A Mandrágora

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Retrato de Jean Lorrain por Antonio de La Gandara, 1898 (pormenor).

Jean Lorrain A MANDRÁGORA

tradução e apresentação

Aníbal Fernandes

ilustrações

Marcel Pille

Comecemos por dar voz a Rachilde, que um dia escreveu o texto «Fanfarrão de Vícios» para recordar Lorrain:

Sete horas da manhã. Estou a dormir. Batem-me à porta da rua Des Écoles. Quem surge a esta hora para me incomodar?

Não é o carteiro nem a minha porteira. Enfio um roupão e vou abrir porque não tenho criada; ninguém vive na minha casa por mim… ou contra mim… se exceptuarmos o Sans-Frousse, um gato do Chat Noir da cor da noite e mau como um diabo.

Entreabro a porta e vislumbro no dia muito fraco da manhã uma estranha silhueta de rapazola pálido. Está mal vestido, parece que tem frio e murmura coisas que ficam dentro de si:

— É mesmo a Mademoiselle Rachilde?

— Sou, meu senhor, sou mesmo eu. Esta palavra senhor fá-lo sorrir e tranquilizar-se. Tem uma cara ambígua, branca, olhos que deslizam sob as pálpebras como berlindes de ágata que procurassem fugir das suas órbitas. Não parece muito convencido de que seja eu. Por fim tira o boné e gagueja num tom confidencial:

— Olhe, mademoiselle, tem de apressar-se, venho da parte do seu amigo Jean Lorrain, que me disse isto: Só ela pode tirar-me

desta embrulhada. Se quiser que eu lhe explique, vai demorar muito. Venha comigo. Vou guiá-la.

Confusa e um pouco assustada, pergunto a mim própria o que pode ter acontecido para o meu camarada Jean Lorrain precisar de mim… às sete horas da manhã! Sei que o Lorrain é… um aventuroso, não é um aventureiro (nasceu bem demais para isso!) e não o julgo capaz de uma mistificação. Onde está ele? Estará a correr perigo? Digo ao senhor-vadio que entre e ansiosamente o interrogo:

— Ele disse-me: vai ter com ela, para vir tirar-me disto sem pensar duas vezes!

O rapaz teve um riso estranho. Parecia tratar-se de uma graça popularucha e que havia nele uma espécie de compaixão. Não consegui chegar mais longe. Mas olhem! Tenho ao Jean Lorrain uma sincera amizade… à qual se junta uma espécie de reconhecimento: é um camarada que nunca me fez a corte, muitas vezes me deu prova do seu afecto e fê-lo com muitíssima delicadeza… Despachemo-nos! Vou vestir-me e deixo na minha pequena sala a duvidosa personagem com o Sans-Frousse que resmunga, se eriça desde as orelhas até ao rabo e fá-lo comportar-se respeitosamente, como se fosse um excelente cão de caça a vigiar um animal suspeito.

O Jean Lorrain precisa de mim? Ele, o autor do primeiro artigo que foi escrito sobre os meus livros; desse artigo louco e terrível que se intitulava «Mademoiselle Salamandra»! Posso lá deixá-lo chamar-me em vão! Nunca!…

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Depois de dar um nó muito apertado ao lenço que envolve o meu chapéu, enfio ostensivamente no cinto uma faca… de cortar papel que está em cima de uma mesa. Mas de forma nenhuma se trata de uma arma de fantasia. É uma lâmina azul, triangular e muito sólida, com um cabo de ébano que se cola à mão se ela souber agarrá-lo; e nesses tempos eu tinha uma mão muito lesta. Hoje há mulheres desportistas. Sabem jogar todos os jogos. Mas eu nunca fui desportista… e também penso que não seria bom pôr-me a jogar um jogo que me fizesse sentir contrariada… o Jean Lorrain fez esgrima comigo e conhece muito bem este pormenor.

Saímos de casa com o senhor-vadio à minha frente, eu a segui-lo com os meus olhos e divertida com esta forma inquieta de ele se comportar. Do que poderá ter medo? Da faca não será!… A rua ainda está escura, fumarenta com o nevoeiro dessa manhã de Inverno. Ninguém passa por nós, não há nenhum carro. Descemos para o lado da famosa praça… e acabamos por entrar na rua Galande.

O rapazola (terá doze ou dezasseis anos?) vai a rasar paredes e a olhar para aquilo que o rodeia. Depois pára à frente de um hotel com todo o ar de suspeito, digo-o por só ter como entrada uma porta e, espalhada à sua volta, uma porção de extraordinárias imundícies. Cães, gatos e também ratos, sem dúvida, investigam-nas antes de chegarem lá os apanha-trapos; porque nesses tempos… pré-históricos, ainda não se conhecia a comodidade dos caixotes de lixo.

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— Agora vou deixá-la… porque não estou nada interessado em dar explicações aos donos… refiro-me à recepção. É o quarto número oito. Lá em cima, no corredor! Boa sorte, mademoiselle. Já dei conta do meu recado.

E o rapazola… como se fosse um truque de magia desapareceu. Esgueirei-me ao longo das paredes como uma sombra, como um daqueles cães, daqueles gatos, daqueles ratos… E não vi mais ninguém!

Com a breca! Terei de deixar isto claro… Sob o meu tranquilo candeeiro e na profunda calma deste velho edifício do Mercure de France com todas as entradas defendidas por empregados devotados, empregados que executam todas as ordens com bastante rigor, sinto-me hoje espantada ao reler o que escrevi.

Tratar-se-á de um romance de aventuras?… Conseguirei, a toda esta distância, reconhecer a rapariga intrépida que vai entrar num hotel mais ou menos suspeito da ignóbil rua Galande dessa época? Vejo no entanto essa casa; e a minha recordação é tão precisa, que volto a sentir o cheiro atroz que me chegou às narinas quando eu subia lentamente a escada escura, escorregadia, com um corrimão que era uma corda.

Quarto número oito? Não há nenhum porteiro, nenhum empregado que nos informe.

Um corredor escuro, estreito. Um bico de gás a dançar ao fundo. Não se ouve nada. E talvez não seja prudente eu chamá-lo. Por fim, à custa de tanto olhar para as portas que se alinham com ar de portas de celas de prisão, chego à do número oito.

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Dou-lhe umas pancadas. Uma voz forte e rouca, uma voz de homem furioso:

— És tu, Rachilde?

Entro. Foi mesmo o Lorrain quem falou.

(Vou introduzir aqui uma nota; não como pudor inútil, mas para dizer simplesmente a verdade. O Lorrain e eu fazíamos parte de uma alegre sociedade chamada A Folha de Parra, onde a primeira regra ordenava a todos os membros que se tratassem, fosse em que lugar fosse, por tu. O príncipe Romuald Giedroyé, grande camareiro do imperador da Rússia, quando me encontrava era obrigado a dizer-me: Como tens passado?, e com isto ficar prodigiosamente mortificado.)

… Vi à minha frente, pormenor que estranhamente me impressionou, a cabeça do Jean Lorrain como se estivesse cortada, assente num lençol branco (mais ou menos branco), enquanto outro lençol lhe estrangulava muito apertadamente o pescoço. O Jean Lorrain não passava de uma cabeça!…

Fiquei no meio do quarto, com os olhos arregalados. E que desordem à volta dessa cabeça! Cadeiras partidas, lavatório caído no chão, louça em pedaços, uma mesa derrubada, e sobretudo a janela aberta, com uma cortina pendurada e a bater como a bandeira numa batalha.

— Vieste! Ainda bem. Estava à tua espera. Não me faças perguntas. Sim, é evidente que houve aqui uma luta; e garanto-te que ao princípio até me diverti como nunca me tinha divertido. Deitei dois abaixo, e ao terceiro mandei-o à fava… um

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bom tipo… porque insistia em tirar-me nabos da púcara…

Não! Não! Não te sentes nessa cadeira porque ela está como há-de ir! Ao que eles se atreveram? Ah! Os bandidos! Os reles patifes! Roubaram-me a roupa toda, até a camisa e os botões de punho, estás a ouvir, as minhas duas pedras da lua com brilhantes encastoados, duas autênticas maravilhas! E então é isto. Salvo o devido respeito, digo-te que aqui por baixo estou nu em pêlo! Ouve lá bem! Vai falar com o cão desse senhor comissário da polícia. É aqui a dois passos; dir-lhe-ás que me traga roupa, qualquer uma serve. Nem sequer tenho as chaves de casa, compreendes? Estou cheio de raiva, mas não de calor, posso garantir…

— Meu pobre Lorrain… Estás ferido?

— Oh! Nada de grave! Eles estão com toda a certeza mais do que eu… Mas é preciso que a história não se espalhe… Imagina lá tu os jornais, não é? Que me deixem totalmente em paz. A coisa só me diz respeito; e diz lá a esse… que trate de tudo com a maior discrição possível. Ele a mim não pode ver-me, mas a ti o imbecil adora-te, e fará o que lhe disseres… Estás a compreender?…

— Mas por que razão não mandaste ir ter de imediato com ele o vadio que me enviaste?

— Minha pobre Rachilde, como és ingénua ao pensar assim… Ele prendia-o logo!

Fechei a janela e depois entreguei ao Lorrain a minha faca.

— Enquanto não arranjares coisa melhor! — disse eu.

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Saí dali sem olhar para trás, de tal forma começava a ficar inquieta por imaginá-lo ferido com maior gravidade do que ele queria admitir.

Mas tudo se passou com muita correcção. O cão daquele comissário (ou antes, o seu secretário) tirou do mau passo o Jean Lorrain. Os seus bons camaradas só souberam aquilo que o herói da história quis dizer-lhes… no Homme des berges ou em qualquer outra lendária aventura onde se entregou a gabarolas brincadeiras, porque ele fazia muito pouco caso da moral burguesa.

Os seus Très russe e as suas Princesses d’or et d’ivoire! Mas que pobre criança grande, sempre a correr atrás do seu próprio romantismo; porque o Jean Lorrain, o autor de O Senhor de Bougrelon, era ao mesmo tempo pintor e modelo dos seus heróis. Quem era verdadeiro? Quem era falso? Ele próprio saberia dizê-lo?…

Um louco maravilhosamente dotado com o poder do verbo, muito forte e muito fraco perante a triste verdade.

«Corro tão depressa para fugir de mim, que muitas vezes tropeço na coisa mais simples do mundo e deixo de compreender seja o que for!»

Mas que terno e tão sensato amigo ele era quando me dizia do alto da sua grande silhueta de lutador de Marselha:

— Tu, minha menina, um dia serás vítima do que escreves. Toma muita atenção! Acabamos todos por casar-nos com o nosso cérebro porque só ele é mais forte do que nós.

O Jean Lorrain era grande, com a constituição de um atleta; mas se o vi com trinta anos deitar ao chão um profissional da

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luta, mais tarde também o vi chorar por causa de males que não podem ser referidos; apesar dos seus extraordinários olhos, dos olhos góticos, do bigode ruivo de gaulês e um estranho e desesperado riso, não me metia medo porque tinha acima de tudo respeito pela bela amizade. Sabia, de facto, que um amigo bem mais precioso é do que uma amante…

Entre as muitas memórias da sua convivência com Jean Lorrain, Rachilde escolheu uma que o mostra como «fanfarrão de vícios» embaraçado e à mercê da benevolência policial. Dois escritores franceses com destaque nessa época (ambos homossexuais — Marcel Proust e Jean Lorrain) disputavam murmúrios, eram personagens preferidas numa nebulosa de curiosidades que entretinha o mundo das letras. De Marcel Proust sussurravam-se coisas doentias que chegavam a uma insólita crueldade com ratos, excitante sexual muito pouco previsível numa tão correcta imagem de homem que beijava com elegância mãos de condessas e marquesas; e de Jean Lorrain, muito claro nas suas tendências sexuais e a expor-se com a maior das franquezas aos submundos da grande cidade, evitava-se em público o trato familiar, com a certeza de que ele contaminava reputações.

A sua obra literária é generosa em ambiguidades decadentes como as de Monsieur de Phocas, e tem escândalos que interessaram a Justiça, como o que envolveu La Maison Philibert. Num tom mais prudente e desviado até ao fantástico sem nada de gótico, também lhe encontramos contos com uma imaginação que preza a impunidade

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das máscaras e desvarios que lhe chegaram ao papel entontecidos por fortes cheiros do éter.

Mas neste conjunto merece especial destaque o conto A Mandrágora que em Maio de 1899 surgiu enfatizado numa edição de luxo ilustrada por Marcel Pille e reflectiu, como nenhuma outra obra sua, a obsessão do monstro onde ele próprio se reconhecia.

Tem uma primeira frase de choque: Quando ficou a saber-se que a rainha tinha dado à luz uma rã, houve consternação na corte. Afirmemos, desde já, que Jean Lorrain era um «batraquiano».

Jean Lorrain (antes da literatura, Paul Duval) teve um pai armador que sonhou ligá-lo aos seus barcos de pesca. Mas este filho rebelde bem cedo se mostrou jornalista; jornalista e autor de livros com flechas envenenadas. Maupassant desafiou-o para um duelo por se sentir insultado com uma transparente personagem do seu romance Très russe; Verlaine por se sentir ofendido com um comentário que o juntava com pouca elegância a Rimbaud; mas só Proust e Lorrain chegaram ao tiro, embora «os dois atiradores se tivessem limitado a alvejar o vazio por cima das suas cabeças», foi dito na época com um sorriso nos lábios.

O homossexual teorizava: «Temos de escolher entre o amor das mulheres e conhecê-las» (conhecê-las no sentido bíblico, entenda-se); comentário que fez Paul Morand dizer no seu prefácio a Femmes de 1900: «Quem pode ser mais mulher do que este homem quando fala de mulheres? Cobiça-lhes os amantes, os vestidos, os êxitos no music-hall; vai direito àquilo que as lisonjeia ou àquilo que melhor

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as fere; compra produtos de maquilhagem no mesmo perfumista; tem gostos idênticos aos delas.»

Este homossexual alimentava, como não é raro acontecer, um incondicional amor pela sua mãe. Via-a como intocável exemplo de beleza e perfeição perante o qual se sentia indigno, com uma fealdade de corpo e hábitos que não podiam merecê-la. Imaginar-se tão desagradável de corpo e alma tornou-o «batraquiano». Há fotografias do seu local de trabalho que o mostram rodeado por sapos e rãs de todos os tamanhos e reproduzidos com toda a espécie de materiais; e o seu soneto «O Sapo» imagina um narciso que se olha na água e vê, em vez da sua imagem, um enorme sapo já a decompor-se, o monstro em que ele próprio se reconhece.

Esta obsessão tem papel central em A Mandrágora (que começou por chamar-se Conto de Natal, título onde a expectativa de uma ternura cristã de época funcionava como uma espécie de armadilha), um conto da monstruosidade onde o sofrimento e a expiação se interligam num relato que nos pede o esforço de uma interpretação confrontada com pontos mais e menos escorregadios.

A mandrágora é uma solenácea de origem mediterrânea; a sua raiz-tubérculo tem formas que muitas vezes sugerem o corpo humano e teve importante papel na feitiçaria medieval. Há na sua lenda uma curiosa ligação com os enforcados. Na morte por asfixia, o derradeiro momento que sucede à violenta contorção física é contemplado com a benesse de um orgasmo. A feitiçaria afirmava que esse jacto de esperma ao cair no solo dava origem ao nascimento de uma mandrágora impregnada de essência humana, e que os mági-

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cos sabiam orientá-la e conseguir dela uma específica ressurreição. Também se afirmava que a mandrágora do enforcado ao ser arrancada dava um grito que enlouquecia ou matava quem o ouvisse. Isto era evitado amarrando ao seu caule um cão preto e obrigando-o ao perigoso acto de extirpar do solo o tubérculo mágico.

A rainha deste conto, perturbada pela memória impura da sua filha-rã morta por determinação do rei, tem alucinações que a levam para junto das forcas, acompanhada por um galgo preto. E embora um dia lhe tenha chegado a cair na face uma «lágrima de cera muito mal-cheirosa», nunca encontrou a mandrágora que ela julgava poder transformar, com os seus conhecimentos de magia, na filha perdida — monstruosa mas sua filha, dizia-lhe um muito magoado amor de mãe. Há no entanto uma feiticeira que lhe vende uma mandrágora já preparada para essa ressurreição e se transforma no batráquio perdido. A enorme rã assusta-a. Atira-a para um fosso; e a rejeitada — depois de matar um inocente rapaz — vai ter a uma floresta onde é acidentalmente crucificada pela crueldade do que é seu irmão.

A partir daqui, Lorrain faz-se reconhecer na peculiar maneira de dar às suas imaginações uma sombra de subtis perversidades. A passagem do tempo confere à rã crucificada a beleza toda humana de uma mulher onde o irmão acaba por reconhecer a sua irmã batraquiana, sem conseguir resistir a um violento impulso incestuoso (é «encantado por um horrível feitiço porque ambos tinham saído das mesmas entranhas»). Numa véspera de Natal, esta mãe dada a encantamentos mandragorianos, e esta filha de monstruosa génese

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são absolvidas num cenário crístico que não nos deixa dúvidas sobre a sua equiparação (transparente e com qualquer coisa de irónico) ao presépio da lenda cristã.

A Mandrágora, exorcismo literário do narciso contaminado pela fealdade, resta como bom exemplo de uma época literária dominada por um macabro e um horror que surgiam alimentados por emoções directas e fortes, mas ainda assim com desvios complexos, desafiados por interpretações com sombras onde a luz mais dificilmente penetra. Quando Lorrain publicou A Mandrágora tinha quarenta e quatro anos de idade. A sua obra literária já era extensa mas estavam por publicar alguns títulos hoje citados como importantes na sua obra: Monsieur de Phocas (1901), Princesses d’ivoire et d’ivresse (1902) ou La Maison Philibert (1904).

Morreu com uma peritonite num hospital de Fécamp, ia a meio o ano 1906. *

Como vimos, a memória de Rachilde gostava de chamar-lhe «fanfarrão de vícios».

Mas afinal… «O que é o vício?» — tinha ele perguntado muitos anos antes em La Nostalgie de la Beauté, para se conformar com esta resposta desmistificadora e simples: «Não passa de um gosto que não se partilha.»

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A.F. Jean Lorrain por Nicolas Rosenfeld.

uando ficou a saber-se que a rainha tinha dado à luz uma rã, houve uma consternação na corte; as damas do palácio mantiveram-se caladas, e nas altas portas de entrada aproximavam-se umas das outras de boca fechada e com olhares magoados que só por si muito diziam; o ilustre médico que tinha procedido

Jean Lorrain à bela operação não se atreveu ao encargo de levar a notícia ao rei; foi muito depressa para a campina por uma saída da criadagem, e não voltou a aparecer; quanto à rainha, ao ver o monstrilhão que lhe saíra das entranhas desfaleceu com uma síncope. Quando voltou a si, foi para ver à sua cabeceira o rei de sobrolho franzido e mais assustador no seu silêncio do que em plena rixa, quando esmagava à cabeça das tropas os infiéis enturbantados do Egipto e da Síria, todos eles larápios, lascivos e pagãos; era tão terrível o seu aspecto, que a pobre rainha esteve prestes a ter outro desmaio; mas dominou

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os sentidos ao ver que ele com melhor disposição ali estava.

— Senhora, bonita coisa fizestes — disse ele, deitando-lhe um olhar até ao fundo da alma. — É a primeira vez que se vêem rãs na minha linhagem; deveis estar enfeitiçada, a não ser que tenhais dor-

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LIVROS SISTEMA SOLAR

Os génios, seguido de Exemplos, Victor Hugo

O senhor de Bougrelon, Jean Lorrain

No sentido da noite, Jean Genet

Com os loucos, Albert Londres

Os manuscritos de Aspern (versão de 1888), Henry James

O romance de Tristão e Isolda, Joseph Bédier

A freira no subterrâneo, com o português de Camilo Castelo Branco

Paul Cézanne, Élie Faure, seguido de O que ele me disse…, Joachim Gasquet

David Golder, Irene Nemirowsky

As lágrimas de Eros, Georges Bataille

As lojas de canela, Bruno Schulz

O mentiroso, Henry James

As mamas de Tirésias — drama surrealista em dois actos e um prólogo, Guillaume Apollinaire

Amor de perdição, Camilo Castelo Branco

Judeus errantes, Joseph Roth

A mulher que fugiu a cavalo, D.H. Lawrence

Porgy e Bess, DuBose Heyward

O aperto do parafuso, Henry James

Bruges-a-Morta — romance, Georges Rodenbach

Billy Budd, marinheiro (uma narrativa no interior), Herman Melville

Histórias da areia, Isabelle Eberhardt

O Lazarilho de Tormes, anónimo do século XVI e H. de Luna

Autobiografia, Thomas Bernhard

Bubu de Montparnasse, Charles-Louis Philippe

Greco ou O segredo de Toledo, Maurice Barrès

Cinco histórias de luz e sombra, Edith Wharton

Dicionário filosófico, Voltaire

A papisa Joana — segundo o texto de Alfred Jarry, Emmanuel Rhoides

O raposo, D.H. Lawrence

Bom Crioulo, Adolfo Caminha

O meu corpo e eu, René Crevel

Manon Lescaut, Padre Prévost

O duelo, Joseph Conrad

A felicidade dos tristes, Luc Dietrich

Inferno, August Strindberg

Um milhão conta redonda ou Lemuel Pitkin a desmantelar-se, Nathanael West

Freya das sete ilhas, Joseph Conrad

O nascimento da arte, Georges Bataille

Os ombros da marquesa, Émile Zola

O livro branco, Jean Cocteau

Verdes moradas, W.H. Hudson

A guerra do fogo, J-H. Rosny Aîné

Hamlet-Rei (Luís II da Baviera), Guy de Pourtalès

Messalina, Alfred Jarry

O Capitão Veneno, Pedro Antonio de Alarcón

Dona Guidinha do Poço, Manoel de Oliveira Paiva

Visão invisível, Jean Cocteau

A liberdade ou o amor, Robert Desnos

A maçã de Cézanne… e eu, D.H. Lawrence

O fogo-fátuo, Drieu la Rochelle

Memórias íntimas e confissões de um pecador justificado, James Hogg

Histórias aquáticas — O parceiro secreto, A laguna, Mocidade, Joseph Conrad

O homem que falou (Un de Baumugnes), Jean Giono

O dicionário do diabo, Ambrose Bierce

A viúva do enforcado, Camilo Castelo Branco

O caso Kurílov, Irène Némirowsky

A costa de Falesá, Robert Louis Stevenson

Nova Safo — tragédia estranha, Visconde de Vila-Moura

Gaspar da Noite — fantasias à maneira de Rembrandt e Callot, Aloysius Bertrand

Rimbaud-Verlaine, o estranho casal

O rato da América, Jacques Lanzmann

As amantes de Dom João V, Alberto Pimentel

Os cavalos de Abdera e mais forças estranhas, Leopoldo Lugones

Preceptores – Gabrielle de Bergerac seguido de O discípulo, Henry James

O Cântico dos Cânticos – traduzido do hebreu com um estudo sobre o plano a idade e o carácter do poema, Ernest Renan

Derborence, Charles Ferdinand Ramuz

O farol de amor, Rachilde

Diário de um fuzilado, precedido de Palavras de um fumador de ópio, Jules Boissière

A minha vida, Isadora Duncan

Rakhil, Isabelle Eberhardt

Fuga sem fim, Joseph Roth

O castelo do homem ancorado, Joris-Karl Huysmans

Tufão, Joseph Conrad

Heliogábalo ou o anarquista coroado, Antonin Artaud

Van Gogh o suicidado da sociedade, Antonin Artaud

Eu, Antonin Artaud

A morte difícil, René Crevel

A lenda do santo bebedor seguido de O Leviatã, Joseph Roth

O Chancellor (Diário do passageiro J.R. Kazallon), Jules Verne

Orunoko ou o escravo real (uma história verídica), Aphra Behn

As Portas do Paraíso, Jerzy Andrzejewski

Tirano Banderas (novela de Terra Quente), Ramón del Valle-Inclán

Cáustico Lunar seguido de Ghostkeeper, Malcolm Lowry

Balkis (A Lenda num Café), Gérard de Nerval

Diálogos das carmelitas, Georges Bernanos

O estranho animal do Vaccarès, Joseph d’Arbaud

Riso vermelho — fragmentos encontrados de um manuscrito, Leonid Andreiev

A morte da terra, J.-H. Rosny Aîné

Nossa Senhora dos Ratos, Rachilde

O colóquio dos cães incluído no Casamento enganoso, Miguel de Cervantes

Entre a espada e a parede, Tristan Bernard

A vida de Rembrandt (história a ir para onde lhe dá), Kees van Dongen

Os meus Oscar Wilde, André Gide

As aventuras de uma negrinha à procura de Deus, George Bernard Shaw

Meu irmão feminino — «Noites Florentinas», Marina Tsvietaieva

Jean-Luc perseguido, Charles Ferdinand Ramuz

O filho de duas mães, Edith Wharton

A armadilha, Emmanuel Bove

Um jardim na margem do Orontes, Maurice Barrès

Erotika Biblion, Conde de Mirabeau

A minha amiga Nane, Paul-Jean Toulet

Paludes, André Gide

O bar dos dois caminhos, Gilbert de Voisins

Sol, D.H. Lawrence

Cagliostro, Vicente Huidobro

As magias do Ceilão, Francis de Croisset

Má sorte que ela fosse puta, John Ford

Chita — uma memória da Ilha do Fim, Lafcadio Hearn

A mulher 100 cabeças, Max Ernst

A dificuldade de ser, Jean Cocteau

O duplo Rimbaud (com um preâmbulo de Benjamin Fondane), Victor Segalen

A vida apaixonada da grande Catarina, Princesa Lucien Murat

Casa de incesto, Anaïs Nin

Morte de Judas seguido de O ponto de vista de Pôncio Pilatos, Paul Claudel

Os domingos de Jean Dézert seguido de contos, Jean de la Ville de Mirmont

Ser ou não ser – Três histórias, Honoré de Balzac

Babilónia, René Crevel

O encontro (uma história incerta), Henri de Régnier

Carmilla, Sheridan Le Fanu

Mulheres na vida, Guy de Maupassant

O plantador de Malata, Joseph Conrad

TÍTULO ORIGINAL: LA MANDRAGORE

© SISTEMA SOLAR, CRL

RUA PASSOS MANUEL, 67B, 1150-258 LISBOA tradução © ANÍBAL FERNANDES, 2023

1.ª EDIÇÃO, MARÇO DE 2023

ISBN 978-989-568-081-8

NA CAPA: MARCEL PILLE, LA MANDRAGORE (FRONTISPÍCIO)

REVISÃO: DIOGO FERREIRA

DEPÓSITO LEGAL: 512093/23

IMPRESSÃO E ACABAMENTO: TÓRCULO

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