A 1.ª edição de Gatos Comunicantes foi publicada pela Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva e pela Assírio & Alvim em Agosto de 2008, por ocasião da exposição Correspondências – Vieira da Silva por Mário Cesariny, realizada na Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, entre Junho e Outubro de 2008, com o apoio da Fundação EDP e da Fundação Cupertino de Miranda. Esta nova edição é publicada pela Sistema Solar | Documenta e pela Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, com o apoio da Fundação Cupertino de Miranda, por ocasião de «Mário Cesariny – Encontros XII», realizados em Novembro de 2018.
MÁRIO CESARINY – ENCONTROS XII
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G ATO S C O M U NIC A N TE S correspondĂŞncia entre Vieira da Silva e MĂĄrio Cesariny
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Vieira da Silva, Os magos chegaram atrasados, c. 1940-47. Col. FASVS, Lisboa.
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GATOS COMUNICANTES correspondência entre Vieira da Silva e Mário Cesariny (1952-1985)
apresentação
José Manuel dos Santos edição e textos
Sandra Santos António Soares
DOCUMENTA FUNDAÇÃO ARPAD SZENES – VIEIRA DA SILVA
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ÍNDICE
Frente a frente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 José Manuel dos Santos Vieira da Silva e Mário Cesariny. Um encontro no invisível . . 14 Sandra Santos A demanda do Graal-Vieira e desse outro Cálice-Arpad . . . . 30 António Soares CARTAS (1952-1985) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 Cronologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323 Índice onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 331
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F REN T E A F RENTE José Manuel dos Santos
Página a página, linha a linha, palavra a palavra, este livro ergue as figuras reais de Maria Helena Vieira da Silva e de Mário Cesariny de Vasconcelos. Ergue-as, assim cada um foi inventando o outro, num frente a frente perpétuo, sem intervalo ou traição. Este diálogo de vozes e de silêncios-entre-as-vozes, de palavras e de sem-palavras-entre-as-palavras, levanta estas figuras sobre (e contra) um chão de pequenez, hostilidade e escuridão, dando-as como elas são. E como elas se olharam, se representaram, se admiraram, se amaram uma à outra: únicas, grandiosas e magnificadas. Ao fundo, aparece Arpad, com uma elegância longa, a saudá-los, a saudar-nos, na sua doçura inquieta, na paciência e sabedoria do seu estar. Um pouco atrás, ouve-se, vê-se Guy Weelen a anotar, a preparar, a cuidar, a tramitar, a transmitir. Este livro prova que «os encontros são proporcionais aos destinos» e que o amor pode ser um relâmpago contínuo, livre, invencível. Lemos estas cartas, tão intensas, tão terríveis, tão belas (às vezes, próximas do «belo tenebroso») como quem decifra duas caligrafias entrelaçadas, cruzadas, abraçadas, deitadas uma sobre a outra, como gatos que brincam na rua. Nas cartas, Mário Cesariny é uma Mariana Alcoforado que foge muito do convento-país-prisão; e Vieira da Silva é um conde de Chamilly que está em França, mas responde à chamada e marca encontros. Nelas (nas cartas), neles (nos que as escrevem), o amor gera o conhecimento que gera o 9
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amor que gera o conhecimento, num movimento incessante, insaciável, insatisfeito. Em verdade, este é um epistolário de amor, uma erotografia. O amor de Cesariny por Vieira (e pelo par-ímpar Vieira-Arpad) é um amor que aponta ao centro do mundo, onde o fogo nasce e se oculta. Por esse amor, tudo se mostra possível, tudo se torna real, tudo se faz visível. O autor de Pena capital passou a vida a ver Vieira e a dar a ver Vieira, assim acontece com todos os que amam, procurando obsessivamente tudo o que disso lhes fala e falando disso sem parar. De tudo isso nos fala aqui Cesariny. Para a obra de Vieira, verdadeiro filtro mágico visual, ele desenhou uma genealogia, uma cartografia, uma heráldica, uma escatologia. Nela, foi do génesis ao apocalipse, passou pelo antigo e pelo novo testamento, e voltou ao génesis para regressar ao apocalipse. Mas atravessou também a Epopeia de Gilgamesh, o Livro dos Mortos do Antigo Egipto, A Ilíada e a Odisseia, a Seraphita, de Balzac, As Iluminações de Rimbaud, o Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche, António Maria Lisboa, René Char. Alvo interior: mostrar como esta obra é uma mecânica celeste, uma dança sobre o abismo, uma sabedoria que se sabe a si mesma, uma visão que a si se vê a ver, uma música muda do mundo que escuta a sua mudez. Alvo exterior: sentar Vieira no trono que é o dela, e coroá-la com o antigo diadema da Rainha Cátara. Nos longos anos em que o encontrei todas as noites, rara era a vez em que o Mário não falasse da Maria Helena. Lembrava-a, contava-a, cantava-a, evocava-a, invocava-a, desvendava-a, decifrava-a, criava-a. Falava da pintora e da pintura. Falava da sua vida-obra-mistério-prodígio. Falava do livro que andava a escre10
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ver sobre ela e que avançava, recuava, voltava a avançar, voltava a recuar, como num eterno retorno. Quando o publicou, chamou-lhe Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O castelo surrealista e deu-o por inacabado! Este poema-ensaio é um grande mergulho ascendente, um dos textos de mais alta vista escritos no português do século XX. As cartas que dos dois (dos três, com Arpad, dos quatro, com Guy a escrever por ela ou pelo par-ímpar) agora se publicam são um laboratório de fusão nuclear, um teatro de vozes ao crepúsculo, um acelerador de partículas, uma gare de aterragem de naves espaciais. As cartas dele: concretas, agitadas, minuciosas, violentas, precisas, amargas, suplicantes, exactas, indignadas, altivas, informativas, assassinas, culpadas. As cartas dela: directas, sonhadoras, subtis, sensíveis, justas, concentradas, solidárias, aflitas, solitárias, agradecidas, elegantes, discretas, assustadas, humildes, perplexas, inocentes. As cartas dele: diário de bordo de uma demanda por muitos mares e sob muitas tempestades, de um caminho com muitas estrelas e muitos eclipses, de uma expedição de muitos obstáculos e de muitos perigos. Roteiro dessa viagem pelo mar alto, da qual ele poderia ter dito, usando esta frase de Leibniz que lhe convém: «Julgava-me chegado ao porto, e achei-me lançado de novo em pleno mar.» Relato de uma viagem incessante de circum-navegação em volta de Vieira: dez voltas, cem voltas, mil voltas, um milhão de voltas, um infinito de voltas! Uma viagem que continuava, que continua sempre, mesmo depois de ter acabado, mesmo depois de eles terem morrido. As cartas dela: telegrafia sem fios a captar e a emitir sinais; morse interior a transmitir o mais essencial do mais essencial; radiografia 11
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do corpo-alma e da alma-corpo; baloiço que vai e volta, e em que cada um deles se senta; aceno ao navio que passa. Com Cesariny-Ulisses e Vieira-Penélope, enquanto um navegava, a outra fazia e desfazia a sua teia infinita. Enquanto um enfrentava monstros e sereias, a outra desorientava os pretendentes. Enquanto um olhava a verticalidade do sol, a outra manejava a chave da sombra. Para o poeta-pintor, a pintora-poeta era uma náufraga salva antes de naufragar. Era uma náufraga-feiticeira-vidente-maga-adivinha-iniciada que conhecia a geometria secreta do mundo, porque tinha os poderes do xamã. E Arpad era o grão-mestre, aquele que iniciava, recebendo o que dava, dando o que recebia. Quando a feiticeira olha, o mestre, primeiro cega-a com a luz, e só depois a faz ver. Por isso, os olhos de Vieira eram altos e atentos como astros. Em Lisboa, Cesariny procurava e encontrava Vieira por todo o lado. Nas perspectivas dos elevadores, nos azulejos das fachadas, na quadrícula das janelas, nas calçadas que sobem enlouquecidas, nos becos com saída para outros becos, nos labirintos das ruas, na luz que flutua, arrefece e foge. Por isso, escreveu um dia um texto que começava «De como Lisboa exalta a obra de Vieira e vice-versa.» Nessa exaltação da exaltação, há uma frase que diz tudo: «Com o mesmo ímpeto com que dispensa a fantasia, que dá para o pechisbeque, a imaginação poderosa habita o real. Ela colhe o “real absoluto” (Novalis) que é o princípio do mundo e todos os dias, anos, séculos presentes desde o princípio do mundo. A imaginação poderosa está no ver.» Cesariny procurava e encontrava Vieira em Lisboa, na mulher que andava ao papel, com a sua face astuta e o seu gesto de acrobata cansado, nos gatos que apareciam, fitavam e saltavam para 12
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o escuro, nas ciladas e nas ruínas. Procurava-a e encontrava-a na sua ausência de um país que a não quis, e depois a quis sem a querer e só para o retrato. Procurava-a e encontrava-a para com ela partir. Sempre que os vi juntos, havia ali um entendimento antes do entendimento, um gesto que continuava o outro gesto, um olhar que se dava ao outro olhar, uma palavra que adivinhava a outra palavra, um silêncio que ecoava o outro silêncio. Havia um segredo a ser dito, um voo imóvel, um nascimento do novo. Este epistolário é uma erotografia. Mas é também uma terrível acusação feita a um país onde «o ar era um vómito». Uma acusação que ainda não prescreveu! Nestas cartas, com tempos fortes e fracos, com saltos, interrupções, lapsos, intromissões e hiatos, os anos passam, ora lentos, ora rápidos, ora súbitos. Se os contarmos bem, aprendemos que Cesariny toda a vida pensou em Vieira como numa salvação — para ele, para nós. Repito: para nós!
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V I E IRA D A S IL V A E M ÁRIO C E SARINY . UM EN CO NT RO NO INVISÍVEL Sandra Santos
Vieira da Silva queria de ti um país de bondade e de bruma queria de ti o mar de uma rosa de espuma1
«Sinto-me sempre angustiada quando me apresentam um jovem artista: é incerto o seu destino.»2 Desta forma expressa Vieira da Silva o seu medo. Medo que a acompanha desde o final dos anos 30 e que a II Grande Guerra e a perseguição nazi aos judeus agudizam; medo esse que a sua condição de apátrida, em 1939, a lança numa espiral de desespero que a habita de forma permanente no Brasil3 e recorrentemente ao longo de toda a sua vida. Privilegiada pela educação e pelo ambiente económico desafogado em que nascera, Vieira vê-se despojada de tudo pelo advento da guerra. No Brasil, a constante falta de dinheiro, inclusive para os materiais de pintura4, não deixa marcas tão profundas 1 Mário Cesariny de Vasconcelos, Discurso sobre a reabilitação do real quotidiano: em verso. Lisboa: Contraponto, 1952. Estrofe XI. Poemas redigidos em 1948. Este livro de Cesariny foi a primeira obra publicada pela Contraponto, editora criada por Luiz Pacheco e Jaime Salazar Sampaio, em 1951. 2 Anne Philipe, O fulgor da luz: conversas com Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes. Trad. Luiza Neto Jorge. Lisboa: Rolim, 1995. As conversas aqui reproduzidas tiveram lugar em 1978, Vieira teria 70 anos e Arpad 81. 3 O casal vive no Rio de Janeiro entre 1940 e 1947. 4 O investimento de Arpad no desenho não é alheio a este facto.
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como o desenraizamento e o afastamento da família, sobretudo da mãe. À dor da saudade acresce a raiva da injustiça de que se sente alvo e um ressentimento que guarda contra o Governo português por a ter abandonado à sua sorte. Não estavam em jogo as suas carreiras, mas as suas vidas. Ciente disto, Vieira opta mais tarde pela nacionalidade francesa e chega mesmo a recusar a condecoração5 que, em 1970, o Estado português lhe oferece. O seu longo e acidentado trajecto apenas revela o que a personalidade já há muito nela imprimira: Vieira é discreta e recolhida, mas generosa e atenta. A artista prematuramente assume o papel de protectora: ao ceder, nos anos 40, o atelier de Paris a amigos6, quando parte para Lisboa, em 1939, e depois para o Brasil; ao receber os amigos e artistas portugueses no atelier às Amoreiras, em Lisboa, cedendo-o também ao pintor Carlos Botelho nos anos 507; ao financiar, muitas vezes sob a forma velada de oferta de obras suas, bolsas e visitas de estudo ao estrangeiro, materiais de pintura, edições de livros e até subsistência no Portugal da ditadura. Entre os muitos amigos e artistas que Vieira da Silva pôde e quis ajudar, destaca-se o poeta-pintor Mário Cesariny. O artista é um Guy Weelen, na inauguração da exposição retrospectiva de Vieira da Silva na Fundação Calouste Gulbenkian, em Junho de 1970, recusa, em nome da artista, a condecoração que o director da instituição tenciona entregar-lhe. Vieira justifica-se com a sua oposição ao regime político vigente e a forma como a trataram, e a Szenes, em 1939. 6 Jeanne Bucher, galerista que fica responsável pelo atelier e bens dos dois artistas durante a sua ausência no Brasil, vai gerir a cedência do atelier do Boulevard Saint-Jacques a artistas em dificuldades. 7 Após a ida definitiva da mãe para Paris, em 1957, Vieira decide alugar a casa do Alto de S. Francisco. A correspondência com Carlos Botelho revela que o pintor aí trabalhou entre Outubro de 1957 e Abril de 1961. Não há notícia de que lhe tenha sido cobrado aluguer. 5
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amigo empenhado, que lhe dedica a obra de uma vida8. Vieira retribui à escala, cedendo-lhe a cifra-poética que a sua pintura encerra.
Mário Cesariny Diga-se agora em abono da verdade que um poeta nem sempre é tal qual uma pátria9
«No ambiente irrespirável da ditadura a sua poesia foi um grito, uma revolução? Claro!»10 Filho de pai ourives, é este o mester que lhe está destinado. As palavras tomam-no sem que se dê conta e ao atingir a maioridade já havia escrito A poesia civil 11 e Burlescas, teóricas e sentimentais12. Comunista por acaso13, poeta por destino e surrealista por convicção, troca temporariamente a vida dos cafés de Lisboa por uma ida a Paris, em 1947. Vai em busca de um emprego, justifica-se ao pai; vai em Ver capítulo da autoria de António Soares nesta edição. Excerto do poema «A carta em 1957». In Mário Cesariny, Pena capital, 3.ª ed. aumentada. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, p. 141. Obra publicada pela primeira vez pela Contraponto, em 1957. 10 Resposta de Mário Cesariny em entrevista de Maria Leonor Nunes e Ricardo Duarte. Jornal de Letras, Artes e Ideias, 891 (24-11/7-12-2004), p. 14. 11 Publicado em Mário Cesariny, Poesia (1944-1955). Ilust. de João Rodrigues. Lisboa: Delfos, D.L. 1961. Inclui A poesia civil, Discurso sobre a reabilitação do real quotidiano, Pena capital, Manual de prestidigitação, Estado segundo, Alguns mitos maiores alguns mitos menores propostos à circulação pelo autor. 12 Mário Cesariny, Burlescas, teóricas e sentimentais: antologia de poemas. Lisboa: Presença, 1972. 13 Afirma ter pertencido ao Partido Comunista Português mas por pouco tempo. Cf. a entrevista concedida a Maria Leonor Nunes e Ricardo Duarte, já citada. 8 9
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o trabalho de Vieira continua presente, mas é cada vez mais Guy Weelen o interlocutor dessa correspondência. As missivas assinadas por Vieira e por Arpad são cada vez mais esparsas, mais telegráficas. A dificuldade em usar da PALAVRA, o trabalho absorvente e a preocupação crescente com a saúde de Arpad afastam Vieira da escrita. Este afastamento não é todavia isento de culpa, sentimento que, a par da saudade e de uma ternura inalterada durante anos, é inscrito nas curtas notas que dedica ao poeta. Ao Mário, Maria Helena e Arpad consagram um carinho atento e confiante. A sua poesia e dedicação comove; a sua escrita laboriosa e a tenacidade que dedica ao estudo sobre os dois artistas confirmam a sua grandeza; a sua vida diverte e preocupa. Após a morte de Arpad, Vieira da Silva assina a «carta absurda que só se pode escrever ao Mário.»58 Só ele pode perceber o que é estar sem gato e sem rumo e, todavia, ter o Arpad sempre presente. Rei dos Gatos, mestre das Invísiveis Presenças, Cesariny é o único capaz de ouvir, na distância que os separa, o grito que ecoa de uma frágil Maria Helena, um grito lindíssimo, audível somente entre aqueles que partilham uma mesma solidão.
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Carta de 12-2-1985.
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A D EM ANDA DO GRAAL- VI EIRA E DES S E O UT RO CÁLIC E- ARPAD António Soares Em carta de Janeiro de 1965, enviada de Londres e dirigida a Guy Weelen, Cesariny afirma que pretende deslocar-se a Amesterdão, a Basileia e a Lausana à procura «d’un Graal qui s’appelle Vieira», e gostaria muito de fazer coincidir estas viagens com uma visão desse outro cálice que se chama Arpad. Cesariny encontrava-se na capital britânica, usufruindo de uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian que tinha por fim a redacção de um ensaio sobre a pintura de Vieira da Silva. Esta procura e a sua história vão prolongar-se por vinte anos. Grande parte da correspondência entre Cesariny, Vieira da Silva, Arpad Szenes e Guy Weelen, publicada neste volume, tem por tema o trabalho para este projecto e a sua edição em livro. A organização cronológica deste conjunto de cartas é delimitada pela sua publicação. Afastando-nos de um modelo interpretativo, e a partir da leitura da correspondência e da documentação disponível sobre o processo de bolseiro na Fundação, de factos documentados, podemos experimentar traçar o percurso da investigação e da publicação do livro Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O castelo surrealista. Pretende-se alcançar uma narração mais linear de eventos dispersos pelas cartas. Querendo manter a «comunicação» circunscrita a este grupo, deixamos de fora a análise da correspondência com outros interlocutores, que certamente será importante, noutro contexto, para o esclarecimento de certos episódios. Recorremos 30
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também a entrevistas e artigos que Cesariny escreveu sobre Vieira e Arpad durante este período. Na verdade, a primeira carta presente nesta reunião de correspondência é um artigo1 de jornal onde Cesariny se dirige em discurso directo à pintora, uma tentativa de conhecer e ligar-se a Vieira da Silva: «é a nós que pertence ir ter consigo, com a sua arte». O conhecimento que tinha dela era por intermédio de outros pintores amigos que vão a Paris, mas sente que já a conhece há muito, e que conhece também o «diálogo» Vieira-Szenes. Esta notícia constitui-se como uma homenagem e um desejo de ver a obra de Vieira exposta em Lisboa. Precisamente, é a ausência de reacção do público e da crítica, por ocasião da exposição que Vieira realiza na Galeria Pórtico (a única que faz em Portugal em trinta anos), o tema de uma carta enviada em Dezembro de 1956 e de um artigo2, de Agosto do ano seguinte, onde desenvolve o conteúdo e o sentido desta carta. O primeiro texto3 publicado sobre Vieira, escrito por Cesariny, mostrava já a mesma preocupação. A indiferença perante a obra da pintora: «[…] o meio não respondeu, nem afectiva nem electivamente.» Para ele o problema proposto pela pintura de Vieira da Silva excedia a linguagem e os conceitos da crítica habitual. Não seria o conhecimento do Graal-Vieira apenas acessível aos «iniciados»? Cesariny Mário Cesariny, «Carta de Mário Cesariny para a pintora Vieira da Silva. O maior grito pode ser um silêncio. Não serão os seus olhos e as suas mãos um exemplo disso mesmo?» Cartaz. Lisboa (23-9-1952). 2 Mário Cesariny, «Passagem do meteoro Vieira da Silva». Diário Ilustrado. Lisboa (13-9-1957). 3 Mário Cesariny, «Helena Vieira da Silva. Pintora portuguesa que em Paris goza de prestígio universal é quase uma desconhecida no nosso país». Cartaz. Lisboa (12-8-1952). 1
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ensaia então uma abordagem crítica em artigo4 que poderá ser o embrião da ideia de projecto sobre a pintura de Vieira, e onde encontramos o tom que será utilizado em Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O castelo surrealista. Sem «explicar» a pintura, ele procura os paralelismos entre a obra da pintora e a revelação visual da poesia de Rimbaud; utiliza uma inspiração literária para se libertar das restrições e da disciplina desse discurso crítico. Existem algumas lacunas na troca epistolar quanto ao desenrolar do processo que levou à investigação sobre Vieira da Silva, mas recorrendo ao dossier de bolseiro da Gulbenkian, podemos seguir o percurso que este tomou. Em carta, de 23 de Agosto de 1963, dirigida a Artur Nobre de Gusmão, director da Secção de Belas-Artes da Fundação Gulbenkian, Cesariny envia a proposta de realização de um ensaio sobre a pintura de Vieira da Silva, trabalho a que a pintora teria dado o seu acordo, aquando da última passagem por Portugal, na Primavera de 1962, e para o qual teria requerido a ida do poeta a Paris. Segundo Cesariny, mais de uma vez ela lhe teria escrito dizendo que esperava a sua partida. Entre o volume de correspondência, encontramos realmente uma missiva, de 4 de Novembro de 1962, onde Vieira afirma ficar muito contente, à sua espera, «diga quando chega», mas sem referência específica a este projecto. Aliás, parecia a Cesariny ser dispensável uma justificação do seu interesse por este trabalho, pois Vieira da Silva seria «uma justificação da própria Pintura contemporânea». Ele pretendia ser o intérprete, em «forma de letra», da sua pintura, legitimando este desejo com os anos de companheirismo (embora à distância), 4 Mário Cesariny «Da pintura de Vieira da Silva». Jornal de Letras e Artes. Lisboa (21-2-1962).
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CARTAS (1952-1985)
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Carta de Mário Cesariny para a pintora Vieira da Silva. O maior grito pode ser um silêncio. Não serão os seus olhos e as suas mãos um exemplo disso mesmo?1
«Vieira da Silva (como ela assina, talvez por sentir que não se trata de “pintura feminina” como se poderia dizer acerca de Marie Laurencin), independente de escolas, embora sempre atenta a todas as tendências, pode e deve hoje ser considerada como o pintor português de vanguarda, senhor de uma personalidade muito evoluída […] Temos tal falta de cultura plástica, que na maior parte dos portugueses que “gostam” de pintura, os quadros de Vieira da Silva só produziriam uma impressão de pasmo, nos modestos, e de indignação, nos vaidosos…» Adolfo Casais Monteiro
De longe a longe, notícias suas, Maria Helena Vieira da Silva… notícias trazidas a Portugal por gente amiga, pintores e escritores que idos a França2 não podiam querer senão gravar na memória os instantes de um convívio espiritual consigo, no seu atelier de Paris, junto de Arpad Szenes. Você perdoará o circunstante à-vontade com que, daqui, de Lisboa, lhe fala alguém que afinal, por impossibilidades várias, não pôde conhecê-la pessoalmente. Parece que o tempo me foi pouco, quando aí estive, para perseguir a minha própria aventura cruzada pelo caminho aerolítico de André Breton 1 Artigo publicado no Cartaz. Lisboa (23-9-1952). Reeditado em Mário Cesariny, As mãos na água a cabeça no mar. Lisboa: A Phala: Ed. de autor, 1972, p. 13. 2 Refere-se a Manuel D’Assumpção, António Maria Lisboa e Jorge Oliveira. Cf. Mário Cesariny, Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O castelo surrealista. Lisboa: Assírio & Alvim, 1984, p. 89.
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e do Grupo surrealista em França3. Mas bem feitas certas contas, bem me parece também que conheço de há muito, não só a grande pintora que hoje naturalmente se inscreve na melhor vanguarda da arte moderna, não só o nome e a obra que trazem em interjeição a crítica da Art d’aujourd’hui 4, e tanta outra, mas também um pouco do «clima» que a rodeia, um pouco desse diálogo Vieira-Szenes, um pouco a voz interior da sua pintura… A primeira pessoa que me falou de si — ponho de parte as notícias obrigatórias e os anúncios das Galerias parisienses — foi o António Maria Lisboa5. Recorda-se dele, não é verdade? Ainda hoje ele é aquele poeta que o público conhece pouco e ao qual tantos de nós devemos muito. Depois, foi o Manuel Assunção6, 3 Mário Cesariny conhece André Breton (1896-1966), Victor Brauner (1903-1966) e Henri Pastoureau (1912-1996), membros do grupo surrealista francês, em 1947, durante uma viagem a Paris. Conta como conheceu Breton: «Fui a casa dele, bati à porta e ninguém respondeu. Ele tinha um letreiro à porta a dizer: “Não quero entrevistas, não quero isto, não quero aquilo”. Eu deixei lá um papel: “Não quero entrevistas, não quero isto, não quero aquilo. Quero falar consigo”. Então, à segunda vez que lá fui, recebeu-me […]». Sol. Revista Tabu. Lisboa (7-10-2006). Entrevista por Vladimir Nunes. 4 Cf. os artigos sobre Vieira da Silva assinados por Julien Alvard, 2: (1949); Roger van Gindertaël, 9: (1950); C. Agay, 10: (1950); Pierre Guéguen, 2: (1952). 5 António Maria Lisboa (1928-1953), poeta português e um dos fundadores do grupo Os Surrealistas, em 1948, junto com Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas, Pedro Oom, entre outros. Com Cesariny, seu amigo até à data da sua morte, escreveu Afixação proibida, importante manifesto surrealista em Portugal. Conhece Vieira da Silva em Paris e sobre ela escreve em 1952, texto esse a que Cesariny deu ênfase e amplamente divulgou e que Vieira da Silva repudiaria, por não se ver ou a Arpad nele retratados. Cf. carta de 5-9-1983. 6 Manuel D’Assumpção (1926-1969), pintor. Vai para Paris em 1947, onde estuda com Fernand Léger e Jean Cassou e conhece Atlan e Hains. No regresso a Lisboa, isola-se em Portalegre, onde pinta inúmeros quadros surrealistas, que viriam a desaparecer. Só em 1958 regressa à capital, com uma pintura que o aproxima da 2.ª Escola de Paris e que expõe num dos salões da Sociedade Nacional de Belas-Artes, onde é bem recebido pela crítica. Regressado a Paris entre 1959 e 1962, mantém com o casal Szenes correspondência. Suicida-se em 1969.
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que trouxe de Paris um dos quadros aí pintados por ele, e no atelier dos Manta7 pintou outro que trazia a sua influência: um «abstraccionismo» inteligente e sensível, forma e espírito actuando por aquela regra de cálculo que pode transportar certos matemáticos ao reino da mais pura sensibilidade. Influência passageira, certamente, pois o pintor que há no Manuel Assunção tem uma paisagem própria, que deverá descobrir-se. Nem decerto valeria a pena referirmo-nos a essa influência se ela não significasse, por um lado, um banho salutar num horizonte grande da Pintura Moderna, e se, por outro lado, ela não fosse, de maneira muito particular, a sua presença entre nós, Vieira da Silva… O Assunção foi agora para Portalegre (diz ele que em Lisboa lhe é difícil trabalhar) reunir forças e disponibilidades para voltar para aí. Se conseguir fazê-lo, falar-lhe-á de nós: pintores, escritores, poetas, ante os quais a sua poesia, Vieira da Silva, EXISTE. Sim, afinal eu sei muitas coisas que lhe dizem respeito. Quer ouvir outra? Descobri que o Ramalho Ortigão8 não gosta nada da sua arte. Pudera! Passou a vida a fazer o panegírico do Malhôa9. O Fialho de Almeida10, que se dava aqueles ares de inteligente, Refere-se a Abel Manta (1888-1882), pintor, a Clementina Carneiro de Moura (1898-1992), pintora, e ao filho de ambos, João Abel Manta (1928), arquitecto, pintor, cenógrafo e artista gráfico. 8 José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915), escritor. Após uma assumida defesa da aproximação de Portugal ao cosmopolitismo iluminado europeu volta-se, numa segunda fase, para um programa de «re-aportuguesamento» do país. Deve ser a esta fase que Mário Cesariny aqui se refere. 9 José Malhoa (1855-1933), pintor representativo do naturalismo, designado «o pintor da luz e do sol português». 10 José Fialho de Almeida (1857-1911), escritor. Na sua escrita sobressai o carácter mordaz do seu sarcasmo, evidenciando uma visão pessimista do país que se baseia e dirige sobretudo à pequena burguesia e à alta burguesia financeira. 7
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Vieira da Silva, Rio de Janeiro, Brasil, 1940-1942. Fotografia de Carlos Mosckovics.
também gostava muito do Malhôa. Ora leia: «Malhôa é um produto da Academia de Belas-Artes de Lisboa. De há muito está evidenciado o erro parvo de se expedir pintores em reforço de estudos a Paris, por conta do governo.» Queria ele dizer na sua, e a posteridade que o julgue, que isso de Parizes não passa de snobismo a requerer puxão de orelha nalguns desvairados jovens de conduta pictórica suspeita, e que o Malhôa é que é Arte, obra de Academia, puro, puríssimo mérito das Belas-Artes nossas. Não contente com isso, que é já tanto, faz-nos saber ainda que o Malhôa é que é Arte Portuguesa. Parizes? — erro parvo. Bolsas de estudo por onde se respire o ar da estranja? — péssimos, negrejandos cosmopolitismos… 62
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Vieira da Silva. [Carta], 1967 Fev. 8, 34, rue Abbé Carton, Paris, [a] Mário Cesariny, 6, Basílio Teles, Lisboa. [Autógrafa].
Querido Mário A Bicho e a Lolita andam-me a dizer há muito tempo: tu és uma ingrata, uma ingrata, ingrata e aprenderam a dizer a palavra. Porque o Mário é o Rei dos nossos amigos, o grande Sacerdote das nossas leis sagradas, e tu não lhe escreves não lhe dizes palavra. E eu respondo às Bichas insuportáveis: «Não encontro palavras, não encontro nada para lhe dizer» e elas arranham-me e dizem que o Mário é Sagrado e que eu sou dumme, foolish [ilegível] pateta e que devia escrever ao Mário. Eu sou csúnya, csúnya, csúnya (feia, feia, feia em húngaro) lusta, lusta, lusta (em húngaro preguiçosa), mas isso é que eu não sou, mas a cabeça trabalha tanto e tão depressa, que a acção fica anulada. Mário perdoe-me de ser vista assim por as minhas gatas, que são a minha consciência para consigo. Há pessoas que imaginam que gatos para mim são filhos. Que estupidez! Imagine se eu tivesse filhos assim que andassem pelos telhados, que matassem, que roubassem, que excitassem todos os gatos do bairro com os seus danados requebros e flirts, imagine se eu tivesse filhas assim, que aflição que mágoa… Mas elas podem arranhar, morder, matar e roubar e eu fico feliz a vê-las correr, voar e surgir porque são pequenos demónios necessários a uma vida calma e regrada. E a ternura desses pequenos demónios é preciosa e profunda e talvez transcendente. Eu estou com febre hoje e tudo
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Vieira da Silva, La petite fille et le chat II, c. 1933, lápis, tinta/papel. Col. FASVS, Lisboa.
o que lhe digo hoje querido Mário, é delírio, mas escolhi o dia de hoje para lhe dizer coisas que estão no fundo do coração e que só o Mário compreende, no fundo eu em vez de viver como vivo talvez gostasse de andar pelas árvores e telhados, se depois pudesse pintar e escrever e ler e ouvir música, era bom ser gato. Adeus querido amigo, isto é, cumpri o meu dever para com os gatos e agora sinto-me melhor. Um abraço da Maria Helena [Arpad Szenes acrescenta, na lateral da carta]
Bicho é uma louca maravilhosa. Je t’embrasse arpad 158
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Mário Cesariny. [Carta], 1967 Fev. 20, Basílio Teles, 6, Lisboa, [a] Vieira da Silva, 34, rue Abbé Carton, Paris. [Dactiloscrita com assinatura autógrafa].
Lx. 20-2-67 Minha Querida Maria Helena A sua carta inter-gatos é das coisas mais lindas que já li — não tem resposta, como as obras-primas. A única coisa que eu sei é enviar-lhe um dia destes uma radiografia muito bonita da Anna Blume que, coitada, não tem árvores, nem quintal nem telhados por onde malandrar e se escapuliu uma noite destas para a rua. Para a cidade, imagine! Voltou meia-viva, nos braços duma mulher de bem que leu a coleira onde viu nome e morada — acho que há que pôr também o n.º de telefone — 770433 — e a trouxe a casa. Uma pequena lesão, erradamente atribuída a gato galante, que não fazem assim, prendeu-lhe a fabulosa cauda por uns dias e daí o retrato interior. Estive para expô-lo na exposição1 que fiz agora, mas faltou a aparelhagem eléctrica capaz. É lindo, como há-de ver. E de uma simplicidade aterradora (parece um Picabia2) em corpo tão complexo, tão vivo e secreto. Exposição Mário Cesariny, inaugurada a 28-1-1967, na Galeria Buchholz, Lisboa. François Marie Martinez Picabia (1879-1953), pintor e poeta francês. Influenciado pelo impressionismo, a partir de 1909 interessa-se pelo fauvismo e pelo cubismo. Em 1913 participa no Armory Show de Nova Iorque e conhece Marcel Duchamp, seu companheiro no movimento Dada, nos Estados Unidos. Picabia continuou o envolvimento com este movimento, em Zurique e Paris, desenvolvendo depois um interesse pela arte surrealista. 1
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Passemos, por ter de ser, ao duas pernas no chão e braços no ar. A consabida revista Colóquio3, da não menos consabida Gulbenkian Calouste, pediu-me um artigo sobre a Maria Helena. Que me diz? Certo que com o material que tenho, posso tentar fazer o melhor, e certo que uma revista assim já há muito deveria ter dito algo sério a seu respeito. Todo um número4, por exemplo. Mas adiante. Para fazer, quero o seu consentimento e autorizaPublicação cultural editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, desde 1959. Desde o seu início, dedicou-se tanto à criação como ao ensaísmo, e em alguns dos seus números especiais homenageou autores e obras-primas da cultura portuguesa. Destacou-se também pelo prestígio dos nomes que integraram a sua direcção (Hernâni Cidade, Jacinto do Prado Coelho, David Mourão Ferreira). A partir de 1971 foi transformada em duas revistas autónomas, a Colóquio-Letras (dedicada à literatura) e a Colóquio-Artes (dedicada às artes plásticas). 4 A revista Colóquio vai publicar em 1970 (Abril, n.º 58) uma edição em grande parte dedicada a Vieira da Silva, por ocasião da sua retrospectiva na Fundação Gulbenkian. Colaboraram nesse número José-Augusto França, Guy Weelen, Henry Galy-Carles, Salette Tavares, Eduardo Lourenço, Fernando Pernes, Rui Mário Gonçalves, Nuno de Sampayo e Francisco Bronze. 3
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ção. Lembrei uma ao menos reprodução a cor e eles disseram que fariam, na capa, obra asseada. Eu tenho comigo os slides que me enviaram e penso, por exemplo, na Máquina óptica5, que é algo como a sua Tábua de Esmeralda6 e, com ser lindíssimo, é grave e importante. Vejo no catálogo da mostra de Milão7 que esta tela lhe pertence, o que faria ganhar tempo, se a Maria Helena concorda com a reprodução. Outra magnífica coisa seria A cidade suspensa8 que está em Lausanne e de que tenho reprodução colorida, não muito boa. Aqui, seria preciso vigiar atentamente a impressão, valendo-me da memória visual. Mais complicado, portanto; e é necessário, um pouco, atender ao formato da capa — o que elimina muitos dos outros slides em meu poder. Vergonha: os slides em questão ainda não foram pagos mais ou menos por isto: se os apresento à Glubenkian, ficam-me com eles, comem-nos ao pequeno-almoço, nunca mais os vejo, e ficaremos à espera do nunca mais. Do talvez. Da ideia flou. Dos telefones de pescoço. Da arara. Do mental. De força que os guardo eu, esperando poder pagá-los mais mês menos mês. Perdoa-me? Eu vou La machine optique, 1937, óleo/tela reentelada. Col. MNAM, Paris. A Tábua de Esmeralda é considerada como o texto fundador da alquimia islâmica e ocidental, em particular na sua tradição Hermética. Atribuído a Hermes Trismegistus, lendário sábio e sacerdote egípcio, este curto e críptico texto pretende revelar a substância primordial e as suas transmutações. Cesariny citava frequentemente a frase inicial deste texto: «É coisa sem erro, certa, muito verdadeira — o que está em cima é o que está em baixo e o que está em baixo é o que está em cima, para que se realize o milagre de uma só coisa.» Ver, por exemplo, o artigo: «Da pintura de Vieira da Silva». Jornal de Letras e Artes. Lisboa (21-2-1962). 7 Na verdade, a exposição a que Cesariny se refere não se realizou em Milão mas sim em Turim. A obra La machine optique é a n.º 7 do catálogo da exposição. 8 La ville suspendue, 1952, óleo/tela. Musée Cantonal des Beaux Arts, Lausana. 5 6
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herdar um apartamento no Rio de Janeiro (se entretanto ele não me herdar a mim). E talvez antes disso. Antes de todos nós! Saindo de sua casa de Yèvre e tomando pela esquerda e avançando pelo campo quando se acaba a estrada, mas seguindo em recta, há primeiro um carreiro largo, depois começa a descer, ouve-se água, deve ser um rio agora no inverno. À direita, uma lixeira Rimbaud9, à esquerda, avançando mais, uma clareira com uma árvore muito bela, mágica, na tarde de verão em que a vi. Em cima de um ramo alto, batendo bem com a pata como a chamar a atenção do distraído, imagine!, um esquilo olhava-me com interesse. Depois subiu e olhava outra vez. Foi um dos grandes encontros da minha vida. A moldura mais próxima e a mais longínqua era um grande silêncio. Levei mais tarde o Alberto10 àquela árvore. Que mais se podia fazer? Conto-lhe porque a suponho em Yèvre e é ainda uma maneira de ver. Ordene sobre este assunto da Colóquio. E agradeça ao Arpad o seu abraço sempre moço. O Mar-e-o-cesariny Mário 9 Arthur Rimbaud (1854-1891), poeta francês. A sua obra, centrada tematicamente na justificação estética da autodestruição, marca o início da lírica moderna, que encontrou nele a visão que abriria caminho ao simbolismo e ao surrealismo. Esta expressão refere-se à obra de Rimbaud, Iluminações — Uma cerveja no inferno. Lisboa: Estúdios Cor, 1972, traduzida por Cesariny. Na secção «Infância, III», «No bosque há uma ave, o seu canto detém-vos e faz-vos corar, há um relógio que não toca, há uma lixeira com um ninho de bichos brancos…» Em Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O castelo surrealista, Cesariny transcreve esta passagem da carta assinalando como lhe «parecia campesina a linguagem de Rimbaud nas Iluminações». 10 Alberto Lacerda.
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Vieira da Silva. [Carta], 1977 Ago. 19, La Maréchalerie, Yèvre-le-Châtel, [a] Mário Cesariny, R. Basílio Teles, 6, Lisboa. [Autógrafa].
Le 19-VIII-77 Meu querido Mário Penso muitas vezes em si, penso na sua mãe de Poesia na maneira tão bonita como o Mário descreveu como ela desapareceu. Perdoe o meu silêncio, mas tantas vezes tenho falado consigo, à distância, e em silêncio. Quando me pediu para fazer um desenho, era impossível responder e fazer um desenho. Eu gosto de saber exactamente quantos centímetros e milímetros terá o desenho reproduzido. E gosto de o fazer igual à reprodução. É muito ingrato de reproduzir desenhos, infelizmente. Vou fazer o possível por fazer um bom desenho. Agora é possível, não o era há dois meses. Estou muito cansada, esgotada. Sinto-me muito velhinha. É a primeira vez que digo de mim mesma esta palavra: velhinha. Comme c’est drôle! O Arpad que esteve muito doente, está felizmente muito bom, sempre a trabalhar muito. Cada vez mais. Ambos lhe mandamos beijos e abraços com muita ternura e amizade Maria Helena
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Vieira da Silva. [Bilhete-postal com desenho de Rodin], 1977 Dez., [s.l.], [a] Mário Cesariny, R. Basílio Teles, 6, Lisboa. [Autógrafa].
Os dois Bichos velhos, quasi centenários, julgam-se assim jovenzinhos a brincar, e mandam-lhe carinho e festinhas para o ano que vem. Que todos os gatos do Universo sejam Felizes e Amigos. O Mário está sempre presente, mas que bom ter um retrato dele1, tão lindo… Viva o Mário e a Galeria S. Mamede2 Viva o Gato-Mor! Viva! Maria Helena e Arpad Natal 1977 Não há notícia deste retrato, se se trata de pintura ou de uma fotografia. Vieira da Silva teve nova exposição nesta galeria no final de 1978, com serigrafias e litografias acompanhadas por textos de Mário Cesariny. 1 2
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Guy Weelen. [Carta], 1979 Jan. 25, Paris, [a] Mário Cesariny, R. Basílio Teles, 6, Lisboa. [Autógrafa].
Paris le 25.1.79 Marió, Ce matin la traduction de ton texte, de la Préface. Merci, mille fois, d’avoir répondu si vite à mes vœux. Je n’ai pas pour elle (la Préface) ou pour lui (le texte) de projet précis. Mais c’est mieux ainsi. Remercie, en ajoutant une guirlande de bons souvenirs, à nos amis Figueiredo. Que deviens-tu? La Peinture, la vie? la et les folies? la seule façon d’exister… J’espère te voir bientôt; les remerciements sont aussi de la part de Vieira, ainsi que les amitiés les unes sur les autres comme un grand gâteau aussi haut que la tour Eiffel, aussi rond que le dôme des Invalides, aussi transparent que le bassin des Tuileries, aussi large que le Tage! GW
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Vieira da Silva. [Carta], 1979 Mar. 23, 34, rue Abbé Carton, Paris, [a] Mário Cesariny, R. Basílio Teles, 6, Lisboa. [ Autógrafa].
23-III-79 Meu querido Mário Os gatos comunicantes andam longe e sem comunicação, ando perdida por este mundo tão cheio de gente e de coisas e não me encontro a mim mesma (gata). Minha culpa, minha máxima culpa nem sequer já sou fiel aos meus gatos queridos, mas eu também me sinto culpada para com o Bicho Gato que eu sou. Porque será assim o tempo tão pequeno e tão pouco elástico? Agora a Poesia em Paris, vive a custo, em certas ruas, não em todas; não se vê gente nem gatos. Dantes os gatos de Paris eram uma Beleza. Sábios em miniatura, profundos amorosos, cantavam Wagner1, desapareceram. As pessoas têm medo dos ladrões e compram cachorros horrorosos. Por medo ou por moda. Não sei. Sujam as ruas que estão cheias de porquinhos de 4 rodas (autos) mal-cheirosos. Não se pode andar. A rua é uma décharge e um deserto. Os passeios são um perigo para os sapatos. No tempo dos gatos as ruas estavam limpas. Vê-se muita gente junta em certos pontos de Paris Beaubourg, Saint Denis (les dames), St. Germain, St. Michel, St. Geneviève, os Clochards. O resto é o deserto. As pessoas são mais 1 Wilhelm Richard Wagner (1813-1883), compositor, maestro, teórico musical, ensaísta e poeta alemão, dos mais representativos do romantismo.
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Vieira da Silva, Vieira et Arpad interrogés par le chat [detalhe], c. 1933, tinta/papel. Col. FASVS, Lisboa.
poéticas do que antigamente, mas há poucas, visíveis. Invisíveis há demais que vêm pelas ondas, pelo ar. Mudam os tempos… Um grande abraço muito amigo e miau mi mi da Maria Helena [Nas laterais]
… tem muitos telhados para passear… e miar O meu catálogo2 é lindíssimo é o mais bonito o melhor de todos os catálogos O Arpad está muito bonito com grande barba branca
2 Refere-se ao catálogo da exposição, organizada por Mário Cesariny, Vieira da Silva: serigrafias e litografias, patente na Galeria São Mamede, Lisboa, entre 12-1978 e 1-1979.
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Mário Cesariny. [Carta], [1979], [R. Basílio Teles, 6, Lisboa], [a] Vieira da Silva, [s.l.]. [Autógrafa].
Maria Helena Há muito que não me envia uma palavra! Será possível que os Gatos Comunicantes tenham deixado de comunicar? Uma «definição» que me parece válida e curiosa: a pintura é a arte de bailar em silêncio
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Continuo a trabalhar no seu livro. O que publiquei no catálogo da sua Exposição1 de gravuras na S. Mamede é uma penúltima parte. A última, ou a mais recente, em que estou agora, deve chamar-se: DA PINTURA DE VIEIRA COMO INÍCIO DA ERA ESPACIAL
Ficará assim tudo, e o quase do tudo, em português: o Nuno Gonçalves2 com a descoberta pela água, a Maria Helena com a conquista pelo ar. Veremos se se percebe!! O Arpad? Está aqui? Mil abraços Mário
Exposição Vieira da Silva: serigrafias e litografias, Lisboa, Galeria São Mamede, 12-1978 a 1-1979. Cesariny publica neste catálogo um texto intitulado «De como Lisboa exalta a obra de Vieira e vice-versa», acompanhado por um conjunto de fotografias de ruas e edifícios da cidade de Lisboa, realizadas por si em 1976. Estes elementos seriam, originalmente, uma das partes que constituiriam o livro Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O castelo surrealista. 2 Nuno Gonçalves, pintor português do século XV. Nada se conhece ao certo da sua formação artística e as primeiras referências biográficas datam de 1450, altura em que foi contratado como pintor régio na corte de Afonso V. É-lhe atribuída a autoria dos célebres painéis descobertos no Mosteiro de S. Vicente de Fora, um políptico que se constitui como o retrato da sociedade do seu tempo. 1
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Vieira da Silva e Arpad Szenes. [Carta], 1979 Set. 25, La Maréchalerie, Yèvre-le-Châtel, [a] Mário Cesariny, R. Basílio Teles, 6, Lisboa. [Autógrafa].
Yèvre-le-Châtel 25-IX-79 Querido Mário Quem poderá responder à sua carta? Só um gato. Nós andamos longe da PALAVRA. Ver as orelhas do gato, as flores no jardim, as manhãs de nevoeiro e as tardes de Outono. Ver de longe o Mário, e imaginá-lo. 238
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Gostei muito da sua entrevista1 cheia de ideias raras e únicas como um gato chamado Mário. Muitos abraços e beijos da Maria Helena [Carta de Arpad]
Yèvre-le-Châtel 25 sept. 79 Ave Cesar morituri te salutant2 Je t’écrirais très prochainement une longue lettre, en réponse pour tous ce que tu nous a écrit, donné, et autant pour ton amitié, pour ta Beauté, naturellement aussi pour ta lumière marginale et ainsi unique. Ténébreusement Ton arpad
Ver «Mário Cesariny: um surrealista polémico. Os pigmeus não escrevem no Diário de Notícias». O Tempo, Lisboa (13-09-1979). Entrevista de António Duarte. 2 Arpad usa a célebre frase de saudação dos gladiadores a César, antes do início dos jogos: «os que vão morrer saúdam-te». 1
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Mário Cesariny. [Carta], [1980 Jul., R. Basílio Teles, 6, Lisboa], [a] Arpad Szenes, [s.l.]. [Dactiloscrita com assinatura autógrafa].
1930 Arpad Szenes pinta Auto-retrato, obra surrealista na forma, no espírito, e na aposição do título. Confirma-o a série Enfant au cerf-volant (1932-36), os mais belos retratos de vieira (1932-1952), a Fanfarra, o Carroussel, Os homens trompetes (1936-37), O último combate (1938), etc. Companheiro, desde 1929, da aventura espiritual que será a progressão de vieira na visão de um universo reconhecível mas continuamente seccionado-desligado-ligado, Szenes abandonará mais e mais o recurso ao figurativo para, numa pintura de grande maestria, dar-nos «imagens de imagens», n suposições ou metamorfoses de paisagens, formas ou objectos ausentes. Meu querido Arpad Desculpa a ninharia, que talvez nem mereça o selo do correio, e junto a ti apenas deve funcionar como «imagem de imagem» do igual que me tem custado, tanto «escrever» sobre a Maria Helena como «não escrever» sobre ti. Faz parte de uma «Tábua» de eventos surrealistas que jaz num livro1 meu há muito esgotado que agora penso reeditar (só no 1 O livro citado por Cesariny será A intervenção surrealista, Lisboa, Ed. Ulisseia, 1966. Esta obra contém uma cronologia da «história» do surrealismo, intitulada «Prolegómenos
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Mário Cesariny. [Carta], [1983] Set. 14, R. Basílio Teles, 6, Lisboa, [a] Vieira da Silva, [s.l.]. [Autógrafa].
Lx. Septembre 14 Minha Querida Maria Helena Gostei muito da sua carta, linda, como tudo aquilo em que a Maria Helena põe os olhos e o dedo, mas, quanto ao tema do quadro em relevo, ou baixo-relevo, que está no alto de S. Francisco, não era necessária explicação de refus. Eu lamento, porque me pareceu, parece, documento único da tentação escultórica que de algum modo ainda lhe assiste. E continuo a achar que seria belo passado a mármore branco, todo branco, e não pintado de cores (como lhe disse na minha última carta para si). Mas sem dúvida a Maria Helena sabe bem, bem mais, do que é ou não é e do que deve ser-se. Por ensaio de compensação à minha, desastrada, demanda, pedi ao Guy que procedesse à bondade de obter e de enviar-me reprodução-foto negro/branco do espantoso quadro seu História trágico-marítima (1944), que só agora vi, no Centro de Arte Moderna da G. Que coisa significativa, trágica e linda! Porque é que os homens pintores não podem pintar quadros assim? Porque será? (Não é dizer que haja uma «pintura feminina», nem pensar nisso é bom!) Mas, no caso do Guy poder mandá-la, haveria certa pressa: o livro foi (enfim!) entregue ao editor. 297
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Mário Cesariny, Le chat bleu ou Retrato da Ana Blüme, c. 1979-1982, acrílico/platex. Col. Paula e Alberto Holly.
Outra coisa boa da sua carta, é que vou retirar do livro aquele texto-excerto-de-carta do António Maria Lisboa: também a mim me parecem «ligeiros» os dados que fornece sobre o Arpad. Aliás, é carta que já está publicada noutro livro. São formidáveis os seus cartões para as tapeçarias de Bâle 1! O Arpad é que me parece mal representado (Falo do Centro Gulbenkian). Entre-lagos (queria dizer: entretanto) fizeram-me uma serigrafia com o Retrato da Ana Blume2. Está bela, toda azul! Se entretanto eu passar em Paris, levo-a, dentro de um cestinho, para vocês. Se não, vai em rolo aeronáutico, pelo correio. Mil abraços para mim, para si, para o Arpad Mário 1 Em 1954, Vieira vence um concurso de tapeçarias destinadas à Universidade de Basileia. Realiza dois cartões para tapeçarias em papel kraft com a ajuda de estudantes; o trabalho de bordado será executado pelas mulheres de alguns professores. A sua execução implicou que fossem desenhados em tamanho natural. 2 Esta serigrafia é actualmente pertença da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva. Apresenta dedicatória: «De Ana para Helena. O fotógrafo: Mário».
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Vieira da Silva, Ilustração [gato], c. 1940-1947, tinta-da-china/papel. Col. FASVS, Lisboa.
Guy Weelen. [Carta], 1983 Dez. 20, Paris, [a] Mário Cesariny, R. Basílio Teles, 6, Lisboa. [Autógrafa].
Paris le 20-XII-83 Marió — Toujours trop prompt, trop vif, trop griffe et trop chat. Ton poème Arpad n’a jamais été prévu pour ce livre, mais pour un autre plus gros, plus [ilegível], plus abondant, plus riche, plus important sur l’œuvre dans son entier (en préparation). Tu as, paraît-il, un traducteur privilégié pour le français — à Paris? Ou à Lisbonne? — Veux-tu me communiquer son nom et adresse, parce que le texte en forme d’azulejos doit être traduit. Voilà les photocopies demandées. Et maintenant PATIENCE! Miaou — Miaou, Pchi, Pche, Pcha! Bonnes fêtes, bonne année, bon travail — bon, beau, doux amours Bien à toi GW 299
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Mário Cesariny. [Cartas], 1983 Dez., Lisboa, [a] Vieira da Silva, Arpad Szenes e Guy Weelen, [s.l.].
[Poema dactiloscrito em anexo à carta de 1983 Dez. 20]
A CASA DE ARPAD SZENES
Querida cabeça, diz: que coisa é necessária para fazer um bom fogo, um fogo permanente, de temperatura constante e de uma boa cor entre as suas chamas? É necessária uma boa madeira, uma madeira que não esteja seca, nem verde, nem por demais dura. Sobretudo, é necessário, um bom oxigénio. 300
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E em que há-de servir-te, o fogo oxigenado? Decerto não será para me queimar o cabelo. O fogo, é o poder de atravessar os muros, a porta e a cisterna do meu quadro. Diz, mago: que farás para gerar uma boa terra, lar da tua aventura? Viajar sem descanso, de uma a outra ponta do horizonte. Porque foi dito que o que está em cima é o espelho de tudo o que está em baixo, e o que está em baixo é o espelho de tudo o que está em cima. E que a ponta central dessa linha de terra que não começa nunca e nunca se acaba tem um só nome: o meu. No que quero dizer que nem por um momento viajarei como fazem os cães e os exércitos, de trás para diante e de diante para trás, mas dos lados para os lados, e no sentido dos meus próprios ombros, da direita à direita e da esquerda para a esquerda, tal como um bom egípcio e um bom bailarino. Às vezes, ver-me-ão subir tão alto, numa assunção tão viril, que a gente do bairro, assomando às sacadas, dirá num gemido: olhem aquele vai emprenhar todo o mundo! Mas isso será só às terças-feiras, já tarde, quando me deixo adormecer de lado. Diz, louco: tu não páras nunca, como hás-de perfazer a água primordial? Para apaixonar o grande, o velho oceano, basta uma praia de areia doce e fina. Se tens a praia, logo tens o mar. Desvias. 301
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Desvia, eu? Desvias. Eu disse: a água primordial. Pirilampo. Como assim pirilampo? Em húngaro , em português pirilampo, em grego lampyris, em latim pirausta, em inglês glow-worm, em bom alemão lichtmucken, em italiano lucciola, em espanhol luciernaga, em francês ver luisant. Dantes falavas mais do papagaio de papel. Bom, era o papagaio de papel, mas agora é sem fio e sem criança. Vê como luz e nunca mais se apaga! Diz, rei: como hás-de encontrar o Espelho dos Espelhos, Fébus e Astarte sol e lua na Terra? É necessário que sobre a vidraça de uma janela em Harkany surja um rosto helénico, e que esse rosto me fique até ao fim dos meus dias, até ao fim dos seus dias. Depois, será o encontro da máquina de coser e do guarda-chuva, não sobre uma mesa de dissecação, mas ao longo dos cais do rio Sena em Paris. Mário Cesariny 302
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Vieira da Silva. [Carta], 1985 Fev. 12, 34, rue Abbé Carton, Paris, [a] Mário Cesariny, R. Basílio Teles, 6, Lisboa. [Autógrafa].
Querido Mário Agora estou um pouco ou muito perdida, sem rumo (embora eu queira fazer projectos, queira ter futuro) mas vivo só no presente, sem passado nem futuro. Sem gato, sem rumo. Mesmo os gatos são impossíveis, há muitos perigos actualmente. Aqui na cidade, e no campo ainda mais. Só não há perigo nas casas sem jardim. Eu gostava de ter gatos meio caseiros, meio vadios, e hoje os cães, os automóveis; no campo as ratoeiras, para lebres e fuinhas. Vejo as minhas vizinhas todas angustiadas perdem os gatos. Vê? O Soneto que me mandou tão lindo, tão grande… e tão exacto para o Arpad. Não sei como hei-de dizer. Como eu gostava que ele visse as cartas que eu recebo. Estava maravilhoso, um grande gisant. Sereno e tinha uma majestade, que não mostrava na vida, que nunca lhe conheci. Esta carta absurda só se pode escrever ao Mário. Mas para mim o Arpad está sempre. A cada momento penso: como ele gostava de ver isto, aquilo. Ainda não estou habituada no dia 27 faz 55 anos que nos casámos, aqui na Mairie do XIVème. Como é que me hei-de habituar. Um grande abraço da Maria Helena
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CRO N O L OGIA
1897 Arpad Szenes nasce a 6 de Maio, em Budapeste (Hungria), filho de Charles e Olga Helle. 1908 Maria Helena Vieira da Silva nasce a 13 de Junho, em Lisboa, filha única de Marcos Vieira da Silva e de Maria da Silva Graça. 1916/18 Arpad Szenes entra para a Academia Livre de Budapeste. Descobre a música de Bartok e Kodaly e a arte de vanguarda de Lajos Kassak, pintor, escultor e escritor ligado ao movimento Dada. 1919 Guy Weelen nasce em Toulon, França. 1919-1927 Vieira da Silva estuda música e desenho com Emília Santos Braga, e pintura com Armando Lucena, professor na Escola de Belas-Artes de Lisboa. 1923 Mário Cesariny de Vasconcelos nasce a 9 de Agosto, em Lisboa. 1924 Szenes viaja pela Europa descobrindo, na Alemanha, as obras de Klee e Kandinsky, e em Itália entusiasma-se com os primitivos de Siena, Giotto e Piero Della Francesca. 1925 Estadia de Arpad Szenes em Paris onde, para sobreviver, faz caricaturas nos cafés e night-clubs de Montmartre. 1928 Vieira da Silva vai viver para Paris, inscreve-se na Academia La Grande Chaumière, onde conhece Arpad Szenes. Na Academia frequenta o curso de escultura de Bourdelle. Descobre a pintura de Pierre Bonnard na Galeria Bernheim-Jeune. Visita Itália, onde se entusiasma pela pintura de Siena. 1929 Vieira da Silva estuda na Academia escandinava com o escultor Despiau. Estuda pintura com Dufresne, Waroquier, Friesz. Inicia-se na gravura no atelier de Hayter. Frequenta cursos ministrados por Fernand Léger e Bissière.
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1930 Casamento de Vieira da Silva e Arpad Szenes. A pintora perde assim a nacionalidade portuguesa. Instalam-se na Villa des Camélias, e frequentam Pascin, Varèse, Kokoschka, Giacometti, Calder, Lipchitz, entre outros. Vieira da Silva participa no 1.º Salão dos Independentes, Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa. 1931 Arpad Szenes trabalha no Atelier 17, com Hayter, em gravura. Aí entra em contacto com os surrealistas, Miró e Ernst em particular. 1932 Arpad Szenes e Vieira da Silva conhecem a galerista Jeanne Bucher, que desempenhará um papel decisivo na carreira da pintora. 1933 A Galeria U.P. de Lisboa, dirigida por António Pedro, apresenta as suas gravuras de Arpad Szenes juntamente com as de Hayter e Julian Trevelyan. Jeanne Bucher organiza a primeira exposição individual de Vieira da Silva onde apresenta KÔ e KÔ, um livro para crianças com texto de Pierre Guéguen e ilustrações suas. 1934-1944 Mário Cesariny frequenta o liceu Gil Vicente e a Escola António Arroio. Estuda música com o compositor e musicólogo Fernando Lopes-Graça. A partir de 1942 produz as primeiras pinturas, desenhos e poemas. Escreve A poesia civil e Burlescas, teóricas e sentimentais. 1935 O casal Vieira da Silva e Arpad Szenes instala-se temporariamente em Lisboa, onde convive com artistas, poetas e escritores portugueses. Arpad expõe no Salão de Arte Moderna, em Lisboa, onde dá uma conferência sobre arte abstracta. Vieira da Silva expõe pela primeira vez em Lisboa, na Galeria U.P. 1936 Em Janeiro, Vieira da Silva e Arpad Szenes, expõem no seu atelier em Lisboa. Regressam a Paris. 1939 Mudança do casal para Portugal provocada pela ameaça da guerra. Confiam o seu atelier de Paris e as suas obras a Jeanne Bucher. 1940 Exposição de Szenes no Secretariado Nacional de Informação, em Lisboa. Fugindo da guerra, o casal parte para o Rio de Janeiro onde se relaciona com os poetas Cecília Meireles e Murilo Mendes, entre outros. 1942 O atelier de Vieira da Silva e de Arpad Szenes torna-se um centro onde se reúnem jovens artistas. Exposição individual de Vieira da Silva no Museu de Belas-Artes do Rio de Janeiro.
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1945 Cesariny publica artigos no jornal A Tarde e nas revistas literárias Seara Nova e Aqui e Além. 1946 A Galeria Marian Willard apresenta a primeira exposição individual de Vieira da Silva, em Nova Iorque, organizada por Jeanne Bucher. Cesariny escreve o poema «Louvor e simplificação de Álvaro de Campos», despedida da teorética neo-realista, e produz uma primeira colagem surrealista, com fotografia do general De Gaulle. 1947 Regresso de Szenes e Vieira da Silva a Paris. Cesariny viaja também para a capital francesa com o objectivo de se encontrar com os membros do grupo surrealista francês, André Breton, Victor Brauner e Henri Pastoureau. Participa na fundação do Grupo Surrealista de Lisboa 1948 Arpad Szenes organiza um atelier onde ensina jovens pintores, actividade a que põe termo em 1955. O Estado francês adquire pela primeira vez uma obra de Vieira da Silva, La partie d’échecs, de 1943. Cesariny abandona o Grupo Surrealista de Lisboa e forma o grupo Os Surrealistas. 1949 Primeira exposição dos surrealistas, em Lisboa, na Sala de Projecções da Pathé-Baby. 1950 Cesariny publica o poema «Corpo visível» (Ed. de autor). 1951 Primeira exposição individual de Cesariny, em casa de Herberto de Aguiar, no Porto. Visita o poeta Teixeira de Pascoaes, que se tornará referência na sua obra, em S. João de Gatão. 1952 Vieira da Silva participa pela primeira vez no The Pittsburgh International Exhibition of Contemporary Painting do Carnegie Institute of Pittsburgh. Exposição individual da pintora na Redfern Gallery, Londres. Mário Cesariny publica na imprensa dois artigos sobre Vieira da Silva. Encontra-se pela primeira vez com a pintora numa visita ao seu atelier, em Lisboa. 1953 Arpad Szenes participa na Bienal de Arte Moderna de São Paulo e expõe na Central Modern, na Guggenheim Foundation e na American Federation of Arts, Nova Iorque. Cesariny publica Louvor e simplificação de Álvaro de Campos (Ed. Contraponto). 1954 Vieira da Silva vence concurso de tapeçarias destinadas à Universidade de Basileia. Participa na XXVII Bienal de Veneza. Guy Weelen, crítico e organizador de
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exposições, torna-se secretário pessoal de Vieira da Silva e de Arpad, sendo responsável por organizar e divulgar a obra dos dois pintores. 1955 Exposição de Vieira da Silva no Stedelijk Museum, em Amesterdão, com Germaine Richier. 1956 Vieira da Silva e Szenes adquirem a nacionalidade francesa. Instalam-se na rua de l’Abbé-Carton. A pintora expõe na Galeria Pórtico, em Lisboa, e na galeria de arte moderna Marie-Suzanne Feigel, em Basileia. Cesariny publica Manual de prestidigitação (Ed. Contraponto). 1957 Cesariny publica Pena capital (Ed. Contraponto) e artigo sobre a exposição de Vieira da Silva, na Galeria Pórtico, no Diário Ilustrado. 1958 Viagem do casal a Portugal e Espanha. A Kestner-Gesellschaft, de Hanover, realiza a primeira exposição retrospectiva de Vieira da Silva, organizada por Guy Weelen, que é apresentada posteriormente no Kunstverein, de Bremen, e no Kunst-und Museumverein, de Wuppertal. Menção no prémio anual do Guggenhein Museum. Vieira da Silva participa na Exposição Universal de Bruxelas. 1959 Vieira da Silva e Arpad Szenes participam na Documenta II, em Kassel. Cesariny publica Nobilíssima visão (Guimarães Editores). 1961 Primeira estadia de Vieira da Silva em Nova Iorque. Expõe na Galeria Knoedler, em Nova Iorque, e na Duncan Phillips Collection, em Washington. Participa na VI Bienal de São Paulo e recebe o Grande Prémio Internacional de Pintura da Bienal. Cesariny Publica Poesia 1944-1955 (Editora Delfos), Planisfério e outros poemas (Guimarães Editores) e Antologia surrealista do cadáver-esquisito (Guimarães Editores). 1962 Arpad Szenes e Vieira da Silva adquirem uma casa em Yèvre-le-Châtel, no Loiret. Exposição retrospectiva de Vieira da Silva na Städtische Kunsthalle, de Mannheim. 1963 É atribuído a Vieira da Silva o Grand Prix National des Arts, Paris. Cesariny organiza e publica a antologia Surreal-abjeccion(ismo) (Editorial Minotauro). 1964 Arpad e Vieira da Silva participam na Documenta III, em Kassel. Exposição de Vieira da Silva na galeria Alice Pauli, Lausana. O Museu de pintura e escultura de Grenoble e a Galleria Civica d’Arte Moderna do Museu Cívico de Turim apresentam uma retrospectiva da obra da pintora. Cesariny recebe uma bolsa
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da Fundação Calouste Gulbenkian para escrever um livro sobre Vieira da Silva. Viaja para Paris, visita a exposição de Grenoble e o atelier da pintora em Yèvre-le-Châtel. Viaja por Espanha e parte para Londres, depois de um período na prisão de Fresnes (Paris). 1965 Cesariny obtém a prorrogação da bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, permanecendo em Londres. 1966 Nova estadia do casal nos Estados Unidos da América. Vieira da Silva recebe uma encomenda para executar vitrais para a Igreja Saint-Jacques, em Reims. Em Janeiro, Cesariny encontra-se em Lisboa para o lançamento do livro de poemas A cidade queimada (Ed. Ulisseia). Regressa a Londres, onde permanece até ao Outono. Publica A intervenção surrealista (Ed. Ulisseia). 1968 Os primeiros vitrais realizados em colaboração com Charles Marq são colocados na Igreja Saint-Jacques, capela sul. Vieira da Silva é nomeada Sócia Honorária do Grémio Literário de Lisboa. A pintora possibilita a Cesariny uma nova temporada em Londres, que se prolongaria até meados do ano seguinte. 1969 Retrospectiva de Vieira da Silva organizada pelo Musée National d’Art Moderne, de Paris, apresentada também no Museu Boijmans-Van Beuningen, de Roterdão. 1970 Retrospectiva de Vieira da Silva na Kunstnernes Hus, em Oslo, na Kunsthalle, de Basileia, e na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, organizada por Guy Weelen. Expõe, em Lisboa, nas galerias 111 e São Mamede. Cesariny coordena o catálogo da exposição de Vieira da Silva, na São Mamede, e publica um texto no catálogo da retrospectiva, em Lisboa. Cesariny pronuncia conferência sobre a pintura de Vieira da Silva, na Fundação Gulbenkian, no âmbito dessa mesma exposição. 1971 Primeira exposição retrospectiva da obra de Arpad Szenes nos Museus de Belas-Artes de Rouen, Rennes e Lille. Retrospectiva de Vieira da Silva no Museu Fabre de Montpellier. Exposição na galeria Zen, Porto. Exposição de têmperas, litografias e guaches relacionados com a monografia de Dora Vallier, A pintura de Vieira da Silva. 1972/73 Exposição retrospectiva, do ano anterior, de Szenes no Museu de Belas-Artes de Orléans e na Fundação Calouste Gulbenkian organizada por Guy Weelen. Exposições retrospectivas nos Museus de Dijon, Nancy, Besançon, Nantes, Reims, Montpellier e Château de Ste-Suzanne, Mayenne. Exposição retrospectiva de Vieira da Silva no Museu de Unterlinden, de Colmar. Exposição conjunta com Arpad Szenes na Galeria Judite da Cruz, em Lisboa. Cesariny publica as recolhas
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antológicas Burlescas, teóricas e sentimentais (Editorial Presença) e As mãos na água a cabeça no mar (Ed. de autor) e a tradução portuguesa de Iluminações – Uma cerveja no inferno, de Jean-Arthur Rimbaud (Ed. Estúdios Cor). Guy Weelen publica monografia sobre Vieira da Silva (Ed. Cercle d’Art). 1973 Exposição retrospectiva de Vieira da Silva no Museu de Arte e de História, Orléans. 1974 Exposição retrospectiva de Arpad Szenes no Museu d’Art Moderne de la Ville de Paris. Cesariny publica Jornal do gato (Ed. de Raul Vitorino Rodrigues). 1975 A pedido da poetisa Sophia de Mello Breyner, Vieira da Silva realiza dois cartazes editados pela Fundação Calouste Gulbenkian para comemorar o 25 de Abril de 1974. 1976 Vieira da Silva e Arpad Szenes fazem uma importante doação de desenhos ao Musée National d’Art Moderne, Centre Georges Pompidou de Paris, que são expostos conjuntamente com pinturas e tapeçarias pertencendo ao Estado francês. A Maison des Arts et Loisirs, de Sochaux, os museus de Metz, e o Musée d’État do Luxemburgo organizam uma retrospectiva da obra de Vieira da Silva. Cesariny visita Octavio Paz, no México, e Eugenio Granell, em Nova Iorque, e organiza a representação portuguesa na Exposição World Surrealist Exhibition, em Chicago, na Galeria Black Swan. 1977 O Musée d’Art Moderne de Paris organiza a primeira exposição retrospectiva de Vieira da Silva dedicada aos seus guaches e têmperas; exposição apresentada também em Lisboa pela Fundação Calouste Gulbenkian. Cesariny publica Textos de afirmação e de combate do movimento surrealista mundial (1924-1976) (Ed. Perspectivas & Realidades). Organiza e prefacia o volume Poesia de António Maria Lisboa (Ed. Assírio & Alvim). Mário Cesariny expõe obras (de 1947 a 1977), na Galeria Tempo, em Lisboa, com o patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura. 1977/78 O Museu Nacional de Belas-Artes de Budapeste, e o Vasari Tanacs Kiallitoterme, de Pécs, Hungria, assim como a Galerie de l’Information, de Tunes, apresentam exposições retrospectivas da obra de Arpad Szenes. É-lhe atribuído o Grande Prémio Nacional das Artes (França) e o Estado português concede-lhe a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. O Centro Português de Cinema produz um filme biográfico sobre o casal, Ma femme chamada Bicho, realizado por José Álvaro Morais. O Nordjyllands Kunstmuseum, de Aalborg (Dinamarca), dedica uma importante retrospectiva a Vieira da Silva. A Galeria São Mamede, em Lisboa, apresenta uma selecção de litografias e serigrafias. Cesariny publica o texto do catálogo desta exposição.
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1980 Cesariny publica Primavera autónoma das estradas (Ed. Assírio & Alvim). 1981 O Ministério dos Negócios Estrangeiros francês propõe a Vieira da Silva a decoração (cinco painéis pintados e uma tapeçaria) da sacristia da capela do Palácio de Santos, edifício da Embaixada de França, em Lisboa. A Biblioteca Nacional de Paris organiza uma retrospectiva da obra gravada doada por Vieira da Silva. 1983 Exposição individual de Arpad Szenes no Museu de Belas-Artes, em Dijon. O Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, apresenta os desenhos de Arpad, Portraits de Vieira, reproduzidos em livro (Éditions de la Différence, Paris). O Metropolitano de Lisboa encomenda a Vieira da Silva a decoração da estação da Cidade Universitária; a execução do painel é orientada por Manuel Cargaleiro. Cesariny publica a antologia Horta de literatura de cordel (Ed. Assírio & Alvim). 1984 Cesariny encontra-se com Vieira da Silva e Arpad Szenes, em Paris, no âmbito de um projecto da RTP sobre a obra do poeta. A Galeria EMI-Valentim de Carvalho, Lisboa, organiza a primeira exposição de obras do casal dos anos 30/40, por ocasião do lançamento do livro Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O castelo surrealista, de Mário Cesariny (Ed. Assírio & Alvim). Vieira da Silva é escolhida para membro da Academia das Ciências das Artes e das Letras de Lisboa. 1985 Falecimento de Arpad Szenes, no seu atelier, em Paris, no dia 16 de Janeiro. As Galerias Jeanne Bucher e Jacob, Paris, prestam-lhe homenagem, apresentando exposições retrospectivas da sua obra. 1988 Vieira da Silva e Cesariny encontram-se em Lisboa por ocasião da exposição organizada no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. A estação de metropolitano da Cidade Universitária, decorada segundo um projecto de Vieira da Silva, é inaugurada. A pintora é eleita Membro da Royal Academy of Arts, Londres. 1992 Vieira da Silva morre a 6 de Março, em Paris. Guy Weelen entrega a Cesariny duas obras de Vieira da Silva (Mário le chat, 1970 e Le portrait automatique de Lolita, 1970) que a pintora lhe prometera oferecer. 1994 A Fundação Arpad Szenes — Vieira da Silva é inaugurada em Lisboa. 1999 Guy Weelen morre a 16 de Agosto, no Porto. 2006 Mário Cesariny morre a 26 de Novembro, em Lisboa.
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ÍNDICE O N O MÁSTIC O
A Afonso, Sara, 249, 254 Albarran, Artur, 313 Almeida, Fialho de, 61 Andresen, João, 69 Apollinaire, Guillaume, 272, 303 Artaud, Antonin, 195, 271, 275, 313 Assumpção, Manuel D’, 59,60, 65, 142, 169, 295 Azevedo, Fernando de, 257 B Bachelard, Gaston, 305 Baudelaire, Charles, 155-156 Bellini, Giovanni, 118, 139 Berger, René, 135 Bértholo, René, 77, 152, 133 Bonnard, Pierre, 21, 118, 122, 127, 173, 323 Borges, Jorge Luis, 88, 134, 305, 311 Botelho, Carlos, 15, 40, 258 Bousquet, Jacques, 135, 154 Bréchon, Robert, 98 Breton, André, 17, 59-60, 105, 195, 208, 213, 256, 272, 325, Brito, Jorge Artur Rego de, 199 Bucher, Jeanne, 15, 21, 24-25, 37, 48, 88, 112, 117, 121, 126, 134, 136, 145, 195, 206, 215, 216, 296, 305, 324-325, 329 Buñuel, Luis, 91 Byron, Lord, 181, 183
C Caeiro, Alberto, 290 Calvet, Carlos, 141 Camões, Luís de, 145, 293 Cargaleiro, Manuel, 28, 43, 131, 152, 164-165, 183, 296, 329 Castro, Lourdes, 77, 110, 131, 133, 152, Cecellio, Cesare, 138 Cézanne, Paul, 21, 37, 118, 138, 150 Char, René, 10, 25, 135, 197, 246 Christus, Petrus, 118 Coimbra, José Leonardo, 70 Coutinho, Francisco Pereira, 193, 199, 229 Crespo, Manuel Granjeio, 122 Crivelli, 139 D Dali, Salvador, 64, 221 David, Gerard, 118 Debussy, 73-74, 204 Delaunay, Robert, 37, 118, 137, 149, 261, 289 Derain, 118 Descartes, 84 Disney, Walt, 64 Domingues, Mara Elisa, 17, 311 Duccio, 140 Duchamp, Marcel, 137-138, 159 E Eloy, Mário, 63, 118, 249, 254 Ernst, Max, 149, 324
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Escada, José, 131, 152 Ésquilo, 147 Estiene, Charles, 135 Eyck, Jan Van, 118, 139, 173, 273
Kirchner, Ernst Ludwing, 241 Klee, Paul, 65, 134, 137, 144, 212, 248, 323
F Figueiredo, Pinto de, casal, 169, 233 França, José-Augusto, 43, 81, 160, 190-191 G Gaulle, General de, 97, 325 Goethe, 147 Gólgota, 148 Gonçalves, Nuno, 237 Gracq, Julien, 213 Granville, Pierre, 122 Gromaire, Marcel, 64 Guimarães, António Pinheiro, 198 Gusmão, Artur Nobre de, 26, 32-33, 46, 80-81, 128, 166, 171, 173, 182 H Hartung, Hans, 65, 88 Hausmann, Raoul, 132, 147 Hayter, Stanley William, 50, 254, 323-324 Heckel, 118 Homero, 147 Hoogstraaten, S. van, 173 Hugo, Victor, 147 J Jaeger, J.F., 24, 139, 216, 225 Jaguer, Édouard, 272, 313 Jarry, Alfred, 76, 98, 226, 272 Jorge, Luiza Neto, 14, 208 Joyce, James, 303 K Kafka, Franz, 141 Kandinsky, 41, 118, 134, 248, 323
L L’Isle-Adam, Auguste Villiers de, 101 Lacerda, Alberto, 93-94, 96, 99, 115, 135, 162, 287 Lassaigne, J., 20, 276 Laurencin, Marie, 58 Lhote, André, 65 Limbour, Georges, 135 Lisboa, António Maria, 10, 17-19, 46, 59-60, 76, 78, 134, 142, 226-227, 288, 291, 293, 298, 328 Lisboa, Irene, 72 Lopes-Graça, Fernando, 40, 72, 197, 324 Luís, Eduardo, 131, 152 M Malhoa, José, 61 Manta, família, 61 Martins, Jorge, 131, 152 Matsys, Quentin, 118 Melville, 138 Memling, 118 Mendes, Murilo, 22-23, 197, 305, 308, 324 Menez (Maria Inês C. R. da Fonseca), 28, 179 Messiaen, Olivier, 204 Messina, Antonello da, 118, 139 Meyrelles, Isabel, 90, 99 Michaux, Henri, 98, 296 Miranda, Arthur Cupertino de, 2, 34, 54, 81, 198, 219, 267, 269 Miró, Joan, 65, 122, 324 Modigliani, Amadeo, 64 Molière, 147 Mondrian, 148 Monteiro, Adolfo Casais, 59
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N Negreiros, Almada, 63-64, 134, 249, 261 Nietzsche, 10, 77 Novalis, 12, 137, 290 O Oliveira, Jorge, 59, 65 Oliveira, Maria do Rosário, 124 Ortigão, Ramalho, 61 P Pascoaes, Teixeira de, 42, 142, 166-168, 172, 198, 201, 227, 325 Paul, Jean (Richter, Johann Paul Friedrich), 288 Pauli, casal, 96, 168, 326 Pedro, António, 17, 190, 248-249, 255, 324 Pereira, João Moniz, 141 Pereira, Júlio Maria dos Reis, 249 Pessoa, Fernando, 63, 98, 133-134, 227, 249, 294 Picabia, François Marie Martinez, 159 Picasso, Pablo, 20, 64, 138, 148 Q Quincey, Thomas De, 155 R Racine, 147 Rembrandt, 246, 280 Rimbaud, Arthur, 10, 32, 49, 108, 133, 146, 162, 176, 280, 282 Rousseau, Henry, 272 S Sá-Carneiro, Mário de, 63, 134, 169 Salazar, António de Oliveira, 14, 20, 22, 97, 222, 292 Schöenberg, 137 Schwitters, Kurt, 132, 138, 147, 204 Semke, Hein, 249, 255
Seuphor, Michel, 66, 134 Shakespeare, William, 95, 147 Simões, João Gaspar, 40, 197, 249 Sófocles, 147 Solier, René de, 145 Sousa, Maria da Conceição H. de M. Gouveia e, 225, 228, 312 Sousa, Ricarte-Dácio de, 94 Souza-Cardoso, Amadeo de, 63-64, 134, 248, 289 Stendhal, 84 Szobel, Geza, 255 T Tardieu, Jean, 135 Tavares, Henrique, 142 Tchaikovski, Piotr Ilich, 222 Terán, Fernando Arrabal, 311 Ticiano, 138 Tolentino, Nicolau, 228 Tzara, Tristan, 222 V Vallier, Dora, 47, 113, 135, 206, 208, 225, 251, 327 Vasconcelos, João Teixeira de, 168-169, 172, 198 Verlaine, Paul, 176, 247-248, 282 Vermeer, 139 Vicente, Arlindo, 249, 255 Virgílio, 147 Voltaire, 66 W Wagner, Richard, 234 Witz, Conrad, 140 Worringer, 148 Z Zumsteg, Gustav, 122
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