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Este livro foi publicado por ocasião da exposição «Alexandre Conefrey – Anima Mea», com curadoria de António Gonçalves, realizada na Galeria Ala da Frente, em Vila Nova de Famalicão, de 9 de Fevereiro a 18 de Maio de 2019 This book was published on the occasion of the exhibition “Alexandre Conefrey – Anima Mea”, curated by António Gonçalves and shown at Galeria Ala da Frente, Vila Nova de Famalicão, from 9 February to 18 May 2019
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Alexandre Conefrey
anima mea Textos | Texts
JoĂŁo Pinharanda Maria Filomena Molder
D O C U M E N TA
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A exposição «Anima Mea» de Alexandre Conefrey, com curadoria de João Pinharanda, esteve patente ao público na Galeria do Parque, Vila Nova da Barquinha de 15 Outubro 2016 a 14 de Janeiro de 2017 Uma parceria com o Município de Vila Nova da Barquinha dá a ver esta exposição na Ala da Frente, Vila Nova de Famalicão The exhibition "Anima Mea" by Alexandre Conefrey, curated by João Pinharanda, was shown to the public at Galeria do Parque, Vila Nova da Barquinha, from 15 October 2016 to 14 January 2017 A partnership with the Vila Nova da Barquinha Municipality now brings this exhibition to Ala da Frente, Vila Nova de Famalicão
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Anima Mea João Pinharanda
Estes desenhos de Alexandre Conefrey continuam a sua profunda pesquisa em torno do uso dos materiais, de certos temas ou ainda de novas formas de representação. Assistimos ao uso intenso do material mais básico do desenho (o carvão) e ao desafio dos limites máximos das suas possibilidades expressivas. O material satura as superfícies, é esmagado sobre a folha com uma força que parece excessiva. Mas, nessas manchas aparentemente caóticas, por vezes fugindo do centro da esquadria, outras ocupando-a na totalidade, outras ainda estabelecendo em vertigem os pontos de fuga da imagem, surpreendemos o aparecimento de imagens reconhecíveis. São formas definidas por uma grelha que, embora distorcida, nos devolve repetidamente essas imagens – ou melhor, os seus fragmentos. Conefrey vai buscar a um dos autores mais importantes da história da arte e a temas significativos da sua obra, da cultura ocidental ou da realidade local, as duas formas que apresenta. O artista é Brueghel, pintor flamengo do século XVI; as formas são a torre e o moinho. Se a torre é universal, na
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citação que faz à bíblica Torre de Babel que pretende figurar, o moinho tem o sabor local dos moinhos flamengos e holandeses. Devemos focar-nos neste jogo de sentidos (quase de oposição) entre o mito representado pela Torre (desafiadora de Deus, causa da dispersão dos homens e das línguas e nunca acabada) e o Moinho, ele também uma torre, ele também na linha dos mitos (a agricultura, o pão…), mas dominado por uma razão prática (a da indústria humana) e uma necessária utilidade. E focar-nos, também, no modo como o gesto do artista se estrutura a partir da disciplina exterior das imagens citadas, da vontade de as representar e de as devolver aos espectadores segundo a lógica de única possível condição individual e contemporânea: o fragmento (e considerando também a sua alma como fragmento). Paris, 25 de Setembro de 2016
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Poder Magnético e Furor Maria Filomena Molder
Um filme O Moinho e a Cruz, o filme de Lech Majewski de 2011, não só foi inteiramente concebido a partir de A Caminho do Gólgota de Pieter Brueghel como é, em parte, um ensaio de nos fazer entrar para dentro do óleo sobre madeira, enquanto ele está a ser pintado. Quando sai para fora da pintura, a câmara vai ao encontro do pintor e do seu maior coleccionador, bem como do furor persecutório dos esbirros do império espanhol na Flandres, vestidos num lancinante vermelho. São eles que perseguem, preparam a roda e a cruz dos martírios, enterram uma mulher viva, são eles que conduzem Cristo ao seu calvário (aqui regressa-se à pintura). As crueldades abundam e o silêncio é senhor. Sangue que jorra e coagula, ossos partidos, boca cheia de terra, torturas sem fim. Predominam no filme duas entidades enigmáticas, duas figuras-forças: o moinho e a teia de aranha (o moinho é uma figura de A Caminho do
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Gólgota, a aranha com a sua teia, não), escolhidos pelo realizador em associação com o crítico e historiador da arte Michael Francis Gibson. Que uma dessas figuras se descreva como natural e viva e a outra construída pelo ser humano em vista da sua sobrevivência é manifestamente insuficiente, sobretudo no caso do moinho bruegheliano, desprovido dessa urgência simbólica1. Mas comecemos pela aranha: ouvimos o pintor dizer que a aranha é ele próprio, a sua teia captura aquilo que vê e deseja dar a ver, por isso construirá a sua pintura como a aranha, que ele viu nessa manhã, constrói a sua teia. Primeiro, é preciso encontrar um ponto de apoio, caído no centro da teia: o Salvador, o elemento mais importante da pintura que Brueghel esconde, passando despercebido não só a grande parte dos personagens da pintura, como àqueles que estão a olhar para ela. E, depois, um eixo em torno do qual a vida e a morte rodam: o moinho2. Em todo o caso, se a imagem da aranha é boa para o poder de captura do pintor, a fim de que aquilo que foi capturado não corra o risco de cair no vácuo, tudo o resto fica na sombra, a saber, a composição da unidade secreta e ondulatória desta vasta plataforma, propagando-se num crescente que se evidencia pelo mover-se em direcção ao calvário – imóveis só as pedras sobre as quais se eleva o moinho, cujas velas parecem não se mexer –, que faz correr e arrasta isso que foi capturado (forças desconhecidas que emprenham a Terra e polarizam polifonicamente a composição). É mais do que uma aranha, o pintor. Por sua vez, o moinho, o inacessível moinho, é, segundo o personagem Brueghel do filme, Deus ou o grande moinho do céu, que observa —————— 1 Já no caso do filme, as coisas não são bem assim, pois há todo um enredo cósmico-doméstico (o moleiro, a mulher do moleiro, o ajudante de moleiro, em perspectivas escherianas), no momento em que a câmara entra para o interior do moinho, ele que na pintura é uma pequena casinha pendurada numa plataforma que pedras a pique sustentam, um pobre moinho de vento. 2 Na verdade poucos são os documentos que permitem uma aproximação à vida de Brueghel, a que temos acesso quase só, como no caso de Dante, através da sua obra (uma coisa de que gosto), coadjuvada por documentos epocais. Nunca saberemos se algum dia Brueghel terá pronunciado estas palavras acerca da sua pintura. Segundo Pierre Francastel, na monografia que sobre o pintor escreveu: «Tudo o que sabemos dele tem de ser tirado [...] da análise das obras.»
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com desgosto a vida daqueles que andam nela3. Bem estranho que assim seja, pois uma figurinha (o moleiro?), que nada aparenta de divino, empoleira-se, displicente, apoiando o braço direito num dos rochedos, nos quais se suspende a base em que o moinho assenta, para olhar a cena desproporcionada a só uma perspectiva, tantas são as possibilidades4. E, no entanto, apenas essa figura terá uma visão de conjunto, reunindo num lance – em que a apreensão de cada um se insere e se funde com a compreensão do todo5 – cada um dos quinhentos personagens, um cortejo de heterogeneidades, que enxameiam A Caminho do Gólgota. Eles são reconhecíveis topologicamente na relação que as suas paixões engendram – fuga, indiferença, angústia, perseguição, curiosidade doentia, medo, metidos na camisa-de-onze-varas das suas vidas – com o espaço construído por Brueghel, o lugar do Gólgota. Quer dizer, nesta fusão da apreensão com a compreensão há qualquer coisa de divino, mas no sentido parodístico. Aqui, poderia ainda entrar a diferença entre ver de longe e caminhar ao lado, tal como a estabelece Michel de Certeau: a cegueira própria da horizontal – os que caminham ou vão a cavalo estão embrenhados na acção – e a vidência ideal ínsita ao ponto de vista próprio da vertical. Neste caso, o ponto de vista irreal do moinho, que excede em muito as outras verticais que na pintura de Brueghel se erguem no extremo do lado di—————— 3 Ainda no filme ouvimos o pintor falar do pão que é feito no moinho e da sua pedra-de-toque, o vendedor de pão, figura insólita e secreta, que se mostra a meio da pintura em baixo, de costas voltadas para nós. 4 Há estudiosos que contaram sete perspectivas diferentes, talvez o aspecto mais extraordinário desta pintura de Brueghel. E, embora a multiplicação dos pontos de vista seja uma das marcas da sua arte, em nenhuma outra pintura ele exercitou este excesso. 5 Os termos «apreensão» e «compreensão» são entendidos aqui no sentido kantiano, e tomam a dianteira no momento em que ele trata do sublime na Crítica da Faculdade de Julgar, no quadro do sublime matemático, aquele que diz respeito à sensação de imensidão incomensurável, por exemplo, de uma cordilheira. Aí a nossa imaginação é incapaz de realizar ao mesmo tempo as operações de apreender, isto é, reconhecer uma a uma cada montanha que compõe a cordilheira, e de compreender, isto é, conseguir reunir todas as montanhas num todo. Neste caso, a imaginação ou apreende ou compreende: eis os efeitos da desmedida sobre o corpo humano, a matriz estética de toda a medida e anterior a qualquer outra (incluindo aquela que é fornecida pela matemática e os seus operadores).
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reito da tábua, sobressaindo do negro círculo maligno, constituído pelas cabeças vis dos espectadores sedentos de sangue: as cruzes dos supliciados, as dos dois ladrões, pois a de Cristo ainda vai a caminho na procissão, enquanto se prepara o terreno para a implantar no meio das outras duas. Daí, parece-me, o título do filme. Enquanto desenhava ou antes ou depois, pouco importa, Alexandre Conefrey viu este filme, e depois emprestou-me o DVD.
Paixões e teologia No séc. XVI, o século de Brueghel, há uma demência exasperante, um persistente delírio teológico sobre a relação entre natureza e graça, humano e divino. Muitas das teses em liça ressurgiram das polémicas sobre a natureza de Cristo, a relação entre a sua carne e o seu espírito: encarnação, morte e ressurreição, a sua relação com Deus-Pai e com a mãe, uma virgem, com todos os equívocos simbólicos associados, que se desenvolveram como cogumelos na época da primeira Patrística, chegando em meados da Idade Média a subtilezas extremas na argumentação lógica6. Não se pode deixar de ficar siderado pelas paixões que estas crenças provocaram, paixões mortíferas, entre os seguidores da Reforma e os Contra-Reformistas, mas também entre as várias seitas reformistas. Lembremos, por contraste, o nome de Caspar Schwenckfeld, cuja obra é reconhecida por Boehme (embora este se mostre crítico a vários aspectos das suas obras, talvez por lhe faltar subtileza teológica, acusação vinda de Lutero, que tinha por ele um ódio nunca sossegado). Eis um aspecto comum a Boehme e a Caspar Schwenckfeld, e de que Brueghel seria seguramente partidário: «um puro espírito sem corpo é um absurdo.7» —————— 6 As contradições lógicas engendradas por um tal delírio teológico alcançaram um ponto supremo com o Proslogion de S. Anselmo, onde se prova a existência de Deus pela ideia de Infinito de que nós somos capazes, nós que somos finitos, aproximando-se dos paradoxos da teoria dos conjuntos (Jules Vuillemin defendeu esta tese). Um caso absolutamente fascinante. 7 Cf. A. Koyré, Mystiques, spirituels, alchimistes du XVIe siècle allemand.
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Desde o início, desde S. Paulo, que a teologia cristã foi um dispositivo de guerra que, posteriormente, se tornou num instrumento de perseguição, tortura e morte. No séc. XVI, na época das terríveis lutas entre cristãos, esse dispositivo reacendeu-se de uma maneira inaudita. A Caminho do Gólgota insere-se nesse dispositivo, que nunca foi separável dos interesses políticos e económicos em liça, neste caso o Império espanhol e o domínio da Flandres. Brueghel pinta o seu quadro imerso num caldeirão de forças e paixões8.
Anima mea É o nome que Alexandre Conefrey deu a uma série de vinte e nove desenhos a carvão e pastel, outras tantas variações de dois motivos brueghelianos: a Torre e o moinho. Com origem, respectivamente, em A Torre de Babel de 1563 (versão maior, de Viena), a de 1565 (versão menor, de Roterdão) e A Caminho do Gólgota de 1564 9. Parece-me ser a versão menor da Torre (também a mais popular) a receber a preferência de Alexandre Conefrey, embora por vezes sejam detectáveis (ou eu os imagino) os influxos da sua sobreposição. Quanto ao moinho, trata-se de um elemento comum da paisagem flamenga que não poderia ser apresentado de modo mais incomum, empoleirado num nó —————— 8 Esta tradição criada por Brueghel prosseguiu naquele território que tinha sido a Flandres. Lembre-se o caso de James Ensor e A Entrada de Cristo em Bruxelas. 9 A Torre de Babel e o moinho alcantilado, bizarro, enigmático de A Caminho do Gólgota não podem deixar de ser emissários daquelas paixões. Pierre Francastel sublinha que na versão menor, A Torre de Babel, idêntica a si própria, arruinada já, exibe a maldição do eterno retorno, que se infiltra na repetição do motivo arquitectónico, recomeçando sem cessar. Na versão de Viena, o rei Nemrod, senhor da Terra e mandante da obra, apresenta-se com o seu séquito: «O imenso edifício aparece deste modo como o produto dos sonhos e das instituições humanas». Em relação ao moinho, os historiadores da arte são parcos, talvez com a excepção de Gibson, que contribuiu para a concepção do filme de Majewski, em particular no que diz respeito à composição da pintura e às ideias sobre arte do próprio Brueghel.
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de rochedos quase a pique sobre uma estrutura que nenhuma mão humana seria capaz de construir. E, no entanto, não haverá moinho mais humano. De salientar, por um lado, que em ambos os casos domina a vertical e os seus abismos. A escolha de Alexandre Conefrey em nada é alheia a esse domínio e respectivos abismos. E, por outro, este artista sempre teve gosto por dispositivos de guerra, que germinam em muitas das vinte e nove variações: dezoito desenhos da Torre e dez desenhos do moinho (falta um desenho, que foi oferecido antes do portfólio me ser emprestado e não sei se pertence ao motivo do moinho ou da Torre). Esse nome, Anima mea, é o coração do primeiro verso do primeiro Coro do Magnificat de Bach: Magnificat anima mea Dominum. Alexandre Conefrey ouvia repetidas vezes esta obra na época em que fez os desenhos. Portanto, acompanhando a sua feitura está o silêncio da Virgem, obedecendo ao anúncio grave, quase assustador (a aceitação de uma gravidez não esperada), que atravessa todos os versos e as vozes de todos os cantores, desde o coro até aos solistas. É essa obediência que se eleva no primeiro verso, em que ela fala na primeira pessoa, «anima mea», louvando o Senhor. Se, por contraste, na pintura de Brueghel e no filme de Majewski a Virgem é uma mulher velha, que já não louva, mas se lamenta, o silêncio ainda é o seu porta-voz. Também Bach viveu numa época difícil, embora já posterior ao horror das guerras religiosas. Herdeiro da Reforma, o que ele vê nos Evangelhos é a dor humana observável em Cristo, a dor dos que são perseguidos e torturados, o ódio dos violentos, a compaixão, a ira, a indiferença, a traição dos que amam. Mesmo que Alexandre Conefrey não tenha absorvido o hálito das guerras religiosas e os seus venenos e perversões, esse hálito parece agir nas manchas de carvão. Não que os debates teológicos se introduzam nas interrogações sobre o que seja pintar e desenhar, mas as palavras encarnação, morte e ressurreição açoitam tanto a ruína da Torre como os movimentos desvairados das velas do moinho. Muitas vezes olho para estes desenhos como se fossem desenhos religiosos, místicos.
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Graça e maldição Encontra-se em Hermann Broch uma maneira de compreender a Torre de Babel que não se vislumbra em mais ninguém. Segundo ele, a catástrofe originada pela sua construção, a saber, a confusão das línguas – e não a sua multiplicação, como é tradicional acreditar, quer dizer, a multiplicidade era já o sinal da condição humana, como Hannah Arendt tão bem mostrou –, interrompeu a tradução que as ligava umas às outras, sendo que as línguas embora diferentes eram familiares. Sublinhe-se ainda neste contexto que em hebraico não existe a palavra rosto no singular, apenas no plural (vénia a Erri de Luca). Para mostrar a maldição, não há como citar Dante que coloca Nemrod, o responsável pela construção da Torre (como arquitecto ou como mandante), o responsável pela inimizade ruidosa e muda entre os homens, no oitavo círculo, um dos mais profundos do Inferno, e transcreve, sem as perceber, as palavras desfiguradas que o maldito deixa escapar da boca possessa: Raphèl mai amecche zabé almi. E Virgílio incita Dante a afastar-se: Deixa-o e não falemos no vazio;/ que para ele é assim cada linguagem,/ como a sua é aos outros, só desvio. (Divina Comédia, «Inferno», XXXI, 79-80, tradução de Vasco Graça Moura) Mas para Broch a maldição não se fica por aqui, pois a confusão não ataca só a voz, ameaça também a escrita. Aliás, ele acaba por fazer coincidir os efeitos da construção da Torre com o incêndio, que retorna sempre, do qual a Biblioteca de Alexandria será o modelo, o incêndio que reduz a cinzas as palavras escritas dos homens. Por sua vez, a graça está em renovar o acto interrompido da tradução, aceitando a estranheza incalculável, irredutível, entre as línguas. A poesia é a origem maior daquela renovação. Não há lugar para a graça nem na Torre de Babel (nas duas) de Brueghel10 nem nas de Alexandre Conefrey. Ela parece ter sido arrancada do par de opostos em que Broch a inclui. —————— 10 Há quem diga que a Torre era em Brueghel o símbolo do litígio entre a Igreja católica e a religião protestante.
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Apenas a maldição é observável. E no caso dos desenhos de Conefrey ela opera desde o início, cumprindo o seu destino de destruição, em versões múltiplas e desencontradas perspectivas, outras tantas mutilações.
O tempo que passa Depois de ter visto pela primeira vez Anima mea na sala de exposições de Vila Nova da Barquinha, em Fevereiro de 2016, ficou-me uma atmosfera ígnea, sombria, ameaçadora, movimentos rápidos de fúria e contenção. Recebi as reproduções. Não bastava. Tinha de ver os desenhos de novo, um a um, à minha frente, e não reproduções. Alexandre Conefrey emprestou-mos por alguns dias, talvez duas semanas. Logo que comecei a folhear a pasta quase todos me vieram à memória, reconheci-os todos. Acabaram por não sair daqui durante muitos meses, mais de dois anos.
As matérias Nascido de uma combustão que pode durar séculos, a mancha orgânica do carvão estende-se, propaga-se, pó macio e brilhante. Sobre ele aplica-se o fixador, senão a mancha continuaria indefinidamente a alastrar, a sujar os dedos e a penetrar nos alvéolos pulmonares, a alterar a respiração. Matéria pobre, brinquedo de criança, o pastel salpica, desliza, embrenha-se no carvão, introduz a cor da prata, o branco sujo.
Fluxos, influxos e refluxos Como Pierre Francastel nos ensina de modo magistral, a natureza é em Brueghel um quadro, com o qual o indivíduo se confronta através das armas que lhe fornece o meio em que vive, o passado que recebeu em he-
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Alexandre Conefrey
Lisboa, 1961 | Lisbon, 1961 Vive e trabalha em Lisboa | Lives and works in Lisbon
Formação | Education Curso de Desenho na escola Ar.Co, Lisboa, 1993-1995. | Graduated in Drawing from Ar.Co, Lisbon, 1993-1995. Bolsas/Residências | Scholarships/Residencies Programa de Trocas entre o Royal College of Art, Londres, e a Ar.Co, subsidiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. | Exchange Program between the Royal College of Art, London, and Ar.Co, sponsored by Calouste Gulbenkian Foundation. Exposições Individuais | Solo Shows 2019 «Anima Mea». Galeria Ala da Frente, Vila Nova de Famalicão. 2018 «E...». Galeria Belo-Galsterer, Lisboa (project room). 2017 «Peso». Galeria Belo-Galsterer, Lisboa. 2016 «Anima Mea». Galeria do Parque, Vila Nova da Barquinha. «Fear knot fear». Vera Appleton Square, Lisboa. 2015 «Grazie Mille, Mille Grazie». Galeria Belo-Galsterer, Lisboa. «The Pit: dois abismos – um poço fitando o céu». Fundação EDP, Lisboa. 2014 «Mockingbird». Museu Nogueira da Silva, Galeria do Jardim, Braga. 2013 «Plus». Galeria Miguel Nabinho, Lisboa. 2012 «To cut a long story short». Giefarte, Lisboa. 2011 «Que horas são?». Giefarte, Lisboa. 2009 «La Badinage». Museu Nogueira da Silva, Braga. 2007 «Lyrica». Galeria Miguel Nabinho, Lisboa. 2004 «Hide and Seek». Galeria Pedro Cera, Lisboa. 2003 «Natureza Morta». Galeria Pedro Cera, Lisboa. 2002 «Honi soit qui mal y pense». Galeria Presença, Porto. 2000 Andrew Mummery Gallery. Londres, Reino Unido | UK. Galeria Sala Alternativa. Caracas, Venezuela. 1999 Fundação Calouste Gulbenkian. Paris, França | France.
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Consulado Geral de Portugal. Vigo, Espanha | Spain. «São Brandão e outras histórias». Galeria Pedro Cera, Lisboa. 1998 «Mon Pére». Galeria Pedro Cera, Lisboa. 1997 Galeria Paula Fampa. Braga. 1996 Galeria Alda Cortez. Lisboa. Exposições Colectivas | Group Shows 2018 «Uma Pequena História da Linha – Selecção de Desenhos da Colecção do Ar.Co». Casa da Cerca, Almada. «Arte em São Bento. Coleção António Cachola, 2018». Palacete de São Bento, Lisboa. «Le Portugal au Front. Visions d'artistes 1918-2018. Adriano de Sousa Lopes, Alexandre Conefrey, Daniel Barroca». Musée des beaux-arts d'Arras, cloître de l'Abbaye de Saint Vaast, Lille, França | France. «Bom Dia». Com Pedro Sousa Vieira. Museu Nogueira da Silva, Galeria da Universidade, Braga. 2017 «Prémio Amadeo de Souza-Cardoso». Amarante «Paperworks IV». Curadoria de Alda Galsterer. Galeria Belo-Galsterer, Lisboa. 2016 «Periplos/Arte portugués de hoy». CAC Málaga, Espanha | Spain. «Segunda Natureza. Coleção de Arte Fundação EDP». Curadoria de Pedro Gadanho e Luísa Especial. Fundação EDP, Lisboa. «Ninguém». Alexandre Conefrey e Paulo Brighenti. Giefarte, Lisboa. «Linhas do Tempo. As Coleções Gulbenkian. Caminhos Contemporâneos». Curadoria Penelope Curtis, João Carvalho Dias, Patrícia Rosas Prior. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. 2015 «Um horizonte de proximidades – Uma topologia a partir da Coleção António Cachola». Curadoria de Sérgio Mah. Arquipélago, Centro de Artes Contemporâneas, Ribeira Grande, São Miguel, Açores. «Paperworks II». Galeria Belo-Galsterer, Lisboa. «Oracular Spectacular. Desenho e animismo». Curadoria de Nuno Faria. Centro Internacional das Artes José de Guimarães, Guimarães. 2014 «Animalia e Natureza na Coleção do CAM». Curadoria de Isabel Carlos e Patrícia Rosas. CAM, Lisboa.
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2013 «Abecedário – 40 Anos do Ar.Co». MNAC-Museu do Chiado, Lisboa. 2012 «Traços, Pontos e Linhas_desenhos da Coleção António Cachola». Museu de Arte Contemporânea de Elvas, Elvas. «10 Anos». Galeria João Esteves de Oliveira, Lisboa. «Shoreline – artes plásticas na colecção do Ar.Co». Centro Cultural de Sines (CAS) e Centro Cultural Emmerico Nunes, Sines. 2011 «Paisagem na Coleção do CAM». FCG/ CAMJAP, Lisboa. 2010 «O Fio Condutor: desenhos da colecção de desenho». FCG/CAMJAP, Lisboa. «O Arquitecto de Nuvens». Com Rosa Carvalho e Gil Heitor Cortesão. Galeria João Esteves de Oliveira, Lisboa. 2008 «O Desenho Dito». Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, Almada. «Sobre a Defesa e o Ataque: Coleção António Cachola». Museu de Arte Contemporânea de Elvas, Elvas. «Quel air clair…». Obras da Colecção do Ar.Co. Parte II. Palácio Galveias e Museu da Cidade (Pavilhão Preto), Lisboa. 2007 «50 anos de Arte Portuguesa». Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. 2006 «Transfert – Obras do CAMJAP em itinerância». Lisboa, Fundão, Castelo Branco, Tavira. 2004 «Arte para Carlos Paredes». Cordoaria Nacional, Lisboa. 2003 «Guardi – A Arte da Memória». Centro Cultural de Belém, Lisboa. 2001 «Prémio de Desenho da EDP». Fundação de Serralves, Porto. «Streetwear». Mitra, Lisboa.
2000 «Os Últimos Dias». Fundação Calouste Gulbenkian – CAMJAP, Lisboa. «Accrochage». Galeria Pedro Cera, Lisboa. «Salon de Montrouge». Montrouge e Lisboa. 1999 «6 + 6, P. Brighenti e A. Conefrey». Galeria Paula Fampa, Braga. «Linhas de Sombra». Fundação Calouste Gulbenkian – CAMJAP, Lisboa. 1998 «Livros de Artistas». SNBA, Lisboa. «3.ª Bienal da AIP». Porto. 1997 «Pode a Arte Ser Afirmativa». Culturgest, Lisboa. «7.ª Bienal Internacional de Escultura e Desenho das Caldas da Rainha». Caldas da Rainha. «Bienal da Maia». Maia e Valladolid, Espanha | Spain. «Bienal dos Jovens Criadores do Mediterrâneo». Rijeka, Croácia | Croatia. 1996 «Sete Artistas ao Décimo Mês». Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.* 1995 «6.ª Bienal Internacional de Escultura e Desenho das Caldas da Rainha», Caldas da Rainha. Colecções | Collections Ar.Co Banco Privado Português para Fundação de Serralves, Porto Caixa Geral de Depósitos, Lisboa CAMJAP, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa Colecção António Cachola Colecção de Arte Fundação EDP Colecção Figueiredo Ribeiro Fundação Benetton Fundação Carmona e Costa Ministério dos Negócios Estrangeiros Diversas colecções particulares | Several private collections
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Agradecimentos | Acknowledgements Agradeço a todos os que tornaram este livro possível I thank all those who made this book possible
© Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão (Ala da Frente), 2019 © Sistema Solar Crl (chancela Documenta) Imagens | Plates © Alexandre Conefrey Textos | Texts © João Pinharanda, Maria Filomena Molder Fevereiro | February 2019 ISBN 978-989-8902-62-7 Fotografia | Photographs: João Alves Tradução | Translation: José Gabriel Flores Revisão | Proofreading: Helena Roldão Depósito legal | Legal deposit : 451481/19 Pré-impressão, impressão e acabamento | Prepress, printing and binding : Gráfica Maiadouro SA, Rua Padre Luís Campos, 586 e 686 (Vermoim) 4471-909 Maia Portugal