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Alberto Carneiro Ana Lupas Lala Meredith-Vula Claire de Santa Coloma
organização coordination
Tobi Maier
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Sumário Index
Topografias Rurais: Alberto Carneiro, Ana Lupas, Lala Meredith-Vula e Claire de Santa Coloma . . . . . . . . . . . . . . 7 Rural Topographies: Alberto Carneiro, Ana Lupas, Lala Meredith-Vula and Claire de Santa Coloma. . . . . . . . . . . 19 . tobi maier Homenagem a Alberto Carneiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Homage to Alberto Carneiro.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 . irene buarque Palavras necessárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Necessary words. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 . catarina rosendo Entre o meu corpo e a terra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Between my body and the earth. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 . bernardo pinto de almeida «O outro por ele mesmo» (1979). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 «The other by himself» (1979) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
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Conversa com Claire de Santa Coloma, Catarina Rosendo e Tobi Maier. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 A conversation between Claire de Santa Coloma, Catarina Rosendo and Tobi Maier. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 The Solemn Process: Relicário para o infinito (2016). . . . . . . . 153 The Solemn Process: A Reliquary for Eternity (2016). . . . . . . 157 . marina lupas collinet 5 perguntas para Lala Meredith-Vula. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 5 questions for Lala Meredith-Vula. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 Alberto Carneiro & Galeria Quadrum. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 . Vistas de instalação & efêmera . Installation views & ephemera Exposições de Alberto Carneiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 Exhibitions by Alberto Carneiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 . Galeria Quadrum | Cooperativa Diferença Biografias dos artistas e escritores.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185 Artist and writer biographies.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
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Topografias Rurais Alberto Carneiro, Ana Lupas, Lala Meredith-Vula e Claire de Santa Coloma tobi maier
A arte faz-se para transformar as imagens do quotidiano. Alberto Carneiro1
As notas de Alberto Carneiro para um manifesto da arte ecológica foram originalmente redigidas como entradas do seu diário, entre dezembro de 1968 e fevereiro de 1972. Foram escritas num passado distante, pré-Chernobyl e pré-chuva ácida, muito antes das rápidas alterações climáticas com que somos confrontados hoje. Encontramos uma certa ingenuidade, inconsciência e inocência poética nas palavras de Carneiro quando escreve que «A arte ecológica será o renascer de uma alegria natural no encontro com uma Natureza renovada e já infinitamente próxima».2 Ao refletirmos sobre as suas palavras e ao pensarmos a obra de Alberto Carneiro, é impossível ignorar o estado urgente do nosso ambiente. É esta a primeira coisa que nos vem à mente. Em junho de 2017, quatro incêndios irromperam no Centro de Portugal, com poucos minutos de intervalo, causando 66 mortes e 204 feridos. A 6 de agosto de 2019, o semanário português Expresso 1. In Notas para um diário e outros textos (antologia), Assírio & Alvim, Lisboa, 2007. 2. Ibid.
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noticiava que, no mês anterior, 13 incêndios haviam destruído 140,87 quilómetros quadrados de terreno — mais do que o conjunto da área ardida em Espanha, França, Itália e Grécia. De acordo com o inpe do Brasil (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) foram abatidos neste país mais de 3700 quilómetros quadrados de floresta amazónica durante a primeira metade de 2019. Quando estes dados foram revelados, Ricardo Galvão, diretor da agência espacial brasileira que monitoriza a desflorestação da Amazónia (inpe), foi despedido.3 Semanas mais tarde — também em agosto de 2019 —, os incêndios na floresta amazónica estavam completamente fora de controlo e podiam ser vistos do espaço. O seu fumo chegou ao Chile e à Bolívia. Em São Paulo, o dia virou noite. Numa tentativa de reverter esta tendência e os incêndios, que alastram a uma velocidade recorde, estão a ser lançadas campanhas de reflorestação em grande escala, como a Trillion Tree Campaign. Artistas e profissionais da cultura de todo o mundo fazem campanhas para angariar doações e salvar a Amazónia. Outros apelam a um boicote geral ao Brasil como forma de pressionar o seu governo. Há cada vez mais espécies em extinção e a sobrevivência da humanidade no planeta Terra está em risco. Em setembro de 2019, a jovem de 16 anos Greta Thunberg pronunciou um discurso inflamado no âmbito da Cimeira Global de Ação Climática da onu, em Nova Iorque.4 Não poderia haver melhor momento para revisitar e reavaliar a obra de Alberto Carneiro. O próprio artista utilizava madeira obtida localmente em Portugal, mas recorreu igualmente, pelo menos num caso, a madeira do cedro brasileira, na conceção da obra 18 citações tiradas da memória de um corpo sobre a terra 3. https://www.newscientist.com/article/2212479-space-agency-chief-fired-after-revealing-recent-amazon-deforestation/ [último acesso a 7 de abril de 2020]. 4. Para mais detalhes ver também: https://www.fridaysforfuture.org/greta-speeches [último acesso a 27 de outubro de 2019]. Dias antes da inauguração de «Topografias Rurais» Thunberg chegou de barco a Lisboa, a caminho da Cimeira do Clima da onu, em Madrid.
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(1985-86). No manifesto acima mencionado, Alberto Carneiro declara que «A arte ecológica será um regresso à origem das nossas próprias fontes». Os tempos acelerados em que hoje vivemos — guiados pelo ávido desejo de lucro e de eterno crescimento [algo que é abordado por Thunberg] — estão muito distantes da realidade romântica entre o Douro e o Minho onde Alberto Carneiro cresceu, e onde preparou a sua primeira exposição, em 1967. Poucos falavam então da questão climática, a qual «toda a gente sabe que (...) está diretamente ligada a questões de injustiça e desigualdade» (Latour, 2018, p. 3). Pondo de parte o iminente apocalipse climático, iremos, por momentos, abrandar um pouco e recuar cerca de quatro décadas. Encontramo-nos entre as florestas e ações poéticas de Alberto Carneiro. A exposição «Topografias Rurais | Rural Topographies» está dividida em duas secções que cobrem uma variedade de suportes artísticos. A Galeria Diferença apresenta uma série de 44 desenhos a grafite (produzidos entre 2015 e 2016, 14 dos quais com dimensões a4, 16 com dimensões a3 e 14 com dimensões a2), executados no final da carreira do artista e nunca antes exibidos. A sua temática sugere o ambiente circundante do seu atelier (O Outono no meu jardim, 1 de dezembro de 2015), com ilustrações de frutos e flores do seu jardim e das paisagens montanhosas do Norte de Portugal, que são o tema de desenhos como Três nuvens, um bosque e nove pedras para uma paisagem (19-20 de setembro de 2015). Apenas dois dias mais tarde, a 22 de setembro de 2015, o observador Alberto Carneiro imagina Sete nuvens, um bosque e nove pedras para uma paisagem. A especificação das datas alude ao desejo do artista de captar um momento específico no tempo, de venerar os momentos preciosos de observação na natureza. Os visitantes da exposição irão ainda encontrar a série Sobre as flores do meu jardim (2000-02), um grupo de trabalhos sobre papel que oscilam entre o desenho e a pintura e foram produzidos através da prensagem de pétalas de flores apanhadas por Alberto Carneiro no seu jardim em São Mamede de Coronado, perto do
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Porto. Embora a intensidade das suas cores se tenha esbatido com o tempo, estes trabalhos mantêm o carácter vibrante da sua aparência original, e o suporte de papel parece ter sido banhado em tinta púrpura. A segunda secção da exposição, instalada na Galeria Quadrum, recupera os trabalhos mais performativos de Alberto Carneiro — embora também emanando diretamente da paisagem que o circunda — e estabelece analogias entre a sua obra e o trabalho de três artistas de diferentes gerações e contextos geográficos. Como a balsa da medusa, encontramos instalada no centro do espaço da galeria a obra Metáforas da água ou as naus a haver por mares nunca de antes navegados (1993-94). Qualquer pessoa que tenha visitado o atelier do artista consegue imaginá-lo a movimentar os troncos de árvores e a dar-lhes forma. Se a estrutura escultórica central da exposição faz referência à proximidade do mar, outro conjunto de trabalhos apresentados evoca a terra e a agricultura da região norte. Alberto Carneiro criou Operação estética em Vilar do Paraíso durante o mês de março de 1973, perto de Vila Nova de Gaia. Como recorda Rosendo (em oei, 2018, p. 337), para esta obra Alberto Carneiro localizou um campo de milho acabado de ser colhido, com medas espalhadas por uma larga área que se estendia ao longo do rio Valadares. A «operação estética» levada a cabo foi descrita pelo artista, nas notas que formam parte do trabalho, como «arte ecológica» e «trabalho de campo», escreve Rosendo. Esta autora realça ainda quatro momentos distintos que iriam tornar-se no seu procedimento básico. Primeiro, a fase da «prospeção, levantamento e seleção», durante a qual o artista percorreu uma área de quase dez quilómetros quadrados, registando um milhar de medas de palha de milho e escolhendo o local para a sua intervenção. Segundo, a fase da marcação ou «transformação e posse». Para atar os vimes e formar as suas esculturas, Alberto Carneiro «usou uma fita de papel para formar uma espiral à volta das medas, seguindo-se uma meditação composta de silêncio e contemplação, durante a
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qual a meda se revelou como uma obra de arte. Carneiro repetiu o processo três vezes» (ibid.). A terceira fase consistiu num meticuloso processo de «recolha de documentação fotográfica, tirando fotografias numa sequência narrativa, colando-as em peças de cartão amarelo e combinando cada um destes elementos com uma impressão em offset, no mesmo cartão amarelo, de todas as fotografias em miniatura» (ibid.). O quarto momento, segundo Rosendo, aconteceu quando o trabalho Operação estética em Vilar do Paraíso foi exibido na Galeria Alvarez em março de 1974. Carneiro realizou uma palestra durante a abertura. Se o medium da performance está frequentemente associado a erupções espontâneas de emoção, o mesmo não se aplica aos trabalhos cuidadosamente planeados de Alberto Carneiro sobre a paisagem, os quais o artista denomina de «operações estéticas». Consideremos ainda a obra intitulada Os sete rituais estéticos sobre um feixe de vimes na paisagem, de 1974-75. Este trabalho foi exibido como parte da sua primeira exposição individual, patente na Galeria Quadrum entre outubro e novembro de 1975 — ano e meio após a revolução de 25 de abril de 1975 — e, em 1976, no pavilhão de Portugal na Bienal de Veneza (os visitantes encontram esta obra representada na antecâmara documental na Galeria Quadrum). A sua dinâmica revela uma metodologia semelhante ao trabalho aqui apresentado, desde o atamento dos feixes de vimes (primeiro momento), passando pela marcação dos limites sobre o horizonte (segundo momento), até ao posicionamento das suas esculturas num campo aberto e à codificação do ritual num espaço de arte (sétimo momento).5 5. Alberto Carneiro assinalou estes diferentes passos na própria obra, tanto em inglês como em português. As imagens são também reproduzidas em oei # 80-81 (Estocolmo: 2018, pp. 350-379). Estes passos são descritos do seguinte modo: Momento um — o elemento agregador (feixe de vimes) altera as relações do espaço-paisagem e suscita os fatores estéticos. Momento dois — marcação das relações estéticas sobre o horizonte. Momento três — marcação e meditação da posse sobre o elemento agregador das relações estéticas. Momento quatro
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Apesar de Alberto Carneiro haver trabalhado anteriormente com materiais semelhantes (O canavial: memória/metamorfose de um corpo ausente), a instalação na Galeria Quadrum traçava a sua poética processual no âmbito do rural enquanto local de uma produção que emprega materiais naturais como fonte primordial. Esta abordagem encontraria continuidade em obras posteriores, muitas das quais foram subsequentemente exibidas na Galeria Quadrum. Fundada e dirigida por Dulce d’Agro, a Galeria Quadrum organizou mais quatro exposições individuais de Alberto Carneiro: Trajecto dum corpo, em 1977, Ele mesmo-outro, em 1979, O corpo subtil, em 1981 e Percursos na paisagem, em 1983. O visitante encontra estas exposições representadas na presente exposição através de vistas da instalação. Regressando à poética de Alberto Carneiro, importa notar que — como relembra Catarina Rosendo — o artista «cresceu num ambiente relativamente pobre, onde a religião influenciava os costumes locais (…) e a agricultura era a principal base de subsistência do povo. Com 10 anos de idade, Alberto Carneiro começou a trabalhar em oficinas locais, produzindo imagens religiosas e desenvolvendo profundamente a sua técnica de escultura em madeira e pedra» (em oei, 2018, p. 333). As circunstâncias em que cresceu provavelmente tiveram uma forte influência na sua abordagem poética em relação à escultura de materiais e ao trabalho performativo no meio rural. Outras obras, como Arte corpo/corpo arte (1976-78), «registam marcas da vida agrícola portuguesa, tal como as cabanas de pedra construídas para os pastores, medas de feno para alimentar os animais, parcelas de terreno delimitadas por canas, terraços nas encostas do vale do Douro ou juncos arranjados em forma de armadilhas para pássaros», refere — marcação das relações estéticas periféricas. Momento cinco — seleção e marcação de alguns elementos qualificativos do sistema de relações estéticas. Momento seis — o sistema de relações como permanente estética num espaço e num tempo definidos. Momento sete — codificação do ritual num espaço de arte. O espaço e o tempo do sítio de arte: componentes variáveis.
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Rosendo (2018, p. 335). Numa altura em que cada vez mais pessoas vivem nas grandes cidades (estima-se que, no ano de 2050, estas constituirão 68% da população mundial, de acordo com a investigação da onu6), as realidades encontradas e trabalhadas por Alberto Carneiro aludem a um passado distante. Embora os seus estudos da fenomenologia de Husserl e Merleau-Ponty tenham, em grande medida, passado de moda, as obras destes autores e muitos dos outros volumes da sua extensa biblioteca, como a obra Art and the Future, de Douglas Davis (1973), ou Education of Vision, de Gyorgy Kepes (1965), sugerem que os interesses transdisciplinares de Alberto Carneiro iam muito além das fronteiras do Norte de Portugal. Inspirado pela «reintegração viva de todos os aspetos da nossa vida no novo parâmetro de conhecimento do século xx» (Kepes), deparamos nos escritos de Alberto Carneiro com a Arte ecológica: árvore na floresta do cimento, como formulado pelo artista nas suas Notas para um manifesto de arte ecológica. A «árvore na floresta do cimento» é uma metáfora mais apropriada para descrever São Paulo do que o Norte de Portugal rural onde Alberto Carneiro «enrolava fitas à volta de medas de feno» (oei, p. 339) ou trabalhava em «formações efémeras que tendiam a desaparecer ao longo do ciclo anual de produção agrícola, sendo imediatamente substituídas por outras, como medas de centeio, feixes de vime ou muros de pedra que haviam colapsado devido a invernos inclementes» (ibid.). O artista investigava o comportamento estético da terra, e não estava — nem está — sozinho, uma vez que outros artistas foram redescobrindo o meio rural como fonte de inspiração. A sua peça Operação estética em Vilar do Paraíso (1973) incitou-me a apresentar na Galeria Quadrum um grupo de três artistas em analogia com Alberto Carneiro. Gosto de pensar no seu trabalho como constituindo diferentes posições numa rede, 6. https://www.un.org/development/desa/en/news/population/2018-revision-of-world-urbanization-prospects.html [último acesso a 18 de dezembro 2019].
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posições interrelacionadas que chamam a atenção para preocupações ecológicas, potenciais significantes num discurso global que apela a ações (poéticas) sobre o ambiente natural. As artistas convidadas a expor ao lado de Alberto Carneiro nesta exposição pertencem a diferentes gerações e contextos geográficos. Claire de Santa Coloma é uma artista argentina residente em Lisboa. A sua obra não é explícita quanto ao facto de poder ser tocada, nem apresenta qualquer menção a problemas ecológicos ou à reciclagem. Além disso, terá maior relação com a obra de Brancusi do que com a de Alberto Carneiro. Numa nota mais visceral, poderemos igualmente considerar os seus trabalhos como lembrando órgãos corporais, à semelhança das velas religiosas que aparecem nas peregrinações a Fátima e outros santuários. Órgãos onde nos aconchegamos. Para Santa Coloma, o processo da escultura é também um ato de resistência. Apesar de situadas no espaço urbano, as suas rotinas diárias fazem alusão às de um agricultor ou de um artesão. A prática da cinzelagem manifesta-se como quase terapêutica, e certamente espiritual. Tal como a prática da escultura em madeira de Alberto Carneiro, o seu trabalho é caracterizado pela remoção de volume ao bloco. Contudo, ao contrário das metáforas aquáticas do artista português, a sua obra sem título (2019) flutua no espaço, poderíamos socá-la (como um saco de boxe) ou acariciá-la (como uma parte ou um órgão do corpo). A associação a uma lágrima ambiental também parece imediata. Outra obra sem título (2017) de Santa Coloma foi produzida em madeira de azinheira e é exposta — embora não tenha sido concebida em referência a esta — ao lado da peça Trajeto dum corpo e de uma fotografia a preto-e-branco de pedra alisada exposta por Alberto Carneiro na sua segunda exposição individual na Galeria Quadrum, entre 1 de abril e 31 de maio de 1977. Ana Lupas nasceu três anos após Alberto Carneiro, em 1940, tendo-se licenciado em 1962 pela Academia de Belas-Artes de Cluj. Durante a década de 1970, Lupas trabalhou sobretudo no
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domínio da arte têxtil. O crítico de arte húngaro Bán András descreveu a sua obra como tratando-se de «têxteis pós-têxtil» (1983), fazendo ainda referência a um evento em que a população de uma aldeia produziu esculturas coletivas de coroas de trigo e pendurou telas brancas para expressar um desejo coletivo de paz, após Lupas ter persuadido toda a aldeia a estender lençóis húmidos numa colina próxima, de acordo com as suas instruções (Margau na Transilvânia, 1970). Beke interpreta ainda este trabalho como «ação de land art». Se Alberto Carneiro atuava de uma forma algo performativa quando se movia agilmente à volta das medas construídas, Ana Lupas criou as suas esculturas de feno sobretudo na forma de coroas e em colaboração com comunidades de aldeias da Transilvânia. Projetado em 1964 para um ambiente exclusivamente rural, The Solemn Process (O processo solene) consiste numa série de estruturas corpóreas prototípicas de várias dimensões, feitas a partir de materiais perecíveis, como palha de trigo, cânhamo, algodão, madeira e metal. The Solemn Process foi desenvolvido coletivamente e em diferentes etapas: a primeira entre 1964 e 1974 e até 1976, a segunda entre 1980 e 1985 e a terceira entre 1985 e 2008. Durante esta última fase, a artista contratou artesãos húngaros para fabricarem contentores em lata que dariam forma aos materiais orgânicos reunidos (fotografias e contentores metálicos pertencem atualmente à coleção da Tate, em Londres). Em referência a fotografias do atelier da artista, Beke categoriza as suas peças como «catafalco, tina, cela negra ou jaula». E, na verdade, os contentores metálicos são reminiscentes de armaduras de cavaleiro, sendo que não protegem a carne de um combatente, mas a erva orgânica colhida dos campos romenos. Ramona Novicor considera os trabalhos que constituem The Solemn Process «como espaços reabitados com formas móveis modulares, transformados em lugar de celebração». Anca Arghir (citada por Novicor) apelida estas estruturas de «elementos ecológicos paradisíacos». Ao contrário de Alberto Carneiro, que parece
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atuar solitariamente, neste caso colaboradores foram autorizados e qualificados a empregar as estruturas de lata e a usar materiais orgânicos na construção de estruturas efémeras, as quais foram colocadas no cenário natural dos seus pátios rurais ou na decoração familiar das suas casas. Estas ações encontram-se documentadas em fotografias exibidas na exposição. Lala Meredith-Vula nasceu em 1966 em Sarajevo, mudando-se para Inglaterra quatro anos mais tarde. Desde 1989 (ano da queda do muro de Berlim) a artista tem-se dedicado a fotografar palheiros produzidos por agricultores da Europa do Leste, sobretudo do Kosovo e da Albânia. Começou a interessar-se pela aparência dos palheiros após uma visita ao Kosovo com o seu pai, em 1989. As imagens, uma seleção das quais é exibida na presente exposição, são resolutamente reveladas em filme a preto-e-branco, o que lhes confere uma «incerteza temporal, mesmo quando clarificam o gestalt único de cada palheiro».7 Se a obra de Alberto Carneiro foi largamente produzida após a revolução de 1974 e, como tal, num ambiente em grande medida libertado pacificamente das restrições da ideologia fascista de Salazar, o mesmo não pode ser dito das obras de Lupas e Meredith-Vula. The Solemn Process e boa parte da série Haystacks (Palheiros) (iniciada em 1989 e ainda em curso) foram desenvolvidos num contexto leste europeu que está longe de ser homogéneo e se debate com o turbilhão trazido pela dissolução dos regimes autoritários após a queda da Cortina de Ferro, em 1989. Enquanto Lupas relata ter sido alvo de repressão por parte do regime comunista, durante o seu processo de criação a partir de meados da década de 1970 (ver Bingham, 20158), a investigação de palheiros empreendida por
7. Monika Szewczyk in Select Haystacks (1989-), comunicado de imprensa, Galeria Alberto Peola, 2019. https://albertopeola.com/en/exhibits/112-select-haystacks-1989-ongoing [último acesso a 27 de outubro de 2019]. 8. https://www.tate.org.uk/art/artworks/lupas-the-solemn-process-t14526 [último acesso a 27 de outubro de 2019].
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Vista da instalação de Frans Krajcberg na 32.ª Bienal de São Paulo (installation view Frans Krajcberg at the 32nd São Paulo Biennial), 2016. Foto cortesia (photo courtesy): Leo Eloy/Estúdio Garagem/ Fundação Bienal de São Paulo
Meredith-Vula permitiu-lhe tornar-se mais próxima do povo da Albânia, terra nativa do seu pai.9 No entanto, o que liga as estruturas de Operação estética (1973), The Solemn Process (1964-2008) e Haystacks (desde 1989) é a sua aparência formal. Tal como afirma Szewczyk a propósito dos retratos de Meredith-Vula, estes «não carregam passaportes ou alianças nacionais. As suas formas são governadas por hábitos de trabalho da terra mais antigos do que as nações».10 O mesmo pode ser dito das esculturas, paisagens, plantas e flores e respe9. As repetidas visitas à Albânia colocaram-na, ainda, em contacto com o problema das rivalidades sangrentas, parte inerente à lei do Norte da Albânia, o Kanun, que data dos finais do século xv. Suprimido durante o regime comunista, o Kanun regressou na década de 1990, num contexto de ausência de instituições estatais justas ou de uma justiça partilhada coletivamente. Meredith-Vula desenvolve um outro conjunto de obras a partir destas experiências: Memória sangrenta (1990). 10. Monika Szewczyk em https://www.documenta14.de/en/artists/13530/lala-mere dith-vula [último acesso a 19 de outubro de 2019].
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tivas representações na exposição «Topografias Rurais», a qual não tem qualquer pretensão de exaustividade. Um artista cuja obra está metaforicamente presente nesta exposição — também devido aos recentes incêndios da Amazónia — é Frans Krajcberg. Este artista faleceu pouco tempo depois de ter recebido renovada atenção durante a 32ª Bienal de São Paulo (2016), onde a sua instalação representando uma floresta em grande escala foi exposta no piso térreo. Para as suas enormes esculturas, Krajcberg utilizou madeira ardida de queimadas florestais ilegais. Talvez algumas das obras deste artista tenham influenciado Alberto Carneiro, que visitou o Brasil em 1977 por ocasião da sua participação na 14ª Bienal de São Paulo, sendo possível que tenha então conhecido Krajcberg, que participou nesse mesmo evento.11 Tal como a obra de Krajcberg, os trabalhos dos artistas apresentados nesta exposição «Topografias Rurais» chamam a atenção, de forma vibrante e poética, para os mistérios que habitam tanto a mente humana como a paisagem natural que nos circunda. Bibliografia András, Bán. Contemporary Artists Second Edition, St. James Press, 1983. Beke, László. Contemporary Artists Fourth Edition, St. James Press, 1996. Latour, Bruno. Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime, Cambridge, Polity Press, 2018. Novicor, Ramona. N. Paradoxa, n.o 20, 2008. Rosendo, Catarina. «Field Work as the Work Field. Alberto Carneiro and interventions in the landscape in the 1970’s», em oei #80-81, Esto colmo, 2018.
11. Carneiro representou Portugal, juntamente com Clara Menéres, na secção «Recuperação da Paisagem». A representação teve como curador José de Sommer Ribeiro.
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Rural Topographies Alberto Carneiro, Ana Lupas, Lala Meredith-Vula and Claire de Santa Coloma tobi maier
One makes art in order to transform the images of everyday life. Alberto Carneiro1
Alberto Carneiro’s notes for a manifest of ecological art were originally penned as entries to his diary between December 1968 and February 1972. It is a distant past, pre-Chernobyl and pre-acid rain and it was long before the accelerated climate change, we are facing today. There is certain ingenuity, unselfconsciousness and poetic innocence to be found in Carneiro’s words when he writes, “ecological art will constitute the rebirth of a natural joy in the encounter with a renewed, and already infinitely closer, nature”.2 Reflecting on his words and thinking about Alberto Carneiro’s work one cannot ignore the urgent state of our environment. It is the first thing that comes to my mind. In June 2017 within minutes of each other, four wildfires erupted in central Portugal resulting in at least 66 deaths and 204 injured. On August 6, 2019 the Portuguese weekly Expresso reported that in the month prior, 13 fires destroyed 140.87 square kilometres 1. In Notas para um diário e outros textos (antologia), Assírio & Alvim, Lisboa, 2007 2. Ibid.
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— more than the combined destruction in Spain, France, Italy and Greece. In Brazil more than 3700 square kilometres of Amazon forest have been cut down according to inpe during the first half of 2019.3 When these details were made public, Ricardo Galvão, the director of the Brazilian space agency inpe, which monitors deforestation in the Amazon, was fired. Weeks later — also during August 2019 — the Amazon wildfire had gotten completely out of control and could be seen from space. Smoke reached Chile and Bolivia. Day turned night in São Paulo. In an attempt to reverse the trend and the fires, which are raging at a record rate, massive reforestation campaigns (such as the Trillion Tree Campaign) are being rolled out. Artists and cultural practitioners from all over the world campaign to donate and save the Amazon. Others call for a general boycott against Brazil to pressure its government. Ever more species are extinct and human survival on planet Earth is at risk. During September 2019, 16-year-old Greta Thunberg held a raging speech in front of the un’s Climate Action Summit in New York.4 We cannot find a timelier moment to return to and review the work by Alberto Carneiro. Carneiro himself used wood sourced locally in Portugal but also in at least one instance employed cedar wood from Brazil to conceive his 18 citações tiradas da memória de um corpo sobre a terra (18 Quotations Taken from the Memory of a Body on the Earth, 1985-86). In the above-mentioned manifest Carneiro proclaimed, that “ecological art will be a return to the origin of our own sources”. The accelerated times — driven by the hunger for profits and eternal growth [as addressed by Thunberg] — we live in today, are a far cry from Carneiro’s romantic reality of growing up between Douro and Minho or pre3. https://www.newscientist.com/article/2212479-space-agency-chief-fired-afterrevealing-recent-amazon-deforestation/ [last accessed April 7, 2020]. 4. For details see also: https://www.fridaysforfuture.org/greta-speeches [last accessed October 27, 2019]. Days before the opening of “Rural Topographies” Thunberg arrives by boat in Lisbon en route to the un climate summit in Madrid.
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paring his first exhibition in 1967. Few were then speaking about the climate question, which “everyone now knows (…) is directly tied to questions of injustice and inequality” (Latour, 2018, p. 3). The imminent climatic apocalypse aside, we ought to slow down and zip back in time for a moment, say four decades. We’d find ourselves amid the poetic forests and actions of Alberto Carneiro. The exhibition “Rural Topographies | Topografias Rurais” is divided into two chapters covering a variety of media. Galeria Diferença presents a series of 44 graphite drawings (produced between 2015 and 2016, of which 14 in dimensions a4, 16 in dimensions a3, 14 in dimensions a2), executed towards the end of the artist’s career and never exhibited before. Their subject hints at the immediate surroundings of Carneiro’s studio (take, for example, O Outono no meu jardim [Autumn in My Garden], December 1, 2015) and features fruits and flowers from the garden, and the hilly landscapes of Northern Portugal that are depicted in drawings such as Três nuvens, um bosque e nove pedras para uma paisagem (Three Clouds, a Grove and Nine Rocks for a Landscape, 19/20 September 2015). Only a couple of days later, on 22 September 2015, the observing Carneiro imagined seven clouds, one grove and nine rocks in the landscape (Sete nuvens, um bosque e nove pedras para uma paisagem). The specification of the dates alludes to the artists desire to capture a specific moment in time, to worship the precious moments of observation in nature. Viewers also encounter Sobre as flores do meu jardim (About the Flowers in My Garden, 2000-02), a group of works on paper that oscillate between drawing and painting and have been produced by squeezing flower petals that were plucked by Carneiro from plants in his garden in São Mamede de Coronado near Porto. While their colour intensity has faded away over time, their original appearance has been vibrant, and the paper supports appear as if bathed in purple ink. The second exhibition chapter, installed at Galeria Quadrum, recalls Carneiro’s rather performative works — also directly
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stemming from the landscape surrounding him — and creates analogies between his work and the oeuvre by three artists from different generations and geographical contexts. Like the Raft of the Medusa then, bestowed at the centre of the gallery space, the viewer encounters Carneiro’s Metáforas da água ou as naus a haver por mares nunca de antes navegados (Metaphors of Water or, The Ships Yet-to-Be by Oceans Where None Have Ventured, 1993-94). Everyone who has visited the artist studio can imagine Carneiro moving along the tree trunks with his tools and giving them shape. If the central sculpture assemblage in the exhibition refers to the sea close by, another body of works presented adjacent stems from the land and agriculture in the northern region. Carneiro performed Operação estética em Vilar do Paraíso (Aesthetic Operation in Vilar do Paraíso, 1973) during March 1973 near Vila Nova de Gaia. As Rosendo recalls (in oei, 2018, p. 337), for this work Carneiro located a newly harvested cornfield with haystacks spread across a long plot of land running along one of the banks of the river Valadares. The “aesthetic operation” undertaken there was described by the artist, in the notes that formed part of his work, as “eco-art” or “land activity”, writes Rosendo. She also highlights four distinct moments, which would become his basic procedure. First, there was the “prospection, survey and selection”, the artist moved around an area of almost ten square kilometres, recording a thousand stacks of corn and choosing the plot for his intervention. Second, there was the marking or “transformation and possession”. To bundle the willow and form his sculptures Carneiro “used a paper ribbon to form a spiral around the stacks, then a meditation composed of silence and contemplation (followed), during which the stack revealed itself as a work of art. Carneiro repeated the process three times” (Ibid). The third phase consisted of a meticulous process of “gathering photographic documentation, photographs captured in a sequential narrative, gluing them onto pieces of yellow cardboard, and combining each of these elements with an offset
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print, on the same yellow card, of all the photographs in miniature form” (Ibid). The fourth moment, according to Rosendo, happened when the work Operação estética em Vilar do Paraíso premiered at Galeria Alvarez in March 1974. Carneiro held a lecture during the opening. If the medium of performance is often associated with spontaneous outbursts of emotion, the same could not be said for Carneiro’s carefully planned works in the landscape, which the artist termed “aesthetic operations”. Also consider Carneiro’s Os sete rituais estéticos sobre um feixe de vimes na paisagem (Seven Aesthetic Rituals Around a Bundle of Willow Wands in the Landscape) from 1974-75. This work has been exhibited as part of his first solo exhibition during October and November 1975 at Galeria Quadrum — a year and a half after the April 1974 carnation revolution — and then again in 1976 in the Portuguese Pavilion at the Venice Biennial (visitors find the work represented in the exhibition archival antechamber at Galeria Quadrum). Its dynamics unfold in a similar methodology to the work presented here, from the bundling of willow wands (first tempo) to marking the aesthetic bounds with the horizon (second tempo) to the positioning of his sculptures within the open realm and the codification of the ritual within a place of art (seventh tempo).5 Even though Carneiro worked on installations with similar materials 5. Carneiro denoted these different steps within the work itself in English as well as Portuguese. The plates are also reproduced in oei #80-81, Stockholm: 2018, pp. 350-379. They read as follows: First tempo — The aggregative element (bundle of willow wands) changes the relationship space-landscape and generates the aesthetic factors. Second tempo — Marking the aesthetic bounds with the horizon. Third tempo — Formalizing — and meditating on — the appropriation of the aggregative element. Fourth tempo — Marking the aesthetic bounds with the immediate neighbourhood. Fifth tempo — Selecting and marking some of the elements qualifying the aesthetic bounds. Sixth tempo — The system of relations as the permanent aesthetic component in a well defined space-time frame. Seventh tempo — Codification of the ritual within a place of art. The space and time of the site as variable components.
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before (O canavial: memória/metamorfose de um corpo ausente [The Cane Field: Memory/Metamorphosis of an Absent Body]) the installation at Quadrum mapped out his process-based poetics within the rural as a site for production employing materials from nature as primary source. This approach would find continuation in future works, many of which were subsequently on view at Galeria Quadrum. Founded and run by Dulce d’Agro, Galeria Quadrum organized four more solo exhibitions entitled Trajecto dum corpo (Trajectory of a Body) in 1977, Ele mesmo-outro (He himself-other) in 1979, O corpo subtil (The Subtle Body) in 1981 and Percursos na paisagem (Routes in the Landscape) in 1983. The visitor finds these past exhibitions represented in the exhibition via installation views on a monitor. Returning to Carneiro’s poetics, it is important to note that — as Catarina Rosendo recalls — Carneiro “grew up in a relatively poor environment where religion influenced the local customs (…) and farm work was the main basis of people’s subsistence. From the age of 10, he worked in the local workshops, making typical religious images and becoming highly proficient in the carving of wood and stone” (in oei, 2018 p. 333). These circumstances of an upbringing must have influenced Carneiro strongly in his poetic approach towards sculpting materials and working performatively in the rural realm. Other works such as Arte corpo/corpo arte (Art Body/ Body Art, 1976-78) “recorded marks of Portuguese agricultural life, such as stone huts built for shepherds, haystacks for animal fodder, allotments staked with canes, terraces on the hillsides of the Douro valley or reeds arranged in the form of a bird trap”, remembers Rosendo (2018, p. 335). As more and more people are living in the big cities (68% of world population by 2050, according to un research6) the realities encountered and worked through by Carneiro allude to a distant past. His studies of phe6. https://www.un.org/development/desa/en/news/population/2018-revision-ofworld-urbanization-prospects.html [last access 18 December 2019].
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nomenology of Husserl and Merleau-Ponty have fallen largely out of fashion though many other items of his extensive library such as Douglas Davis Art and the Future (1973) or Gyorgy Kepes Education of Vision (1965) hint toward Carneiro’s trans-disciplinary interests reaching far beyond the borders of Northern Portugal. Inspired by “the living reintegration of all aspects of our life on the new parameter of 20th century knowledge” (Kepes), we are faced in Carneiro’s writings with Arte ecológica: árvore na floresta do cimento (Ecological Art: Tree in the Forest of Concrete) as the artist put it in his Notes towards an Ecological Manifest. The ‘tree in the forest of concrete’ is a metaphor rather akin to São Paulo than rural northern Portugal where Carneiro was “winding ribbons around haystacks” (oei, p. 339) or worked on “ephemeral formations that tended to disappear in the course of the annual cycle of agricultural production, to be immediately replaced by others, such as stacks of rye, osier bundles or stone walls that had collapsed due to the inclement winters” (Ibid). He did search for aesthetic behaviour of the land and he was — and is — not alone as artists are discovering the rural for the inspiration. His Operação estética em Vilar do Paraíso (1973), triggered my impulse to exhibit a group of three artists in analogy with Carneiro at Galeria Quadrum. I like to think of their work as positions in a network, as interrelated positions that call attention to ecological concerns, potential signifiers within a global discourse and calls to (poetical) actions within the natural environment. The artists invited to exhibit alongside Carneiro in this exhibition stem from different generations and geographical contexts. Claire de Santa Coloma is an Argentinean artist based in Lisbon. Her work is not explicit about the fact that it can be touched, neither is there mention of ecological problems or of recycling. Claire de Santa Coloma’s work refers to Brancusi, perhaps more than to Carneiro. On a more visceral note one can also consider her work resembling body organs, as we know them from religious candles that are presented during
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pilgrimages to Fátima and at other sanctuaries. Organs we nest on. For Santa Coloma the process of sculpting is also an act of resistance. Although sited within the urban, her daily work routines allude to those of a farmer or craftsman. The practice of chiselling appears to be almost therapeutic yet certainly spiritual. Like Carneiro’s wood sculptural practice her work is characterised by taking volume from the block. Unlike Carneiro’s water metaphors however, her work untitled (2019) floats in the space, one could want to punch it (like a punch ball) or caress it (like a body part or organ). The association to an environmental teardrop is also imminent. Another work untitled (2017) by Santa Coloma was produced from holm oak wood and is displayed adjacent — though was not produced in reference — to Trajecto dum corpo and a black and white photograph of smoothed stone exhibited by Carneiro for his second solo exhibition at Galeria Quadrum from April 1 to May 31, 1977. Ana Lupas was born three years after Carneiro, in 1940, and graduated in 1962 from the Academy of Fine Arts in Cluj. Lupas worked primarily within the domain of textile art during the 1970’s. Hungarian art critic Bán András described her work as “post-textile textiles” (1983), also making reference to an event when the people of a village produced collective sculptures of wreaths of wheat, and hung white canvases to express a collective will of peace after Lupas persuaded an entire village to spread wet sheets on a nearby hillside according to her instructions (Margau in Transilvania, 1970). Beke also interpreted the work as ‘a land art action’. If Carneiro acted in a rather performative fashion when moving swiftly around his constructed haystacks, Ana Lupas created her fodder sculptures mostly in the form of wreaths and in collaboration with the communities of Transylvanian villages. Projected in 1964 for an exclusively rural environment The Solemn Process consists of a series of prototypical corporeal structures, objects of different dimensions, made of perishable materials, wheat straw, hemp, cotton, wood
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and metal. The Solemn Process developed collectively and in different stages: the first between 1964 and 1974 and into 1976, the second between 1980 and 1985 and the third between 1985 and 2008. During the last phase the artist contracted Hungarian craftsmen to fabricate the metal containers from tin metal that would give form to the collected organic materials (photographs and metal containers are now in the collection of Tate, London). Referring to photos in the artist studio, Beke categorized them as “catafalque, trough, black cell or cage” (Ibid). And in fact, the metals containers are reminiscent to a knight’s armour, only that they don’t protect the flesh of a combatant, but the organic grass harvested from the fields of Romania. Ramona Novicor considered the works that compose The Solemn Process “as re-inhabited spaces with modular mobile shapes, so as to turn them into a place for celebration” and Anca Arghir (in Novicor) called these structures “ecological paradise-like elements”. Different to Carneiro though, who appears to be acting in solitude, collaborators were authorized and qualified to employ the structures built from tin and use organic materials to construct ephemeral structures and place them in the natural landscape of their peasants’ courtyards or in the familiar décor of their homes. These actions are documented in the photographs presented in the exhibition. Lala Meredith-Vula was born in 1966 in Sarajevo and moved to England only four years later. Since 1989 (a date homonymous with the fall of the Berlin wall 30 years ago) the artist has been photographing haystacks produced by Eastern European farmers mainly in Kosovo and Albania. She became first interested in the appearance of the haystacks after visiting Kosovo in 1989 with her father. The images, of which the exhibition presents a small selection, are decidedly developed in black-andwhite film adding a “temporal uncertainty, even as it clarifies each haystack’s unique gestalt.”7 If Carneiro’s works were largely 7. Monika Szewczyk in Select Haystacks (1989-ongoing), press release, Alberto
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produced after the 1974 Carnation revolution and thus in an environment that was — at least in Portugal — peacefully liberated from the ties of Salazar’s fascist ideology, the same cannot be said for Lupas and Meredith-Vula’s works. The Solemn Process as well as a good part of the Haystacks (1989-ongoing) series is set within an Eastern European context that is far from homogenous and battling with the turmoil brought about by the dissolution of authoritarian regimes since the fall of the Iron Curtain in 1989. If Lupas reported repression for creating works during the communist era from the mid 1970’s onwards (see also Bingham, 20158), Meredith-Vula’s research on haystacks brought her closer to the people of her fathers’ native Albania.9 What connects the structures from Operação estética (1973), The Solemn Process (1964-2008) and Haystacks (1989-ongoing) though is their formal appearance. As Szewczyk put it once in relation to Meredith-Vula’s portraits “they do not carry passports or national allegiances. Their forms are governed by habits of working the land, which are older than nations.”10 The same can be said for all sculptures, landscapes, plant and flowers and their representations in the exhibition “Rural Topographies”, which, of course, cannot be exhaustive. An artist whose oeuvre is, metaphorically speaking, present in this exhibition — not least because of the recent Amazon wildfires — is Frans Krajcberg. Peola Gallery, 2019. https://albertopeola.com/en/exhibits/112-select-haystacks1989-ongoing [last accessed 27 October 2019]. 8. https://www.tate.org.uk/art/artworks/lupas-the-solemn-process-t14526 [last accessed 27 October 2019]. 9. The repeat visits to Albania also brought the artist in contact with the problem of blood feuds that are inherent part of northern Albanian law Kanun, which dates to the late 15th century. Supressed during communist regime, Kanun made a comeback in since the 1990’s and in absence of just state institutions or a justice that is collectively shared. Meredith-Vula developed another body of work (Blood Memory, 1990) from these experiences. 10. Monika Szewczyk in https://www.documenta14.de/en/artists/13530/lala-meredith-vula [last accessed 19 October 2019].
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He passed shortly after gaining renewed attention during the 32nd São Paulo Biennial (2016) where his work featured on the ground floor, forming a large-scale forest installation. For his enormous sculptures he used burnt wood from illegal forest fires. Perhaps some of Krajcberg’s work is oscillating also in Carneiro, who visited Brazil in 1977 for his participation in the 14th São Paulo Biennial and possibly met Krajcberg there who participated in the same show.11 Like his, the works by all the artists in this exhibition are vibrant poetic reminders of the mysteries that not only inhabit the human mind but also the natural landscapes that surround us. Biography András, Bán. Contemporary Artists Second Edition, St. James Press, 1983. Beke, László. Contemporary Artists Fourth Edition, St. James Press, 1996. Latour, Bruno. Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime, Cambridge, Polity Press, 2018. Novicor, Ramona. N. Paradoxa, no. 20, 2008. Rosendo, Catarina. “Field Work as the Work Field. Alberto Carneiro and interventions in the landscape in the 1970’s”, in oei #80-81, Estocolmo, 2018.
11. Carneiro represented Portugal alongside Clara Menéres in the section “Recuperação da Paisagem”. José de Sommer Ribeiro had curated the representation.
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Vista de instalação (installation view): «Topografias Rurais | Rural Topographies», Galerias Municipais de Lisboa, Galeria Quadrum, 2019/2020. Foto (photo): Guillaume Vieira
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No jardim estaremos melhor, 1971, impressão fotográfica sobre papel (photographic print on paper), cortesia Espólio Alberto Carneiro (courtesy Alberto Carneiro Estate). Vista de instalação (installation view) Galeria Quadrum, 2019/2020. Foto (photo): Guillaume Vieira
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Vista de instalação, da esquerda para a direita (installation view, from left to right): Lala Meredith-Vula, Junik, Kosova, 27 May 1989 No.3, photograph giclée print from 35 mm negative; Drisht, Albania, 11 November 1995 No.3, photograph giclée print from 35 mm negative; Štrpce, Kosova, 11 November 2016, photograph giclée print, todas (all) 60 x 40 cm e ao fundo (and in the background): cartaz da exposição (exhibition poster) «Alberto Carneiro», Galeria Quadrum, 1975, impressão fotográfica p/b e cor sobre papel (black and white photographic print on paper), 33,5 x 23,8 cm, cortesia Espólio Alberto Carneiro (courtesy Alberto Carneiro Estate). Foto (photo): Guillaume Vieira
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Vista de instalação (installation view): «Topografias Rurais | Rural Topographies», da esquerda para a direita (from left to right): unknown photographer, Trajecto dum corpo, 1 de abril-31 de maio, 1977, fotografia p/b (b/w photograph), vista de instalação (installation view), Arquivo Galeria Quadrum; Claire de Santa Coloma, Sem título (Untitled), 2017, madeira de azinheira (holm oak wood), cortesia da artista e Galeria 3+1, Lisboa (courtesy the artist and Galeria 3+1, Lisbon). Alberto Carneiro, Metáforas da água ou as naus a haver por mares nunca de antes navegados, 1993-94, 54 x 260 x 93 cm, cortesia Espólio Alberto Carneiro (courtesy Alberto Carneiro Estate). E ao fundo (and in the background): Claire de Santa Coloma, Sem título (Untitled), 2019 e Lala Meredith-Vula, Haystacks (1989-). Foto (photo): Guillaume Vieira
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Vista de instalação (installation view): ao fundo (in the background): Alberto Carneiro, Operação estética em Vilar do Paraíso, 1973, fotografias e impressão sobre papel (76 elementos) (photographs and print on paper [76 elements]), Col. Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea, Porto, aquisição em 1999. Na vitrina (in the vitrine): Alberto Carneiro, Sem título (Operação estética em Vilar do Paraíso), 1973-74, impressão fotográfica e tinta da china sobre papel (photographic print and Indian ink on paper), Col. Galeria Alvarez; Alberto Carneiro, Arte ecológica – Operação estética em Vilar do Paraíso, 1973, impressão fotográfica e tinta da china sobre papel (photographic print
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and Indian ink on paper), Col. Galeria Alvarez; Alberto Carneiro, Sem título (Operação estética em Vilar do Paraíso), 1973-74, tinta da china sobre papel milimétrico, papel vegetal e mapa, e colagem sobre papel (Indian ink on graph paper, tracing paper and map, and collage on paper), Col. Galeria Alvarez; Alberto Carneiro, desdobrável alusivo à exposição (exhibition folder) «Operação estética em Vilar do Paraíso», Galeria Alvarez, 1971, impressão tipográfica p/b sobre papel couché vermelho (b/w letterpress print on red coated paper), Espólio Alberto Carneiro (Alberto Carneiro Estate). À direita (to the right): Ana Lupas, The Solemn Process, 1964. Foto (photo): Guillaume Vieira
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Vista de instalação (installation view): Ana Lupas, The Solemn Process, 1964, offset sobre papel (offset on paper), cortesia da artista e P420, Bolonha (courtesy the artist and P420, Bologna). Foto (photo): Guillaume Vieira
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Vista de instalação (installation view) Galeria Diferença. Nas paredes (on the walls): Alberto Carneiro, Frutos, 2016; Paisagens com pedras, 2016; Árvores, pedras e nuvens, 2015, grafite sobre papel Canson (graphite on Canson paper). Na base (on the pedestal): Esculturinha para brincar, 2013-14, alumínio, bronze, ferro e madeira (aluminium, bronze, iron and wood), 25,5 x 57 x 37 cm, cortesia Espólio Alberto Carneiro (courtesy Alberto Carneiro Estate). Foto (photo): Guillaume Vieira
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As flores do meu jardim, 2016; Nuvens, árvores e pedras roladas para a memória de uma paisagem, 2015, grafite sobre papel Canson (graphite on Canson paper), cortesia Espólio Alberto Carneiro (courtesy Alberto Carneiro Estate). Vista de instalação (installation view) Galeria Diferença, 2019/2020. Foto (photo): Guillaume Vieira
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Nuvens, 2015, grafite sobre papel Canson (graphite on Canson paper), cortesia Espólio Alberto Carneiro (courtesy Alberto Carneiro Estate). Vista de instalação (installation view) Galeria Diferença, 2019/2020. Foto (photo): Guillaume Vieira
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Vista de instalação (installation view) Galeria Diferença: da esquerda para a direita (from left to right): Alberto Carneiro, Árvore-Escultura-Outra IV, 2013-14, madeira de buxo (boxwood), 214 x 98 x 84 cm; Sobre as flores do meu jardim, 2000-02, flores esmagadas sobre papel Guarro (squeezed flower petals on Guarro paper), 100 x 70 cm; Sobre o fogo, 1990-91, madeira de buxo (boxwood), 150 x 50 x 10 cm. Todas as obras cortesia Espólio Alberto Carneiro (all works courtesy Alberto Carneiro Estate). Foto (photo): Guillaume Vieira
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Vista de instalação (installation view) Galeria Diferença. Foto (photo): Guillaume Vieira
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HAIKAI Cedar parasol, under Mount Yoshino for the flowering cherry tree.
in commemora*on of the forty-year anniversary of coopera*va diferença, we are revisi*ng the work of Alberto, one of our founding members.
BASHO
Homage to Alberto Carneiro
Irene Buarque 2019
text by Irene Buarque on Alberto Carneiro’s page in the catalogue diferença/diálogo 1985
Thank you Alberto
2019
Irene Buarque
Thank you Alberto
you have always lived in a tree state. now you have enough peace to be in a stone state as the Brazilian poet Manoel de Barros would say in Portrait of the Ar/st When Thing (1998).
you have always lived in a tree state. now you have enough peace to be in a stone state as the Brazilian poet Manoel de Barros would say in Portrait of the Ar/st When Thing (1998).
ALBERTO CARNEIRO
author of substan*al work (!) in all senses, always connected to upright, strong, beau*ful, and fragile nature. aAen*ve to all the “murmurs of the forest” to the colors, forms, leaves, petals, to the tastes of the fruits of his garden-laboratory. always recording “the aesthe8c pleasure of being art” in his pebble stones, in all his trees, roots, and branches, in a range of whites, ochers, and sepias. in his dynamic drawings we feel from the slight register of the wind to the perfume of the flowers
author of substan*al work (!) in all senses, always connected to upright, strong, beau*ful, and fragile nature. aAen*ve to all the “murmurs of the forest” to the colors, forms, leaves, petals, to the tastes of the fruits of his garden-laboratory. always recording “the aesthe8c pleasure of being art” in his pebble stones, in all his trees, roots, and branches, in a range of whites, ochers, and sepias. in his dynamic drawings we feel from the slight register of the wind to the perfume of the flowers Homage to Alberto Carneiro
BASHO
Cedar parasol, under Mount Yoshino for the flowering cherry tree.
HAIKAI
in commemora*on of the forty-year anniversary of coopera*va diferença, we are revisi*ng the work of Alberto, one of our founding members.
ALBERTO CARNEIRO text by Irene Buarque on Alberto Carneiro’s page in the catalogue diferença/diálogo 1985
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Palavras necessárias1 catarina rosendo
No final de Abril de 2017, a Irene Buarque manifestou a von tade de se fazer uma exposição da obra de Alberto Carneiro na Galeria Diferença, no âmbito do programa de celebração do quadragésimo aniversário desta cooperativa de artistas. Mesmo sendo demasiado cedo para qualquer iniciativa pública em torno da obra do Alberto Carneiro, que havia falecido no dia 15 desse mesmo mês, a ideia era irrecusável, desde logo pela circunstância de ele ter feito parte do grupo original dos fundadores da Cooperativa Diferença em 1979 e de, em vida, nutrir uma carinhosa amizade, mesmo que por vezes à distância, por Irene Buarque. Quando, de imediato, aceitei o repto, foi também porque seria isso que o próprio Alberto faria. A associação das Galerias Municipais e do seu director Tobi Maier a este projecto enriqueceu-o em múltiplas instâncias, permitindo alargar o enquadramento da desejada homenagem ao Alberto às duas galerias com as quais mais trabalhou nos anos 1970, a Quadrum, então dirigida por Dulce d’Agro e hoje integrada nas Galerias Municipais, e a Diferença. Como sucedeu com outros artistas na mesma altura, estas galerias proporciona1. Por decisão expressa da autora, o texto não foi escrito segundo o novo Acordo Ortográfico.
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ram ao Alberto importantes espaços de visibilidade para aquelas que são, de entre o seu vasto corpo de trabalho, algumas das suas obras mais experimentais, realizadas num período que aliou uma pessoal e radical indagação artística a um contexto institucional livre dos constrangimentos impostos pelo mercado artístico, então inexistente. A evocação visual deste passado, documentada nas duas exposições agora patentes na Quadrum e na Diferença, partiu do olhar curatorial que Tobi Maier dedicou ao projecto, um olhar atento à circunstância nacional que possibilitou a consolidação do percurso artístico do Alberto mas, sobretudo, dirigido para a construção de ligações com artistas de várias nacionalidades e gerações, como são os casos de Ana Lupas, Lala Meredith-Vula e Claire de Santa Coloma. A abertura de perspectivas de relação e confronto entre as preocupações estéticas e artísticas que atravessam o trabalho do Alberto e outras obras que em diferentes tempos e lugares exploraram, e exploram, pressupostos afins, raramente foi ensaiada no passado e transformou a ideia da homenagem que, desde a primeira hora, se quis prestar ao Alberto, numa ocasião actuante e viva que afirma a pertinência, hoje, do seu trabalho. Não poderia deixar de manifestar, por isso, o meu profundo reconhecimento pelo empenho da Irene Buarque e do Tobi Maier, da Cooperativa Diferença e das Galerias Municipais, e de todos os que contribuíram para a concretização deste projecto, em particular a Fundação Carmona e Costa, na pessoa de Maria da Graça Carmona e Costa, que apoiou a publicação que agora se apresenta. Estas linhas visam, também, realçar a importância da memória na valorização do que, colectivamente, somos. Se todo o acto curatorial implica, na sua génese, a intenção de cuidar, todos quantos trabalhamos no meio artístico temos a nossa parte de responsabilidade no esforço continuado e colectivo de saber preservar o que, a cada momento, consideramos essencial para nos definir no presente. Como outros artistas da sua geração, Alberto Carneiro deixou-nos um legado imprescindível para a
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compreensão da arte portuguesa e os seus diálogos com o contexto internacional das décadas de 1960-2010. No âmbito das minhas investigações, comecei a olhar com atenção para a obra de Alberto Carneiro em 2001 e, vários anos depois de as nossas vidas se terem cruzado e de o artista se ter tornado, para mim, apenas o Alberto, a noção de que era preciso encetar medidas para a conservação da integridade material e conceptual do seu trabalho começou a ganhar forma. A partir de 2011, quando a doença trouxe ao Alberto a consciência aguda da sua inexorável finitude, começámos juntos a trabalhar nesse sentido. Desde então, as decisões tomadas e as tarefas encetadas têm tido como grande objectivo a organização e disponibilização pública do acervo artístico e documental reunido pelo Alberto ao longo de mais de seis décadas de trabalho ininterrupto. Além da doação, feita em vida pelo próprio artista, de um conjunto de obras que virão a constituir o Centro de Arte Alberto Carneiro em Santo Tirso, empenhei-me pessoalmente, a seu pedido, na organização e no estudo da sua obra, tendo como finalidade: 1) reunir o máximo de informação documental, visual e prática sobre as possibilidades de montagem das suas instalações e esculturas, bem como dos seus desenhos, fotografias e edições; 2) organizar o seu arquivo artístico-documental, adaptando a arrumação física previamente existente aos requisitos introduzidos pela futura consulta pública, preparando-o também para a doação, já consumada, à Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, conforme desejo expresso em vida pelo artista; 3) inventariar a sua extensa biblioteca, com vista à sua doação ao Município de Santo Tirso, para integração no Centro de Arte Alberto Carneiro; 4) realizar o catálogo raisonné, projecto que teve uma primeira etapa em 2012, mediante uma bolsa de investigação atribuída a Teresa Azevedo pelo Instituto de História da Arte da Universidade Nova de Lisboa, e que terá em breve uma importante fase concretizada, com a edição, pela Câmara Municipal de Santo Tirso, da parte respeitante à
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escultura pública; 5) assessorar e acompanhar as investigações e curadorias que envolvam, de algum modo, a obra, mediante a disponibilização de materiais documentais e a partilha dos relevantes conhecimentos técnicos e artísticos que todo o processo já permitiu reunir. Em virtude do muito trabalho já concretizado e de todo o que ainda falta realizar, resta dizer que a ele subjaz a convicção do seu potencial para, de algum modo, contribuir para assegurar a continuidade da obra de Alberto Carneiro no espaço artístico nacional, abrir vertentes de actuação internacional e, de modo mais amplo, alimentar o entendimento histórico sobre a rica cultura artística que beneficiou dos contributos inestimáveis do Alberto. Uma última palavra para os meus amigos e colegas de profissão, em especial Isabel Carlos, Delfim Sardo, Javier Maderuelo, Isabel Alves, Ricardo Nicolau, Miguel von Hafe Pérez, Bernardo Pinto de Almeida, Marta Wengorovius e Paulo Pires do Vale, com quem partilhei tantas das minhas dúvidas e hesitações neste longo processo e que, com o seu tempo e comentários, me têm ajudado no caminho a percorrer.
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Necessary words catarina rosendo
At the end of April 2017, Irene Buarque expressed her desire to organize an exhibition on Alberto Carneiro’s work at Galeria Diferença, as part of the program celebrating the fortieth anniversary of this artists’ cooperative. Given that he had just passed away on the 15th of that same month, it was too early for any public initiative on Carneiro’s work. But the idea was irrefutable, as he had been one of Cooperativa Diferença’s original founders in 1979, and in life had nurtured a fond friendship with Irene, even if at a distance. I accepted the challenge immediately, because this is what Alberto himself would have done. The association of the Municipal Galleries and their director Tobi Maier have enriched this project in many instances, allowing us to broaden the scope of the intended homage to Alberto over the two galleries with which he worked most in the 1970s: Quadrum, then directed by Dulce d’Agro, and now integrated within the Municipal Galleries, and Diferença. As with other artists of the time, these galleries provided Alberto with important spaces of visibility for the most experimental pieces among his vast body of work. These works were carried out during a period in which he connected his personal and radical artistic inquiries to an institutional context free of art market constraints. The visual evocation of this past, documented in the two exhi-
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bitions on view at Quadrum and Diferença, stemmed from the curatorial approach that Tobi Maier dedicated to the project, an approach that is attentive to the local circumstances that enabled Alberto’s artistic path, and which, above all, was driven by establishing connections with artists from various backgrounds and generations: Ana Lupas, Lala Meredith-Vula, and Claire de Santa Coloma. Expanding perspectives on the connections between Alberto’s aesthetic and artistic concerns and those of other works (from different times and places) that explore related premises has been rarely attempted in the past. This approach has also transformed the idea of the homage that, since the very beginning was meant to present Alberto’s work within a compelling and vigorous exhibition that would affirm the relevance of his work today. Therefore, I could not fail to express my deep appreciation to Irene Buarque and Tobi Maier for their commitment to this project, as well as to Cooperativa Diferença and the Municipal Galleries, and all those who contributed to the realization of this project, in particular the Carmona e Costa Foundation, in the person of Maria da Graça Carmona e Costa, who supported the current publication. These words are also intended to highlight the importance of memory and attributing value to who we are collectively. If, in its semantic origin, the entire curatorial act implies the intention of caretaking, everyone working in the artistic milieu shares the responsibility of a continued and collective effort to preserve what we consider essential in defining ourselves in the present. Like other artists of his generation, Alberto Carneiro left an essential legacy for the understanding of Portuguese art and its dialogues with the international context during the decades from 1960-2010. In the scope of my studies, I began to look closely at Carneiro’s work in 2001. Several years after our lives became intertwined and the artist became just Alberto to me, the notion that it was necessary to take measures to pre-
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serve the material and conceptual integrity of his work began to take shape. Since 2011, when disease gave Alberto an acute awareness of his inevitable finitude, we began to work together in this direction. Since then, the major objective of our decisions and tasks has been to organize and make publicly available the artistic and documentary collection that Alberto assembled over more than six decades of continuous work. The artist donated a set of works that will constitute the Alberto Carneiro Art Center in Santo Tirso. I am also personally committed, at his request, to the organization and study of his work. Our aims are: 1) to gather as much documentary, visual, and practical information as possible about how to assemble his installations and sculptures, as well as information about his drawings, photographs, and editions; 2) to organize his artistic archive and documentation by adapting the previously existing physical arrangement to the requirements of a future public consultation and prepare the material for the already finalized donation to the Art Library of the Calouste Gulbenkian Foundation, as expressed by the artist while he was still alive; 3) to register his extensive library, in order to donate it to the Municipality of Santo Tirso, as part of the Alberto Carneiro Art Center; 4) to complete the catalogue raisonné, a project that had its first stage in 2012 through a research grant awarded to Teresa Azevedo by the Art History Institute of the Universidade Nova de Lisboa, and which will soon have an important phase completed, namely the edition of the section concerning his public sculpture, published by the Santo Tirso City Hall; 5) to advise and monitor research and curatorial projects that involve his work by providing documentary materials and sharing relevant technical and artistic knowledge that this whole process has brought together. It remains to be said that underlying this project is the conviction of its potential to ensure Alberto Carneiro’s work is exhibited in Portugal, to initiate strands of international visibility,
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and more broadly, to nurture the historical understanding of the rich artistic culture that benefited from Alberto’s invaluable contributions. I would like to thank my friends and colleagues, especially Isabel Carlos, Delfim Sardo, Javier Maderuelo, Isabel Alves, Ricardo Nicolau, Miguel von Hafe Pérez, Bernardo Pinto de Almeida, Marta Wengorovius, and Paulo Pires do Vale, with whom I shared so many doubts and hesitations during this long process and whose time and feedback have supported me along the way.
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Sobre as flores do meu jardim, 2000-02, flores esmagadas sobre papel Guarro (squeezed flower petals on Guarro paper), 100 x 70 cm cada (each), cortesia Espólio Alberto Carneiro (courtesy Alberto Carneiro Estate)
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Entre o meu corpo e a terra Dar forma de escultura ao pensamento1 bernardo pinto de almeida
O homem não tem nenhum corpo nem é corpo algum, apenas vive o seu próprio corpo-vivo. O homem vive enquanto habita corporalmente desta maneira, está introduzido no aberto do espaço e, por este facto de se introduzir de antemão, já se mantém em relação com os congéneres e com as coisas. Heidegger, «Observações relativas à arte — a plástica — o espaço»
Conheci a beleza que não morre e fiquei triste Antero de Quental
Presenças O desaparecimento de Alberto Carneiro deixou, no campo da arte feita em Portugal, um lugar que longamente ficará por preencher, mesmo se a obra influenciou as gerações que chegaram depois. Carneiro foi um criador para quem a ligação entre arte e vida, de que se reclamou sempre, era facto absoluto, jamais 1. Por decisão expressa do autor, o texto não foi escrito segundo o novo Acordo Ortográfico.
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afirmação vazia de sentido, tique formalista a ecoar ocasionais modas do tempo que passa, inexorável. A partir do fortalecimento, profundo e filosófico, dos laços complexos de tão essencial relação, construiu obra riquíssima, densa, sempre renovada a partir de pressupostos fundadores, que continuará por isso a iluminar-nos, e também por ter aberto a arte portuguesa ao desafio de ser também do mundo, como afinal o é, por nisso se tornar, o artista que abrace a exigência radical inerente ao seu lugar. Escultor, expandiu ilimitadamente o campo da escultura, abrindo-o ao ponto de nele fazer caber tanto o pensamento quanto a forma, o gesto quanto a expressão, o rigor quanto a sensibilidade. Esta, cada vez mais delicada, exímia a esclarecer uma rede complexíssima de conceitos e invenções, sem jamais trair, nisso, o que toda a arte deve à percepção e à intuição de um mundo sempre a vir, muito mais do que à simples evidenciação do mero talento oficinal, ou da inteligência formal dos seus mecanismos. Ele foi, sobretudo, o escultor de si mesmo, fazendo de si obra exemplar, manifestada em densas reflexões, escritos, meditações e acções várias, que ampliaram ilimitadamente os instrumentos para pensar a criação que nos deixou, abundante. Fez do seu corpo escultura, na descoberta do corpo subtil, como lhe chamou, e aconteceu desde o início no celebrado Caderno preto, com que foi dos raros a refundar a prática escultórica. Fez, ainda, do seu jardim escultura, tal como fez das suas esculturas jardins. Fez do pensamento escultura, quer dizer, matéria infinitamente moldável, aberta à expressão. E fez, da própria vida, uma escultura, desenhando-a e redesenhando-a exemplarmente, desde que, jovem, e graças apenas às suas próprias mas voluntariosas forças, cresceu de um limitador destino de santeiro popular, a que o votava a jamais renegada origem humilde, para se tornar artista.
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A obra A obra de Alberto Carneiro construiu-se, desde o início, como elaboração de carácter artístico-antropológico, realizada a partir de uma meditação sobre as misteriosas relações que ligam natureza e cultura. Compreende-se bem isto, e também a procura de uma significação capaz de ligar, no corpo da arte, estas duas dimensões tantas vezes opostas, se pensarmos nas suas origens, ligadas ao tecido rural, concreto, onde nasceu, na aldeia do Coronado, próxima a Santo Tirso e à Trofa. Ambas, à época, vilas de interior cujo desenvolvimento material dependia quase integralmente da indústria têxtil, fortemente implantada na zona do Vale do Ave, onde as escolas de santeiros, dominadas pela tradição rica da escultura popular do Norte, que nessas práticas ligava o Minho à Galiza, lhe serviu de primeira ocupação, muito antes de ingressar como escultor na Escola de Belas-Artes do Porto. Ele mesmo o referiu — numa «entrevista imaginária» com que prefaciou a exposição na Galeria Quadrum, em 1979, a convite de Dulce d’Agro2 — «Esta minha ligação às coisas da terra tem longas raízes no tempo e eu costumo dizer que, no mais íntimo de mim, lá onde a criação me diz exclusivamente respeito, e a consciência se forma para suscitar as minhas transformações, o meu trabalho é a psicanálise das minhas relações arquetípicas com a terra, o desvendar de mistérios que a ela me prendem — ela: a mãe, a origem primeira (...). A natureza sonha nos meus olhos desde a infância. Quantas vezes adormeci entre as ervas? A minha primeira casa foi em cima da cerejeira que hoje é uma escultura. Entre o meu corpo e a terra houve sempre uma identidade profunda (...). De facto, a minha formação, as minhas convicções estão ligadas a todo o mundo da minha infân2. A publicação encontra-se reproduzida parcialmente no presente volume nas páginas 97-125.
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cia, no qual, pela imposição de condições peculiares, pobres e libertadoras da criatividade, tive que inventar quase tudo de que precisava no nível da minha aprendizagem natural, a partir dos materiais da terra, construir o meu mundo nela, compreendê-la ludicamente por dentro e estruturar assim um esquema corporal que foi sendo cada vez mais, a imagem das coisas da terra, transformadoras da minha semelhança.» Afirmando o princípio conceptual — central a toda a obra — de que «o artificial é o natural do homem», Carneiro definiu um programa de acção e de reflexão, simultaneamente prático e teórico, cujo resultado foi a vasta obra realizada desde o fim da década de sessenta, que se foi transformando, no tempo, em diversas metamorfoses, ocorrendo ao longo de mais de meio século no campo expandido da escultura como no do desenho, onde deixou igualmente uma importante dimensão do seu trabalho. Nessa obra, o artista procurou voltar a pôr em questão, e assim traduzir uma dimensão do humano (e portanto do cultural) face a uma natureza imersa em veloz transformação, como ocorreu em Portugal a partir de finais da década de sessenta, quando uma tardia vaga de industrialização veio transformar de vez a paisagem e os hábitos do país, que permanecera longamente ruralizado sob as ordens de Salazar. Quando, ao mesmo tempo, uma nova consciência ecológica despertava na Europa, nomeadamente no campo artístico, com a land art. Nesse contexto, Carneiro foi, de facto, caso pioneiro e, como assinalado cedo por Pierre Restany, o primeiro autor de um Manifesto para uma arte ecológica. Forma e metamorfose Esta foi, antes de mais, uma dimensão inovadora que a pouca expressão da arte portuguesa no contexto internacional, sobretudo europeu, não soube devidamente amplificar, em proveito da sua identidade e reforço nesse espaço aberto. Nesse sentido, temos de ver esta obra como parente próxima, ao nível dos pressupostos,
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daquela que Joseph Beuys iniciara, poucos anos antes (1964), na Alemanha, ou da que foi realizada por Giuseppe Penone na Itália, já no mesmo período. As afinidades mais gerais com a Arte Povera não foram ainda, de resto, suficientemente reflectidas, apesar de serem essenciais à sua plena compreensão. A metamorfose é o signo por excelência da operação estética e na perspectiva de evidenciar como ela se integrou, no conjunto da obra, como processo intrínseco do trabalho da escultura, se entenderá a realização, ao longo do tempo, de peças tão diferenciadas como as que se intitularam Árvore, escultura viva (1972), Vinte e uma janelas sobre a paisagem (1973) ou Sete esculturas naturais (1973), que, mais tarde, foram continuadas, mais subtilmente, em outras, já do período final, como Momentos de árvores ou Impulsos da floresta (2014). Em outra, um pouco anterior — o Caderno preto (1968-71), de marca conceptual, que o artista realizou na sua maior parte em Londres durante a estada de pós-graduação — apresentavam-se já alguns projectos que se vieram a realizar, constituindo o próprio caderno uma obra e um programa de intervenção e de operação estética. Teve ela também essa importância porque aí convergiam não só os projectos como as convicções principais em torno da necessidade de produzir uma arte capaz de ter em conta o sentido do envolvimento, e que se pudesse inserir na natureza como natureza segunda, na medida em que dela partiria para a transformar. O trabalho do artista pensava-se como um trabalho interior e denso, produzido para dentro de si, onde o que se arriscava era a própria vida, enquanto extensão do gesto criador: I’m now in the spiral movement towards the liberation of my art-form feelings — lia-se, em abertura, no Caderno preto. Aí encontramos igualmente o projecto de Um deserto entre dois oásis, que equacionava algumas das linhas dominantes das futuras preocupações, a saber, da relação entre espaço e tempo, espaço e espaço, matéria e tempo, matéria e espaço, matéria e matéria, corpo e corpo.
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Nesse sentido, também em finais do século passado o artista produziu no Derwenthaugh Park, em Gateshead, nas imediações de Newcastle (norte de Inglaterra), uma obra intitulada Stones Garden (1996). Instalado numa paisagem rodeada de bosques, o seu jardim de pedras continuou o paciente trabalho de intervenção na paisagem que iniciara trinta anos antes e a que intermitentemente regressou, aperfeiçoando-o progressivamente em novas configurações. As pedras ali utilizadas, apesar da sua escala, disseminavam-se na vista geral da paisagem e remetiam para as formações minerais características da zona. Este jardim, executado in situ a convite das autoridades locais, era constituído por uma plataforma murada em cujo interior foi colocado um tapete de pedras calcárias, sobre as quais outras cinco grandes pedras trabalhadas — intituladas A pedra mãe, A pedra da queda de água, A pedra da caverna, A pedra da lua e A pedra do barco — se erguiam, em presença silenciosa e grave, desafiando o tempo. De facto, o seu trabalho, tanto nesta peça como num número considerável de intervenções na paisagem, museus, galerias, incessantemente consignou à escultura o lugar de uma presença evocadora de memórias e de sensações que o artista pretendeu se pudessem refazer no espectador o que designarei como o campo das emoções estéticas. Emoções estéticas e percepção do real Importa agora explicitar o que quero designar por emoção estética. Sendo toda a realização artística algo que se dirige, ao nível da sua percepção, à experiência estética — num plano de sensibilidade mas também, como demonstrou Kant, no plano racional, com categorias mais ou menos referenciadas — não ocorre sempre, ao menos na cultura ocidental moderna, que tal percepção aconteça no plano imediato das emoções. Sabemos como, com a modernidade, os vectores que configuram a percepção estética
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Pormenor da obra Operação estética em Vilar do Paraíso, 1973, identificado como o momento C – Tempo da meditação ou Momento três — marcação e meditação da posse sobre o elemento agregador das relações estéticas. Detail of the work Operação estética em Vilar do Paraíso, 1973, identified as the moment C – Time of meditation or Th︎ird tempo – Formalizing – and meditating on – the appropriation of the aggregative element.
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«O outro por ele mesmo» “The other by himself ” Janeiro-abril (January-April) 1979
Em 1979, a Galeria Quadrum apresentou trabalhos de Alberto Carneiro na 10.a Art Basel. Na ocasião, a galeria produziu uma publicação apresentando o trabalho do artista. As páginas a seguir reproduzem o texto em forma de entrevista escrito por Alberto Carneiro para essa publicação. Em 2004, quando o texto foi reproduzido no catálogo da sua exposição individual no Palácio da Galeria, em Tavira, o artista identificou este texto como um «auto-retrato» e apresentou o entrevistador como o «Outro» e o entrevistado como «Ele mesmo». A tradução foi feita pelo seu amigo Alexandre Vasconcelos, em 1979. In 1979 Galeria Quadrum presented work by Alberto Carneiro at the 10th Art Basel. On the occasion the gallery produced a publication introducing Carneiro’s work. The following pages reproduce a text in the form of an interview, written by Alberto Carneiro for this publication. In 2004, when reproducing the text in the catalogue of his solo exhibition at the Palácio da Galeria, in Tavira, the artist identified this text as a “self-portrait”. Carneiro presents the “interviewer” as the “Other” and the “interviewee” as “Himself”. The translation was done by his friend Alexandre Vasconcelos in 1979.
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Conversa com Claire de Santa Coloma, Catarina Rosendo e Tobi Maier Galeria Quadrum, Lisboa, 11 de janeiro de 2020
Tobi Maier: A exposição «Topografias Rurais | Rural Topographies» surgiu de um processo já com alguma história. A Galeria Diferença, onde decorre uma segunda parte desta exposição, celebra os seus 40 anos este ano e iniciou este processo homenageando Alberto Carneiro, cuja obra conheci durante um processo de pesquisa para a edição da revista oei #80-81 — The Zero Alternative: Ernesto de Sousa and Some Other Aesthetic Operators in Portuguese Art and Poetry from the 1960s Onwards, lançada em 2018. Durante esse processo de pesquisa, conheci as obras da série Haystacks (1989-) de Lala Meredith-Vula na documenta 14 em Kassel e na Tate Modern o The Solemn Process (1964-2008) de Ana Lupas. Um pouco mais tarde, quando cheguei às Galerias Municipais, conheci a obra de Claire de Santa Coloma. Decidi incluir as suas obras na exposição «Topografias Rurais». Connosco está também Catarina Rosendo, historiadora de arte, que conhece a obra da Claire de Santa Coloma há mais tempo do que eu, tendo já publicado sobre a mesma. Claire, uma das suas primeiras exposições individuais chamava-se «A escassez nos salvará da catástrofe | Deprivation Will Save Us from Catastrophe» em 2011. No último ano você passou muito tempo na Austrália, que agora está em chamas nalgumas partes. No meu texto para o catálogo desta exposição escrevo so-
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bre o Antropoceno e os fogos que destruíram a floresta na Amazónia e em Portugal. Talvez poderia dar-nos um pouco do seu contexto, da sua experiência da Austrália, de como vê esse país agora sofrendo, onde passou grande parte do ano passado. Claire de Santa Coloma: Sim, passei lá três meses e os incêndios já tinham começado. Não sei o que posso dizer, é uma sensação de fim do mundo mesmo, de um céu avermelhado, nada límpido, ter de ficar dentro de casa. Estamos sempre a falar de que estamos a destruir o mundo, que o mundo vai acabar e, de repente, estás confrontado com uma realidade assim. Tobi: No meu texto também lembrei o trabalho do Frans Krajcberg, artista brasileiro que viveu no norte do Brasil, na mata, e que buscou sempre árvores que sobraram dos fogos dos fazendeiros para construir a sua obra artística. Um artista que estava presente na 32ª Bienal de São Paulo (2016) e que também esteve presente na 14ª Bienal de São Paulo em 1977, onde o Alberto Carneiro representou Portugal, juntamente com Clara Menéres. Lembrei-me de Krajcberg quando falámos sobre o seu processo de procura de materiais para as esculturas. Existe até um guia para tal busca. Talvez possa contar-nos um pouco como chega às suas matérias-primas, ou até como chegou a Lisboa, pois essa chegada a Lisboa também tem que ver de alguma forma com Carneiro. Claire: Vou só voltar um instante às catástrofes, agora que falaste deste artista brasileiro. Quando eu era estudante em Paris, fazia intervenções na floresta e sobre árvores que tinham caído, porque houve uma tempestade terrível em 1999 que devastou grandes florestas, nomeadamente a de Versailles. Quando eu estava lá, no ano de 2004, já tinham limpado a maioria das florestas mais chiques, mas ainda havia algumas que continuavam a ser cemitérios de árvores caídas. Eu trabalhei muito com estas árvores caídas. A minha relação com a madeira vem da minha experiência europeia e não da minha experiência argentina. Porque pelo menos perto de Buenos Aires, onde eu cresci, não há
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florestas, não se conhecem as florestas como as que existem cá. É uma coisa muito europeia, a de florestas plantadas, de fazer crescer carvalho e aquelas árvores. Há toda uma cultura ligada à madeira que não é a mesma da América Latina, onde existem mais as selvas naturais. Digo sempre que as madeiras chegam ao meu atelier de uma maneira ou de outra e acabo sempre por trabalhar as madeiras nativas de onde estou. Têm uma relação com as pessoas que vou conhecendo e o país onde vivo. Foi assim que comecei a trabalhar muito com a azinheira: tinha decidido fazer toda uma exposição em madeira e, estando em casa de um amigo no Alentejo, fui buscar lenha para a lareira e vi um tronco pequenino. Levei-o para o meu atelier para experimentar se era uma madeira fixe para trabalhar, e era. E assim descobri esta madeira incrível — a madeira das minhas obras aqui são de azinheira. As pessoas geralmente não reconhecem esta madeira porque não é uma madeira industrializada, não tem uma utilização em móveis e até está protegida; só os ramos que caem ou as árvores mortas são comercializadas. É autóctone de cá, do sul de Espanha e do sul de França. Escrevi este Guia Prático para Fazer uma Escultura Básica em Madeira para responder a todas as perguntas técnicas, que são as perguntas que geralmente as pessoas me fazem em relação ao meu trabalho. Tobi: Numa nota mais visceral, pode também considerar-se o seu trabalho semelhante aos órgãos do corpo, como os conhecemos a partir de velas religiosas que são apresentadas durante as peregrinações a Fátima e noutros santuários, órgãos que cuidamos ou com os quais estabelecemos uma relação mais tátil. O seu processo de esculpir também foi descrito como um ato de resistência. Embora situada na área urbana, as suas rotinas diárias de trabalho fazem alusão ao fazendeiro gaúcho ou ao artesão: a prática de cinzelar, de tirar madeira, de retirar volume ao bloco parece ser quase terapêutica, mas certamente é algo espiritual. Catarina Rosendo: Posso contextualizar um pouco como foi trabalhar com a Claire durante a preparação da obra Chuva,
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Chuva, 2018, 166 esculturas, azinheira, cabo de aço (166 sculptures, holm oak, steel cable), dimensões variáveis (variable dimensions), cortesia da artista e 3+1 Arte Contemporânea (courtesy the artist and 3+1 Arte Contemporânea). Foto (photo): Photodocumenta
apresentada na Galeria Appleton, e que tem alguma familiaridade com aquela obra que está ali ao fundo [Sem título, 2019]. A Claire convidou-me para escrever o texto para a brochura que foi feita a partir dessa exposição. E eu tive a oportunidade de encontrar-me com a Claire por duas vezes, pelo menos, no sítio onde ela estava a realizar a escultura, a mata do Jardim Botânico de Coimbra, numa residência artística durante a qual trabalhou cento e muitos elementos de azinheira. Foi muito importante para mim ver, não exatamente a Claire a trabalhar, mas o seu local de trabalho, as ferramentas, a mesa, os milhares de lascas de madeira que faziam um tapete pelo chão fora. Conversámos muito sobre o que significava aquela peça no trabalho da Claire. Eu fiquei curiosa com o Guia Prático para Fazer uma Escultura Básica em Madeira. É um texto interessante, porque nos permite aceder ao processo do trabalho, àquilo que são as convicções da Claire quando aborda a sua matéria de eleição, que tem sido sempre a madeira. A Claire fala nesse texto no fazer da escultura como um «ato de resistência» e eu gosto dessa expressão por-
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Banco para contemplação, 2017, cerejeira, aço, sapelli (cherry tree, steel, sapele), 62 x 229 x 3,5 cm e (and) 41 x 32 x 140 cm, cortesia da artista e 3+1 Arte Contemporânea, Lisboa (courtesy the artist and 3+1 Arte Contemporânea, Lisbon). Foto (photo): Bruno Lopes
que, além das ferramentas e das técnicas inerentes à escultura, ela evidencia uma relação temporal entre a Claire e a escultura no momento da feitura da obra, que assenta numa coisa que ela refere também nesse texto: a memória do corpo, uma espécie de confiança inconsciente na memória do corpo para a conduzir nos gestos do talho da madeira. E esta espécie de consciência é uma coisa que é obtida também através do tempo, do deixar fazer. Claire: E da experiência. Catarina: De certa forma, é como se a escultura da Claire não fosse só o seu resultado final, mas fosse também relevante tentarmos perceber ou intuirmos como é que o processo de trabalho conduz a estas formas finais. Claire: Ultimamente decidi assumir que sou uma artista mais intuitiva e acho que tem que ver com isso que estás a dizer. No Guia Prático para Fazer uma Escultura Básica de Madeira estou a falar de como usar as ferramentas, e digo que não há que ter medo, que a mão vai saber porque é que deixa cair o peso do maço em cima do cabo da goiva e não da mão que está a manter a goiva.
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Quanto mais violento esse gesto é, quanto mais se deixa cair e não golpear, mais há confiança nesse gesto. Faço a relação com o levar o garfo à boca: nós fazemos aquele gesto de maneira muito natural e sabemos que pode ser um gesto também violento. Mas nós fazemo-lo com confiança, o nosso corpo basicamente confia. Esse ato só se consegue com experiência. No fundo, o que estou a tentar dizer é que há que fazer as coisas. E o ato de resistência do qual estou a falar refere-se ao ato de fazer as coisas, mesmo se as coisas demoram tempo, implicam esforço físico, paciência — todo o processo de fazer uma escultura. Voltando àquilo que tu disseste e que tem que ver com a economia, eu tento sempre retirar a menor quantidade possível de madeira, de material, e fazer uma economia ali também, tirar o mínimo e indispensável. As formas dependem dos acidentes que a própria madeira tem. Tobi: Nesse sentido, tem uma semelhança com Brancusi. Claire: Não sei se é semelhança. Estive a estudar e a olhar muito para a obra do Brancusi e cheguei à conclusão de que ele fez umas doze obras na sua vida e depois fez variações dessas mesmas doze formas (estou a dizer doze, mas talvez sejam quinze ou oito). Mas são sempre variações da mesma forma em diferentes materiais. Isto de chegar a uma coisa, a uma maneira de sintetizar uma forma — acho que a sua grande pesquisa era essa. As minhas formas parecem-se todas um pouco, mas isso depende do facto de partirem todas de troncos, os quais têm todos, mais ou menos, a mesma forma original. Tobi: Mas quando fala em tirar o mínimo das esculturas, faz- -me pensar na exposição «A History of the Form» que fez no Rio de Janeiro em 2012, onde essas sobras também foram exibidas, certo? Claire: Sim. Tobi: Elas também podem tornar-se obra. Claire: Sim. Tobi: Como é que é essa decisão, como é que essas sobras são então apresentadas?
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Claire: «A History of the Form» consistia numa prateleira de vinte metros de comprimento, que dava a volta à galeria. Tobi: Containers, contentores nesse caso. Claire: Queria falar da forma, de como formar uma coisa, de como se chega àquela forma, incluindo também todas as coisas que acontecem no processo de criar uma forma. Por isso estão lá coisas que faziam parte do meu estúdio, como as lascas de madeira que eu ia classificando pensando que um dia as ia utilizar (o que ainda faço às vezes, por cores, por tamanhos), os lápis ou cunhas que usava para manter a escultura firme enquanto estava a trabalhar. Ao mesmo tempo, naquela classificação havia esculturas feitas à mão, naquela altura algumas eram feitas diretamente com máquinas ou restos de coisas que eu reaproveitava, exercícios de equilíbrio. Tobi: Também são semelhantes aos containers no The Solemn Process (1964-2008) da Ana Lupas, que ela aproveitou para criar as suas formas, ou aqui atrás de nós o Alberto Carneiro criando cones na Operação estética em Vilar do Paraíso (1973). Claire: Penso também nesta acumulação de imagens que ele decidiu guardar: enquanto estamos a fazer uma coisa, um objeto ou uma ação, temos esta possibilidade de acumular imensa informação e material e, quer isso se mostre ou não, estamos sempre a criar. Catarina: Aquilo que vou dizer é válido para esta série fotográfica que está atrás de nós, a performance do Alberto feita em torno de um feixe de vimes encontrado na paisagem em Vilar do Paraíso, que é perto de Vila Nova de Gaia (Operação estética em Vilar do Paraíso, 1973). Este conjunto de feixes já lá estava — o Alberto encontrou-os e fez uma performance em que marcou com fitas os vários feixes e realizou uma série de percursos através deles. Nesse processo, transformou aquele campo numa obra de arte. Isso traz à tona a ideia, que é muito modernista e é muito contemporânea ainda, de trazer a experiência artística para a vida de todos os dias. Corresponde a um longo processo
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que a arte moderna e a contemporânea fazem, o de desvincular a arte das suas codificações mais elitistas, ligadas ao sistema das Belas-Artes, recuperando uma ideia mais antiga de arte, até de contornos mais primitivistas, na qual o objeto artístico era em si mesmo o resíduo ou o resto de uma experiência tangível da vida comum de todos os dias, muitas vezes ligado a práticas ritualísticas e a processos de cura. No caso da Claire, parece-me que tu procuras fazer objetos artísticos para que a pessoa se aproxime da obra e se relacione com ela diretamente a partir do gosto, das sensações, etc., sem essa componente mais teorizante que complexifica o discurso artístico ao mesmo tempo que o subtrai à experiência quotidiana. De alguma maneira, quando fazes uma série de obras de escultura em madeira que agregas a mobiliário (a mesas, a cadeiras, etc.) não sei se também não é trazer mais ao quotidiano e à experiência direta aquilo que é a experiência mais reificada da arte. Claire: A economia — o facto de retirar a menor quantidade possível — e o significado da obra relacionam-se, não sei se diria com o pesadelo, mas com a ameaça, com o medo de não saber o que fazer antes de começar a fazer uma obra de arte. A minha escolha de retirar a menor quantidade possível de material permite-me não ter de estar a pensar no que fazer. Essa decisão é tomada pelo próprio material. Talvez ali esteja o ato de resistência em voltar à experiência estética da obra de arte: que a obra viva por ela própria sem a intelectualização dela. Estou sempre a apelar à experiência da obra e acho que o ato de resistência passa pelos dois canais: o facto de fazer o objeto à mão e o facto de o experienciarem sem aquela informação ou código ou simbologia ao seu lado. Tobi: As obras muitas vezes aparecem sem título e, nesse sentido, pergunto se se deixa também guiar pela materialidade da madeira até à forma que a obra eventualmente tomar. Claire: Sim.
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Sem título (suspensão), 2017, azinheira, couro, cabo de aço, serra-cabo (holm oak, leather, steel cable, cable clamp), 15 x 16 x 40 cm, cortesia da artista e 3+1 Arte Contemporânea, Lisboa (courtesy the artist and 3+1 Arte Contemporânea, Lisbon). Foto (photo): Bruno Lopes
Tobi: A obra que apresentamos no pedestal (Sem título, 2017) remete para Trajecto dum corpo, na exposição individual de Alberto Carneiro na Galeria Quadrum em 1977. Mas não só. Claire: Aquela explica-se muito bem: o tronco tinha uma racha muito grande e o que eu fiz foi integrar a racha dentro da forma; depois tinha um buraco feito por um bicho e eu integrei aquele buraco. Lembro-me de uma altura, quando a estava a fazer, sentir esse medo de fazer uma escultura fálica. E nesse momento disse: «Vou lá, não interessa, este pedaço está a pedir-me, esta racha, este buraco, vou fazer e pronto, que seja, não é a minha responsabilidade, estou só a seguir.» Catarina: A madeira oferece-te a forma. Claire: Mas no final tenho sempre um aspeto de escultura abstrata, uma forma sintética, digamos. E geralmente aí vou ao encontro de Brancusi. Este ovo, as formas assim mais cheias, são as que procuro. São mais cheias porque tenho de tirar a menor quantidade possível de madeira, e então acabam sendo formas mais ovoides. Aquele foi o início do meu caminho pela sensualidade, digamos.
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Catarina: Às vezes no trabalho da madeira há uma sensualidade implícita pelas próprias qualidades que a madeira tem. É uma matéria inerte, mas simultaneamente quente, tátil — consoante as superfícies são trabalhadas, ela pode ser mais apelativa ou não. Nos teus trabalhos nos últimos tempos, trabalhas as superfícies de modo a elas ficarem lisas e táteis, podendo deste modo captar melhor a luz. Eu gostava de perceber como é que funciona a tua relação com essa dimensão erótica e sensual que às vezes a tua escultura tem. Há um texto muito conhecido do Georges Bataille em que ele refere que o erotismo é aquilo que nos liga ao que está fora de nós. É essa pulsão que existe sempre e que é inerente a todos os humanos de querer ultrapassar a distância inultrapassável que existe entre nós e as coisas e os outros. No caso do Alberto Carneiro é muito óbvia essa ligação muito sensual à matéria, porque há ali um trânsito de energias que ele gostava muito; gostava, numa forma muito imaginária e simbólica, de se fundir com a própria matéria. Qual é a relação que estabeleces com essa dimensão mais sensual e erótica? Claire: No meu trabalho, namorar com o erotismo ou com a sensualidade começou com aquela peça e com a outra que depois podem ver (está ali no meu atelier). Era um tronco e eu tirei o mínimo e indispensável; acabou sendo como uma curgete enorme ou o que vocês quiserem. Fazer arte, fazer obras, é uma pulsão de vida — e uma pulsão de vida, no fundo, também é sexo. São coisas primitivas e complexas. Acho que está inerente, que há um desejo ligado à obra de arte na experiência e eu sempre estou a defender a ideia de prazer no fazer e na experiência da obra. Catarina: É um ato de resistência também. Claire: Nunca sei qual vai ser o resultado, nunca. Eu vou fazendo e vai acontecendo, e depois vemos o que fazemos com aquilo que eu fiz. Tobi: E o espectador pode interagir com essas sensibilidades fisicamente?
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Claire: Sim, claro. Que o espectador toque ou não toque, no fundo, é um pouco mais irrelevante; o que me interessa é que o espectador sinta, que lhe surja quase a necessidade de querer tocar. Depois se o espectador tocar ou não é com ele, mas quero conseguir suscitar aquele desejo. Interessa-me ligar o desejo com a obra. Tobi: Achei interessante a analogia entre as suas obras em papel de 2009 e os desenhos a lápis do Alberto Carneiro criados no final da sua carreira, por volta de 2015. Essas árvores, esses labirintos, são pouco conhecidos. Pensa neles como desenhos preparatórios ou são obras independentes? Como se ligam as obras em papel com as esculturas? Claire: Os desenhos nasceram da crise. Quando eu estava em Madrid, durante dois anos tive uma crise com a escultura: o facto de fazer escultura e trazer mais objetos ao mundo não tinha sentido. Os meus desenhos são um pouco como as minhas esculturas: são abstratos. O que me interessava era fazer só um ponto ou uma linha que já podiam ser um desenho. Eram desenhos um pouco meditativos, abstrações de paisagens ou árvores. Já há uns anos que não faço, mas não eram desenhos preparatórios — os meus desenhos preparatórios sempre são eu a desenhar as minhas esculturas, são desenhos mais figurativos. Tobi: Enquanto os desenhos preparatórios não são considerados obra. Claire: Não, ainda não. Tobi: Catarina, você que acompanhou o Alberto nessa época em que ele estava a produzir uma vasta quantidade de desenhos, lembra-se como foram esses momentos em que o Alberto deixou de esculpir, de trabalhar a madeira? Catarina: De forma muito pragmática, nos últimos anos da vida e por causa da doença que o acometeu, o Alberto teve de deixar de esculpir. Parte desses desenhos recentes estão expostos na Galeria Diferença. O Alberto sempre desenhou e a sua primeira exposição individual em 1967, no Porto, incluiu desenhos,
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Exposições de Alberto Carneiro Exhibitions by Alberto Carneiro Galeria Quadrum | Cooperativa Diferença Dados recolhidos e organizados por Catarina Rosendo (Data collected and edited by Catarina Rosendo)
Individuais | Solo Exhibitions 1975 — Lisboa | Lisbon, Galeria Quadrum, 16 outubro-16 novembro | 16 Oct-16 Nov — Alberto Carneiro. Obras expostas | Works exhibited: Algumas páginas de um diário imaginário (desenhos/projectos para intervenção na paisagem) [Some Pages of an Imaginary Diary (Drawings/Projects for Landscape Intervention, 1972-75)]; O arco-íris: imagem da imagem na imagem 7+ ou —2 [The Rainbow: Image of an Image on an Image 7+ or —2, 1973]; 5 variações do arco-íris sobre a paisagem [5 Variations of the Rainbow Over the Landscape, 1973-75]; Árvore jogo/lúdico em sete imagens espelhadas [Tree Game/Play in Seven Mirrored Images, 1973-75]; Os sete rituais estéticos sobre um feixe de vimes na paisagem [Seven Aesthetic Rituals Around a Bundle of Willow-Wands in the Landscape, 1974-75]; Operação estética em Caldas de Aregos [Aesthetic Operation in Caldas de Aregos, 1974-75, 2 posters]. 1977 — Lisboa | Lisbon, Galeria Quadrum, 1 abril-31 maio | 1 Apr-31 May — Alberto Carneiro: Trajecto dum corpo [Alberto Carneiro: Trajectory of a Body, 1976-77, folder]. 1979 — Lisboa | Lisbon, Galeria Quadrum, março-abril | Mar-Apr — Alberto Carneiro: ele mesmo-outro [Alberto Carneiro: He HimselfOther]. Obras expostas | Works exhibited: Ele mesmo/outro [He Himself/Other, 1978-79]; Corpo/pão [Body/Bread 1978]; Arte cor-
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po/corpo arte [Art Body/Body Art, 1976-78]; Ele mesmo mandala em si [He Himself, Mandala in Itself, 1978, catalogue]; Lisboa | Lisbon, Galeria Módulo e | and Galeria Diferença — Alberto Carneiro: A floresta [Alberto Carneiro: The Forest]. Obra exposta | Work exhibited: A floresta [The Forest, 1978]. 1981 — Lisboa | Lisbon, Quadrum Gallery, abril-maio | Apr-May — Alberto Carneiro: O corpo subtil [Alberto Carneiro: The Subtle Body, 1980-81]. Obra exposta | Work exhibited: O corpo subtil [The Subtle Body, 1980-81, poster]; Lisboa | Lisbon, Galeria Diferença, abril-maio | Apr-May — Alberto Carneiro. Obras expostas | Works exhibited: Ainda o mar para além do labirinto [Still the Sea Beyond the Labyrinth, 1977-78]; Sinais e sabedoria da floresta [Signs and Wisdom of the Forest, 1978-80]; Sobre o meu corpo o rasto da serpente [On My Body the Trail of the Serpent, 1980, poster]. 1983 — Lisboa | Lisbon, Galeria Quadrum, novembro-dezembro | Nov-Dec — Alberto Carneiro: Percursos na paisagem. Catorze desenhos e uma escultura [Alberto Carneiro: Routes in the Landscape. Fourteen Drawings and One Sculpture]. Obras expostas | Works exhibited: Percursos na paisagem: Memória do corpo sobre a terra [Routes in the Landscape: Memory of the Body on the Earth, 1982-83]; Os caminhos da floresta: A chegada e a partida [The Paths of the Forest: Arrival and Departure, 1983, poster]; Lisboa | Lisbon, Cooperativa Diferença, O livro de artista [The Artist Book, print on paper]. Coletivas | Group Exhibitions 1976 — Lisboa | Lisbon, Galeria Quadrum — Artistas portugueses de vanguarda [Portuguese Avant-garde Artists]. Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, António Lagarto, António Sena, Artur Varela, Eurico Gonçalves, Fernando Calhau, Graça Pereira Coutinho, João Moniz, Jorge Pinheiro, José Rodrigues, Nygel Coat, Pires Vieira.
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1984 — São Paulo, Museu de Arte Contemporânea — Artistas fotógrafos em Portugal [Photo-artists in Portugal, org. Galeria Diferença]. Obra exposta | Work exhibited: Meu rio corpo pedra [My River Body Stone, 1978-79]. 1985 — Lisboa | Lisbon, Galeria Diferença, abril-maio | Apr-May — Diálogo [Dialogue]. Obra exposta | Work exhibited: Variações sobre um haikai de Bashô [Variations on a Bashô Haikai, 1984-85]; Lisboa | Lisbon, Galeria Diferença, novembro | Nov — Projectos de escultores [Sculptors Projects]. Obras expostas | Works exhibited: Esculturas rurais [Rural Sculptures, 1972-73]. 1987 — Lisboa | Lisbon, Galeria Quadrum — 10 quadros para o ano 2000 [10 Paintings for the Year 2000, org. Mário Varela]. Obra exposta | Work exhibited: Os caminhos da floresta [The Paths of the Forest, 1985]. 1990 — Lisboa | Lisbon, Galeria Quadrum — 17 anos da Quadrum. Exposição de artistas modernos portugueses [17 Years of Quadrum. Exhibition of Portuguese Modern Artists]. Obra exposta | Work exhibited: Corpo/pão [Body/Bread, 1978]. Feiras | Art Fairs 1977 — Bolonha | Bologna — Arte Fiera 77, Galeria Quadrum, 1-6 junho | 1-6 Jun. Obra exposta | Work exhibited: Árvore, escultura viva [Tree, a Living Sculpture]. 1978 — Bolonha | Bologna — Arte Fiera, Galeria Quadrum; Düsseldorf — Internationaler Kunstmarkt, Galeria Quadrum e | and Módulo. 1979 — Basel, Art Basel, Galeria Quadrum, junho-julho | Jun-Jul — Alberto Carneiro. Obras expostas | Works exhibited: Arte corpo/corpo arte [Art Body/Body Art, 1976-78]; Corpo/pão [Body/ Bread, 1978]; Ele mesmo mandala em si [He Himself, Mandala in Itself, 1978]; Ele mesmo/outro [He Himself/Other, 1978-79]; Natureza natural/imagem corporal [Natural Nature/Body Image, 1979, catalogue]; Lisboa | Lisbon, Galeria de Belém, 13 dezem-
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bro-13 janeiro | 13 Dec-13 Jan, 1980 — Panorama das Galerias 2 [Panorama of Galleries 2, org. Galeria Quadrum]. Obra exposta | Work exhibited: Corpo/pão [Body/Bread, 1978].
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Biografias dos artistas e escritores
Alberto Carneiro (*1937-2017) apresentou a sua obra na 37.a Bienal de Veneza (1976) e na 14.a Bienal de São Paulo (1977), ano em que integrou a exposição «Alternativa Zero», organizada por Ernesto de Sousa. Além das exposições nas Galerias Quadrum e Diferença listadas nesta publicação, destacam-se ainda exposições antológicas: Fundação Calouste Gulbenkian e Casa de Serralves (1991); Centro Galego de Arte Contemporânea (2001); Museu de Arte Contemporânea do Funchal (2003); Centro de Arte y Naturaleza – Fundación Beulas, Huesca (2006), Casa da Cerca (2011), Museu de Arte Contemporânea da Fundação Serralves (2013) e Fábrica de Santo Thyrso (2015). A sua obra encontrase representada em diversas coleções públicas e privadas. Ana Lupas nasceu em Cluj-Napoca em 1940, onde continua a viver e a trabalhar. Lupas estudou tapeçaria no Instituto de Belas-Artes Ion
Andreescu, em Cluj-Napoca. Ela começou a trabalhar no início dos anos 1960 e a sua abordagem conceptual influenciou fortemente toda uma geração de artistas romenos. Nos anos 1980, Lupas fundou e dirigiu o coletivo de jovens artistas romenos Atelier 35, com uma abordagem forte de vanguarda. Exposições recentes incluem «Christmas Trees for the Years to Come 1993», Art Basel Unlimited (2018) e «The Solemn Process 1964–2008», Tate Modern, Londres (2016). Claire de Santa Coloma (*1983, Buenos Aires) vive e trabalha em Lisboa. Estudou escultura de talha direta nos Ateliers Beaux Arts de la Ville de Paris. Simultaneamente, obteve o mestrado de investigação em Artes Plásticas na Universidade La Sorbonne, Paris. Entre 2007 e 2009 foi artista residente na Casa de Velázquez, em Madrid, e frequentou o programa de Estudos Independentes da Maumaus, em
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Lisboa (2009-2010). Entre as suas exposições recentes destacam-se: «Modo de Uso», 3+1 Arte Contemporânea, Lisboa (2020); «Chuva», Appleton – Associação Cultural, Lisboa (2018). A sua obra é representada em coleções públicas e privadas. Lala Meredith-Vula (*1966, Sarajevo) é artista e professora de arte e fotografia na Universidade De Montfort, Leicester, Reino Unido. Representou a Albânia na 48ª Bienal de Veneza (1999) e participou da documenta 14 em Atenas e Kassel (2017). A sua exposição mais recente foi resultado de uma residência na Fermynwoods Contemporary Art, Reino Unido. Atualmente, Meredith-Vula está no processo de publicar um livro de fotografias de palheiros dos últimos trinta anos, com apoio da Graham Foundation, Chicago, e com exposições em Vancouver e Amsterdão previstas para 2021. Bernardo Pinto de Almeida (*1954) é poeta e ensaísta. Prémio aica/ Fundação Gulbenkian de Crítica de Arte (1983). Catedrático de Teoria e História da Arte, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Entre 1997 e 2001, foi diretor artístico da Fundação Cupertino de Miranda onde fundou o Centro de Estudos do Surrealismo e organizou diversas exposições. Foi membro do Conselho de Administração da Fundação Berardo em representação do Estado (2005-2009). Dirigiu a Coleção «Caminhos da Arte
Portuguesa no Século xx» (40 volumes publicados) na Editorial Caminho. Organizou, como comissário independente, mais de uma centena de exposições em museus e instituições em Portugal e Espanha. Prefaciou mais de cinco centenas de catálogos em Portugal e no estrangeiro, e publicou mais de duas dezenas de livros, de ensaio e de poesia. Catarina Rosendo (*1972, Lisboa) trabalha no âmbito da arte contemporânea, dedicando-se à curadoria, docência, ensaística, edição, organização de espólios, cinema documental, participação em júris e em comissões consultivas, realização de conferências, entre outros. Doutorada em História da Arte – Teoria da Arte pela nova fcsh (Lisboa) e Investigadora do iha-nova fcsh. Integrou o Serviço de Exposições da Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea (1995-2006) e desenvolveu projetos de investigação curatorial para a Coleção do Museu de Arte Contemporânea de Serralves (2014-2017). Desde 2018, é Professora Auxiliar Convidada no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Irene Buarque (*1943, São Paulo) vive e trabalha em Lisboa desde 1973. Participou da 9.a Bienal de São Paulo em 1967, da 5ª Jovem Arte Contemporânea no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo – Prémio de Aquisição em 1971 e apresentou a sua obra nas
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exposições «Muralhas de Lisboa» na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa (1975), «Janelas» na Galeria Quadrum, Lisboa (1978), «Pessoa Astral» no Centro Cultural Calouste Gulbenkian, Paris (1997), Maison du Livre, Bruxelas (1998), Cultureel C. Berchem, Antuérpia (1999) e «Luz Água» no maeds, Setúbal (2018), entre muitas outras. A sua obra é representada em coleções públicas e privadas. Membro fundador e da direção da Cooperativa Diferença, Lisboa.
Marina Lupas Collinet, PhD em Artes, é professora na Universidade do Maine, França. A sua contribuição The Solemn Process foi publicada pela primeira vez na Elet és Irodalom, Budapeste, em 12 de janeiro de 2018, sob o título «Relikvárium a végtelenség számára, The Solemn Process». Tobi Maier é diretor das Galerias Municipais de Lisboa.
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Artist and writer biographies
Alberto Carneiro (*1937 – 2017) presented his work at the 37th Venice Biennial (1976) and the 14th São Paulo Biennial (1977), as well as “Alternativa Zero”, organized by Ernesto de Sousa in Lisbon (1977). Besides the exhibitions at Galerias Quadrum and Diferença listed in this publication, important survey exhibitions include: Fundação Calouste Gulbenkian and Casa de Serralves (1991); Centro Galego de Arte Contemporânea (2001); Museu de Arte Contemporânea do Funchal (2003); Centro de Arte y Naturaleza – Fundación Beulas, Huesca (2006), Casa da Cerca (2011), Museu de Arte Contemporânea da Fundação Serralves (2013), and Fábrica de Santo Thyrso (2015). His work is represented in several public and private collections. Ana Lupas was born in Cluj-Napoca in 1940, where she continues to live and work. Lupas studied tapestry design at the Ion Andreescu Institute of Fine Arts in Cluj-
Napoca. She began working during the early ’60s and her conceptual approach strongly influenced a whole generation of Romanian artists. In the ’80s Lupas founded and directed the collective of young Romanian artists Atelier 35 with a clearly avant-garde approach. Recent exhibitions include “Christmas Trees for the Years to Come 1993”, Art Basel Unlimited (2018) and “ The Solemn Process 1964-2008”, Tate Modern, London (2016). Claire de Santa Coloma (*1983, Buenos Aires) lives and works in Lisbon. Santa Coloma studied direct carving sculpture at Ateliers Beaux Arts de la Ville de Paris. At the same time, she obtained a ma in Visual Arts Research at La Sorbonne, Paris. Between 2007 and 2009 she was artist in residence at Casa de Velázquez, Madrid and attended the Independent Studies programme at Maumaus in Lisbon (2009-2010). Recent exhibitions include: “Modo de Uso”, 3+1 Arte
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Contemporânea, Lisbon (2020) and “Chuva”, Appleton – Associação Cultural, Lisbon (2018). Her work is represented in numerous public and private collections. Lala Meredith-Vula (*1966, Sarajevo) is an artist and professor of art and photography at De Montfort University, Leicester, uk. She represented Albania in the 48th Venice Biennial (1999) and participated in documenta 14 in Athens and Kassel (2017). Her most recent exhibition was the result of a residency at Fermynwoods Contemporary Art, uk. Currently Meredith-Vula is in the process of publishing a book of her on-going haystack photographs from the past 30 years with an award from the Graham Foundation, Chicago with exhibitions intended in 2021 in Vancouver and Amsterdam. Bernardo Pinto de Almeida (*1954) is a poet and essayist. He was awarded the aica/Gulbenkian Foundation Art Critics Award in 1983 and is Professor of Theory and History of Art at the Faculty of Fine Arts, University of Porto. Between 1997 and 2001, he was artistic director of the Cupertino de Miranda Foundation where he founded the Centre for the Study of Surrealism and organized several exhibitions. He was a member of the Board of Directors of the Berardo Foundation representing the State of Portugal (2005-2009) and edited the collection “Caminhos da Arte Portuguesa no Século
xx” (40 volumes) for Editorial Caminho. As independent curator, he organized more than a hundred exhibitions in museums and institutions in Portugal and Spain. He has contributed to more than five hundred catalogues in Portugal and abroad and published more than twenty books of essays and poetry. Catarina Rosendo (*1972, Lisbon) works in the field of contemporary art, dedicating herself to curatorship, teaching, writing, editing, the organization of estates, documentary cinema, participation in juries, advisory boards and conferences, among others. She holds a PhD in Art History – Art Theory from nova fcsh (Lisbon) and is a researcher at iha-nova fcsh. She was part of the exhibition committee at contemporary art center Casa da Cerca (1995-2006) and developed curatorial research for the collection of the Serralves Museum between 2014 and 2017. Since 2018, she has been invited Assistant Professor at the College of Arts, University of Coimbra. Irene Buarque (*1943, São Paulo) has lived and worked in Lisbon since 1973. She participated in the 9th São Paulo Biennial in 1967, in the 5th jac at the mac São Paulo where she was awarded the acquisition prize in 1971, and exhibited her work in “Muralhas de Lisboa” at the Calouste Gulbenkian Foundation in Lisbon (1975), “Janelas”, Galeria Quadrum, Lisbon (1978), “Pessoa Astral”, Centro
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Cultural Calouste Gulbenkian, Paris (1997), Maison du Livre, Brussels (1998), Cultureel C. Berchem, Antwerp (1999) and “Luz Água”, maeds, Setúbal (2018), among many others. Her work is represented in public and private collections. Irene Buarque is a founding member and director of Cooperativa Diferença, Lisbon.
Marina Lupas Collinet, PhD in Arts, is a professor at Maine University, France. Her contribution The Solemn Process was first published in Elet és Irodalom, Budapest on January 12, 2018 under the title “Relikvárium a végtelenség számára, The Solemn Process”. Tobi Maier is the director of the Municipal Galleries in Lisbon.
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EXPOSIÇÃO (EXHIBITION) Galeria Quadrum 08.12.2019 – 23.02.2020
Publicações e Residências da Boavista (Publications and Boavista Residences) Rita Duro
Galeria Diferença 08.12.2019 – 08.02.2020
Direção de Produção (Production) Coordenadora (Coordinator) Flávia Violante
Vereadora da Cultura da CML Councillor for Culture / Lisbon City Council Catarina Vaz Pinto
Produtores (Producers) João G. Rapazote Patrícia Guerreiro Rita Queiroga
Conselho de Administração da EGEAC EGEAC Board of Directors Joana Gomes Cardoso Sofia Meneses Manuel Veiga
Mediação e Programas Públicos (Mediation and Public Programs) Coordenadora (Coordinator) Helena Tavares
Galerias Municipais Municipal Galleries Diretor (Director) Tobi Maier Diretora Adjunta (Deputy Director) Maria Manuel Ferreira Adjunta de Gestão (Executive Direction Assistant) Maria da Luz Martins Secretariado (Secretary) Dulce Castro Arquitetura de Exposição (Exhibition Architecture) André Maranha Performance e Música (Performance and Music) Paula Nascimento Direção de Comunicação (Communication) Coordenadora (Coordinator) Susana Sena Lopes
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Assistentes de Exposição e Mediação (Mediation and Exhibition Assistants) Andreia Frazão Pires Bárbara Bulhão Catarina Nascimento Daniel Peres Elisa Aragão Inês Louro João Gaspar Luísa Cardoso Margarida Rodrigues Mariana Branco Pedro Gonçalves Diferença Comunicação Visual CRL. Presidente (President) Irene Buarque Vice-presidente (Vice-president) Fernanda Pissarro Tesoureiro (Treasurer) João Cochofel Assistentes de Exposição e Montagem (Exhibition Assistants & Installation) Albertina Sousa Marta Caldas Paulo Lourenço
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CATÁLOGO (CATALOGUE)
Conceção (Concept) Tobi Maier Conceção gráfica (Graphic design) Manuel Rosa Ricardo Assis Traduções (Translations) Gillian Sneed KennisTranslations Revisão (Proofreading) Helena Roldão
Galerias Municipais Rua Alberto Oliveira, 51 Palácio dos Coruchéus 1700-019 Lisboa Portugal Tel: + 351 215 830 010 info@galeriasmunicipais.pt www.galeriasmunicipais.pt
Diferença Comunicação Visual Galeria e Ateliers Rua S. Filipe Neri, 42 c/v 1250-227 Lisboa Portugal gdiferenca@gmail.com www.diferencagaleria.blogspot.com
Impressão (Printing) Gráfica Maiadouro
Depósito legal (Legal deposit): 476453/20 ISBN: 978-989-9006-39-3
© 2020 Fundação Carmona e Costa | Galerias Municipais / EGEAC
Fundação Carmona e Costa Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo edifício da Bolsa Nova de Lisboa) Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1, 6.º D 1600-196 Lisboa Portugal Tel: + 351 217 803 003/4 www.fundacaocarmonaecosta.pt
Documenta Sistema Solar, Cooperativa Editora e Livreira, Crl. Rua Passos Manuel, 67 B 1150-256 Lisboa Portugal Tel: + 351 213 583 030 www.sistemasolar.pt
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