Pedro Chorão superfícies
fotografia e pintura
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José-Luís Porfírio
Mapas das localidades percorridas por Pedro Chorão no seu projecto de pesquisa fotográfica, Alentejo, Setembro de 1987 a Maio de 1989
[Maps of the locations visited by Pedro Chorão in his photographic research project, Alentejo, September 1987 to May 1989 ]
Silêncio: a fotografia como meditação
Pedro Chorão é, ele próprio, avaro em propor a sua leitura… ele remete-se a um discurso monossilábico — ou feito de palavras essenciais, de frases curtas num mar de olhares e de silêncios.1
… fotografias, inéditas, realizadas entre 1987 e 1989… Na selecção mostrada, não é a tipologia habitual da aplicação do branco da cal e dos frisos de cor nas paredes das casas alentejanas que mais lhe interessa, mas sim o envelhecimento dos muros, as fracturas e as manchas de humidade, os pequenos acidentes arquitectónicos que respondem a situações particulares da construção não planeada, os acasos de uma cor vivida pelo tempo.2
A ultrapassagem dos quarenta anos constitui um marco cronológico que, em inúmeros casos de artistas portugueses do século XX, levava ao abandono e (ou) à resignação3. Em 1987 Pedro Chorão tem 42 anos e é bolseiro da Fundação Gulbenkian pela segunda vez, os objectivos desta bolsa eram bem diferentes da primeira bolsa parisiense, como o artista agora confirma: «Procurar imagens o mais possível planificáveis para servirem de posterior
1 Rocha de Sousa, Pedro Chorão, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1983.
2 Alexandre Pomar, Blogue a propósito da exposição de fotografias na Espaço A / Clube 50, Lisboa, 14 de Novembro de 1998.
3 Opinião constantemente reafirmada e defendida com total pertinência por Rui Mário Gonçalves.
material para a minha pintura. O Alentejo é a província que, de longe, mais me interessa em Portugal, pela simplicidade plástica tanto na forma como na cor da sua arquitectura.
Lembro-me que quando entregava os relatórios de 3 em 3 meses referia que usava uma lente na máquina que planificava o mais possível as imagens tiradas. Igualmente fazia questão de dizer que todas elas eram transpostas para papel TAL E QUAL tinham sido tiradas (sem quaisquer enquadramentos ou cortes posteriores). Para mim era muito importante saber que tinha feito o quadro/pintura apanhado na altura. Nunca houve, portanto, arranjos posteriores no laboratório.»4 Lembro-me de, na altura, falarmos em conversa sobre fotografar exaustivamente portas ou janelas e de ter utilizado essa informação e o conhecimento de muitas das fotografias, no comentário a uma exposição individual do pintor5 pela relação entre as obras expostas, pinturas sobre papel kraft e muitas das imagens encontradas no Alentejo. Anos depois, em 1994, Alexandre Pomar fala de um livro «à espera de edição, Superfícies — Olhar(es) sobre o Alentejo, que é o resultado de uma pesquisa sobre o uso da cor na arquitectura alentejana: levantamento no terreno guiado pelo olhar do pintor»6.
Vistas agora, à distância de várias décadas, estas fotografias pouco têm que ver com um qualquer estudo da arquitectura alen-
4 Mail de Pedro Chorão para o autor, 2016.
5 José-Luís Porfírio, «Pintura: lugar de estar, lugar de trânsito», in Expresso, 11 de Março de 1989, onde referia «o quadro […] como uma das portas ou janelas que exaustivamente vem fotografando por todo o Alentejo há já quase dois anos».
6 Alexandre Pomar, «Agarrar uma ideia», entrevista a Pedro Chorão in Expresso, 12 de Novembro de 1994 (pp. 278-282).
tejana, nada têm que ver também com uma qualquer busca de um pitoresco mais ou menos romântico a partir de um pintor de prática abstracta dominante; elas têm, sim, que ver com uma busca do pintoresco dentro da própria obra de um artista particularmente silencioso e discreto no seu discurso sobre ela, a ponto de, em certas circunstâncias, se recusar deliberadamente a falar sobre pintura mesmo diante de uma turma de alunos de uma escola de arte, numa visita a uma exposição sua onde afirmou «que estava ali para se encontrar com as pessoas, para falar da persistência em prosseguir pintando, quando se tem uma profissão [professor] para ganhar a vida (ou perder?) e tanta coisa para fazer, que… mas, que da pintura não falava, isto é, não gostaria de falar muito, ela estava ali para ser vista, eles estavam ali para ver, era tudo»7.
Os dois anos deambulando pelo Alentejo, sem obrigações de ensino, sem outras preocupações senão as de pensar a sua pintura, sentindo, na pele e no olhar, «a necessidade absoluta de referências concretas»8, resultaram num trabalho de meditação profundo sobre o seu fazer, algo que se poderá definir como um ensaio visual onde o Alentejo é um pretexto, um Senhor pretexto acrescentemos, e a pintura, o presente, o passado e o futuro da pintura de Pedro Chorão, o objectivo fundamental.
Ao examinar atentamente esta grande série de imagens onde o relevo foi propositadamente reduzido à procura de uma sugestão de duas dimensões, encontramos: —————
7 José-Luís Porfírio, «Pedro Chorão 83 — Um Modo de Ser», in PEDRO CHORÃO pintura, Espaço A / Clube 50, Lisboa, 1983.
8 Paulo Henriques, «Pinturas de Paisagem», in Pedro Chorão. Pinturas de Paisagem 1972-1994, Museu de José Malhoa, Caldas da Rainha, 1994.
• Exercícios de enquadramento à procura da forma certa, escondida na superfície das coisas, o que por vezes dá origem a curtas séries sobre o mesmo pretexto;
• Continuamente o nosso conhecido L como Limite nos meios enquadramentos em U, nos quadriláteros, tantas vezes cegos, das portas e janelas, nas barras, nos degraus interpretados como sistemas de paralelas;
• Arquitecturas onde o triângulo anuncia série futura de pirâmides e de velas, ou na rara presença curva dos arcos;
• Uma inúmera variedade de desenhos, nas marcas do escorrimento de águas a partir das caleiras, nas linhas, manchas e formas que a sombra constrói a partir de uma fonte de luz mais ou menos rasante, nos objectos e nas coisas também feitas linhas e manchas;
• A busca dos acasos objectivos em mancha e figuras e erosões onde a forma e o informe lutam, ou na evidência coincidente com técnicas das artes como a colagem, a raspagem e a descolagem.
Obras do acaso ou descobertas da visão? Antes de mais um inventário realizado por um pintor que conhece o caminho já percorrido e está inventando o caminho a percorrer, isto enquanto continua a pintar e pinta o quê?
A proporção é sempre a da porta ou a da janela, esta em menos ocasiões, conforme o propósito confesso do artista ao iniciar a sua peregrinação fotográfica, exactamente contemporânea de uma série de exercícios sobre as texturas, isto nas telas de maiores dimensões, enquanto no papel um suporte tradicional branco alterna
com uma série sobre papel kraft da cor da terra, onde o suporte participa intensamente na pintura, pois tem «funções de preparo e de cor base, funções de exaltação da pintura, dos brancos, dos cinzas, dos azuis, funções de matéria ela própria numa já antiga tradição moderna»9. Podemos admitir que o ensaio fotográfico que Pedro Chorão levava a cabo nestes anos foi marcante para o crescer destas pinturas, muito embora não seja de falar, neste caso, em influência ou inspiração, mas num comum objectivo, num momento de aquietação meditativa da obra. Dir-se-ia que chegado ao «meio do caminho desta vida», o Artista não mergulha numa «selva obscura», mas sim no coração da matéria que é fundamental para sua inspiração e trabalho.
José-Luís Porfírio
«Pedro Chorão pintor», O Que Diz a Pintura, Documenta, 2016
9 José-Luís Porfírio, «Pintura: lugar de estar, lugar de trânsito», in Expresso, 11 de Março de 1989. Esta série foi objecto de uma exposição na efémera Galeria Lambertini em 1989.
Sem título [Untitled], 1984
Acrílico e grafite sobre papel [Acrylic and graphite on paper], 54 × 45 cm
Chegada à quinta nos anos 50 [Arrival at the Farm in the 1950s], 1994
Acrílico sobre tela [Acrylic on canvas], 130 × 162 cm
Este livro foi publicado por ocasião da exposição Superfícies , de Pedro Chorão com curadoria de António Gonçalves realizada na Galeria Ala da Frente em Vila Nova de Famalicão
3 Fevereiro > 4 Maio 2024
This book was published on the occasion of the exhibition Surfaces , by Pedro Chorão curated by António Gonçalves held at Galeria Ala da Frente in Vila Nova de Famalicão
3 February > 4 May 2024
© Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão (Ala da Frente)
© Sistema Solar Crl (Documenta)
Texto [ Text ] © José-Luís Porfírio
Imagens [ Images ] © Pedro Chorão, 2014
1.ª edição, Fevereiro [ February ] 2024
ISBN: 978-989-568-134-1
Fotografias [ Photographs ]: António Jorge Silva
Revisão [ Proofreading ]: Helena Roldão
Depósito legal [ Legal deposit ]: 526952/24
Impressão e acabamento [ Printing and binding ]: Gráfica Maiadouro SA Rua Padre Luís Campos, 586 e 686 (Vermoim)
4471-909 Maia, Portugal