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Este livro foi publicado por ocasião da exposição «Alberto Carneiro – Árvores e Rios», com curadoria de António Gonçalves, realizada na Galeria Ala da Frente, em Vila Nova de Famalicão, de 10 de Junho a 23 de Setembro de 2017
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Duarte Belo
alberto carneiro n at u re z a d e n t ro
D O C U M E N TA
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Para Alberto Carneiro pelo pensamento que ergue do desenho para nos mostrar a delicadeza brutal da natureza.
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Abertura GuimarĂŁes FormĂľes, goivas, grosas, serras Biblioteca Arte Jardim Terra Regresso Cidade Nota final Sobre as fotografias Agradecimentos
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Abertura Este trabalho é sobre o projecto, sobre o desenho. É sobre a terra, sobre a arte, sobre as «cidades». É sobre a natureza, sobre a transparência da opacidade do que não vemos, sobre a densidade de um mundo fascinante. Partimos de uma situação concreta, vivida. Poucos dos seus alunos esquecerão as aulas de Alberto Carneiro e o seu olhar fixo em desafio ao nosso próprio olhar: jogo de procura do que está por trás dessa face, da vida e dos mundos que transportamos e reflectimos. 1987. Estávamos a aprender desenho na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Trinta anos passaram.
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Guimarães Faltam poucos dias para a inauguração e a exposição encontra-se em montagem, nos ajustes finais. Os Inquéritos [à Fotografia e ao Território] — Paisagem e Povoamento viria a inaugurar no dia 17 de Outubro de 2015, no Centro Internacional de Artes José de Guimarães, com curadoria de Nuno Faria. A exposição percorria uma série de trabalhos de fundo sobre o espaço português, desde 1881, data de uma expedição científica à serra da Estrela, até à actualidade. Uma parte muito significativa do trabalho de Alberto Carneiro que tem como elemento chave a fotografia, estava aqui em exibição. Percebemos o sentido destas fotografias no âmbito de uma exposição alargada sobre o território. Nelas está um olhar que hoje mantém toda a sua pertinência. Naquelas imagens está registada uma aproximação à natureza singular e única. Fotografias compostas com desenhos estão fixadas nas paredes brancas. Há cores vivas, dominantes; as fotografias são a preto e branco. São trabalhos de descodificação da natureza, de interpretação da paisagem, leitura, fascínio por tudo quanto era ali visível, da procura de relação, números, desenhos, geometrias, construção, significação. Depois há palavras que despoletam pensamentos, que acrescentam complexidade àquele mundo que se adensa em labirintos.
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Formões, goivas, grosas, serras Nas ferramentas de Alberto Carneiro antevemos um mundo de formas da matéria, da madeira trabalhada. Há uma questão de perplexidade que parece evidente quando observamos estes instrumentos: há aqui uma força extrema, ou a violência que encontramos na natureza, em todas as espécies que lutam pela vida: estas são as «armas» de um combate, mas esse combate é também um diálogo com os elementos que se trabalham, a que se molda um desenho, um projecto, uma orgânica nova que liga mundos distantes. São utensílios de força com polimento da mão, com marcas do uso prolongado. O paradoxo da dureza expressa naqueles cabos de madeira e naquelas lâminas é o facto de nelas terem origem peças de uma grande delicadeza. São os fazeres da mão, a dimensão humana sobre as paisagens.
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Biblioteca Subimos uma escada. Observamos, num primeiro relance, objectos de diferentes proveniências, objectos como que criaturas com a marca do tempo, tal como encontráramos nas ferramentas. Tudo está envolvido em livros, que revestem as paredes, arrumados em estantes. A biblioteca de Alberto Carneiro é uma cidade suspensa sobre a natureza, sobre o seu espaço de trabalho, sobre o imenso jardim que criou, que é a sua obra, onde quotidianamente trabalha. Há aqui busca de uma síntese, de tudo aquilo que fez, de um caminho que se ramifica em veredas densas, de um passado que ganha complexidade e espessura com o decurso do tempo. Nada é neutro nesta «cidade», tudo tem uma posição seleccionada, posta deliberadamente, pensada. Não haverá uma geometria totalitária, mas uma determinação de ordem topológica, accionada por uma memória sem fim, sem limites, por vezes apenas latente, mas que a qualquer momento desperta na construção de histórias, sempre irrepetíveis. Nas lombadas dos livros identificamos como que toda a procura humana das formas, da arte, dos sons, da palavra, como se na espessura daquelas paredes, na sequência ordenada das páginas de volumes desencontrados estivesse o sentido perplexo do espaço e do tempo contemporâneos. Estava ali plasmada toda a história conhecida da escultura, da pintura, da arquitectura, de todos os fazeres subtis que nos conduzem ao presente. Ali estava também a construção lenta de um fazer, as margens de uma vida funcional, a busca da arte que interpela o mundo desconhecido, a escultura de cosmogonias. Mas os livros são também futuro, são as leituras vindouras mesmo que nunca se venham a realizar, são uma reserva de tempo e de pensamento para viver mais tarde, são demora, presença, presente constante e imutável.
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Arte Descemos para um outro espaço onde estão algumas obras de Alberto Carneiro. Como que caminhamos entre as ruínas deixadas por uma tempestade, mas as marcas que encontramos são as das goivas e dos formões, das serras. Não se trata de uma paisagem assolada por uma catástrofe, por ventos ciclónicos, abalos violentos, derrocadas, cheias, matérias transportadas aleatoriamente para locais distantes. Aqui há o desenho que parte do envolvimento físico com as peças de madeira, pressentem-se gestos de uma luta dura, de um trabalho sem descanso, de uma força imparável, as mãos e o corpo sem repouso, o limiar da exaustão. As noites habitadas pelo desejo célere da madrugada seguinte. Deste tempo longo, que apenas intuímos, ficam as marcas delicadas, os veios subtis, as texturas surpreendentes. Uma nova natureza, como se este fosse o natural passo seguinte de formas que procuram a sobrevivência no diálogo com o tempo que passa sobre um mundo mutante, efémero, veloz e agreste. Observamos as pequenas intervenções, como as ataduras de algumas peças, que prendem os ramos, canas ou outros elementos vegetais. Este é mais um gesto que agarra o seu significado a uma leitura do mundo rural, das práticas longamente aplicadas em meios arcaicos, de práticas agrícolas antigas. No trabalho de Alberto Carneiro há uma transição da Natureza para a linguagem ou uma hipótese possível para o desenvolvimento embrionário de uma descodificação das formas da natureza, uma tradução de conexões, invenção de símbolos. Há uma interpretação do mundo que é transposta, que é deslocalizada, matéria nova, transformada numa outra coisa. Há uma decifração dos elementos do ambiente exterior para a invenção de uma mensagem partilhada. Peças de arte que são a proposta de um diálogo, da invenção da escrita, da palavra polissémica. Tudo existe de forma aleatória, ensaiam-se modos de permanência e este pode ser o sentido da existência, permanecer, movimentarmo-nos, levar longe no tempo os genes que transportamos, reserva de memória para a continuidade da vida.
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Jardim Saímos para o jardim exterior. Há humidade. Voltamos a encontrar peças dispersas, mas agora essas esculturas estão integradas com a própria natureza, aqui contida, limitada por muros. Há elementos trazidos de outras paisagens, pedras. Há o verde que cresce, que se entrecruza com o próprio imaginário que percorremos. Uma geografia imensa.
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Terra Viajamos para campo aberto, para longe. Lugares distantes e distintos. Observamos a natureza intacta, as suas formas vegetais. Não podemos ficar indiferentes a estes elementos, como se houvesse a necessidade de a eles justapormos uma linguagem simbólica que permita a sua descodificação. Constantemente relembramos o labor de Alberto Carneiro. A invenção da palavra parecia há muito estar inscrita nesta orgânica biológica que nos antecedeu e nos acompanha. Quando viajamos sob um céu descoberto ou nos caminhos da floresta, longe das cidades, há elementos que prendem a nossa atenção, sobretudo vegetais entrelaçados, troncos, ramos, teias finas de filamentos, musgos, como se neles nos sugerissem uma ausência de nós próprios, de uma condição racional, para o regresso ao passado muito remoto em que teremos dado os primeiros passos. Os lugares pouco povoados são espaços do tempo longo, onde os elementos estão sujeitos à ordem natural, onde os humanos não deixam a sua ânsia de transformação e fuga. No jogo humano de modelação da face dos solos, criar o seu próprio território, a Natureza interpela-nos com desconcerto, como que a deixar à nossa leitura que a Terra requer um compromisso para o seu habitar. Caminhamos sobre essa terra, respiramos eras antigas, um pouco do futuro, o ensaio evolutivo da significação inexistente. O tempo passa. Corpos celestes movem-se no frio escuro do espaço sideral. Cosmos. Imagens estranhas que encontramos num arquivo fotográfico de todos as viagens feitas no passado. De onde vêm as estranhas fotografias que atravessam todo o arquivo? Trinta anos de trabalho. Representações que procuram o significado das formas, como se nos prendessem à única possibilidade de sobrevivência, aqui, neste solo onde repousamos horizontais nas noites estrelas das caminhadas ininterruptas. Uma extraordinária viagem em que transportamos em nós o desejo de regresso a um mundo onde já não é possível voltarmos. Mas há olhares que nos permitem imaginar essa descoberta primordial.
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Regresso Deste mundo vasto, aberto, pleno de sinais, regressamos ao jardim. Há aqui duas naturezas em relação: os fazeres de Alberto Carneiro e a natureza que os envolve e com os quais a sua obra comunica. Há também a cidade habitada de que parece nos conseguimos ausentar momentaneamente. Como se, neste jardim, todos os gestos humanos e a evolução da natureza, da vida na Terra, da geologia, de tudo, tudo pertencesse a um mesmo desígnio, sentido. Mas os fazeres humanos estão integrados nesta marcha evolutiva, são os elementos que um universo em expansão pôs em relação, que gerou formas inexistentes no passado, num processo imparável. É a «seta do tempo», um mundo cada vez mais complexo e interminável nos labirintos que sucessivamente cria. Há em Alberto Carneiro desenhos que ligam territórios infinitos.
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© Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão (Ala da Frente), 2017 © Sistema Solar Crl (chancela Documenta) texto e fotografia © Duarte Belo Junho de 2017 ISBN 978-989-8834-76-8 Revisão: António d’Andrade ————— Depósito legal: 427314/17 Pré-impressão, impressão e acabamento: Gráfica Maiadouro SA Rua Padre Luís Campos, 586 e 686 (Vermoim) 4471-909 Maia Portugal