João Queiroz, Encáusticas

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Este livro foi publicado por ocasião da exposição «João Queiroz – Encáusticas», com curadoria de António Gonçalves, realizada na Galeria Ala da Frente, em Vila Nova de Famalicão, de 6 de Fevereiro a 21 de Maio de 2016 This book was published on the occasion of the exhibition “João Queiroz – Encáusticas”, curated by António Gonçalves, and shown at Galeria Ala da Frente, Vila Nova de Famalicão, from February 6 to May 21, 2016


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João Queiroz

encáusticas texto | text Maria Filomena Molder

D O C U M E N TA


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Viagem de Inverno Sobre dez encáusticas e uma aguarela de João Queiroz

Maria Filomena Molder


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Era como debruçar-se sobre um corpo aberto, ter à sua disposição as vísceras, o coração a bater no saco musculoso […]. Agustina Bessa-Luís, A Ronda da Noite


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Atrevimentos Não é só «a cabeça do melómano que está organizada por afinidades como a biblioteca de Aby Warburg» (Fernando Gil, «Exemplos Musicais», A 4 Mãos. Schumann, Eichendorf e Outras Notas, INCM, 2005), também quem se atreve a falar do que vê (pintura, desenho, aguarela, encáustica) pertence a esse acaso, que se torna princípio de construção e até método (há quem não consiga perceber). Sendo assim, comecemos. Há uma clareira ou deixou-se um vazio (ou foi-se apanhado por esse vazio), forças ocultas estão prestes a rebentar e só não causam estragos mortais — o que seria uma varredura completa que cegaria os nossos olhos — porque há outra força que as domou, que as deixa sair sem fúria e repente, embora a cor de sangue em duas das encáusticas seja um alerta e não se possam ignorar em todas elas vários graus de desmantelamento e vertigem, quer dizer, a domesticação da natureza selvagem não vai até ao fim (esta natureza é e não é a natureza engendrada pela própria pintura, embora seja nesta e só 11


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nesta que a outra pode ser vazada e medida, é mais como engolir, vomitar, ferir-se, o correr do sangue que não volta para trás, e também vento e tormenta, explosões no fundo da terra, inundações, rasgos cósmicos). Um fuso, uma vara de vedor, um septo (do coração, ventricular, auricular), uma agulha magnética, tudo bons motivos para um espaço vazio. Quanto à agulha, sabe-se que o Norte geográfico e o Norte magnético não coincidem. Essa pequena deslocação, não-coincidência, é a fonte de tudo ou quase tudo o que importa. Mostra-o à saciedade a árvore da vida cabalística, na qual há um elemento que não corresponde a nenhum ramo, isto é, não é nem uma emanação nem uma criação, uma formação ou uma acção. Sem residência, instável, ele situa-se entre duas emanações, a saber, a sabedoria e o entendimento, é um intervalo, maravilha das maravilhas, que não é anónimo, chama-se conhecimento (Daath): o abismo, o caos aleatório e fértil que nos cabe em sorte. Aquela dos pulmões de Bach também vem muito a propósito (assim viu Chillida o interior de Santa Sofia em Istambul). Há qualquer coisa disto nestas encáusticas: vísceras a céu descoberto, coração a bater, a cera protege-os. Para não deixar coalhar, mistura-se o sangue com vinagre. Agustina deu o mote.

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Nomes e actos Encáusticas, é preciso saber do que se trata. Vamos ao latim: encaustum, i, n. 1. Pintura encáustica (feita com cera, cores e fogo). 2. Tinta de púrpura de que os imperadores se serviam, para assinarem. A etimologia grega ainda calha melhor, pois o mesmo verbo e o mesmo substantivo servem para falar tanto de uma chaga provocada pelo fogo, como de uma pintura feita com cera que foi ao lume. Sempre nos admiramos com o mais evidente, isso que sempre pressentimos, i.e., que entre a pele, a ferida, a mancha, o desenho, a pintura, os contágios não param de se multiplicar. Quase se pode dizer, contra todos os idiotas de serviço, que, enquanto o leite se soltar do peito das mulheres, alagando as blusas, e o menino bolçar, soberanamente satisfeito, enquanto a criança sujar com lama as mãos, o rosto e o bibe, e a nossa pele for ferida, a pintura há-de existir. Lembre-se que ornamento e lepra estão, na origem mais antiga conhecida por nós, guardadas lado a lado, sem hierarquia, na mesma palavra que deu pintura em português. A relação entre os dois sentidos é um travo na boca.

Física e química Estas Encáusticas, promessas de fogo líquido, foram feitas todas ao mesmo tempo, misturava-se o acabamento de umas e outras, aliás como aconteceu com as aguarelas anteriores, onde a água era senhora. 13


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Não há nenhum preparado especial para a madeira, a madeira protege a cera (coisa que o papel ou mesmo a tela não fariam), a menos que sofra uma pancada por detrás, então haverá o perigo de estilhaçamento, de saltarem alguns pedaços nas zonas de maior concentração da cera. De modo equivalente às aguarelas, mas diferentemente, joga-se com a transparência e a opacidade. Voltaremos a isto. Às vezes aparece a cor quente da madeira. O pincel tem de ser duro (cerdas de porco), resistente à temperatura da cera derretida (aproximadamente 70º), mas — que felicidade! — não é preciso lavar — não é possível — lavar os pincéis: a necessidade poupa-nos a muita coisa. João Queiroz já tinha feito encáusticas, logo no início (exposição na Monumental, 1986). Agora, porém, foram as aguarelas a pedir-lhe as encáusticas, sobretudo uma das de 2015, num jogo oficinal e perceptivo de proximidade e distância. Quer dizer, pode-se trabalhar a encáustica como a aguarela, num caso fogo — aquece-se a cera já depois de misturada com os pigmentos, previamente escolhidos —, noutro, diluição em água. A cera é uma espécie de tinta, só que tem de ser aquecida num recipiente, por exemplo, uma frigideira, num fogão eléctrico. Tal como na aguarela, mas ainda mais, a secagem é muito rápida, é uma questão de segundos, exige-se velocidade e precisão dos gestos (e o acaso mete sempre o dente). Este artista gosta de rédea curta, operações de salvamento arriscadas.

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Quimicamente falando, e ao contrário da aguarela e do óleo, a encáustica é estável, i.e., a acção da atmosfera é nula, não interfere, enquanto fisicamente instável, basta uma leve pancada e a cera desloca-se, solta-se, pode cair para o chão. Gosto desta ideia, pois aproxima a pintura da escultura e subverte uma compreensão petrificada do que seja o interior e o exterior. Como Wittgenstein nos está sempre a lembrar, é o uso que dá vida aos gestos e aos actos (aqui não fazem falta as palavras, pois já se tornaram operações). Conforme os usos, assim os perigos e os esplendores. Se é preciso um pincel para estender e sobrepor, já para tirar e arrancar, aplica-se as unhas, um alfinete, uma pequena espátula, o cabo do pincel, conforme. Na encáustica não há absorção, há incisões, gravações, feridas e pensos: cirurgia e arte da cozinha. Também nas aguarelas (Stanca Luce) sobrevinha uma vontade de dilapidar a transparência e de não se socorrer da delicadeza que lhe é inerente, a água — mas usando paradoxalmente a seu favor o facto da aguarela tender a secar rapidamente —, através de diluições graduadas, conhecia o limite da turvação, do opaco. Agora é a cera, uma coisa viscosa que acendida se derrete e se houver pavio emana luz; a água evaporada tende a formar nuvens e volta a cair em gotas de chuva. Esse ciclo não pertence à encáustica. A atmosfera não a afecta. E, no entanto, aqui na Terra que podem elas ser mais do que atmosferas?

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Espelhos secretos e engenhos fúnebres Voltemos a olhar para estas paisagens, aquele fino bastão — vara, agulha magnética, septo — que divide quase ao meio a folha de madeira, às vezes muda de lugar e já não sabemos se veio de cima ou de baixo, pode ser que haja um espelho secreto ou vários espelhos, propositadamente colocados para engendrar simetrias demoníacas (as melhores são falsas). Há quem diga que não, que é tudo muito contemplativo e pacificador. Estou em crer que não temos aqui lugares de paz. Que animais estarão escondidos? O sangue parece marcar a passagem de uma vida, já escorreu, mas o brilho do fogo diz que ainda não secou. Violências em vários tons de azul, às vezes uma mescla de ocre. E então a clareira transforma-se numa mastaba, engenho fúnebre.

Meteorologias O que se passa naquelas entranhas de várias camadas de cera é invisível. É o ar. Por todo o lado crescem raízes aéreas, que respiram, bebem o sol, encaminham-se para o gelo da noite. Paco de Lucia, que não era pintor, mas tocador de guitarra, experimentava aquele sentimento de que era o ar, movendo-se à sua volta e por cima dele, que o fazia concentrar-se e ouvir música, sem saber bem o que tocava, inventar, saltar 16


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para fora do palco. Nesta pintura esse chamamento da musicalidade é irresistível. E todas as formas de violência e brandura se praticam sob azuis longínquos que as alimentam e justificam. Nevões, emissários que não dormem. Azuis, pretos, um vermelho de ferida que não fecha. Com as montanhas e os precipícios faz a sua entrada o magnetismo, a força por excelência, a que puxa e rejeita, todos lhe obedecem. Por alastramento, arrastamento e sobreposição, o pintor é criador de magnetismo, as mãos correram o risco de se queimar. Percebe-se que andou a reboque, ia caindo, quase perdeu os sentidos até o seu magnetismo ser reconhecido como irmão do outro ao qual ele só tem o poder de dizer sim. A vara do vedor multiplica-se, os seus reflexos nascem de movimentos cósmicos sentidos na Terra, sobretudo atmosféricos, meteorológicos, talvez a palavra mais misteriosa. Na aguarela podia-se conhecer a profundidade, a cera eleva-se, salta para fora, exterioriza-se. Acontece, porém, confundirem-se os artifícios.

Tema e variações? Tudo começou em Stanca Luce (para quem quiser confirmar, p. 71 do respectivo Catálogo), uma das aguarelas de 2015. Tudo começou com uma aguarela, mas também se pode dizer que tudo começou de outro momento anterior ou 17


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se vazou nele. Variações, o tema é o que se recolhe delas e elas procuram-se umas às outras. Variações sem tema ou motivo? Talvez, não está mal, já li sobre isso em Goethe, a propósito da cor, para impedir qualquer sintaxe a priori, mas, pensando bem, é mais uma imagem que cai diante dos olhos, os olhos penetram nela e escurecem (a cor é sempre uma forma de escuridão), abrem-se buracos, fendas, qualquer coisa desliza e qualquer coisa se imobiliza, às vezes trocam de lugar, e a seguir cai outra imagem, que desce ou que sobe, conforme — e para este pintor convém o conforme, isto é, o ponto de vista —, e de novo os olhos penetram e escurecem. É uma viagem, sempre pela primeira vez e já repetida, em repetição, sujeita aos movimentos das coisas terrestres e celestes, e para os olhos não se perderem imprimem na madeira pequenos vestígios, marcas do ar que se respira, do gelo que se anuncia, uma onda de ferrugem presa em lâminas de cera, ouro quente. Isso parece uma maneira de falar de um moribundo. E então, é coisa que te incomode? Não, certo é que se fala dos moribundos e nenhum de nós sabe o que isso é, pois, apesar de estarmos a morrer, não estamos a morrer. Sim, mas, quando nos sobe a febre ou entramos num delírio de muitas noites seguidas sem dormir, ou se conhece um grande medo e o coração nos tapa a boca, há imagens que vêm ter contigo, connosco, imagens que estão por nascer. Sim, sim, todas as coisas que não sabemos só através das coisas que sabemos, e por elas pomo-

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-nos a adivinhar as outras, às vezes acerta-se, mas nunca o poderemos demonstrar. Aqui, ainda as palavras de Fernando Gil: «Nunca conheceremos o porquê do fá sustenido, nunca saberemos porque chora a noiva» (e mais uma vez, a propósito de Auf einer Burg de Schumann).

De longe Não gosto de matar aranhas. Dizem que dá sorte. Mas eu não. Uma pequena aranha, um aranhiço cor do papel da aguarela, começou a descer pela p. 71 de Stanca Luce, naquele modo de andar que é um deslizar de um fio de acrobata. Peguei no Catálogo e imediatamente o aranhiço se deteve. Lentamente fui até à janela, abri-a, sempre com o Catálogo entre as mãos, e o aranhiço quietinho. Soprei e ele voou. Levíssimo. Lançado no vazio, incólume aos ataques soezes da força da gravidade. Bem, esta súbita aparição fez-me pensar que deveria haver alguma entrada secreta para animais em estado sonâmbulo e que, tendo-a encontrado, o artista os fez adormecer de novo com a sua agulha de cera, sussurrando o verso de Pierre Charles Roy que encontrei em Leopardi: «Glissez, mortels, n’appuyez pas».

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Sem título | Untitled 2015 Encáustica sobre madeira | Encaustic on wood 73,5 x 92 cm Cortesia Appleton Square | Appleton Square courtesy Fotografia de | Photography by Marco Pires


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Winter Journey On ten encaustics and a watercolour by João Queiroz

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It was like poring over an open body, having at your disposal the entrails, the heart throbbing in its muscular sack […]. Agustina Bessa-Luís, A Ronda da Noite


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Audacities Not only “the music-lover’s head is organised by affinities, just like Aby Warburg’s library” (Fernando Gil, “Exemplos Musicais”, A 4 Mãos. Schumann, Eichendorf e Outras Notas, INCM, 2005); those who dare to talk about what they see (painting, drawing, watercolour, encaustic) also share that random approach, which becomes a constructive principle and even a method (some are unable to understand this). With that said, let us begin. There is a clearing or a void has been left (or someone has been caught in that void), occult powers are about to burst through and all that keeps them from causing lethal damage — a thorough sweeping that would blind our eyes — is the fact that another power has tamed them, letting them flow out without fury or abruptness, even though the colour of blood on two of the encaustics is a warning and all of them display various levels of dismantlement and dizziness, implying that the domestication of wild nature is not complete (this nature is and is not the nature engendered by painting 51


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itself, even though it is only inside the latter that the former can be poured and measured, something like swallowing, vomiting, wounding oneself, the irreversible flowing of the blood, and also wind and storm, explosions deep in the earth, floods, cosmic bursts). A spindle, a dowsing rod, a septum (of the heart, ventricular or auricular), a magnetic needle: all these are fine motifs for an empty space. As for the needle, it is a known fact that the geographic and magnetic North do not coincide. That slight dislocation or non-coincidence is the source of everything, or nearly everything that matters. This is clearly illustrated by the kabbalistic tree of life, which contains an element that does not correspond to any branch, which is to say, that is neither an emanation nor a creation, neither a formation nor an action. Devoid of fixed abode, unstable, it stands between two emanations, namely wisdom and understanding; it is an interval, a wonder of wonders whose name is knowledge (Daath): the abyss, the random fertile chaos that is our lot. That bit about Bach’s lungs (applied by Chillida to the interior of Istambul’s Hagia Sophia) is also worth remembering. There is something of this in these encaustics: the wax protects those entrails, that throbbing heart, from the open air. To keep blood from curdling, vinegar is mixed with it. Agustina has set the theme.

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Names and actions Encaustics, we must understand what they are. Let us look at the Latin definition: encaustum, i, n. 1. Encaustic painting (made with wax, colours and fire). 2. Purple ink used by emperors to sign documents. The Greek etymology is even better, since the same verb and noun refer to a wound caused by fire as well as to a painting made with fire-heated wax. We are always amazed by the most obvious things, by what we always sensed, namely that the common ground between skin, wound, patch, drawing and painting is ever-expanding. It can almost be said, against all officious idiots, that, as long as milk flows from the breasts of women, soaking their blouses, and babies burp it out, sovereignly satisfied, as long as children get mud on their hands, faces and bibs, and our skin is wounded, painting shall continue to exist. Just remember that ornament and leprosy, in their oldest known forms, stand side by side as equals in the same word that eventually became “painting” in Portuguese. This connection between the two meanings is a bitter taste in one’s mouth.

Physics and chemistry These Encaustics, promises of liquid fire, were all made at the same time: the finishing touches of one mingled with the ones of another, as indeed was the case with the previous watercolours, where water ruled. 53


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No primer is used on the wood panels, because wood protects wax (unlike paper or even canvas), unless it endures a blow on the back; then, there is the risk that fragments may drop from areas with a greater concentration of wax. Much like in watercolours, but differently nonetheless, there are plays of transparency and opaqueness. We will return to this. Sometimes, the warm hues of wood are visible. The brush must be hard (pig’s bristles) to withstand the heat of melted wax (approximately 70ºC), but — oh joy! — there is no need (that being impossible) to wash it: necessity can spare us much trouble. João Queiroz had already done encaustics, at the start of his career (Galeria Monumental exhibition, 1986). Now, however, it was the watercolours that asked him to do it, especially one piece from 2015, a technically savvy and perceptive interplay of closeness and distance. I mean, you can work in encaustic as you do in watercolour, in one case using fire to melt the wax in combination with previously selected pigments and in the other by diluting the material in water. The wax is a kind of paint; it just needs to be heated in a recipient, for instance a frying-pan on an electric stove. Like watercolour, only even more so, it dries quite fast, in a matter of seconds; brushstrokes must be quick and precise (and chance always finds a way to intrude). This artist enjoys working on a tight rein: hazardous rescue operations are his forte.

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Chemically speaking, and unlike watercolour and oil paint, encaustic is stable, i.e. the atmosphere has no effect on it, but physically unstable: a slight blow and the wax may come loose and fall to the floor. I like this notion, because it brings painting close to sculpture while subverting a petrified understanding of “inside” and “outside”. As Wittgenstein keeps reminding us, it is use that lends life to gestures and actions (here words are not necessary, because they have already turned into operations). Dangers and splendours vary in accordance with use. If a brush is needed to spread and overlap the material, to remove and pull it out we may use our fingernails, a pin, a small spatula, the brush’s handle, as needed. In encaustic there is no absorption, only incisions, carvings, wounds and plasters: surgery and cookery. The watercolours (Stanca Luce) also revealed a desire to dilapidate transparency, a refusal to explore its delicate quality: via a careful use of dilutions, water — paradoxically making use of the fact that watercolours tend to dry quickly — achieved a muddy opaqueness. Here we have wax, a viscous stuff that melts when fired, and generates light when combined with a wick; while evaporated water tends to form clouds and fall back to earth as drops of rain. That cycle has no part in encaustic. The atmosphere does not affect it. And yet, what else can encaustics be, here on Earth, but atmospheres themselves?

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Secret mirrors and funereal structures Let us again look at these landscapes, at that thin pole — a rod, a magnetic needle, a septum — that splits the wood panel nearly in half, and sometimes changes position so that we no longer know if it came from above or below; perhaps a secret mirror, or mirrors, has been deliberately placed there to generate demonic symmetries (the best ones are fake). Some will say that no, all this is very contemplative and pacifying. But in my opinion, there are no peaceful havens here. What beasts may lurk here? The blood seems to mark the passing of a life; it has already been spilled, but the fiery glow tells us it has yet to dry. Violences in various shades of blue, sometimes mixed with ochre. And then the clearing becomes a mastaba, a funereal structure.

Meteorologies What passes through these entrails made up of several waxen layers is invisible. It is the air. Everywhere aerial roots grow, breathing, drinking in the sunlight, moving towards the ice of the night. Paco de Lucia, who was not a painter, but a guitar player, had a feeling that it was the air, as it moved around and above him, that made him focus on and listen to his music, partially unaware of what he was playing, leading him to improvise 56


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and leap out of the stage. In this painting, that calling from musicality is irresistible. And all forms of violence and gentleness occur under remote blues that feed and vindicate them. Blizzards, sleepless envoys. Blues, blacks, a red of unhealed wounds. The mountains and precipices usher in magnetism, that power of powers, which draws in and repels; all obey it. As he spreads, drags and overlaps his materials, the painter generates magnetism, nearly burning his hands. You can feel that he himself was dragged, almost fell, nearly losing his senses, until his magnetism was finally acknowledged as akin to that other to which he only has the right to say “yes”. The dowsing rod multiplies, its reflections born from cosmic movements felt on Earth, mostly atmospheric or meteorological, perhaps the most mysterious word. In the watercolour you could feel depth, while the wax rises, leaps out, exteriorises itself. Sometimes, however, artifices can be confused.

Theme and variations? It all began in Stanca Luce (for those who may wish to confirm, see page 71 of the catalogue with the same title), one of the 2015 watercolours. It all began with a watercolour, but it can also be said that it all began in another previous moment, or flowed into it. In variations, the theme is what can 57


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be gleaned from them, and they seek each other out. Variations without a theme or motif? Maybe, that is interesting, I have read about that in Goethe, on the subject of colour, to prevent any a priori syntax, but, now that I think about it, this is another image that falls before our eyes; the eyes enter it and darken (colour is always a form of darkness), holes and cracks open, something glides and something stops, sometimes they switch place, and then another image falls, down or up, depending — and this painter thrives on “depending”, that is to say, on the point of view —, and once again the eyes enter it and darken. It is a journey, always beginning and always repeated, in constant repetition, subjected to the movements of earthly and celestial things, and in order to avoid getting lost the eyes leave in the wood tiny signs, markings from the air that is breathed, from the coming ice, a wave of rust caught between waxen sheets, warm gold. That seems something a dying person might say. So, does that bother you? No, of course we talk about dying persons and nobody knows what that is, since even though all of us are dying, we are not actually dying. Yes, but when you get a serious fever or go through a delirious spell of many consecutive sleepless nights, or you experience a great fear and your heart covers your mouth, certain images come to you, to us, images yet unborn. Yes, yes, all the things we do not know only through the things we know, and through them we try

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to guess the others; sometimes we get it right, but we will never be able to prove it. Let us here return to Fernando Gil’s words: “We will never know the reason for the F-sharp, we will never know why the bride weeps” (on the subject, once again, of Schumann’s Auf einer Burg).

From a distance I do not like to kill spiders. Some say it brings good luck, but not I. A tiny house spider, the same colour as the watercolour paper, began walking across page 71 of Stanca Luce, in that tread that is like gliding down a tightrope. I picked up the Catalogue, and the spider immediately stopped. Slowly I went to the window, opened it, always with the open Catalogue in my hands, and the spider on it, absolutely still. I blew, and it flew away. Feather-light. Cast into the void, immune to the rude pull of gravity. Well, this sudden apparition made me think that probably there was some secret entry for sleepwalking animals and that the artist, having found it, made them fall asleep again with his wax needle, whispering this line by Pierre Charles Roy which I found in Leopardi: «Glissez, mortels, n’appuyez pas».

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© Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão (Ala da Frente), 2016 © Sistema Solar Crl (chancela Documenta) imagens | images © João Queiroz texto | text © Maria Filomena Molder Fevereiro de 2016 ISBN 978-989-8834-08-9 Tradução | Translation: José Gabriel Flores Revisão | Proofreading: António d’Andrade


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Depósito legal | Legal deposit : 404640/16 Pré-impressão, impressão e acabamento | Proofs, printing and binding : Gráfica Maiadouro SA Rua Padre Luís Campos, 586 e 686 (Vermoim) 4471-909 Maia Portugal



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