva | group show).*

Verflixt und zugenäht: Der Fall Wittenberge, Eine Annäherung, ein Ausstellungsprojekt von Endmoräne e. V., Veritas Factory, Wittenberge, Alemanha | Germany (colectiva | group show).*

PE 15: Uma Viagem Integrada com a Arte, Recife, Brasil | Brazil (colectiva | group show).

2013

Deslocamento(s), com | with Isaque Pinheiro, Centro Cultural Sistema Fiep, Curitiba, Brasil | Brazil.

Do Barroco para o Barroco – Está a Arte Contemporânea (curadoria de | curated by Fátima Lambert e | and Lourenço Egreja), Casa da Parra, Santiago de Compostela, Espanha | Spain e | and Cerveira (colectiva | group show).

ZeroPoint Art Gallery, Mindelo, Cabo Verde (colectiva | group show).

2012

Itinerário da Mente para a Luz (d’après São Boaventura) (curadoria de | curated by Fátima Lambert), com | with José Rufino, Mosteiro de São Bento, São Paulo, Brasil | Brazil La Montaña Mágica / Der Zauberberg, Galería Magda Bellotti, Madrid, Espanha | Spain. Lar, Doce Lar… / Home, Sweet Home…, Carpe Diem Arte e Pesquisa, Lisboa | Lisbon

172

Fio Condutor, Galeria Graphos, Rio de Janeiro, Brasil | Brazil (colectiva | group show).*

ARTBO, Feira Internacional de Arte de Bogotá com a | International Art Fair of Bogotá with Galería Magda Bellotti, Bogotá, Colômbia | Colombia

2011

Frames e Mares (curadoria de | curated by Carlos Melo), SESC Caruaru, Pernambuco, Brasil

| Brazil

Global Stone Workshop, Mahabalipuram, Índia | India.

Fotógrafos-Viajantes & Viagens de Fotógrafos (curadoria de | curated by Fátima Lambert), Plataforma Revólver 2, VPF, Lisboa | Lisbon.

2010

Suspender o Ar (curadoria de | curated by Emília Ferreira), Casa da Cerca, Almada.*

Lugares de Deriva, Museu da Horta, Faial e | and Museu dos Baleeiros, Lajes do Pico, Açores

| Azores

Recados / Messages (instalação | installation), Av. Marginal, Lajes do Pico, Açores | Azores. Home and Abroad, International Workshop, Triangle Arts Trust, Monte dos Ciprestes, Sintra.

2009

Walk with Me, Galería Magda Bellotti, Madrid, Espanha | Spain.

Intervalos do Real, Galeria Nova Ogiva, Óbidos.*

Lugares de Deriva (curadoria de | curated by Paulo Reis), Galeria Fonseca Macedo, Ponta Delgada, Açores | Azores

(Im)permanências II, instalação integrada na exposição | installation presented as part of the exhibition Corpo, Densidade e Limites (curadoria de | curated by João Pinharanda), Museu de Arte Contemporânea de Elvas, Paiol, Elvas.

«… são bons ESTES LUGARES DE CINZA para a solidão dos pássaros» (curadoria de | curated by Fátima Lambert), Quase Galeria, Espaço T, Porto.

Memoria Percibida (curadoria de | curated by Eduardo Reboll), Museo de Arte Moderno Carlos Mérida, Guatemala, CCE Miami (colectiva | group show).*

REPRESENTAÇÕES EM COLECÇÕES PÚBLICAS | PUBLIC COLLECTIONS WHERE THE ARTIST IS REPRESENTED

Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa | Lisbon; Colecção de Arte Contemporânea do Estado; Caixa Geral de Depósitos, Culturgest, Lisboa | Lisbon; Museu Colecção Berardo, Lisboa | Lisbon; MNAC – Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Lisboa | Lisbon; Fundação PLMJ, Lisboa | Lisbon; Fundação Vítor e Maria da Graça Carmona e Costa, Lisboa | Lisbon; António Cachola, Elvas; Figueiredo Ribeiro, Abrantes; Colecção MACAM – Museu de Arte Contemporânea Armando Martins, Lisboa | Lisbon; Novo Banco, Lisboa | Lisbon; Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, Almada; Museo de Arte Contemporáneo Unión Fenosa, Corunha | A Coruña; Centre d’art contemporain d’Essaouira, Marrocos | Morocco; Museu Afro Brasil, Colecção Emanoel Araujo, São Paulo, Brasil | Brazil; MAMAM – Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife, Brasil | Brazil; Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba, São Paulo, Brasil | Brazil; Biblioteca do Vaticano | Vatican Library, Roma, Itália | Italy e | and Colecção de Livros de Artista e Edição Independente da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa | Lisbon.

www.cristinaataide.com

* Exposições com catálogo | Including exhibition catalogue

173
2017, Dallol, Deserto de Danakil, Etiópia | Ethiopia 2017, Lagoa Gaet’Ale, Etiópia | Ethiopia
2018,
Deserto do Sahara, Merzouga, Marrocos | Morocco

De natura. Cristina Ataíde

TEXTOS | TEXTS

Doris von Drathen

Maria Filomena Molder

Rui Chafes

TRADUÇÕES | TRANSLATIONS

Richard George Elliott

KennisTranslations, Luisa Yokochi

José Roseira

FOTOGRAFIA | PHOTOGRAPHS

Alberto Mayer, Ana Fonseca, Carolina Rocha, Cristina Ataíde, Edgar Libório, Eduardo Resende, Eduardo Sousa Ribeiro , Fernando Piçarra, Gilson Camargo, Luís Almeida, Miguel Ângelo, Nicolas Lemonier, Nuno Moreira, Robson Lemos, Sílvio Santana, Verónica Alvarez

DESIGN GRÁFICO | GRAPHIC DESIGN

Beatriz Horta Correia / Linha de Letras

REVISÃO | PROOFREADING

Helena Roldão

© Sistema Solar, Crl (Documenta), Rua Passos Manuel, 67 B, 1150-258 Lisboa

textos © autores

imagens © Cristina Ataíde

Publicado em Junho de 2023 | Published in June 2023

ISBN 978-989-568-102-0

TIRAGEM | PRINT RUN

700 exemplares | copies

IMPRESSÃO | PRINTING

Gráfica Maiadouro, SA

DEPÓSITO LEGAL | LEGAL DEPOSIT

516899/23

APOIO | SUPPORT

Vogais Afinadas Lda

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.