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Joanot Martorell
Joanot Martorell TIRANT LO BLANC 1.º volume tradução do catalão e notas de
Artur Guerra xilogravuras de
Ilda David’
TIRANT LO BLANC
«Sem querer cansar-se mais em ler livros de cavalarias, mandou à ama que tomasse todos os livros grandes e os deitasse para o pátio [a fim de serem queimados]. Por pegar em muitos ao mesmo tempo, caiu-lhe um aos pés do barbeiro; teve vontade de ver de quem era, e viu que se chamava História do Famoso Cavaleiro Tirant lo Blanc. – Valha-me Deus! – disse o cura, soltando um grande brado –, que aqui está o Tirant lo Blanc ! Dai-mo cá, compadre, que eu agirei como quem encontrou nele um tesouro de contentamento e uma mina de passatempos. Aqui está Dom Kirieleison de Muntalbà, valoroso cavaleiro, o seu irmão Tomás de Muntalbà, e o cavaleiro Fonseca, com a batalha que o valente Tirant fez com o alão, e as subtilezas da donzela Prazerdaminhavida, com os amores e artimanhas da viúva Repousada, e a senhora Imperatriz enamorada de Hipólito, seu escudeiro. A verdade vos digo, senhor compadre, que em razão de estilo não há no mundo livro melhor: aqui os cavaleiros comem e dormem, morrem nas suas camas e fazem testamento antes de morrer, com outras coisas mais que faltam em todos os livros deste género. […] Levai-o para casa e lede-o, e vereis que é verdade tudo o que dele eu vos disse.» Miguel de Cervantes, D. Quixote de la Mancha, parte I, cap. VI O romance Tirant lo Blanc abandona os ideais tipicamente cavaleirescos (cenários exóticos e fantásticos, amores platónicos e princípios morais) para se tornar no primeiro romance realista da literatura europeia, combinando os ideais da cavalaria com a descrição pormenorizada dos usos e costumes da corte e da sociedade do seu tempo, bem como das estratégias militares e dos amores sensuais, onde os protagonistas são humanos com todos os seus vícios e virtudes. Joanot Martorell [c. 1413, Valência – 1468], cavaleiro mossèn, nasceu de uma família aristocrática. Teve uma vida tempestuosa, cheia de viagens, combates de cavalaria e aventuras amorosas. Dedicou-se a Tirant lo Blanc desde Janeiro de 1460, ou seja, trinta anos antes da sua publicação como obra póstuma em 1490.
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TIRANT LO BLANC 1.º volume
tradução do catalão e notas
Artur Guerra xilogravuras
Ilda David’
D O C U M E N TA
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Esta tradução foi apoiada pelo Institut Ramon Llull
TÍTULO ORIGINAL: TIRANT LO BLANC
© SISTEMA SOLAR, CRL (DOCUMENTA), 2015 RUA PASSOS MANUEL, 67 B 1150-258 LISBOA introdução © ELVIRA DE RIQUER (HERDEIRA DE MARTÍ DE RIQUER) tradução © ARTUR GUERRA, 2015 imagens © ILDA DAVID’, 2015 REVISÃO: CRISTINA GUERRA 1.ª EDIÇÃO, NOVEMBRO DE 2015 ISBN 978-989-8618-87-0 DEPÓSITO LEGAL 402262/15 ESTE LIVRO FOI IMPRESSO NA EUROPRESS RUA JOÃO SARAIVA, 10 A 1700-249 LISBOA PORTUGAL
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Martí de Riquer
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Joanot Martorell Em 1468, morreu o cavaleiro valenciano mossèn Joanot Martorell, deixando «ventilado» (que pode interpretar-se como «definitivamente concluído») o romance de cavalaria Tirant lo Blanc, a cuja redacção se dedicara desde Janeiro de 1460, quando o escritor teria cerca de quarenta e cinco anos; dedicou-o ao infante D. Fernando de Portugal, que residiu em Barcelona em 1464 e 1465, pelo menos, na corte e séquito do seu irmão D. Pedro, o Condestável, «rei dos catalães», e do qual podia ser considerado presumível sucessor à coroa de Aragão, o que explica que o nosso romancista o tenha chamado «rei expectante». Joanot Martorell morreu solteiro e sem filhos, e os seus papéis, sem dúvida por disposição testamentária, passaram para outro cavaleiro valenciano, evidentemente seu amigo, mossèn Martí Joan de Galba, de quem sabemos que tinha dois manuscritos de Tirant lo Blanc e que fez uma revisão do original de Martorell sem evitar a tentação de intervir e refazer as passagens que ele, com razão ou sem ela, considerava incompletas ou necessitadas de revisão. Galba decidiu publicar o romance do seu amigo Martorell, por ele revisto, através do meio então recente da imprensa (introduzida em Valência em 1474); com efeito, de acordo com os contratos assinados a 7 de Agosto e a 28 de Setembro de 1489, o impressor Nicolau Spindeler procedeu, em Valência, à impressão do Tirant lo Blanc, que ficou concluída a 20 de Setembro de 1490, sete meses depois da morte de Martí Joan de Galba. O Tirant lo Blanc apareceu, então, como obra duplamente póstuma e muito depois do seu início: Joanot Martorell, o seu autor principal e decisivo, trabalhou nele a partir de 1460, ou seja, trinta anos antes da sua publicação, 9
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altura em que dificilmente se imaginaria que seria difundida em 715 exemplares impressos, processo de divulgação de uma obra literária que abria perspectivas inimagináveis. É difícil e arriscado determinar a intervenção de Martí Joan de Galba no Tirant, talvez intensa a partir do capítulo 276, ainda que trabalhando sempre sobre um texto escrito por Martorell, que deve ter reformulado e ampliado com acrescentos seus de diversas dimensões. Parece que Galba utilizou fontes literárias que Martorell não teve em conta, como o famosíssimo The Travels, de Sir John Mandeville, ou a Història de Leànder i Hero, de Joan Roís de Corella. Galba exacerbou o retoricismo da prosa e encarou o problema da comunicação linguística quando no romance dialogam personagens de diferentes línguas, aspecto nunca tido em conta por Martorell, como ocorre em muitos romancistas antigos e modernos. O certo é que Martorell deixou um original, sem dúvida mais breve na quarta parte do livro, mas que concluía o romance, como revelam algumas afirmações da dedicatória que Galba fez imprimir tal como as tinha escrito. Por outro lado, nada sabemos da personalidade de Martí Joan de Galba que nos permita aproximar-nos da sua fisionomia. O contrário acontece com a personalidade de Joanot Martorell. Nascido no reino de Valência, provavelmente em Gandia, entre 1413 e 1415, pertencia a uma linhagem do braço militar ligado aos Montpalau e aos March (Isabel, irmã do romancista, foi a primeira mulher do grande poeta Ausias March) e imerso em brigas cavaleirescas e controvérsias. Em 1437, Martorell desafiou para um duelo o primo Joan de Montpalau por este ter desonrado a sua irmã Damiata Martorell e recusar-se a casar com ela. Os dois primos trocaram entre si um epistolário insultuoso, provocador e engenhoso sobre este assunto em cartas de desafio divulgadas em todo o reino de Valência, até que os dois contendores se puseram de acordo em dirimir o problema num combate único até à morte perante um juiz competente e imparcial. Joanot Martorell foi então a Inglaterra e convenceu o rei Henrique VI a ser o juiz do combate cavaleiresco; todavia, Joan de Montpalau não compareceu no dia marcado, enviou procuradores para que solucionassem o assunto sem derramamento de sangue, inter10
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vindo também com uma atitude pacificadora a rainha Maria, de Castela, mulher de Afonso, o Magnânimo. Tudo se resolveu, algum tempo depois, com uma compensação económica que Joan de Montpalau pagou aos Martorell, mas Damiata ficou solteira durante toda a sua vida. A estada de Joanot Martorell em Inglaterra, entre Março de 1438 e Fevereiro de 1439 (certificada com documentos de origem inglesa), foi sem dúvida decisiva na formação do escritor e na concepção do que viria a ser o Tirant lo Blanc. Conheceu a fundo a corte inglesa, que tão bem descreve na primeira parte do romance, e leu livros da biblioteca do rei, como é o caso do romance de Guy de Warwick, que Joanot Martorell seguirá nos primeiros capítulos da sua narrativa. Regressado a Valência, nunca mais terá uma vida sossegada: os seus vassalos de Murla e de Benibafrim (em Vall de Xaló, no marquesado de Dénia) tentaram livrar-se das suas obrigações para com ele e aquelas localidades ser-lhe-ão sequestradas; no Verão de 1442, foi desafiado para um combate pelo cavaleiro errante Filip Boïl, outro valenciano que alcançara prestígio em Londres, mas Martorell não quis e recusou-se a lutar com ele numa carta que acaba com estas palavras significativas: «Quem quer carne vai a um talho, e não a casa do lobo». Naquele mesmo ano, o nosso romancista foi desafiado, ainda, pelo jovem cavaleiro Jaume de Ripoll. Está documentada uma viagem de Joanot Martorell a Portugal em 1443, onde deixou dívidas em dinheiro que pedira emprestado a uns judeus. Em 1444, o escritor vendeu os feudos conflituosos de Murla e Benibafrim a D. Gonçalbo d’Híxer, comendador de Montalbà, e o pagamento das quantias estipuladas produziu tão grandes divergências entre os dois, que Joanot Martorell e o seu irmão Jofre mandaram avisos de desafio a D. Gonçalbo; apesar das tentativas de concórdia e soluções amigáveis propostas pelo rei de Navarra (o futuro João II) e alguns nobres valencianos, o romancista desafiou o seu adversário, com cartas de insultos difamantes, para um combate até à morte, enquanto D. Gonçalbo tentava resolver o assunto pelas vias da justiça normal e acusava Joanot Martorell de difamação. Isto ocorria em 1450, ano em que é provável ele ter feito uma nova viagem a Inglaterra. 11
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Pouco mais sabemos de Joanot Martorell. Em 1454, viajou para o reino de Nápoles; documentalmente consta que morreu no ano de 1468, não sabemos onde.
Tirant lo Blanc Quanto à economia do romance e aos seus núcleos centrais, o Tirant lo Blanc pode ser dividido em cinco partes. Na primeira (capítulos 1 a 97), a acção passa-se no reino de Inglaterra, onde o protagonista, o jovem bretão Tirant, se dá a conhecer como um excelente lutador em combates individuais e cortesãos. Na segunda parte (capítulos 98 a 114), que decorre no reino da Sicília e na ilha de Rodes, Tirant revela-se um eficaz e inteligente chefe de grandes contingentes de forças armadas navais, isto é, um grande almirante. Na terceira (capítulos 115 a 296), situada na cidade de Constantinopla e no Império da Grécia (ou bizantino), Tirant, chefe supremo de grandes exércitos de terra, combate vitoriosamente contra mouros e turcos e aparece como um grande general, mas agora a acção é acompanhada pelo evoluir dos seus amores com Carmesina, princesa do Império. Na quarta parte (capítulos 296 a 407), Tirant, que naufragou nas costas de Tunes, transforma-se num caudilho cristão de forças norte-africanas e, por um lado, obtém a conversão de extensos reinos mouros, e, por outro, domina e submete os que permanecem infiéis. Na quinta parte (capítulos 408 a 487), Tirant regressa à Grécia, liberta-a totalmente do perigo turco e, quando atinge a dignidade de César do Império e se formaliza o seu casamento com a princesa Carmesina, herdeira da coroa, morre de pneumonia em Andrinópolis. Logo a seguir morrem também o imperador e Carmesina, e o Império Grego, totalmente livre de assédios e ataques, é herdado pela imperatriz viúva, que se casa com Hipólito, antigo escudeiro de Tirant. No que diz respeito à primeira destas cinco partes, Tirant lo Blanc é, desde o princípio até ao capítulo 39, uma reformulação ampliada de um texto catalão 12
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em prosa, o Guillem de Varoic, primeira tentativa de romance empreendida por Martorell depois da sua estada em Inglaterra, e no qual segue uma das adaptações em prosa do antigo romance anglo-normando Guy de Warwick, com uma parte doutrinal tomada do Livro da Ordem de Cavalaria, de Ramon Llull. Quando Martorell decide escrever um romance cavaleiresco de grande envergadura, o Tirant lo Blanc, inicia-o ampliando e retocando o texto do Guillem de Varoic e dando-lhe uma força narrativa e uma dramatização dos diálogos que o primitivo ensaio não tinha. Será o protagonista destes capítulos, o velho cavaleiro Guillem de Varoic, agora retirado do mundo e vivendo uma vida de eremita, quem dará a Tirant longos conselhos de moral e de cavalaria, como no tratado llulliano, e que serão a autêntica formação espiritual do herói do romance. O jovem Tirant vai até à corte do rei de Inglaterra onde este, para comemorar as suas núpcias com a filha do rei de França, organizara sumptuosos festejos cortesãos e cavaleirescos, ambiente propício para que um donzel, jovem e desconhecido, pudesse exibir as suas virtudes militares. Estas e a notável força física e habilidade combativa de Tirant fazem dele o autêntico campeão das festas, que duram um ano e um dia. Joanot Martorell transpõe para estes capítulos as recordações da sua estada em Inglaterra, onde frequentara a corte real de muito perto; e assim não só consegue reproduzir fielmente o seu ambiente, mas também reúne dados curiosos e interessantes, como tudo o que se relaciona com a Ordem da Jarreteira (de Garter ou de Jarretière), cuja famosa lenda sobre as suas origens (veja-se o capítulo 85) ele é o primeiro escritor a descrever. A corte inglesa é vista por Martorell com o máximo respeito e com pouca ironia, a não ser num ou outro pormenor, como é o caso da fanfarronice do pitoresco Kirieleison de Muntalbà, nome que tanto divertiria Cervantes, e no qual há uma evidente troça do seu inimigo real D. Gonçalo de Montalbà. Na segunda parte de Tirant lo Blanc, os capítulos sicilianos entram no jogo de divertidas ironias e de facécias de Martorell. A corte do rei da Sicília, sem deixar de ser sumptuosa, já apresenta motivos pitorescos e uma acção popular e humorística, como são as parvoíces de Filipe de França. Nos capítulos dedicados a Rodes, o nosso romancista aproveita o cenário e a situação militar do famoso cer13
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co da ilha, baluarte dos cavaleiros de S. João, feito pelas forças egípcias desde o dia 10 de Agosto até ao dia 18 de Setembro de 1444. Foram muitos os cavaleiros catalães, valencianos e maiorquinos que combateram corajosamente naquela ocasião dramática, entre eles o corsário Jaume de Vilaragut, do qual sabemos que era amigo de Joanot Martorell. Aquela acção militar é precisamente narrada em verso no poema Romanç de l’Armada del Soldà contra Rodes, escrito por Francesc Ferrer, um catalão, ou valenciano, que também lá estivera. O nosso romancista, portanto, que pôde ter notícias muito directas dessa acção militar, insere no Tirant lo Blanc estes belos capítulos, de muita actualidade quando os redigia, e que contribuem, agora, para dar ao livro um carácter de romance histórico. Na terceira e quinta partes em que, por comodidade, dividimos o Tirant lo Blanc, aquilo que poderia parecer-nos um romance histórico converte-se em ficção. Martorell começa a escrever o Tirant lo Blanc seis anos e meio depois da conquista de Constantinopla pelos turcos (29 de Maio de 1453), quando toda a cristandade ainda chorava o desaparecimento do Império do Oriente, os poetas catalães escreviam lamentos sobre a grande desgraça universal e Afonso, o Magnânimo, tinha morrido sem conseguir armar uma cruzada que libertasse dos infiéis a grande cidade grega. Contra a amarga realidade histórica, o herói do nosso romance vencerá os poderosos turcos, libertará totalmente dos inimigos as terras do Império Bizantino e, morto o imperador, a coroa imperial será cingida pelo despudorado Hipólito, jovem que, com a sua sedutora prestância, se havia apoderado do amor da lasciva e outonal imperatriz. Agora tudo isso nos pode divertir e ter graça, mas podemos imaginar a surpresa do leitor da segunda metade do século XV quando via que se dava um final feliz à grande catástrofe europeia. Pisamos já com firmeza o terreno do grande romance em que o romancista se apodera do leitor, a quem, como bom escritor que é, nunca pede colaboração nem esforço compreensivo, porque, tal como o seu admirador Cervantes, é acima de tudo um grande narrador capaz de tornar fácil a compreensão de episódios difíceis e de alongar, com magistral tempo, o fio de uma narrativa que vai da pontual e claríssima descrição da acção de um comando ou de uma grande batalha campal, à zombeteira intimidade da alcova 14
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de uns enamorados brincalhões, do diálogo rápido, incisivo e misturado de cortesia e popularismos, até ao longo discurso retórico e enfático e cheio de citações sábias, mesmo na boca de Carmesina, princesa de catorze anos. Martorell sabia que tudo isso agradava ao seu público, que naquele tempo lia os romances pouco a pouco, deleitando-se na releitura e fazendo-os durar, pois havia poucas publicações. Na criação e na configuração externa da figura de Tirant, Joanot Martorell não procede como muitos outros autores de romances de cavalaria medievais, que se limitam a repetir os modelos dos heróis da Távola Redonda: Lancelote, Tristão, Parsifal, Galaaz, Galvão, etc. É evidente que o romancista valenciano tem bem presente uma grande personagem histórica que viveu um século e meio antes e da qual pôde ter notícia graças à crónica de Muntaner, isto é, Roger de Flor, que também levara contingentes militares da Sicília para a Grécia a fim de defender dos turcos o Império do Oriente, também chegara à alta dignidade de César do império, casara com uma sobrinha do imperador e também morrera em Andrinópolis, mas em circunstâncias muito mais dramáticas do que Tirant. Joanot Martorell enriquece e actualiza este esquema com dados próprios de alguns cavaleiros reais do seu tempo, porque não pretende fazer arqueologia nem narrar feitos e aventuras situadas no passado, mas sim romancear a sociedade contemporânea. Tudo o que acontece em Tirant lo Blanc era possível na segunda metade do século XV; e por isso na figura e nos feitos do protagonista da ficção encontram-se reflectidos paralelismos com a personalidade e actuação de certas personalidades militares do seu tempo: João Hunyadi, voivoda da Hungria e pai de Matias Corvino, chamado na Catalunha «Lo comte Blanc», corruptela de vàlac; o borgonhês Geoffroy de Thoisy, que interveio no cerco de Rodes de 1444; o galego, ou castelhano, Pedro Vázquez de Saavedra, o qual, como Tirant, se destacara como excelente justador em Londres e fora depois capitão de galeras borguinhonas em auxílio de Constantinopla. Todas estas personagens eram muito conhecidas, e até mesmo populares entre as pessoas interessadas no que estava a acontecer à Europa; e, portanto, reunindo as suas peculiaridades pessoais numa personagem de ficção, esta convertia-se num ser 15
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aceitável e admirado. Os heróis dos romances do século XIX e os protagonistas de romances e filmes do século XX também costumam reunir características de pessoas contemporâneas de carne e osso. O que impressiona é o facto de Joanot Martorell agir desta forma na segunda metade do século XV. A acção de Tirant lo Blanc tem como cenários tanto o mundo sumptuoso das cortes e dos palácios como o campo de batalha e o mar sulcado por navios de guerra; os protagonistas e a riqueza figurativa do romance correspondem ao que é natural nestes ambientes. A corte e a guerra ocupam a maior parte dos episódios da narração, na qual, de vez em quando, existem ferroadas intencionais ao mundo da burguesia, mas estão ausentes os humildes e os indigentes. Estes últimos não interessam em absoluto a Joanot Martorell, atitude social que aparece no extremo oposto de Espill, o romance que estava ao mesmo tempo a ser escrito, também em Valência, pelo médico Roig. O realismo e o humorismo de Tirant lo Blanc, a linguagem simples e castiça de algumas das suas personagens e a aventura jovial e até vulgar que às vezes surge em ambientes palacianos não são exclusivas da burguesia, porque seria absurdo imaginar que os grandes senhores e os cavaleiros do século XV observavam sempre uma atitude hierática e teatral. A aristocracia valenciana comportava-se, com toda a certeza, da mesma forma que a sociedade reflectida em Tirant lo Blanc. Nada mais distante de um burguês que Joanot Martorell, homem que quis resolver os seus problemas de honra familiar e de senhor de vassalos recorrendo ao foro dos cavaleiros e pretendendo lutar até à morte em campo fechado com os seus adversários, que utilizou os serviços de arautos e trombetas de reis e grandes senhores, que foi bem recebido nas cortes estrangeiras e que nas suas cartas de desafio se expressava com a ostentação própria da classe militar. As armaduras de que ele dispunha em Inglaterra para lutar contra Joan de Montpalau e depois contra Perot Mercader, e das quais temos descrições minuciosas, hoje poderiam ser admiradas em qualquer museu militar. Não temos qualquer retrato do autor de Tirant lo Blanc, mas podemos imaginar as suas elegantíssimas vestes na figura do seu contemporâneo Antoni Joan de Tous, no retábulo de S. Miguel, de Bartomeu Bermejo, pintado no ano de 1468 e hoje na colecção Ludlow, em Londres. 16
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O Tirant lo Blanc não descende do romance arturiano francês e dos tão lidos Tristão e Lancelote em prosa, dos quais se fizeram traduções catalãs no século XIV, e na linha dos quais devemos colocar o Amadis de Gaula castelhano, tão conhecido entre nós que em 1372 o infante João (o futuro João I) tinha um cão chamado Amadis. Nestes romances, situados em tempos longínquos e em terras ensombrecidas pelo exotismo e em cuja acção intervém poderosamente o elemento surpreendente do maravilhoso e até mesmo do inverosímil, os heróis são de uma peça só, e mais do que cavaleiros parecem o paradigma do perfeito cavaleiro, que une uma força sobre-humana a ideais exorbitados. Cervantes apercebeu-se perfeitamente da originalidade de Tirant lo Blanc quando, depois de afirmar «que por su estilo es éste el mejor libro del mundo», acrescentou: «aqui comen los caballeros, y duermen y mueren en sus camas, y hacen testamento antes de su muerte, con otras cosas de que todos los demás libros deste género carecen»; e não esqueçamos que, no fim da segunda parte, Dom Quixote, já no leito de morte, faz testamento. O Tirant lo Blanc foi e é um romance de êxito. Sem falarmos do que neste sentido representam as traduções castelhana (Valladolid, 1511), italiana (Veneza, 1538) e francesa (1737, «Londres» e «Amesterdão», para ludibriar a censura francesa), fixemo-nos nalguns aspectos das tiragens das edições do texto original. Sabemos que, da edição prínceps de Tirant lo Blanc, impressa em Valência em 1490, se fizeram 715 exemplares; como na altura a população dos reinos de Valência e de Maiorca, da Catalunha e do Rossilhão, era de cerca de 650 000 habitantes, isto dá 909 habitantes por exemplar. E como esta edição se esgotou em menos de seis anos, foi necessário publicar uma segunda edição em 1497, em Barcelona, com uma tiragem de 300 exemplares. Já no nosso século e limitando-nos às edições de livraria que reproduzem o romance completo, a da Editorial Selecta, de 1947, esgotou-se rapidamente e em breve se tornou um livro raro. Em 1969, apareceu a primeira edição do Tirant lo Blanc na Seix Barral, da qual se fez uma tiragem de 10 000 exemplares. Nesta altura a zona linguística antes tida em conta era de cerca de 9 100 000 habitantes, o que dá um exemplar por cada 910 habitantes. Isto poderia levar a pensar que a 17
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percentagem de leitores era a mesma em 1490 e em 1969, mas devemos ter presente que a edição de 1969 se esgotou em menos de um ano e teve de ser reimpressa em 1970 (e, mais adiante, em 1979 e 1982, pela editora Ariel). É muito natural que no ano de 1490, o Tirant lo Blanc, naquele tempo um romance de actualidade, tivesse muitos leitores. Mas o que é surpreendente é o facto de em 1969 dez mil leitores se precipitarem sobre um romance de cavalaria já com quinhentos anos de idade, e esgotarem-no a um ritmo que muitos romances actuais e comprometidos bem gostariam de ter. É a grande vitória literária de Joanot Martorell.
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n o ta e d i t o r i a l Esta tradução foi realizada a partir do original catalão, tal como foi editado pelas Edicions 62, de Barcelona, em 1983, com prólogo de Martí de Riquer, e que «reproduz, fiel e integralmente, a primeira edição do Tirant lo Blanc publicada em Valência, por Nicolau Spindeler, no ano de 1490»; foram consultadas as versões castelhanas de 1511 (Tirante el Blanco, editada anónima e sem referência ao tradutor), ed. Espasa-Calpe, Madrid, 1974, e a de J.F. Vidal Jové (Tirant lo Blanc, Alianza Editorial, Madrid, 1984).
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Em honra, louvor e glória de Nosso Senhor Deus Jesus Cristo e da gloriosa e sacratíssima Virgem Maria, sua mãe, Senhora Nossa, começa a carta do presente livro, chamado Tirant lo Blanc, dirigida por Mossém1 Joanot Martorell, cavaleiro, ao sereníssimo Príncipe Dom Fernando de Portugal 2.
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Mossèn, título que, no antigo reino de Aragão, se dava a cavaleiros e a «cidadãos honrados», que formavam uma espécie de baixa nobreza. Quanto ao nome do autor, Joanot, é um diminutivo familiar e carinhoso de Joan. 2 Filho do rei D. Duarte e Leonor de Aragão, nasceu em 1433 e morreu em 1470, na altura presumível sucessor à coroa de Aragão, como explica Martí de Riquer (vide Introdução, p. 9).
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Mui excelente, virtuoso e glorioso Príncipe, Rei expectante: Se bem que pela fama vulgar eu já fosse informado das vossas virtudes, muito mais notícia tive delas agora ao querer Vossa Senhoria comunicar-me e desvelar os vossos virtuosíssimos desejos sobre os feitos dos antigos, virtuosos e em fama mui gloriosos cavaleiros, dos quais os poetas e historiadores se têm ocupado nas suas obras, perpetuando-lhes a lembrança e as acções virtuosas. E de modo singular os mui insignes feitos de cavalaria daquele tão famoso cavaleiro que, tal como o sol resplandece entre os planetas, assim ele resplandece em singularidade de cavalaria entre os demais cavaleiros do mundo, chamado Tirant lo Blanc, o qual pela sua virtude conquistou muitos reinos e províncias, dando-os a outros cavaleiros, não querendo para si senão a honra única da cavalaria. E mais adiante conquistou todo o Império Grego, libertando-o dos turcos, que o haviam tomado aos cristãos gregos para seu domínio. Como a dita história e os feitos do sobredito Tirant lo Blanc estão em língua inglesa, e foi grato a Vossa Ilustre Senhoria pedir-me que a vertesse para a língua portuguesa1, opinando que eu, por haver estado algum tempo na ilha de Inglaterra, deveria saber melhor que outros aquela língua; como os vossos pedidos foram para mim ordens mui aceitáveis; e como eu, pela minha própria ordem, já sou obrigado a divulgar os feitos virtuosos dos antigos cavaleiros, mormente quando no dito tratado se expõe acima de tudo os direitos e as ordenações de armas e de cavalaria; e se bem que eu pudesse justamente escusar-me 1 Desconhece-se a referida versão portuguesa, se é que realmente ela existiu, pois, segundo os críticos, Joanot Martorell não estaria preparado para escrever o romance em português (apesar da sua breve passagem por Lisboa); talvez seja apenas uma forma, comum na época, de dar importância ao romance, ou de agradar a D. Fernando.
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a este trabalho, considerando a minha insuficiência e as ocupações curiais e familiares, que obstam, e as adversidades da má fortuna, que não dão repouso ao meu pensamento; no entanto, confiando no soberano Bem, doador de todos os bens, que ajuda os bons desejos, suprindo a fragilidade de quem os tem, e leva a bom termo os bons propósitos, e em Vossa Senhoria, que pela sua virtude suportará as falhas, assim no estilo como na ordem, por mim cometidas no presente tratado por inadvertência, ou mais verdadeiramente por ignorância, atrever-me-ei a verter não somente da língua inglesa para a portuguesa, mas ainda da portuguesa para a valenciana vulgar, para que a nação de onde sou natural se possa alegrar e deveras ajudar-se com os muitos e tão insignes feitos que nele se encontram; suplicando à Vossa Virtuosíssima Senhoria que aceiteis como de servidor dedicado a presente obra – pois se algumas deficiências nela houver, certamente, senhor, será em parte por causa da dita língua inglesa, da qual nalguns casos é impossível verter correctamente os vocábulos –, atendendo à afeição e ao desejo que tenho continuamente de servir Vossa Altíssima Senhoria, não levando em consideração a rudeza da organização e a disparidade de sentenças, a fim de que por vossa virtude a divulgueis entre os servidores e outros, para que dela possam extrair o fruto que lhe corresponde, movendo os seus ânimos a não recear os austeros feitos das armas e a tomar partidos honrosos, visando manter o bem comum, para o qual a milícia foi criada. Além disso, dará luz moral à cavalaria e apresentará exemplos de bons costumes, suprimindo a textura dos vícios e a ferocidade dos actos monstruosos. E para que outro não possa ser recriminado, se alguma falha for encontrada nesta obra, eu, Joanot Martorell, cavaleiro, quero ser o único a carregar com a responsabilidade, e não outrem por mim; pois a presente obra só por mim foi executada, ao serviço do mui ilustre Príncipe e senhor Rei expectante, Dom Fernando de Portugal, e começada a dois de Janeiro do ano de mil quatrocentos e sessenta1.
1 D. Fernando deixou de ser «rei expectante» em 1455; por isso, os estudiosos defendem que talvez seja um erro, colocando MCCCCLX em vez de MCCCCLV).
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PRÓLOGO
Como mostra claramente a experiência, a debilidade da nossa memória submete facilmente ao esquecimento não só os actos envelhecidos pelo decurso do tempo, como também os actos recentes dos nossos dias, havendo sido por isso mui conveniente, útil e oportuno coligir por escrito as gestas e histórias antigas dos homens fortes e virtuosos, para que sejam espelho mui claro, exemplo e virtuosa doutrina da nossa vida, como proclama o grande orador Túlio. Lemos nas Santas Escrituras as histórias e os santos actos dos santos padres, do nobre Josué e dos Reis, de Job e de Tobias, e do fortíssimo Judas Macabeu. O egrégio poeta Homero narrou as batalhas dos gregos, dos troianos e das amazonas; Tito Lívio, dos romanos: de Cipião, de Aníbal, de Pompeu, de Otaviano, de Marco António e de muitos outros. Encontramos escritas as batalhas de Alexandre e Dario; as aventuras de Lançarote e de outros cavaleiros; as fábulas poéticas de Virgílio, de Ovídio, de Dante e de outros poetas; os santos milagres e actos admiráveis dos apóstolos, mártires e outros santos; a penitência de São João Baptista, Santa Madalena e São Paulo Eremita, e de Santo António, de Santo Onofre e Santa Maria Egipcíaca. E muitas gestas e inúmeras histórias foram compiladas para que não fossem pelo esquecimento apagadas do pensamento humano. Merecedores são de honra, glória, fama e contínua boa memória os homens virtuosos, e singularmente aqueles que pela república não recusaram submeter a sua pessoa à morte para que a sua vida fosse perpétua na glória. E lemos que não se adquire honra sem o exercício de muitas acções virtuosas; e que a felicidade não pode ser alcançada senão por meio de virtudes. Os cavaleiros corajosos preferiram morrer nas batalhas a fugir vergonhosamente. A santa mulher Judite, de ânimo viril, ousou matar Holofernes para libertar a cidade da sua opressão. E foram 27
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feitos e compilados tantos livros com as gestas e histórias antigas que o entendimento humano não conseguiria compreender e retê-las todas. Antigamente, a ordem militar era tida em tanta reverência que não era agraciado com a honra da milícia senão o forte, animoso, prudente e mui experimentado no exercício das armas. A força corporal e a audácia querem-se exercidas com sabedoria: como, pela prudência e indústria dos combatentes, muitas vezes uns poucos conseguiram vitória sobre muitos, assim a sabedoria e a astúcia dos cavaleiros foram suficientes para abater as forças dos inimigos. Por isso, os antigos ordenaram justas e torneios, nutrindo as crianças de tenra idade no exercício militar, para que fossem fortes e corajosas nas batalhas e não tivessem medo à vista dos inimigos. A dignidade militar deve ser mui enaltecida, pois sem ela os reinos e as cidades não conseguiriam manter-se em paz, segundo diz o glorioso São Lucas no seu Evangelho1. Merecedor, portanto, de honra e glória é o cavaleiro virtuoso e valente, e a sua fama não deve ser esquecida ao longo do tempo. E como entre outros insignes cavaleiros de gloriosa memória se situou o valentíssimo cavaleiro Tirant lo Blanc, do qual faz especial comemoração o presente livro, dele e das suas enormes virtudes e cavalarias se faz singular e expressa menção individual, segundo narram as histórias seguintes.
1 «Quando um homem forte e bem armado guarda o seu palácio, os seus bens estão em segurança» (Lc. 11:21).
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i. Começa a primeira parte do livro de Tirant, que trata de certos feitos virtuosos realizados pelo conde Guilherme de Varoic1 nos seus bem-aventurados últimos dias. Em tão alto grau é excelso o estamento militar, que deveria ser mui reverenciado, se os cavaleiros o observassem segundo o fim para que foi instituído e ordenado. E dado que a Divina Providência dispôs e lhe apraz que os sete planetas detenham influência sobre o mundo e domínio sobre a natureza humana, dando-lhe diversas inclinações para pecar e viver no vício, não a privando contudo o Criador universal de livre-arbítrio, o qual, quando bem gerido, e vivendo-se virtuosamente, as pode mitigar e vencer, se se usar de moderação, com a ajuda divina, será o presente livro de cavalaria2 dividido em sete partes principais, para demonstrar a honra e o senhorio que os cavaleiros devem ter sobre o povo. A primeira parte será do princípio da cavalaria; a segunda será do estamento e ofício da cavalaria; a terceira é do exame que deve ser feito pelo gentil-homem ou nobre que quer receber a ordem de cavalaria; a quarta é da forma como deve ser feito cavaleiro; a quinta é sobre o que significam as armas do cavaleiro; a sexta é dos actos e costumes que pertencem ao cavaleiro; a sétiNo original, Guillem de Vàroic, grafia fonética de Warwick. Existe um romance de cavalaria do séc. XIII intitulado Guy de Warwick, cuja última parte é semelhante aos capítulos 2 a 27 de Tirant lo Blanc. Os críticos discutem ainda a influência daquela obra em Joanot Martorell, concluindo alguns que ele próprio deve ter traduzido ou escrito na sua juventude Guillem de Varoic, que depois ampliou e aproveitou como primeira parte de Tirant lo Blanc. 2 Este primeiro capítulo é uma transcrição quase literal do prólogo do Livro da Ordem de Cavalaria, de Ramon Llull. A divisão da obra aqui anunciada não é depois cumprida pelo autor. 1
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ma e última é da honra que se deve prestar ao cavaleiro. Estas sete partes serão expostas em determinada parte do livro. Agora, no princípio, tratar-se-á de alguns feitos virtuosos de cavalaria realizados pelo egrégio e intrépido cavaleiro, pai da cavalaria, o conde Guilherme de Varoic, nos seus bem-aventurados últimos dias.
ii. Como o conde Guilherme de Varoic se propôs ir ao Santo Sepulcro e como comunicou à Condessa e aos seus serviçais a sua partida. Na fértil, rica e aprazível ilha de Inglaterra vivia um valentíssimo cavaleiro, nobre de linhagem e muito mais de virtudes, o qual, pela sua grande sabedoria e alto engenho havia servido durante longos anos a arte da cavalaria com enorme honra, e cuja fama muito triunfava no mundo, chamado conde Guilherme de Varoic. Era um cavaleiro fortíssimo que na sua viril juventude havia adestrado muito a sua nobre pessoa no exercício das armas, envolvendo-se em guerras tanto no mar como em terra, e havia levado muitas batalhas a bom termo. Participou em sete batalhas campais em que havia rei ou filho de rei e para cima de dez mil combatentes, e entrou em cinco liças de campo fechado e, um a um, sobre todos alcançou gloriosa vitória. Encontrando-se o virtuoso Conde na idade avançada de cinquenta e cinco anos, movido por divina inspiração, propôs-se abandonar as armas, ir em peregrinação e entrar na Casa Santa de Jerusalém, aonde todo o cristão deve ir se lhe for possível, para fazer penitência e emenda das suas fraquezas. E este virtuoso Conde quis ir pela dor e contrição das muitas mortes que na sua juventude havia feito nas guerras e batalhas em que se havia envolvido. Tomada a decisão, comunicou de noite a sua breve partida à Condessa, sua mulher, que a acolheu com muita impaciência, apesar de ser mui virtuosa e reservada, pelo muito amor que tinha por ele; a sua condição feminina não conseguiu resistir e prontamente demonstrou estar mui apreensiva. 32
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Na manhã seguinte, o Conde mandou chamar à sua presença todos os seus serviçais, tanto homens como mulheres, e disse-lhes estas palavras: – Meus filhos e fidelíssimos servidores, apraz à majestade divina que eu me aparte de vós, sendo incerto o meu retorno, se Jesus Cristo assim quiser, pois a viagem é de mui grande perigo, por isso quero agora recompensar cada um de vós pelo bom serviço que me haveis prestado. Mandou que lhe trouxessem uma grande caixa de moedas e a cada um dos seus servidores deu muito mais do que devia, e todos ficaram mui contentes. Depois fez doação à Condessa de todo o condado, com plenos direitos, embora tivesse um filho de tenra idade. Havia mandado fazer um anel de ouro com as suas armas e as da Condessa, e este anel havia sido feito com tal arte que se dividia ao meio, formando cada parte um anel inteiro, e quando se juntavam as duas metades, viam-se as armas completas. Cumprido tudo o que acima se disse, voltou-se para a virtuosa Condessa e, com rosto mui afável, começou a dizer as palavras que se seguem.
iii. Como o Conde comunicou à Condessa, sua esposa, a sua partida; as razões que ele lhe deu, e o que ela replicou. – A manifesta experiência que tenho do vosso verdadeiro amor e condição amável, senhora minha esposa, faz-me sentir maior dor do que seria capaz, pois pela vossa grande virtude eu vos amo com soberano amor, e é imenso o sofrimento e a dor que a minha alma sente quando penso na vossa ausência; mas a grande esperança que tenho me conforta, sabendo eu das vossas obras virtuosas, pelo que tenho a certeza que encarareis a minha partida com amor e paciência, e, se Deus quiser, a minha viagem, mediante as vossas justas preces, em breve estará concluída e a vossa alegria aumentará. Deixo-vos senhora de tudo o que tenho, e peço-vos que tenhais como recomendados o filho, os servidores, os vassalos e a casa; e eis aqui uma parte do anel que mandei fazer; peço-vos 33
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encarecidamente que o tenhais em lugar da minha pessoa e que o guardeis até ao meu regresso. – Oh! Triste de mim! – disse a dolorida Condessa. – Será, então, verdade, senhor, que ides partir sem mim? Concedei-me ao menos a graça de ir convosco para vos poder servir, pois prefiro a morte a viver sem Vossa Senhoria; se o contrário fizerdes, no dia em que eu terminar os meus derradeiros dias não sentirei maior dor que aquela que sinto agora; todo o meu querer deseja que sintais a imensa dor que arrasa o meu dolorido coração quando penso na vossa ausência. Dizei-me, senhor, é esta a alegria e consolação que eu esperava de Vossa Senhoria? É este o consolo de amor e fé conjugal que eu tinha em vós? Oh! Mísera de mim! Onde está a grande esperança que eu tinha de conservar Vossa Senhoria junto de mim o resto da minha vida? Não terá durado bastante a minha triste viuvez? Oh, triste de mim, que toda a minha esperança vejo perdida! Venha a morte, pois já nada me pode valer, venham trovões e relâmpagos e uma grande tempestade, para que detenham o meu senhor e ele não possa separar-se de mim! – Oh, Condessa e senhora! Sei bem que o vosso extremado amor vos faz ultrapassar os limites da vossa grande sensatez – disse o Conde –, mas deveis considerar, já que Deus Nosso Senhor dá a graça ao pecador fazendo com que ele tenha noção dos seus pecados e fraquezas e queira fazer penitência por eles, que a mulher que tanto ama o seu corpo deve amar muito mais a sua alma e não o deve impedir, antes deve dar graças a Deus Nosso Senhor que o quis iluminar; e mormente a mim, que sou tão grande pecador, que em tempo de guerra fiz muitos males e danos a tanta gente. E não valerá mais, já que me afastei das grandes guerras e batalhas, que me dê totalmente ao serviço de Deus e faça penitência pelos meus pecados do que viver nos negócios mundanos? – Boa coisa seria essa – disse a Condessa –, mas vejo que este cálice de dor tem de ser bebido, e tão amargo é para mim, que fui durante tanto tempo, tanto que nem se pode contar, órfã de pai e de mãe e viúva de marido e senhor vivo, e agora que pensava que a minha sorte havia mudado e todos os males passados tinham remédio, vejo que as minhas tristes dores aumentam; por isso poderei dizer que não me resta senão este pobre filho como penhor de seu pai, e a triste mãe haverá de consolar-se com ele. 34
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Tomou o pequeno filho pelos cabelos e puxou-lhos, e bateu-lhe com a mão na cara, dizendo-lhe: – Meu filho, chora a dolorosa partida do teu pai, e farás companhia à tua triste mãe. E o pequeno infante, que não havia nascido senão há três meses, desatou a chorar. O Conde, que viu a mãe e o filho a chorar, sentiu em si uma grande angústia e, querendo consolá-la, não conseguiu segurar as lágrimas do seu natural amor, manifestando a dor e compaixão que sentia pela mãe e pelo filho e, durante algum tempo, não conseguiu falar, pois os três choravam. Quando as donas e as donzelas da Condessa viram os três num pranto tão extremo, movidas por grande compaixão começaram todas a chorar e a soltar grandes lamentos, pelo muito amor que tinham pela Condessa. As donas de honor da cidade, sabendo que o Conde devia partir, foram todas ao castelo para se despedir dele; quando entraram nos aposentos, viram que o Conde estava a consolar a Condessa. Quando a Condessa viu entrar aquelas honradas donas, esperou que elas se sentassem; depois disse estas palavras: – Atendendo aos sobressaltos angustiantes que as escolhas desesperadas e os graves desgostos infundem no espírito feminino, vós mesmas, donas de honor, podeis ver como o meu espírito é atormentado por tão injustas aflições; acompanhadas pelas minhas dolorosas lágrimas e profundos suspiros que, vencidos pela minha justa queixa, mostram a aflição que me consome. A vós, pois, donas casadas, endereço o meu choro e apresento os meus graves padecimentos para que, fazendo vossos os meus males, comigo vos condoais, como se um caso semelhante vos estivesse a acontecer, e assim lamentando o vosso, que vos pode ocorrer, tenhais compaixão do meu, que já é presente, e que aqueles que me vêem se compadeçam de mim pelos males que me esperam, pois não existe constância entre os homens. Oh, morte cruel! Porque vens a quem não te quer e foges de quem te deseja? Todas aquelas donas de honor se levantaram e suplicaram à Condessa que desse descanso à sua dor, e, juntamente com o Conde, consolavam-na da melhor maneira que sabiam, e ela apressou-se a dizer: 35
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– Não é coisa nova para mim estar banhada em lágrimas, porquanto a isso estou acostumada, pois nos diversos tempos e anos em que o meu senhor andava nas guerras de França, para mim não havia dia sem lágrimas; e, pelo que vejo, vou ter de passar o resto da minha vida com novos lamentos; melhor seria para mim passar a minha triste vida a dormir, para não sentir os cruéis padecimentos que me atormentam, e, dilacerada por tal viver, fora de toda a esperança de consolação, direi: os gloriosos Santos sofreram martírio por Jesus Cristo e eu quero sofrê-lo por Vossa Senhoria, que sois meu senhor, e doravante fazer o que vos agradar, pois outra coisa não me consente a fortuna, por serdes vós meu marido e senhor. Mas quero que Vossa Senhoria saiba bem que eu separada de vós estou no inferno, e perto de vós, no paraíso. Acabando a Condessa as suas dolorosas lamentações, falou o Conde da seguinte forma.
iv. Palavras de consolo que o Conde disse à Condessa e o que ela respondeu na despedida; e como o Conde partiu para Jerusalém. – Grande é o contentamento que a minha alma sente graças a vós, Condessa, com o som das últimas palavras que me dissestes, e, se à Divina Majestade lhe aprouver, o meu regresso será mui breve para aumento da vossa alegria e para saúde da minha alma. E onde quer que eu esteja, a minha alma estará continuamente convosco. – Que consolação poderei obter da vossa alma sem o corpo? – disse a Condessa. – Mais certa estou de que por amor do filho alguma vez vos lembrareis de mim, porque amor distante e fumo de estopa a mesma coisa são. Quereis que vos diga, senhor? É maior a minha dor que o vosso amor, pois se fosse assim como Vossa Senhoria diz, creio que ficaríeis por amor a mim. Pois de que vale ao mouro o crisma se não reconhece o seu erro? De que me vale o amor de marido se dele não me posso valer? 37
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– Condessa, senhora – disse o Conde –, quereis que ponhamos fim às palavras? A mim me é forçoso partir, e na vossa mão está eu ir ou ficar. – Mais não posso fazer – disse a Condessa – do que entrar nos meus aposentos, chorando a minha triste desventura. O Conde despediu-se dela, emocionado, beijando-a muitas vezes, derramando dos seus olhos lágrimas vivas, e de todas as outras damas se despediu com dor inefável. E quando partiu só quis levar consigo um único escudeiro. Partindo da sua cidade de Varoic, embarcou numa nau e, navegando com vento próspero, passado algum tempo chegou a Alexandria são e salvo. Saltando para terra, em boa companhia se dirigiu para Jerusalém e, havendo chegado a Jerusalém, confessou bem e diligentemente os seus pecados e recebeu com profunda devoção o precioso corpo de Jesus Cristo. Depois entrou para visitar o Santo Sepulcro de Jesus Cristo e aqui fez mui fervorosa oração com muitas lágrimas e grande contrição dos seus pecados, merecendo assim a santa indulgência. Havendo visitado todos os outros santuários que existem em Jerusalém, e depois de regressar a Alexandria, embarcou numa nau e viajou para Veneza e, já perto de Veneza, deu todo o dinheiro que lhe restava ao escudeiro, porque este o havia bem servido, e proporcionou-lhe um casamento para que não se preocupasse em voltar a Inglaterra; mandou o escudeiro espalhar a notícia de que ele estava morto, e combinou com uns mercadores que escrevessem para Inglaterra dizendo que o conde Guilherme de Varoic havia morrido ao regressar da Casa Santa de Jerusalém. Sabendo a virtuosa Condessa esta má nova, ficou mui atribulada, fez um desmedido luto e mandou celebrar as exéquias de que era merecedor tão virtuoso cavaleiro. Depois, com o passar do tempo, o Conde voltou para a sua própria terra, sozinho, com os cabelos compridos até aos ombros, a barba toda branca até à cintura, vestido com o hábito do glorioso São Francisco e vivendo de esmolas; secretamente recolheu-se numa devota ermida de Nossa Senhora, Senhora Nossa, a qual distava muito pouco da sua cidade de Varoic. Esta ermida ficava numa alta montanha mui aprazível com árvores frondosas e luzida fonte de água a correr. Este virtuoso Conde se havia recolhido a esta habitação deserta, fazendo vida solitária, para fugir dos negócios mundanos e assim poder fazer penitência condigna das suas fraquezas. Perseverando na vida virtuosa, vivendo de esmolas, ia uma vez por semana à sua cidade de Varoic em 38
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busca de caridade e, desconhecido das pessoas, devido à sua grande barba e aos cabelos compridos, solicitava as suas esmolas e ia até à virtuosa Condessa, sua esposa, implorando a sua caridade, a qual, vendo-o a pedir-lhe esmola com tão profunda humildade, ordenava que lhe dessem muito mais do que aos outros pobres; e assim passou ele durante algum tempo a sua pobre e miserável vida.
v. Como o rei da Canária, com uma grande armada, chegou à ilha de Inglaterra. Seguiu-se depois que o grande rei da Canária, jovem fortíssimo, com a viril e irrequieta juventude guarnecida de nobres esperanças, e aspirando sempre à honrosa vitória, preparou uma grande armada de naus e galeras e avançou para a nobre ilha de Inglaterra com grande multidão de gente, por causa de algumas fustas de corsários haverem assaltado um lugar que era seu. Cheio de ira e inflamado de grande arrogância por alguém haver tido a ousadia de o ofender, partiu da sua terra com uma grande armada e, navegando com vento próspero, chegou às férteis e pacíficas costas de Inglaterra; durante a noite escura, o conjunto da armada entrou todo no porto de Southampton, desembarcou com grande astúcia e toda a mourisma saltou para terra sem ser notada pelos da ilha. Quando todos já estavam em terra, organizaram-se para as batalhas e começaram a avançar pela ilha.1 O pacífico Rei, sabida a má nova da vinda deles, juntou o maior número de gente que pôde para lhes resistir e deu batalha aos mouros, na qual houve um confronto mui grande: nela morreu muita gente de um lado e de outro, mas muito mais do lado dos cristãos. Como os mouros eram em maior número, ocuparam o campo, o Rei inglês foi derrotado e teve de retirar-se com a gente que ainda lhe restava, recolhendo-se numa cidade que se chama São Tomás de Cantuária, onde jaz o seu santo corpo. 1 A invasão e posterior expulsão dos mouros de Inglaterra, criação ficcional e não realidade histórica, permitirá ao autor expor estratégias militares inventivas com real fundamento histórico.
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O Rei afligia-se muito com receio de que aqueles dois cavaleiros tão singulares se perdessem. Tirant quis dar-lhe parte da honra e de bom grado aceitou pôr o pé direito na escada. Então Ricardo subiu primeiro e Tirant foi o último de todos, e assim acabou de cumprir o seu voto. Houve grande discussão por causa destes dois cavaleiros, porquanto uns diziam que Tirant havia cumprido o seu voto com muita honra, e por isso o Rei e muitos outros lhe prestavam imensa glória. Ricardo, vendo que todos davam a honra a Tirant, na presença do Rei deu início a estas palavras.
cxiv. Como Ricardo disse na presença do rei de França que enfrentaria Tirant em combate até à morte. E como o rei de França atacou Trípoli da Síria, e depois saqueou a costa da Turquia. – Todos os que não têm verdadeira notícia da honra deste mundo mostram o seu pouco saber proferindo com a sua boca a expressão grosseira que diz: «Com a opinião do meu compadre me vou», sem advertirem nem saberem o estilo gentil e a prática virtuosa dos nossos antepassados, conforme se lê do famoso rei Artur, senhor que foi da pequena e da grande Bretanha, que deu um objectivo e cumprimento à próspera e pomposa Távola Redonda, à qual se sentaram tantos cavaleiros nobres e virtuosos que foram conhecedores e merecedores de toda a honra e gentileza e aborrecedores de todo o engano, falsidade e maldade. E se bem se julgar o que fizemos de acordo com a arte da cavalaria, a honra e a glória deste mundo a quem deverá ser atribuída senão a mim? Porque Tirant é cobarde e homem pouco esforçado em batalhas, por mais que a próspera fortuna lhe tenha sido favorável e o tenha ajudado em muitas coisas, pelo que o prémio deste feito não deve ser dado a outrem senão a mim, com todas as forças e honras de cavalaria que merece o mais bem-aventurado de todos. E eu, que estou descalço, jamais calçarei sapatos nos meus pés até este facto ser decidido por Sua Majesta299
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de o senhor Rei e pelos nobres cavaleiros. Pois é manifesto e notório para todos que, depois de toda a gente se haver recolhido, só ficámos Tirant e eu à beira-mar. Ele e eu trocámos muitos argumentos sobre quem de nós seria o primeiro a retirar-se. Havendo ele feito voto e eu não, eu quis enfrentar os maiores perigos que podem existir nas armas com a grande multidão de mouros que ali havia, e, ao ver que eu não tencionava retirar-me, Tirant foi alegremente pôr o pé na escada antes de mim. Portanto, senhor, seja do agrado de Vossa Mercê convocar o vosso sagrado conselho e, sem preferências, dê Vossa Majestade a honra a quem ela pertence, que por direito e por justiça me pertence a mim. E se Vossa Alteza não quiser julgar isto, afirmo na presença de todos que sou melhor cavaleiro que Tirant e que combaterei contra ele, corpo a corpo, até à morte. O Rei respondeu-lhe com estas palavras: – Ricardo, nenhum bom juiz pode decidir bem seja o que for se não ouvir primeiro as duas partes, e isto não pode ser feito se Tirant não estiver presente. Esta conversa chegou ao conhecimento de Tirant, e este aproximou-se com a sua galera da nau do Rei. Quando entrou na nau, o Rei estava na sua câmara a dormir. Ao saber que Tirant havia chegado, Ricardo aproximou-se dele e disse-lhe: – Tirant, seja o que for que decidirem, guardá-lo-ei no meu coração, mas se ousardes dizer que não sou melhor cavaleiro do que vós, desafiar-vos-ei para batalha até à morte – e atirou-lhe umas luvas como penhor. Ao ver que ele queria combater com tão pouco fundamento, Tirant levantou a mão e deu-lhe uma grande bofetada. O barulho que os dois fizeram foi tanto que o Rei teve de subir de espada na mão. Quando viu o Rei, Tirant subiu para o castelo da proa, onde se pôs à defesa, e disse ao Rei: – Senhor, castigue Vossa Majestade este cavaleiro desavergonhado que começou todo este mal. Ele jamais se viu num feito de armas, nem mesmo com uma espada furiosa à frente dos olhos, e agora quer combater-me até à morte por nada, e se ele me vencer, haverá vencido todas as cavalarias que, com o meu esforço, eu soube alcançar para minha glória e louvor, e se for eu o vencedor, haverei apenas vencido um homem que nunca foi visto em armas. Assim que acabou de dizer estas palavras, Tirant fez um sinal à galera e, com uma corda, desceu até ela, sentindo-se ali mais seguro. Se naquele mo300
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mento o Rei o tivesse alcançado, devido ao ultraje que lhe havia feito na sua própria nau, não seria muito de admirar que ele lhe tivesse separado a cabeça dos ombros. O Rei partiu com toda a esquadra de Trípoli da Síria e rumou em direcção a Chipre, saqueou toda a costa da Turquia e pô-la a sangue e fogo, carregando todas as embarcações com a imensa riqueza que haviam capturado. Quando chegaram a Chipre, foram à cidade de Famagusta, onde recolheram abastecimentos e deram a volta para Tunes. Aqui o Rei desembarcou e atacaram mui feramente a cidade, Tirant e os seus atacaram uma torre, junto da qual havia um grande fosso, e Tirant caiu lá dentro. Ricardo andava todo armado para ver se conseguia vingar-se de Tirant; quando chegou à torre, viu que Tirant jazia no interior do fosso; Ricardo saltou, assim armado como estava, para dentro do fosso, ajudou Tirant a levantar-se e disse-lhe: – Tirant, olha aqui para o teu inimigo mortal, que te pode dar a vida ou a morte, e não queira Deus que eu permita que morras pelas mãos dos mouros pois posso ajudar-te. E, num belo gesto de valentia, tirou-o para fora do fosso, pois certamente teria ali morrido se Ricardo não o tivesse tirado prontamente dali. Já cá fora, disse-lhe: – Agora, Tirant, estás em liberdade. Protege bem a tua pessoa da morte, pois podes ter a certeza de que farei tudo o que puder para te matar. – Cavaleiro virtuoso – disse Tirant –, acabo de ver em ti muita bondade e gentileza, e reconheço que, com ânimo de cavaleiro esforçado, resgataste a minha pessoa de uma morte cruel. Ajoelho-me em terra, peço-te perdão pela ofensa que te fiz e dou-te a minha espada, que ponho nas tuas mãos para que tomes de mim a vingança que te aprouver. Posto caso de não quereres aceitar agora os meus rogos nem o meu pedido, jamais em todos os dias da minha vida puxarei da espada contra ti, pois a vingança que desejas aqui a tens presente e, ajoelhado a teus pés, assim como estou, a podes tomar, pois graciosamente ta ofereço e com muita paciência a receberei. Quando ouviu Tirant dizer estas palavras de tanta humildade e submissão, o cavaleiro perdoou-lhe e aceitou ser seu amigo. Tornaram-se depois tão grandes 301
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amigos que jamais se afastaram um do outro em toda a sua vida, até que a morte os separou. Após o Rei haver tomado e saqueado a cidade de Tunes, Ricardo não quis ir na nau do Rei, mas na galera de Tirant. Quando o Rei e os cavaleiros souberam o que havia acontecido, louvaram muito os dois, pois cada um havia usado de muita gentileza. Partindo o rei de França da cidade de Tunes, deu a volta pela Sicília para ver a nora, e desembarcaram em Palermo. Quando o rei da Sicília soube da sua chegada, mandou preparar uma grande festa para o rei de França. O rei da Sicília entrou na nau do rei de França e foi uma grande alegria para os dois quando se viram. Saíram para terra, a nora aproximou-se do mar e aqui sogro e nora fizeram grandes festas um ao outro. O rei de França deu-lhe muitos presentes e andou todo o dia de mão dada com ela, não permitindo que ela o deixasse. Em todos e cada um dos dias que ali permaneceu, o rei de França mandava à Infanta, antes que ela se levantasse, um presente valioso; num dia eram brocados, noutro eram sedas, correntes de ouro, broches e outras jóias de muito valor. O rei da Sicília homenageou o rei de França com festejos e apresentou-lhe cem cavalos belíssimos e mui singulares que o rei de França muito apreciou, e o rei da Sicília mandou que a sua filha em pessoa entrasse em todas as embarcações e visse como estavam elas de vitualhas, e que as abastecesse de tudo o que houvesse mister. O rei de França apreciou muito o que a nora fazia e estava mui satisfeito ao ver que era mulher mui sensata e diligente, pois todos os dias estava de manhã à noite nas embarcações, sem comer, até acabar de as abastecer. Abastecidas que foram as embarcações e recolhidos os cavalos, o rei de França despediu-se do rei da Sicília, da Rainha e da Infanta, e embarcou, levando consigo o príncipe da Sicília e, quando chegou a França, deu-lhe uma das filhas por esposa. A esquadra partiu do porto de Palermo e deu a volta pela Berberia e, navegando ao longo da costa, chegaram a Málaga, a Orão e a Tremicen, passaram o estreito de Gibraltar, foram a Ceuta, a Alcácer Ceguer e a Tânger, e na volta a esquadra passou pela outra costa, Cádis, Tarifa, Gibraltar, passou por Cartagena, porque naquele tempo toda a costa era dos mouros, dali passaram pelas ilhas de 303
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Ibiza e de Maiorca, e foram desembarcar no porto de Marselha. O Rei deu licença a todas as embarcações, excepto às do seu filho Filipe, para quem quisesse ir com ele ver a Rainha sua mãe, e Tirant foi com eles; dali foi para a Bretanha na companhia do seu senhor natural para ver o seu pai, mãe e parentes. Depois de alguns dias, durante os quais o rei de França realizou o casamento de sua filha com o príncipe da Sicília, quis que o seu filho Filipe voltasse para a sua esposa; este houve então notícia de que o outro filho do rei da Sicília havia ido para frade e havia renunciado ao mundo. Filipe suplicou ao pai, o rei de França, que mandasse chamar Tirant, para que este o acompanhasse até à Sicília. O Rei escreveu cartas ao duque da Bretanha e a Tirant, pedindo a este que se dignasse ir com Filipe à Sicília, e ao duque que intercedesse junto de Tirant. Perante as súplicas destes dois grandes senhores, Tirant sentiu-se obrigado a obedecer às suas ordens, partiu da Bretanha e veio até à corte do Rei; o Rei e a Rainha suplicaram-lhe muito que aceitasse ir com Filipe, e Tirant mui graciosamente acedeu. Filipe e Tirant saíram da corte e dirigiram-se para Marselha, onde encontraram as galeras perfeitamente preparadas com tudo aquilo de que havia mister. Filipe e Tirant embarcaram e tiveram um tempo tão próspero que em poucos dias chegaram à Sicília. O Rei, a Rainha e a Infanta ficaram mui felizes com a sua chegada, e fizeram-lhes muitas festas. Passados oito dias, estando o Rei no seu conselho, lembrou-se do imperador de Constantinopla e da carta que este lhe havia enviado sobre os seus trabalhos e angústias. Mandou chamar Tirant e, na sua presença, fez ler a carta, que era do seguinte teor.
cxv. Carta enviada pelo imperador de Constantinopla ao rei da Sicília. Nós, Frederico, imperador do Império Grego, pela imensa e divina majestade do soberano Deus eterno, saudações e honra a vós, Rei da grande e próspera ilha da Sicí304
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lia. Pelo acordo feito pelos nossos antecessores, e por vós e por mim pactuado, confirmado e jurado em poder dos nossos embaixadores: notificamos à Vossa Real Pessoa que o Sultão, mouro renegado, está com grande exército dentro do nosso Império e acompanhado pelo Grão-Turco; apoderaram-se da maior parte do nosso território, que não podemos socorrer por causa da minha senectude, que não me permite usar armas. Depois da grande perda que tivemos de cidades, vilas e castelos, mataram-me o maior bem que eu tinha neste mundo, isto é, o meu filho primogénito, que era o meu consolo, escudo e defesa da santa fé católica, que batalhava com ânimo viril contra os infiéis com muita honra e glória sua e minha. E considero maior desventura que tenha sido morto pela sua própria gente. Aquele triste e doloroso dia foi a perdição da minha honra e fama, e da casa imperial. Como tenho conhecimento e é publicamente sabido que tendes na vossa corte um cavaleiro intrépido, cujos feitos singulares são de grande experiência e aumentam a dignidade militar, que se chama Tirant lo Blanc e pertence à irmandade daquela singular ordem de cavalaria que se diz haver sido fundada na ilha de Inglaterra sob a invocação do glorioso santo, pai da cavalaria, senhor São Jorge, e como deste cavaleiro se narram muitos feitos insignes dignos de muita honra, falando-se especialmente do que fez ao grande Mestre de Rodes libertando-o a ele e a toda a sua Congregação do Sultão e de todo o seu exército, e que agora está aqui, e de muitas outras coisas virtuosas que se propagam pelo mundo sobre ele, vos pedimos a graça de que pela fé, amor e dedicação que tendes a Deus e à cavalaria, vos digneis rogar-lhe, da vossa parte e da minha, que ele aceite vir servir-me, que eu lhe darei dos meus bens tudo o que ele quiser. Se ele não vier, suplico à Justiça Divina que lhe faça sentir as minhas dores. Ó bem-aventurado rei da Sicília! Sejam por ti aceites as minhas súplicas, que são de doloroso pranto, e, posto que és rei coroado, tem piedade da minha dor, para que a imensa bondade de Deus te guarde de semelhante situação, já que todos estamos sujeitos à roda do destino, que ninguém poderá deter. Queira Deus pela sua mercê ver a nossa boa e sã intenção, e ponho fim à pena e não à mão, que não se cansaria de contar por escrito os males passados, presentes e futuros.
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APĂŠNDICE
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Protesto de Camilo Castelo Branco relativamente ao furto, da Biblioteca do Porto, de um exemplar primitivo de Tirant lo Blanc
Aquele inestimável livro de cavalaria intitulado Tirant lo Blanch, e ardilosamente transferido da biblioteca pública do Porto para a biblioteca particular do marquês de Salamanca, já hoje se mostra sem pejo nem rebuço entre as raridades bibliográficas do argentário espanhol. Não nos parece digna de louvor a vaidade com que o sr. marquês permitiu que dois literatos seus conterrâneos, publicadores do Ensayo de una biblioteca española de libros raros y curiosos estadeassem a vanglória do possuidor d’um livro obtido por um processo desairoso, senão aviltante. Se o livro foi comprado, não é a compra desculpa, desde que aí se ergueu um pregão desonrosíssimo para quem vendeu objecto estranho; se o livro foi meramente havido como dádiva, não se liquidou ainda o preceito se eu posso dar o que não é meu sem que me chamem esbulhador da propriedade de outrem, e se a pessoa que me recebeu a dádiva, depois que soube que ela era um furto, deva chamar-se receptadora da coisa que seu legítimo possuidor reclama. Como quer que seja, Tirant lo Blanch, o livro fraudulentamente levado da Biblioteca do Porto, aparece desde 1863 realçando entre as máximas raridades tipográficas do sr. marquês de Salamanca. No douto e já referido Ensayo, coluna 1191 do 1.º tomo, encontramos o seguinte artigo: 1217. Tirant lo Blanch (Empieza este libro à la vuelta de la primera hoja con la tabla). A honor: laor: e gloria de la immensa: e devina bondat de nostre senyor deu ihesu christ: e de la sacratissima mare sua. Comencen les rubriques del libre de aquell admirable Cavaller tirant lo blanch. (Al fin, fon acabada d’empremptar la present obra en la Ciutat de Valencia a XX 310
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del mes de Nohembre del ãy de la nativitat de nostre senyor deu Jesu christ mil CCCCLXXXX (1490). Fol. 1. g. (Bib. del Exmo. Sr. D. José de Salamanca). Tiraram, pois, a Portugal a sua mais rara jóia bibliográfica. Por 1.350$00 comprou um amador inglês um exemplar. Quanto daria o espanhol pelo exemplar da biblioteca portuense? Não será fácil destrinçar estes segredos passados entre chatins de tão alto porte. O livro foi para Madrid. Em Portugal ficou… o opróbrio. Camilo Castelo Branco Gazeta Literária do Porto, 1868, pp. 151-152.
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ÍNDICE
Introdução, por Martí de Riquer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Ti r ant lo B l anc I.
II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX. X. XI. XII. XIII. XIV.
Prólogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Começa a primeira parte do livro de Tirant, que trata de certos feitos virtuosos realizados pelo conde Guilherme de Varoic nos seus bem-aventurados últimos dias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como o conde Guilherme de Varoic se propôs ir ao Santo Sepulcro e como comunicou à Condessa e aos seus serviçais a sua partida. . . . . . . Como o Conde comunicou à Condessa, sua esposa, a sua partida; as razões que ele lhe deu, e o que ela replicou. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Palavras de consolo que o Conde disse à Condessa e o que ela respondeu na despedida; e como o Conde partiu para Jerusalém. . . . . . . . . . . . . . . Como o rei da Canária, com uma grande armada, chegou à ilha de Inglaterra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Lamento que o Rei fez. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como o rei de Inglaterra suplicou ao eremita. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A resposta que o eremita deu ao Rei. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Réplica que o Rei deu ao eremita. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A resposta definitiva que o eremita deu ao Rei. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As graças que o rei de Inglaterra deu ao eremita. . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como o rei inglês deu licença ao eremita para que fosse fazer as granadas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Carta de Batalha enviada pelo rei da Grã-Canária ao rei de Inglaterra. . . Como os embaixadores do rei da Canária levaram a Carta de Batalha ao rei de Inglaterra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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XV. Como foi deliberado por todos os membros do conselho que o eremita fosse o primeiro a dar a sua opinião sobre a Carta de Batalha que o rei da Grã-Canária enviou ao rei de Inglaterra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XVI. As razões que o rei de Inglaterra apresentou no conselho aos seus cavaleiros para entrar no combate contra o rei da Grã-Canária, e o que eles lhe replicaram. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XVII. Como o rei de Inglaterra, por vontade de todos os seus barões e cavaleiros, renunciou ao reino, à coroa e ao ceptro em favor do eremita, para que combatesse e entrasse em campo fechado contra o rei da Grã-Canária. XVIII. A resposta que o Rei eremita deu à condessa de Varoic, quando esta lhe suplicou que pela sua mercê lhe dissesse o seu nome e que amizade havia tido com o seu marido, o conde Guilherme de Varoic, e o que ele lhe respondeu, relatando-lhe as batalhas da cidade de Ruão e os seus feitos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XIX. Razões que a Condessa apresentou ao Rei eremita quando este lhe pediu a graça de lhe emprestar as armas do seu marido, o conde Guilherme de Varoic; e como ele preparou o combate em campo fechado contra o rei mouro, sobre quem alcançou gloriosa vitória. . . . XX. O voto solene que o Rei eremita fez, estando ferido pelo rei da Grã-Canária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXI. Como o Rei eremita se escusou de querer deixar à Condessa o seu filho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXII. Lamento que a Condessa fez quando teve de deixar o filho. . . . . . . . . XXIII. Como os cavaleiros que haviam acompanhado a Condessa voltaram para o acampamento com o filho e contaram ao Rei as lamentações da Condessa.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXIV. Como o Rei eremita mandou fazer uma vala no seu campo e pediu à Condessa que lhe mandasse dois odres de estrepes de cobre. . XXV. Como o Rei eremita deu batalha aos mouros e saiu vencedor. . . . . . . XXVI. Como o Rei eremita se revelou à Condessa, sua esposa. . . . . . . . . . . . XXVII. Como o Rei eremita restituiu ao primeiro Rei as vestes, a coroa, o ceptro e o reino, e voltou a servir a Deus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXVIII. Como o rei de Inglaterra se casou com a filha do rei de França, e nas bodas se fizeram grandes festejos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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XXIX. Como Tirant revelou o seu nome e a sua linhagem ao eremita.. . . . . . XXX. Como Tirant perguntou ao eremita em que pensava ele. . . . . . . . . . . XXXI. Como Tirant pediu ao eremita que lhe dissesse o que era a ordem de cavalaria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXXII. Como o eremita leu a Tirant um capítulo do livro chamado Árvore de Batalhas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXXIII. Como o eremita leu a Tirant o segundo capítulo. . . . . . . . . . . . . . . . . XXXIV. Como o embaixador do Papa ameaçou o capitão do Grão-Turco dentro de Constantinopla. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXXV. Como o eremita disse a Tirant o significado das armas. . . . . . . . . . . . XXXVI. Como se degradam os cavaleiros. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXXVII. Como Tirant pediu ao eremita que lhe dissesse em que idade do mundo haviam existido os melhores cavaleiros. . . . . . . . . . . . . . . . . . XXXVIII. Como Tirant tornou a insistir com o eremita sobre o capítulo anterior. . . XXXIX. Como Tirant se separou do eremita, contente dos bons ensinamentos que lhe haviam sido dados.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XL. Como Tirant e os seus companheiros, ao regressarem dos grandes festejos por ocasião das bodas do rei de Inglaterra, passaram pela ermida onde estava o padre eremita.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XLI. Como Tirant narrou ao eremita os grandes festejos, solenidades e magnificências, que não se encontram escritas coisas tão belas como as realizadas na boda do rei de Inglaterra, e as desavenças que houve entre os ofícios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XLII. Como o Rei saiu da cidade em grande procissão, com todos os estados e com todo o clero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XLIII. Como o rei de Inglaterra recebeu a bênção, juntamente com a filha do rei de França. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XLIV. Dos festejos que se fizeram no dia do casamento do rei de Inglaterra.. XLV. As regras dos combates que se podiam fazer naquelas festas. . . . . . . . . XLVI. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XLVII. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XLVIII. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XLIX. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . L. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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LI. LII. LIII. LIV. LV. LVI. LVII. LVIII. LIX. LX. LXI. LXII. LXIII. LXIV. LXV. LXVI. LXVII. LXVIII. LXIX.
LXX. LXXI. A. LXXI.B.
Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como Tirant descreveu ao eremita as magnificências da rocha. . . . Da súplica feita pela Rainha ao deus do Amor. . . . . . . . . . . . . . . . A resposta que o deus do Amor deu à Rainha. . . . . . . . . . . . . . . . . Como o eremita pediu a Tirant que lhe dissesse quem havia sido o melhor dos vencedores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A resposta que o Rei deu ao Condestável. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como Diafebus leu ao eremita a Carta que o rei de Inglaterra havia feito para Tirant, dando-o como o melhor de todos os cavaleiros. . . O juramento que o rei de Inglaterra fazia os gentis-homens prestarem depois de serem examinados, e antes de lhes dar a ordem de cavalaria. As palavras que Tirant disse ao cavaleiro com quem combatia, depois de o haver vencido. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A resposta que Tirant deu ao senhor de Vilasermas quando este lhe pediu o broche que a bela Inês lhe havia dado.. . . . . . . . . . . . . . . . Carta de Batalha enviada pelo senhor de Vilasermas a Tirant lo Blanc. Como Tirant pediu conselho a um rei-de-armas sobre a carta do senhor de Vilasermas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O conselho que Jerusalém, rei-de-armas, deu a Tirant lo Blanc. . . . Como o senhor de Vilasermas escolheu as armas.. . . . . . . . . . . . . . Considerações que o rei-de-armas, como juiz do combate, fez aos dois cavaleiros.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como foi feita a batalha de Tirant com o senhor de Vilasermas. . . Como os juízes de campo deram a sentença de que Tirant tivesse a glória da batalha.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como os quatro cavaleiros irmãos de armas, dois dos quais eram reis e dois eram duques, se apresentaram diante do rei de Inglaterra e lhe disseram por escrito o que queriam.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como o segundo cavaleiro deu ao Rei o seu alvará dos combates que queria fazer.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como o terceiro cavaleiro deu ao Rei um alvará com os combates que queria fazer.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Das palavras que continha o alvará do quarto cavaleiro.. . . . . . . . .
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LXXII. Como Tirant entrou no campo com os três cavaleiros, um após outro, e de todos saiu vencedor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXIII. Como Tirant venceu o quarto cavaleiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXIV. Como um cavaleiro chamado Vilafermosa desafiou Tirant para um combate. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXV. Como Tirant foi acusado de traição por uma donzela na presença do Rei.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXVI. Como Tirant se escusou perante o Rei da acusação de traição e aceitou a Carta de Batalha enviada por Kirieleison de Muntalbà. . . LXXVII. Carta de Batalha enviada por Kirieleison de Muntalbà a Tirant lo Blanc. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXVIII. Como o rei de Inglaterra foi com todos os estados à igreja de São Jorge para fazer novas exéquias solenes aos dois reis e aos dois duques. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXIX. Resposta de Tirant lo Blanc à Carta de Batalha. . . . . . . . . . . . . . . . LXXX. Como o rei-de-armas e a donzela voltaram com a resposta de Tirant.. LXXXI. Como Tomás de Muntalbà desafiou Tirant para um combate a fim de vingar a morte dos Reis e a morte do seu irmão.. . . . . . . . LXXXII. Como lutaram Tirant e Tomás de Muntalbà, e Tirant saiu vencedor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXXIII. A oração que Tirant fez depois de haver vencido o combate. . . . . . LXXXIV. Como trouxeram Tirant com muita honra, e foi dada a sentença de traidor ao outro cavaleiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXXV. Como foi instituída a irmandade da ordem dos cavaleiros da Jarreteira. LXXXVI. O juramento que fazem os cavaleiros da Jarreteira. . . . . . . . . . . . . . . LXXXVII. As regras da irmandade são estas: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXXVIII. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXXIX. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XC. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XCI. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XCII. As cerimónias que os cavaleiros da Jarreteira fazem quando estão todos reunidos na igreja de São Jorge, onde é a sede da Ordem. . . . XCIII. Os votos que fazem as donas de honor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XCIV. Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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XCV. XCVI. XCVII. XCVIII. XCIX. C.
CI. CII.
CIII. CIV.
CV. CVI. CVII. A. CVII. B. CVIII
CIX.
CX. CXI.
Do mesmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como foi encontrada a divisa do colar criado pelo rei de Inglaterra.. . O significado da divisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como Tirant e os seus companheiros deixaram o eremita e voltaram para a sua terra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como o Mestre de Rodes e toda a Congregação foram libertados por um cavaleiro da Ordem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como Tirant armou uma nau para socorrer o Mestre de Rodes, e partiu na sua companhia Filipe, filho mais novo do rei de França, cujo casamento com a filha do rei da Sicília se combinou. . . . . . . . . . Como o rei da Sicília pediu a Tirant que o acolhesse na sua nau para ir até ao Santo Sepulcro de Jerusalém.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como o rei da Sicília deu um banquete a Filipe e a Tirant antes de partirem, e como Tirant reparou uma grande falha que Filipe havia feito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Lamento que a filha do rei da Sicília fez depois do banquete. . . . . . . . Como o rei da Sicília encomendou a mulher e a filha ao seu irmão, o duque de Messina, e lhe pediu que desse o seu parecer sobre o casamento de Filipe com a sua filha.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como Tirant chegou com a sua nau à ilha de Rodes e a socorreu. . . . Como Tirant mandou queimar a nau do capitão dos genoveses, o que fez com que todos os mouros abandonassem a ilha. . . . . . . . . . Como o Sultão foi morto pelos seus vassalos com uma morte ignominiosa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A oferta que o Mestre de Rodes fez a Tirant para lhe pagar a nau. . . . A resposta que Tirant deu ao Mestre de Rodes. Depois partiu de Rodes e foi ao Santo Sepulcro na companhia do rei da Sicília e de Filipe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como Tirant pôs em liberdade todos os cativos que havia comprado em Alexandria, e como voltaram para a Sicília e concertaram o matrimónio de Filipe com a filha do rei da Sicília. . . . . . . . . . . . . . . . Considerações que Tirant fez à infanta da Sicília sobre o matrimónio, e como a Infanta fez muitas experiências para conhecer Filipe. . . . . . . Como a infanta da Sicília chamou Tirant e lhe manifestou como estava feliz por contrair matrimónio com Filipe.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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CXII. Como o rei da Sicília enviou dez galeras e quatro naus armadas ao rei de França como ajuda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CXIII. O voto que Tirant fez diante do rei de França e de muitos outros cavaleiros. CXIV. Como Ricardo disse na presença do rei de França que enfrentaria Tirant em combate até à morte. E como o rei de França atacou Trípoli da Síria, e depois saqueou a costa da Turquia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CXV. Carta enviada pelo imperador de Constantinopla ao rei da Sicília.. . . . .
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a p ê n di c e Mapa das cavalarias de Tirant lo Blanc . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Protesto de Camilo Castelo Branco relativamente ao furto, da Biblioteca do Porto, de um exemplar primitivo de Tirant lo Blanc. . . .
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Joanot Martorell TIRANT LO BLANC 1.º volume tradução do catalão e notas de
Artur Guerra xilogravuras de
Ilda David’
TIRANT LO BLANC
«Sem querer cansar-se mais em ler livros de cavalarias, mandou à ama que tomasse todos os livros grandes e os deitasse para o pátio [a fim de serem queimados]. Por pegar em muitos ao mesmo tempo, caiu-lhe um aos pés do barbeiro; teve vontade de ver de quem era, e viu que se chamava História do Famoso Cavaleiro Tirant lo Blanc. – Valha-me Deus! – disse o cura, soltando um grande brado –, que aqui está o Tirant lo Blanc ! Dai-mo cá, compadre, que eu agirei como quem encontrou nele um tesouro de contentamento e uma mina de passatempos. Aqui está Dom Kirieleison de Muntalbà, valoroso cavaleiro, o seu irmão Tomás de Muntalbà, e o cavaleiro Fonseca, com a batalha que o valente Tirant fez com o alão, e as subtilezas da donzela Prazerdaminhavida, com os amores e artimanhas da viúva Repousada, e a senhora Imperatriz enamorada de Hipólito, seu escudeiro. A verdade vos digo, senhor compadre, que em razão de estilo não há no mundo livro melhor: aqui os cavaleiros comem e dormem, morrem nas suas camas e fazem testamento antes de morrer, com outras coisas mais que faltam em todos os livros deste género. […] Levai-o para casa e lede-o, e vereis que é verdade tudo o que dele eu vos disse.» Miguel de Cervantes, D. Quixote de la Mancha, parte I, cap. VI O romance Tirant lo Blanc abandona os ideais tipicamente cavaleirescos (cenários exóticos e fantásticos, amores platónicos e princípios morais) para se tornar no primeiro romance realista da literatura europeia, combinando os ideais da cavalaria com a descrição pormenorizada dos usos e costumes da corte e da sociedade do seu tempo, bem como das estratégias militares e dos amores sensuais, onde os protagonistas são humanos com todos os seus vícios e virtudes. Joanot Martorell [c. 1413, Valência – 1468], cavaleiro mossèn, nasceu de uma família aristocrática. Teve uma vida tempestuosa, cheia de viagens, combates de cavalaria e aventuras amorosas. Dedicou-se a Tirant lo Blanc desde Janeiro de 1460, ou seja, trinta anos antes da sua publicação como obra póstuma em 1490.
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Joanot Martorell TIRANT LO BLANC 1.º volume
D O C U M E N TA