Drieu la Rochelle, O Fogo-Fátuo

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Drieu la Rochelle O FOGO-FÁTUO

Drieu la Rochelle O FOGO-FÁTUO

tradução e apresentação de

Aníbal Fernandes O suicídio vingança antiga eterna o gesto do vencido que ao vencedor atira o seu sangue.

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Drieu la Rochelle O FOGO-FÁTUO


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Drieu la Rochelle

O FOGO-FÁTUO tradução e apresentação

Aníbal Fernandes


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TÍTULOS ORIGINAIS: LE FEU FOLLET E ADIEU À GONZAGUE

© SISTEMA SOLAR CRL, 2016 RUA PASSOS MANUEL, 67B, 1150-258 LISBOA tradução © ANÍBAL FERNANDES NA CAPA: JACQUES RIGAUT POR MAN RAY (1922) REVISÃO: ANTÓNIO D’ANDRADE 1.ª EDIÇÃO, JULHO DE 2016 ISBN 978-989-8833-10-5 _______________ DEPÓSITO LEGAL 412147/16 ESTE LIVRO FOI IMPRESSO NA EUROPRESS RUA JOÃO SARAIVA, 10 A 1700-249 LISBOA PORTUGAL


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Com a sua fracassada forma de viver a vida, Jacques Rigaut desde cedo anunciou um suicídio. Foi um jovem belo e arredio às vulgares maneiras de ganhar a vida, um preguiçoso e um incapaz na sedução de homens, de mulheres ricas que lhe cobiçavam o corpo mas o abandonavam desiludidas com fracassos nos supremos momentos do amor. Drogou-se e desintoxicou-se numa sucessão de internamentos que o não faziam esquecer os belos instantes ornamentados pelas percepções da heroína. Chegou a ser escritor, escritor de páginas sem um evidente fim, não mais do que uma curta ficção inacabada — a história do lorde Patchogue que atravessava o espelho para melhor se contar, e vários textos onde se sentem angústias e tédios, um negro humor, as incompreensões de si que já apontavam um irrecusável dedo àquele tiro desferido em pleno coração. Drieu la Rochelle, seu amigo fascinado com as beiras de abismo de todas estas diferenças, pô-lo no centro de três obras literárias. Chamou-lhe Gonzague no conto «La Valise vide» de 1921 e na memória «Adeus a Gonzague», só publicado como texto póstumo em 1963, e chamou-lhe Alain em O Fogo-Fátuo de 1931, relato imaginado dos seus três últimos dias de vida. Por sua vez André Breton, também amigo seu, escolheu-o como exemplo na Antologia do Humor-Negro, onde o apresenta assim: «O “estoicismo”», diz Baudelaire, «religião que apenas tem um sacramento: o suicídio!» Apesar de o suicídio ter tomado para ele, desde muito cedo, este valor de sacramento único, outra religião diferente do estoicismo é que deveríamos emprestar a Jacques Rigaut.


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A resignação não é o seu forte: não só a dor mas a ausência de prazer são para ele um mal intolerável. O egoísmo absoluto, flagrante, disputa-o a uma generosidade natural que confina com a suprema prodigalidade, a da própria vida constantemente oferecida, disposta a perder-se por dá cá aquela palha. O mais belo presente da vida é a liberdade que nos é consentido tirar dela quando chega o momento; liberdade teórica, pelo menos, mas que talvez valha a pena conquistarmos com uma encarniçada luta contra a cobardia e todas as armadilhas de uma necessidade feita homem, relacionada de uma forma não muito obscura, não muito pouco frequente, com a necessidade natural. Com cerca de vinte anos Jacques Rigaut condenou-se à morte; e durante dez anos esperou hora a hora, impaciente, o instante de conveniência perfeita em que poderia pôr fim aos seus dias. Era, em qualquer caso, uma cativante experiência humana à qual soube dar uma feição meio trágica, meio humorística, que só a ele pertence. As sombras de Petrónio, Alphonse Raabe, Paul Lafargue, Jacques Vaché funcionam como sinais ao longo de uma via também guardada por alguns heróis deploravelmente diferentes daqueles que os chamaram à existência sensível. «— Quem não é Jean Sorel? Stendhal. «— Quem não é M. Teste? Valery. «— Quem não é Lafcadio? Gide. «— Quem não é Julieta? Shakespeare. «Jacques Rigaut, com uma ambição literária que se limitou a querer fundar um jornal com o título Le Grabuge [A Zaragata], que só por si diz muito, todas as noites mete um revólver debaixo do travesseiro. É a forma de se juntar à opinião corrente, de que a noite traz consigo conselho, e poder dar cabo dos malfeitores de dentro, ou seja, das formas convencionais de adaptação. É ainda Baudelaire quem diz: “Só há na vida um verdadeiro encanto: o


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encanto do jogo. Mas se acontecer que ele tanto nos faça ganhar como perder?” Rigaut anda à volta desta indiferença sem se resolver, mas o jogo subsiste. Arriscar: e em caso de dúvida mais ou menos pungente, jogar a certeza a cara ou coroa. Ele tem-se por “uma personagem moral” mas, entendamo-nos bem: se levarmos em conta o carácter da sua resolução, terá com ele de dizer-se adeus à decência. O dandismo eterno é um jogo: “Hei-de ser um grande morto… Experimentai, se puderdes, a parar um homem que viaja com o seu suicídio na lapela.” Curiosamente, ele fez a viagem como o bocejo de Chateaubriand que até nós chegou: “Imprudência: o homem que boceja à frente do espelho. Qual dos dois vai fartar-se primeiro de bocejar? De maxilar a maxilar, o meu bocejo escorrega até à bela americana. Um negro tem fome, uma rapariga sente tédio: fui eu quem bocejou.” Está sempre em causa ele entrar num Rolls-Royce, mas não haja enganos, sempre a fazer marcha atrás. “Depois de mim o dilúvio”, estas palavras só lhe sugerem continuar a fazer a sua ascensão, apanhar os mortos com alguma validade durante a vida, dar ao seu destino a pequena volta de manivela que os faz bifurcar. Só falta encontrar o veículo. É a corrida das dez mil milhas de Jarry, aplicada à vida mental1. «A 5 de Novembro de 1929, o instante finalmente chegou. Depois de muito minuciosos cuidados a vestir-se, e trazendo a esta espécie de partida toda a correcção exterior que ela exige — não deixar que nada transpareça, prevenir com travesseiros toda a eventualidade de tremuras que possa ser uma derradeira concessão à desordem — Jacques Rigaut dá um tiro no coração.» Alusão destinada aos que leram Le Surmâle de Alfred Jarry. Trata-se de uma corrida de ciclistas que não recorreriam a nenhum alimento, desde Paris até à Rússia, proposta por um cientista ciente de que o movimento perpétuo dos músculos basta como alimento físico do homem. (A.F.) 1


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* Drieu la Rochelle chama a Rigaut fogo-fátuo, metáfora que se lembra da chama dos pântanos com fulgores efémeros; suicídio de brilhos físicos embaciados pelo tempo, pela droga e pela insuperável sensação de um fracasso existencial; La Rochelle, esse, suicidar-se-ia dezasseis anos mais tarde por razões essencialmente políticas. Fez como escritor um sem-número de variações sobre a sua própria vida: Saberei alguma vez contar qualquer coisa que não seja a minha história? Lemo-lo como se falasse de si próprio nas suas famílias desunidas por infidelidades e desaires financeiros; nas infâncias nunca refeitas dos malefícios do bom comportamento e das excessivas protecções; através dos seus homens rodeados por mulheres: Nunca consegui viver sozinho, e tenho no entanto muito medo de que todas as mulheres, sejam elas quem forem, incomodem as minhas experiências de romancista, disse-o numa carta. Por duas vezes casado, deu sempre aos casamentos uma frenética agitação paralela, a de um «Homem Coberto de Mulheres», como ficou no título de um seu romance de 1925. «No fundo», disse Aragon numa entrevista, «uma biografia de Drieu não é coisa que exista: ele é a biografia das mulheres que amou.» Deveria acrescentar-se que esta parcialidade de Aragon oculta o homem dividido entre muito fortes solicitações da escrita e um estranho (e talvez ingénuo) percurso político. A sua obra literária soube resistir ao limbo imposto, por decência política e patriótica, aos colaboracionistas da ocupação da França pelos nazis. Mas passado um período de nojo e temor, os editores franceses relembram-no e mantêm-no generosamente disponível nos seus catálogos; hoje ele é, sobretudo, o autor dos contos de La Comédie de Clarleroi (1934) — Marcel Arland: «Tenho-os pela sua obra-prima»; é o autor de Gilles (1939) — François


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Mauriac: «É um livro importante, essencial, verdadeiramente carregado com um terrível peso de sofrimento e erro.», uma das suas obras maiores e literariamente mais ambiciosa (o mais anti-semita dos romances franceses?); é o autor deste célebre O Fogo-Fátuo (1931) — Bernard Frank: «Acho-o o melhor livro de Drieu». Gaston Bergery, advogado célebre e especialista em direito internacional, fez em 1959 um dos mais lúcidos retratos do homem La Rochelle: «Da política não compreendia nada. Acreditava sempre que os homens políticos iam executar maravilhosas coisas, fazer milagres. Era um intelectual sem o menor sentido das realidades que na política têm de ser levadas em conta: num plano da melhor forma concebido, o que resiste quando ele é aplicado. Tinha perante os seres um primeiro movimento, sempre de admiração; em política deixava-se aldrabar pelo primeiro que lhe aparecesse. Também era um burguês que apesar de muito protegido, educado de uma forma muito convencional, apenas sonhava com ferimentos e amolgadelas, aventuras e perigos. Era em política um ingénuo, mas rápido a vingar-se dessa ingenuidade mal dava por ela, assumindo ares de um exagerado cinismo e fazendo retratos cruéis daqueles que o tinham decepcionado. Ora, não podia acontecer-lhe outra coisa que não decepcionar-se. Por se enganar, muitas vezes desconfiou de si, embora se esquecesse depressa dos seus próprios infortúnios que lhe aconteciam por embarcar num novo barco. Como a sua ingenuidade política era acompanhada por uma grande inteligência e uma sensibilidade extremas, sofria muito com os seus erros. Tinha um sentido de amizade extraordinariamente desenvolvido, e uma grande necessidade do calor humano que se liberta dos grupos. Era um amigo incomparável; não se faz ideia dos requintes que ele conseguia conferir à amizade, da delicadeza do homem, da sedução da sua elegância moral. Apesar de todos os desacordos, de todas as desavenças que nos separaram, con-


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servo dele uma emocionada, uma enternecida memória… No princípio dos anos vinte, quando o conheci, parecia ter todos os dons, todas as perícias: esperávamos muito dele. Não cumpriu todas as promessas… Mas é ainda assim um escritor importante, uma testemunha… e um inesquecível amigo.» Estas palavras talvez nos permitam sentir menos espanto perante o seu extravagante percurso político. Mobilizado para a guerra de 14-18, opôs-se ao inimigo germânico com patriotismo e glória de ferimentos na cabeça e num braço; escreveu extasiados poemas de guerra em papéis perdidos na agitação de entre fronteiras. No seu texto «Sur les écrivains» lemos isto: Foi preciso o clima de febre, desinteria, lepra, o infame calor naquele quarto de hospital cheio de incontáveis presenças berradoras e de uma ofuscante violência, e sob a coifa branca aquele sorriso de desprezo e piedade, ser humilhado por aquele ferimento sem fim, para eu poder entrar em verdadeiro e total contacto com este alto lirismo que faz, quase sem outra ajuda, a sagração do nosso tempo… Graças ao choque que tinha sentido ao ler as Cinq Grandes Odes [de Claudel], atirei-me a uma espécie de brutal e ofegante escrita de versos com métrica, boa resposta à violência emocionada que se acumulava desde há um ano no meu ser. Drieu la Rochelle voltou patriota e pacifista à vida civil, muito próximo de Raymond Léfebre, um dos fundadores do partido comunista francês. Quiseram em 1931 pendurar-lhe a Legião de Honra ao peito, e recusou-a: A concepção extremamente livre que faço da arte proíbe-me de ir à procura, e também de aceitar, qualquer honra oficial. Sonha com uma Europa federalizada e governada por um regime autoritário, a única forma que imagina susceptível de a defender dos valores burgueses com grande representação entre os ju-


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deus. A sua simpatia pelo comunismo começa porém a embaciar-se quando sente um perigo de esmagamento da Europa entre duas forças incontroláveis, da URSS e dos Estados Unidos da América. Autoridade por autoridade, não seria melhor a do fascismo? Uma viagem à Alemanha obriga-o a escrever numa carta este cândido entusiasmo pelas festas nazis de «esmagadora beleza»: Desde os Ballets Russos, não assisti a nada com tamanha emoção artística. Um povo capaz de um tal brilhantismo em comemorações patrióticas, superaria nas suas potencialidades a nostalgia severa do povo russo. Em Maio de 1940, quando Hitler invade a França já La Rochelle sabe bem o que quer: O fascismo, escreve ele, é o movimento que se dirige com maior franqueza e mais radicalmente ao sentido da restauração do corpo — saúde, dignidade, plenitude, heroísmo — no sentido da defesa do homem contra a grande cidade e contra a máquina. O fascismo, que nalguns pontos assimila o que é possível do socialismo sem cair na utopia, ultrapassa o socialismo pelo seu sentido do homem. A surpresa que todas estas palavras causam aos seus amigos fá-lo sentir-se com necessidade de justificações, como esta numa carta a Vitoria Ocampo, a sua grande amiga que o ouve longe, na Argentina: Voltei à primeira ideia que tive a seguir à guerra. Uma vez que não sou comunista, e até sou anticomunista, sou fascista. […] Acho que só podemos ser politicamente fascistas ou comunistas — o resto em todo o lado se desfaz (democracia, radicalismo, liberalismo, catolicismo, conservadorismo moderado, etc.). Só é possível recusarmos o fascismo e o comunismo metendo-nos num outro plano que não é o da política, recusando a política… Apesar de serem tão grandes as semelhanças entre o fascismo e o comunismo, por que não poderemos preferir um ao outro? É que os fascistas são os cínicos e os comunistas os hipócritas. Os fascistas confessam a sua


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violência, a sua tirania, ao passo que os comunistas negam formalmente a sua. Todo este mecanismo mental fez La Rochelle sentir as invasões de Hitler, protegidas do lado leste pelo pacto de não agressão assinado em Agosto de 1939 entre ele e Estaline, como primeiro passo para a Europa federal supervisionada por uma firmeza de princípios que ele só associava à civilização germânica. A estas traidoras aprovações do invasor deu a linguagem política, como se sabe, o nome de «Colaboração». O colaborador La Rochelle escreveu para jornais pró-nazis e ganhou um grande prestígio como intelectual francês considerado pelo invasor com lucidez política que reconhecia as excelências do projecto mein-kampfista sobre os que pertenciam à débil, burguesa e degenerada Europa. Mas… A desilusão. Oh!… Já esgotei o meu furor e nada mais tenho a provar. Porque eu queria provar o que é apenas uma zombaria. Os Alemães não são mais fascistas do que os Franceses, e tudo se perde num rumor de carnes em salmoura. […] O fascismo, afinal, só era isto! O fascismo não era mais forte do que eu, filósofo da violência com pantufas. Hitler saberá fazer melhor do que já fez? Os marxistas tinham razão: o fascismo só era uma defesa da burguesia. Agora (e desde há um ano assim é) todos os meus votos vão para o comunismo. La Rochelle compreendeu que maus dias e talvez a morte por fuzilamento lhe estariam destinados. Eu podia ir para Espanha, para a Suíça, mas não — já ele tinha escrito no seu Récit Secret — há outra coisa para além desta, que seria eu distanciar-me da vida; […] há o orgulho. Não quero renegar, não quero esconder-me, não quero ir para a Alemanha e não quero que patas sujas toquem em mim. […] Sim, sou um traidor. Sim, estive com o inimigo. Levei a inteligência francesa ao inimigo. Não tenho culpa, se este inimigo não foi inteligente.


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Esta sucessão de portas fechadas já anunciava o dia da grande dose de Luminal. O suicídio, está numa frase do seu romance Gilles, é a vingança antiga, eterna, o gesto deprecatório do vencido que atira ao vencedor o seu sangue. Mas — pouca sorte a sua — no dia seguinte a esta primeira decisão de suicídio, a sua cozinheira ainda o encontrou em condições de ser internado num hospital. No hospital cortou os pulsos, mas foi salvo a tempo por uma enfermeira. Só de regresso a casa, no dia 16 de Março de 1945, pôde precaver-se eficazmente contra quaisquer interferências que o contrariassem pela terceira vez nos seus desígnios; abriu o gás, e para maior segurança aspirou-o entontecido pelo conteúdo de três tubos de Gardenal. «Este rapaz debochado», escreveu François Mauriac em La Table Ronde, «cínico naquilo que dizia, que brincava com a sua inacção por saber que o seu encanto era feito de languidez, foi um verdadeiro espírito inflexível, um lógico a quem uma certa interpretação dos dados históricos de 1919 precipitou numa via sem mais saída do que morte de um cervo extenuado, perseguido pelos cães. Espírito flutuante, mas que só flutuava entre dois pólos: a revolução social e a grandeza da França. E de uma tal forma que a aproximação de duas palavras, nacional e socialismo, soube fasciná-lo e pareceu-lhe a síntese da verdade histórica.» * Drieu la Rochelle fez dos últimos dias do seu amigo Jacques Rigaut um relato que não ilude a vontade de também ser — bastantes parecenças entre os dois havia — um implacável auto-retrato. Escrevi-o de um só fôlego, disse-o numa carta a Marcel Arland, para me desembaraçar de um peso, passando por um caminho onde Rigaut tinha passado com o dele, que também era o meu. Ne-


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nhuma das peripécias é textual, embora se apresentassem logo de início como típicas de uma série de factos cruelmente inscritos dentro de mim. Nada acrescentei nem cortei ao que no primeiro momento se impôs; e a verdade é que tudo estava desde há muito remastigado e digerido; mas a parecer, sem dúvida, que se trata de uma escolha cuidadosamente efectuada. Hoje sabe-se o que existia de autêntico nesta confissão. Os impulsos do suicídio impediram-no, por certo, de destruir tudo o que pudesse vir a contradizê-lo nas suas «verdades». Subsistiram, no que ele deixou escrito e disponível depois do seu dia de gás e Gardenal, três versões de O Fogo-Fátuo, e todas com assinaláveis divergências na escolha e na localização dos episódios. Pode mesmo verificar-se que algumas cenas do romance foram cinco vezes escritas. Na altura da sua morte, Drieu la Rochelle já era autor de uma extensa bibliografia onde se sucedem obras de ficção e ensaios de inspiração literária e política. Hoje é mais lido como romancista, um romancista que se foi acrescentando, disse ele, com dúvidas e sensações de intruso: Parecia-me que avançava como um intruso num domínio onde outros tinham sido sempre os mestres e onde eu não tinha nenhum direito de estar. A sua vocação literária misturou-se, no entanto, com a vocação política; e esta, em muitos períodos, com força dominante ao ponto de o fazer sentir-se híbrido, sem coragem de apenas uma voz num único destes campos: Por que não sou um artista puro?, escreveu em Gilles. Há esta paixão política, e lamento não ser um mais puro, um maior artista. Ou ser então um autêntico político. O Fogo-Fátuo imagina Jacques Rigaut nos seus últimos dias de vida, através de sete encontros com pessoas das suas relações que lhe fazem sentir, de diferentes formas, uma eficiente cumplicidade com o mundo, nenhuma com lugar possível entre as dúvidas e as certezas do seu percurso de homem belo mas pouco hábil no amor,


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de escritor falhado, de um não resistente às seduções da heroína, de um ser ferido pela incapacidade de amar e se fazer amar. O Alain de La Rochelle atravessa as suas páginas em luta contra alguns demónios; os de uma medíocre eficiência sexual, cada vez menos desculpada perante o decréscimo dos seus atributos físicos, o do medo de um envelhecimento que lhe recuse a protecção de mulheres ricas, única forma que conhece de suportar o mundo e a vida. E por causa de tudo isto ouve-se, desde a primeira página, o estampido de um tiro final. Será inútil querer encontrar um qualquer conteúdo político em O Fogo-Fátuo. O seu Rigaut, aqui chamado Alain, brilha e apaga-se como a chama dos pântanos na noite de Paris povoada por seres que ele não consegue prender nem chamar à sua necessidade de afecto. A sua maior contradição — de um pequeno-burguês com supremas exigências de elegância, e do dinheiro que essa elegância necessita para se fazer mostrar numa sociedade que ele, por outro lado, despreza — fá-lo arrastar-se por uma solidão armada com espinhos interiores. Ela não lhe consente encontrar razões para viver, e apenas lhe denuncia a mentira daqueles que o rodeiam. Alain sente como única solução o suicídio, recurso dos homens com a mola roída pela ferrugem, a ferrugem do quotidiano. Eles nasceram para actuar mas retardaram a acção, e a acção volta por ricochete a atingi-los. O suicídio é um acto, o acto dos que não conseguiram levar outros até ao fim. Por duas vezes o cinema se lembrou de O Fogo-Fátuo: em 2011 com Oslo, 31 de Agosto do norueguês Joachim Trier, que o transportou na sua essência para o seu país e a sua actualidade; e em 1963 Louis Malle com alguma liberdade, também, mas eficiente nas imagens de um vazio existencial que ouvia atrás de si, musicalmente segredadas, as Gymnopédies de Erik Satie. A.F.


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Naquele momento Alain olhava com obstinação para Lydia. Mas perscrutava-a assim desde que ela, três dias antes, chegara a Paris. Do que estaria à espera? De um súbito esclarecimento a respeito dela ou de si próprio. Lydia também olhava para ele com olhos dilatados mas sem fixidez. E não tardou que voltasse a cabeça, baixasse as pálpebras e ficasse absorta. Em quê? Em si própria? Seria realmente dela, a cólera rabugenta e consumada que lhe inchava o pescoço e o ventre? Não passava do humor de um instante. E já tinha acabado. O que também fez com que ele deixasse de a olhar. No que lhe dizia respeito, a sensação tinha deslizado, tão impossível uma vez mais de agarrar como uma cobra entre duas pedras. Manteve-se durante um momento imóvel, deitado em cima dela, mas não se abandonava, crispado, soerguido pelos cotovelos. Depois, como se a carne faltasse aos seus deveres sentiu-se inútil e, ao lado dela, voltou-se para cima. Lydia estava estendida quase à beira da cama; ele só teve espaço para ficar de lado, bem encostado e mais alto do que o seu corpo. Lydia voltou a abrir os olhos. Não viu mais do que um busto peludo, e nenhuma cabeça. Mas não se importou: não tinha passado por nada de muito violento, embora o gatilho tivesse ainda assim estalado; não mais do que isto ela tinha alguma vez conhecido, uma sensação que não irradiava mas era nítida.


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A fraca luz que tiritava na lâmpada do tecto só deixava ver, através do lenço com que Alain a tinha embrulhado, paredes ou móveis desconhecidos. — Pobre Alain, como sofres — disse ela ao fim de um momento; e sem mostrar pressa deu-lhe um lugar. — Um cigarro — pediu. — Passou muito tempo… — murmurou ele com uma voz sem expressão. Agarrou no maço que tinha tido o cuidado de pôr minutos antes na mesa-de-cabeceira, quando se tinham deitado. Era um maço intacto, mas o terceiro daquele dia. Rebentou-o com um golpe de unha, e sentiram prazer em tirar do invólucro que os apertava dois pequenos rolos brancos, bem cheios de um cheiroso tabaco, como se estivessem desde há muito a passar por uma privação. Sem ter o trabalho de voltar a cabeça, deitando-se de costas e dando uma torção ao bonito ombro ela procurou com uma mão cega a sua carteira na outra mesa-de-cabeceira, tirando de lá um isqueiro. Os dois cigarros chamuscaram. A cerimónia tinha acabado, era preciso falar. Não era aliás uma coisa que os aborrecesse, como antigamente acontecia; já sem medo de se mostrarem, chegara qualquer deles ao ponto de achar que a realidade do outro era curta mas ainda saborosa; talvez se tivessem deitado juntos uma dúzia de vezes. — Sinto-me contente, Alain, por estar um instante sozinha contigo. — Talvez tenhas tido uma permanência um pouco atribulada. Ele não tentou desculpar-se pelo que tinha acontecido. E ela não o culpava; bastava-lhe andar com ele para correr o risco


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de tais incidentes. Mas não estaria, ainda assim, a fazer algum secreto esforço para se convencer de que viver três dias com Alain em Paris era passar um na esquadra da polícia, depois de a apanharem a acompanhá-lo num covil de drogados? — É verdade! Esta manhã vais-te embora — acrescentou ele com a voz levemente velada por um despeito. Lydia voltava no mesmo Léviathan que a tinha trazido. Mas fora obrigada, durante toda a noite anterior, a telefonar porque não tinha feito em Nova Iorque, seu local do regresso, nenhuma reserva, apesar de declarar que se limitaria a uma curta passagem por Paris. Teria sido desleixo ou uma secreta ideia de ali ficar? Neste caso, o incidente policial é que a fazia partir, aquela noite passada numa cadeira e no meio de detectives com cheiro forte e a deitarem-lhe fumo para o nariz, enquanto Alain ia mostrando um ar abatido que a surpreendia. Apesar da sua nacionalidade americana e de imediatas intervenções, a humilhação tinha durado várias horas. Estava no entanto obstinada. — Alain, temos de nos casar. Dizia-lho para ele saber que apanhara por causa disso o Léviathan. Seis meses antes, recém-divorciada, tinha uma noite ficado noiva de Alain numa casa de banho de Nova Iorque. Mas passados três dias casara-se com outro, um desconhecido de quem se tinha, aliás, separado pouco depois. — Não tarda que o meu divórcio seja declarado. — Não direi o mesmo do meu — respondeu Alain com indiferença um tanto afectada. — Bem sei que ainda gostas da Dorothy. Era verdade, mas isso não impedia que tivesse vontade de se casar com a Lydia.


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— Mas a Dorothy já não é a mulher que te convém; não tem dinheiro suficiente e deixa-te andar por aí à solta. Precisas de uma mulher que ande sempre atrás de ti; sem isso pões-te muito triste e arriscas-te a fazer sei lá o quê. — Conheces-me bem — gracejou Alain. Durante um momento o seu olhar tinha brilhado. Ainda o encantava, uma mulher com vontade de se casar com ele. Durante anos sonhara deitar a mão a uma mulher; era o dinheiro, o abrigo, o fim de todas as dificuldades que lhe causavam arrepios. Tinha havido Dorothy, mas não possuía dinheiro suficiente e ele não soubera conservá-la. Saberia fazê-lo com esta? Podia sequer chamar-lhe sua? — Nunca deixei de querer casar-me contigo — continuou ela num tom onde não havia um pedido de desculpas nem ironia. — Mas apareceu esta complicação que me atrasou. Vivia desde há anos num mundo onde estava assente que nada devia explicar-se nem justificar-se, onde tudo era feito sob o signo da fantasia. De acordo com a mesma regra, Alain não conseguia sorrir-se. — Tens de regressar a Nova Iorque para acabares de vez com a Dorothy; senão arriscas-te a andar metido outra vez com ela. Vamos casar-nos lá. Quando é que podes lá ir? Quando é que ficas desintoxicado? Falava sempre no mesmo tom, sem dar mostras de nenhum ardor. E nem se interessava por ler qualquer coisa no rosto de Alain; fumava deitada de costas enquanto Alain, apoiado num cotovelo, olhava para mais longe do que o sítio onde ela se encontrava. — Já estou desintoxicado. — No entanto, se a polícia não aparecesse na casa daquela gente, tinhas fumado.


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— Não tinha. Tu é que talvez fumasses, comigo a olhar para ti. — Acreditas nisso? Seja como for, foste aos lavabos do restaurante consumir heroína. — Claro que não; é um velho hábito, ir aos lavabos. É verdade que Alain não voltara a drogar-se; mas ir aos lavabos tinha sido sempre um alibi para justificar ausências demoradas. — E depois, Alain, dizem que é impossível desintoxicarmo-nos. — Sabes muito bem que não tenho vontade de me matar com a droga. A resposta era terrivelmente vaga; mas Lydia nunca fazia perguntas nem esperava respostas. — Quando nos casarmos, vamos viajar até à Ásia — contentou-se em acrescentar. Parecia-lhe que a agitação era a melhor forma de tudo se resolver. — Isso mesmo, à Ásia ou à China. Ela sorriu. Levantou-se e ficou sentada. — Oh! Já é dia claro, querido Alain, tenho de voltar para o hotel. Através das cortinas corria um elemento sem nome. — Só tens que tomar o comboio às dez horas. — Ah, sim! Mas tenho uma porção de coisas a fazer. E também um encontro com uma amiga. — Onde? — No hotel. — Ela estará a dormir. — Acordo-a — Vai insultar-te.


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— Não faz mal. — Vamos lá então. Mas quando ele ia levantar-se foi assaltado por um escrúpulo ou um receio. — Volta outra vez para os meus braços. — Não, meu caro, assim está muito bem, estou satisfeita. Mas dá-me um beijo. Deu-lhe um beijo tão solene, que ela sentiu vontade de continuar em Paris. — Tenho uma forma muito especial de gostar de ti — disse lentamente Lydia, acabando por olhar para o seu belo e emaciado rosto. — Agradeço-te por teres vindo. Alain disse-o com a discreta emoção que às vezes deixava transparecer e, ao ser manifestada de um modo inesperado fazia as pessoas sentirem de repente que lhe estavam ligadas por um grande afecto. Mas cedeu, como era seu hábito, a um absurdo movimento de pudor ou elegância, e saltou para fora da cama. Ela fez o mesmo e desapareceu na casa de banho. Enquanto Lydia retirava da intimidade do ventre o selo da esterilidade e procedia a uma breve ablução, nenhum interesse mostrou por o espelho reflectir belas pernas, belos ombros, um rosto delicado mas anónimo à custa de palidez, e estúpido por causa daquela frialdade pedida de empréstimo. A sua pele era o couro forte e sujo de uma mala de luxo muito viajada. Os seus seios eram rótulos esquecidos. Afastando as coxas, enxugou-as onde os músculos eram um pouco mais moles. Depois voltou ao quarto, para ir buscar a sua carteira. Alain andava de um lado para o outro e fumava outro cigarro. Lydia também acendeu um. Ele olhou-a sem a ver com


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Alain saltou do táxi para entrar num bar dos Campos Elísios. Ia telefonar dali; era mais agradável do que uma tasca de Montmartre. Gostava do conforto público; recuperava a sua trajectória com uma volúpia triste. Durante anos tinha telefonado todas as noites dos bares para alguns apartamentos, e desses apartamentos para os bares. Sentia uma pressa a subir dentro de si. Quando a vitalidade diminui, o que resta dela manifesta-se com a nossa pressa em gastar-nos. Pediu um uísque, entrou na cabina e anunciou a Praline que tinha chegado; depois saiu e agarrou no copo que tinha deixado no bar. Olhou então um pouco para o que havia à volta: nos últimos dez anos as caras eram as mesmas. Num canto, três ou quatro senhores apertados nas suas roupas e com olhar melífluo tinham sido jovens antes dele. Um engordara, outro perdera o cabelo, mas mostravam o mesmo sorriso embaciado. Conheciam Alain e censuravam-no. — Já reparaste naquela cara? A droga. — Casou-se com uma mulher sem um tostão. — Está acabado. Mas tinha bom aspecto. O Richard esteve muito apaixonado por ele. Tivesse ele querido… Alain bebeu o uísque. Os olhares já não o atingiam; não se preocupava em agradar, quer às mulheres, quer aos homens; tinha agradado.


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Ali, naqueles lavabos à sua direita consumira pela primeira vez heroína. Não tinham mármore, como agora. Nessa altura ele estava com a Margaret. Mais uma americana. Era jovem, bonita, elegante, e o seu sorriso dava a ilusão de uma ultrajada ternura. Alain dizia-lhe que ela nunca o esqueceria. Aqueles senhores do fundo do bar levavam-lhe a mal não ter caído para o lado deles. Mas umas quantas experiências tinham-no feito sentir uma repulsa que a pretensão de tudo experimentar não conseguira vencer. Gostava no entanto da sua companhia, porque longe de mulheres melhor sonhava com elas. Durante horas, anos, toda a sua juventude, tinha estado de pé em bares como agora estava. Olhavam-no e ele olhava para os outros. À espera. Acabou de beber. Pagou. Saiu. Lá fora estavam os Campos Elísios, os charcos de luz, os infinitos espelhos. Automóveis, mulheres, fortunas. Ele nada tinha e tudo tinha. O uísque e a droga perseguiam-se e cavalgavam-se com ondas ardentes e frias, mas regulares. O hábito. No fundo, um ritmo tranquilo. Etapas abstractas. Tomou outro táxi mas sem olhar, de um lado e do outro, para nada. Da cidade que de um e outro lados se levantava e baixava, só lhe saíam fracas evocações voláteis, algumas recordações pessoais. Alain nunca tinha olhado para o céu nem para a fachada das casas, nem para o soalho: as coisas que palpitam; nunca olhara para um rio nem para uma floresta; vivia nos quartos vazios da moral: «O mundo é imperfeito, o mundo é mau. Reprovo, condeno, aniquilo o mundo.» A sua família julgara que ele tinha ideias subversivas. Mas não tinha ideias, faltavam-lhe de uma forma atroz. O seu espírito era uma pobre carcaça vasculhada pelos abutres que planam sobre as grandes cidades vazias. Desceu do táxi. Pagou


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Alain olhou para Brancion, que não lhe retribuiu o olhar. — Queres um porto? Como Lavaux tinha sempre muito bom vinho do porto na sua casa, recusava-se a oferecer cocktails. Mantinha o que era tradição da sua mãe. E não do seu pai?… Talvez, embora lhe fosse preciso escolher entre vários pais: um príncipe, um pintor, um actor saído do povo. Mas o bom senso fazia-o ficar pela mãe, gozando do rico mistério, da rara liberdade de ser um bastardo. — Minha senhora, o jantar está na mesa. Foram para a sala de jantar. O que naquela casa agradava era não estar vazia. Nenhum excesso de coisas mas, numa palavra, requintadas: móveis, quadros, objectos. Tudo o que parecia inútil tinha uma utilidade secreta; era o contrário da casa de Praline. Boa cozinha feita por uma mulher da província, muito apurada, com cheiros de ar livre. Sentado, Alain olhou para todos. Agradavam-lhe estes seres separados de si por uma definitiva distância. Com a excepção de Mignac. Esse parecia-se muito com ele, ou tinha-se pelo menos parecido; e detestava-o. Alain estava entre Anne e Maria, que eram as antigas mulheres de Brancion. Barbara, a sua mulher actual, sentava-se à direita de Cyrille. Brancion estava à direita de Solange, com Anne do outro oposto. Todas as vezes que Brancion voltava a França, no prazo de vinte e quatro horas tinha de casar-se com uma mulher que seria abandonada no dia da sua partida. «Teve mulheres; roubou e matou; conhece a Ásia como o seu bolso. A mim desprezar-me-ia, se me conhecesse; mas não me conhece nem vai alguma vez olhar para mim.» «Toda esta gente vive, e podemos achá-la bonita. O Mignac exibe faces cheias de sangue; deitou-se às quatro da manhã, fez


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antes do meio-dia duas horas a cavalo; foi depois à Bolsa e ganhou dinheiro. No entanto, antigamente passeava comigo à noite, numa altura em que era tão incapaz como eu de agarrar com a sua mão a vida.» «Do que estão eles a falar?» Se estivéssemos ao pé de Anne, dava a ideia de que não se falava de nada. Seria estúpida? Pergunta inútil. Era calma e tinha um riso tranquilo; sentia-se contente com o seu amante. Começara por enganá-lo, mas fora a pouco e pouco absorvida por ele; dormia agora enrolada no calor das entranhas do seu dono. Cyrille falava alto, ria-se alto, interpelava todos ao mesmo tempo. Aquela hora era a sua razão de ser. Comia sem pressas nem atrasos a fortuna incerta que a sua mãe lhe deixara; já tinha vendido a casa de Touraine. De uma ponta à outra do ano festejava com os seus amigos Solange, aquele corpo abundante e fino, feito para os lençóis, aquele sorriso encantado, de um encantamento todo terrestre. Ela tinha uma moral sumária: o prazer. Mas um prazer que se confundia facilmente com o dos outros. Aos dezasseis anos afastara-se da sua família rica mas aborrecida, e tinha-se feito cortesã. Uma verdadeira cortesã, capaz de alegria, uma Manon. Estava agora casada com Cyrille e tinha-lhe dado filhas tão bonitas como ela. Já tinha passado por dois casamentos, as únicas fraquezas que poderiam fazer-nos comparar esta cortesã com uma mulher do mundo. Precisava de dinheiro, mas não mais do que Cyrille tinha. Dinheiro para animar o amor, amor para animar o dinheiro. Naquele momento amava Cyrille. E, quando amava, era sempre por um longo momento. Oh, épocas! Oh, camas!1. 1

Um evidente eco de Rimbaud: «O saisons! O châteaux!» (N. do T.)


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Brancion agradava-lhe? Brancion era melhor do que Cyrille, melhor do que Mignac, melhor do que Fauchard, o melhor de todos. — Brancion, o meu amigo Alain devora-o com os olhos — atirou-lhe Cyrille. Brancion olhou para Cyrille e não para Alain, riu-se com frieza e continuou a falar com Solange. Cyrille não era ciumento; pensava que ia ter durante vários anos a sua mulher; fazia bem o amor e ainda tinha mais dois milhões à sua frente. E depois? Depois, a sua juventude teria chegado ao fim. Aliás, saberia nessa altura reformar-se. «A segurança, a tranquilidade desta gente», repetia de si para si Alain, abrindo a boca como uma criança que recebesse das pessoas grandes as ideias mais rudimentares e simples, esquecendo-se de as aproveitar. Para que serve uma ingenuidade destas? À esquerda de Solange estava Fauchard, que tinha roubado Maria a Brancion. Maria era russa. Uma camponesa russa com rosto e corpo directamente talhados na madeira. Amava Fauchard, apesar da sua calvície atroz, de ser zarolho e andar mal vestido, de ter palavras pesadas. Recusara-se a casar com ele, mas continuava na sua casa. Dormia, brincava com os seus cães e os seus filhos, queimava cigarros e comia bombons. Nunca tinha aberto um livro, e mal sabia escrever as cinco ou seis línguas que falava. Fauchard, filho de um homem que tinha trabalhado muito, hesitara antes de substituir o seu pai na direcção das fábricas, porque fazia acima de tudo questão de passar intermináveis horas no comércio secreto das mulheres, e precisava para isso de pouco dinheiro. A tarefa parecia-lhe demasiado banal; mas, como era modesto, não se considerou bom de mais para


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ADEUS A GONZ AGUE


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O primeiro Jacques Rigaut, aquele excelente aluno do liceu Montaigne premiado por um notável domínio do francês, já esconde o adolescente excêntrico do liceu Louis-le-Grand, olhado com curiosidade e alguma violência pelos seus colegas. E em 1916, adiantada a guerra onde a França se defendia de armas e gases germânicos, ele tem os dezoito anos de idade que não saberiam dispensá-lo da mobilização; suave, embora, porque se limita a conduzir automóveis em Paris. Mas logo depois, em 1918 e com o físico adulto da maioridade, escolhem-no para a frente da Lorraine. Tem sorte porque o armistício pouco tempo lhe dá para combates duros. Volta àquela Paris que respirava de alívio, disposta a loucuras diurnas e nocturnas, com a literatura a querer sacudir o velho cheiro dos académicos. Tem pouca vocação para sofrer as disciplinas de um qualquer banal trabalho; mas aceita, enfim, mostrar-se sensível às obrigações pedidas a um secretário do pintor mundano Jacques-Émile Blanche. Além do mais, verá de perto os seus retratados que fazem um decorativo desfile de mundanos mas também incluem Cocteau, Joyce, Proust… Conhece então, e sente-se muito amigo, de Drieu la Rochelle. São ambos jovens e frequentadores de sítios públicos que reúnem os disponíveis para o amor, oferecem a sedução visual de um luxo que anuncia, com verdade ou mentira, dinheiro e acesso aos paraísos da droga. Gostam ambos de literatura, Drieu com muito favoráveis promessas de escritor, Rigaut nem tanto mas aceite na


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convivência de Tristan Tzara e dos dadaístas, e depois no grupo dos surrealistas. Veste bem, consome drogas, frequenta bares e precisa de dinheiro para se cumprir nesta ronda de elegâncias, substâncias injectadas, aspiradas e fumadas, de bebidas caras. Como é no trato simpático e na imagem bonito, põe a render os seus prestígios (mais físicos do que sexuais). E é nesta rotação de mulheres e leitos que entra em 1924 a americana rica Gladys Barber, a que vai casar-se com ele para uma ligação fugaz: a droga assusta-a, o macho desilude-a. Rigaut vive depois do desaire numa dramática miséria nova-iorquina que só termina com o seu regresso a França em 1928. Não teria onde dormir, não fosse o surrealista Paul Chadourne ceder-lhe uma habitação. Rigaut vai-se drogando e desintoxicando. Percorre nesta luta ineficaz especialistas na dissuasão de todos os vícios. E em Novembro de 1929, com muito gastos trinta anos de idade suicida-se numa casa de repouso de Châtenay-Malabry, com um tiro no coração. Cinco anos antes ele tinha-se lido no conto «La Valise vide», que o seu amigo La Rochelle incluíra no livro Plainte contre inconnu. Chamava-lhe Gonzague e, mais do que um retrato, fazia-lhe uma caricatura: A olhar para ele com os meus óculos ainda mal instalados, fiquei muito espantado por vê-lo coberto com mil pequenas fealdades que pareciam uma doença de pele. E nessa altura não compreendi que só estava assim porque nenhum de nós, desde há dois minutos, se mexia e os meus olhos velavam-se com mil manchas, viria a dizer em Le Jeune européen. Desconhece-se qual foi a reacção de Rigaut perante esta imagem agravada com bastante crueldade por La Rochelle. Ele, sem possibilidade de saber que ia prolongar-se em Drieu como personagem literária, e mal estivessem passados dois anos sobre a sua morte seria centro de outra ficção, agora com o nome de Alain e a


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preparar-se, com o ar efémero de um fogo-fátuo, para a drástica decisão de um tiro final; e que em papéis póstumos deste seu amigo escritor, destinado também a suicida, seria encontrado um texto em estado de primeira redacção, com duas palavras ainda em falta, que voltava a chamar-lhe Gonzague e era um emocionado ajuste de contas com o que tinha ficado menos explícito e menos tocado de pungente gravidade nas páginas de «La Valise vide». Não é a primeira nem será a última vez que derramo tinta no túmulo de um amigo, vai ler-se em «Adeus a Gonzague», a segunda de três tentativas de La Rochelle de se pôr em cena, sem piedade, na pele de Jacques Rigaut. Não tinhas talento. E tinhas cometido o erro de falar disso. A.F.


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Desde há muito eu queria escrever uma desculpa a Gonzague. Uma desculpa! O exame de consciência que fiz a nosso respeito em «La Valise vide», sabia eu bem que não bastava. Terrível insuficiência dos nossos corações e dos nossos espíritos perante o grito que era a tua prece. Via-te posto na rua com a mala vazia, e o que oferecia eu para a encheres? Censurava-te por nada encontrar no mundo, tão rico, tão cheio, para te fazer um viático. Mas nada te dava. E teremos talvez de confessar: os que nada encontram e por aqui permanecem sem saber o que fazer, talvez peçam; e só há uma coisa a fazer: dar-lhes. Chorei quando aquela mulher comunicou ao telefone: «Telefono para dizer que o Gonzague morreu.» Hipocrisia infecta, a destas lágrimas. Como sempre, a cobardia da esmola. Damos duas moedas e fugimos. E com que facilidade eu ia levantar-me no dia seguinte às cinco da manhã, para ir ao teu enterro. Quando se trata de enterros, sou sempre muito simpático. Através de um subúrbio — os subúrbios são o fim do mundo — e ainda do campo de Outono com um verde de legumes cozidos e ouro claro de quarto de dormir, debaixo de uma chuva fustigante, com um chofer que me falava do seu motor, cheguei a uma dessas terríveis pensões de família onde se vê que a melancolia e a loucura podem conviver bem com todas as mediocridades. Lá estava, debaixo da tua cama, a mala aberta onde acabavas por poder meter só uma coisa, a mais preciosa que um homem


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tem: a sua morte. Tinhas, graças a Deus, guardado o melhor, e ele não te faltava. Quanto a este ponto tinhas sido vigilante e indefectível: tinhas guardado a tua morte. Sinto-me muito feliz por te teres matado. Prova que te mantiveste um homem e sabias bem que a mais forte arma que um homem possui é morrer. Estás morto sem isso valer de nada; mas a tua morte prova afinal que a única coisa que os homens podem fazer no mundo é morrer; se tiverem qualquer coisa a justificar-lhes o orgulho, a sensação que têm da sua dignidade — como tu tinhas, tu, que foste constantemente humilhado, ofendido — é porque estão sempre prontos a deitar fora a vida, jogá-la com um só golpe certeiro num pensamento, numa emoção. Na vida só uma coisa existe, a paixão; e ela só consegue exprimir-se com o assassínio — dos outros e de nós próprios. Tinhas todos os preconceitos, todo esse tecido da vida social dos homens que é a nossa própria carne, que é uma carne tão aderente como a nossa carne sexual e animal — e que apenas podemos revirar sobre nós mesmos arrancando-a de uma forma magnífica e absurda. Vivias — o tempo que viveste — com toda a carne dos preconceitos revirada sobre ti. — Esfolado! Acreditavas em tudo: na honra, na verdade, na propriedade… O teu quarto estava tão bem arrumado como todos os lugares por onde passavas. Na mesa aqueles papéis, aqueles pequenos utensílios, aquelas caixas de fósforos empilhadas, aqueles papéis. Oh, literatura, sonho de criança que estavas sempre a ter e se tinha tornado um fruto seco e irrisório, escondido numa gaveta. Um lindo revólver, como todos esses objectos com os quais brincavas. Tudo era mortal nas tuas mãos: todas aquelas escovas no toucador. Penteavas o teu bonito cabelo vivo e ias para os salões, os bares, e um sentimento de amor impossível, nefasto, crispava o coração de algumas mulheres.


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ÍNDICE

O Fogo Fátuo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Adeus a Gonzague . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145


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Os génios, seguido de Exemplos, Victor Hugo O senhor de Bougrelon, Jean Lorrain No sentido da noite, Jean Genet Com os loucos, Albert Londres Os manuscritos de Aspern (versão de 1888), Henry James O romance de Tristão e Isolda, Joseph Bédier A freira no subterrâneo, com o português de Camilo Castelo Branco Paul Cézanne, Élie Faure, seguido de O que ele me disse…, Joachim Gasquet David Golder, Irene Nemirowsky As lágrimas de Eros, Georges Bataille As lojas de canela, Bruno Schulz O mentiroso, Henry James As mamas de Tirésias — drama surrealista em dois actos e um prólogo, Guillaume Apollinaire Amor de perdição, Camilo Castelo Branco Judeus errantes, Joseph Roth A mulher que fugiu a cavalo, D.H. Lawrence Porgy e Bess, DuBose Heyward O aperto do parafuso, Henry James Bruges-a-Morta — romance, Georges Rodenbach Billy Budd, marinheiro (uma narrativa no interior), Herman Melville Histórias da areia, Isabelle Eberhardt O Lazarilho de Tormes, anónimo do século XVI e H. de Luna Autobiografia, Thomas Bernhard Bubu de Montparnasse, Charles-Louis Philippe Greco ou O segredo de Toledo, Maurice Barrès Cinco histórias de luz e sombra, Edith Wharton Dicionário filosófico, Voltaire


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A papisa Joana — segundo o texto de Alfred Jarry, Emmanuel Rhoides O raposo, D.H. Lawrence Bom Crioulo, Adolfo Caminha O meu corpo e eu, René Crevel Manon Lescaut, Padre Prévost O duelo, Joseph Conrad A felicidade dos tristes, Luc Dietrich Inferno, August Strindberg Um milhão conta redonda ou Lemuel Pitkin a desmantelar-se, Nathanael West Freya das sete ilhas, Joseph Conrad O nascimento da arte, Georges Bataille Os ombros da marquesa, Émile Zola O livro branco, Jean Cocteau Verdes moradas, W.H. Hudson A guerra do fogo, J-H. Rosny Aîné Hamlet-Rei (Luís II da Baviera), Guy de Pourtalès Messalina, Alfred Jarry O capitão veneno, Pedro Antonio Alarcón Dona Guidinha do Poço, Manoel de Oliveira Paiva Visão invisível, Jean Cocteau A liberdade ou o amor, Robert Desnos A maçã de Cézanne… e eu, D.H. Lawrence


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Drieu la Rochelle O FOGO-FÁTUO

Drieu la Rochelle O FOGO-FÁTUO

tradução e apresentação de

Aníbal Fernandes O suicídio vingança antiga eterna o gesto do vencido que ao vencedor atira o seu sangue.

www.sistemasolar.pt

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