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O GéNIO E A LOUCURA Alberto Caniche
O GÉNIO E A LOUCURA
Alberto Caniche
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A Arte contemporânea tem um problema: é demasiado óbvia, quase demasiado sã. Já não há malucos como o Van Gogh a fazer arte. Eu faço Arte Genital, arte Genial. Sou um génio. Algo escusado em Arte Contemporânea.
Mas... Todos os grandes malucos foram homens geniais.
Cavaco Silva III, por exemplo, depois de cair do cavalo ruço elaborou a teoria da irrelevância e Jorge Jesus só se tornou um amestrador de focas de génio depois de morrer na cruz. Mas nem todos os génios o são por força de algum acidente doméstico ou de viação. Kim Jong Ill, por exemplo, já nasceu possuidor de milhões de neurónios predispostos para a genialidade e é um homem perfeitamente normal que vai á sua mercearia no bairro alto onde é tratado por seu Kinjongue e leva uma vida modesta com as freiras da fraternidade amorosa na rua das gatas.
O «Noivo», pintor de nocturnos lisboetas, que recebeu um choque apocalíptico no dia em que se ia casar, com a morte da noiva, proferia geniais impropérios aos transeuntes, aos quais ladrava mimos como «Súcia de parasitas», «canalhas», «não há direito» e coisas assim. Ainda o ouvi e recordo com saudade os insultos elegantes articulados com fera lucidez. Van Gogh terá sofrido de psicose e inaugurou uma nova estrada na arte Moderna, assim como uma nova disciplina, a orelhoctomia. Mas o génio nota-se também nas pequenas coisas: Toulouse-Lautrec não padecia de nenhum quadro clínico onde figurasse alguma perturbação mental, mas era particularmente baixo, o que também pode ter tido influência no génio de Napoleão I, imperador da Europa e de uma nova era que já era. A verdade é que no fundo somos todos uns gandas malucos que fazem um esforço ciclópico para parecerem normais. Quando tiramos o casaco ao chegar a casa depois de um longo dia no escritório e de a nossa pretensa namorada nos ter deixado, isto depois ainda de termos deixado o automóvel cair da ponte sobre o Tejo, olhamo-nos ao espelho e vemos o Chewbacca como nosso reflexo a gaguejar onomatopeias. Centopeias tomam conta dos nossos cérebros e prontamente nos pomos a ruminar caruma.
Para começar a escrever este textículo bati com a cabeça algumas vezes na parede, pois estava-me a sentir demasiado são. Demasiado São, já não vejo a São há alguns anos. As lágrimas escorrem grossas como óleo Fula nos canos, mas não por causa da São. São como são. Tenho a certeza de que alguma perturbação profunda me avassalou depois de um trauma tão intenso que não resta dele qualquer memória. O que terá sido? Tenho saído com êxito dos hospitais mentais. Anda, Bobi, já enganámos mais um, diz o maluquinho para a escova de dentes que arrasta por um cordel.
Dizia-me o meu pai que certa vez ao tentar encontrar a saída do hospital Miguel Bombarda ou Júlio de Matos, onde iria fazer um projecto, perguntou a um homem pela saída. Respondeu o homem: Também gostava de saber onde é a saída, já estou há quinze anos à procura. Pode-se com certeza ser um génio e não ser perturbado, ser-se perturbado e não ser um génio, ser-se um génio perturbado. Mas não tem a mesma piada.
Alexandre Graham Bell não inventou a penicilina e Alexandre Fleming não inventou o telefone. Dois falhados. Houve um ou mais génios a planear o incêndio do pinhal de Leiria. Eram perturbados? Não. Honestos empresários que apenas querem rentabilizar o seu negócio passando por cima
dos malucos que somos todos nós, malucos que vêm um país a arder, a ser poluído à nossa custa, malucos que dão o seu dinheiro aos bancos falidos, aos hospitais privados, esmagados pelos grandes génios da finança. Que não são nenhuns malucos. A experiências com drogas alucinogéneas, álcool e Sumol de ananás não são alucinogeniais para lá do momento fugaz em que lá estamos. Na realidade a verdadeira loucura é a sociedade organizada como máquina de comprimir a Natureza. Muito mais extravagante e alucinante. Como diz um génio da nossa civilização judaico-cristã, Marco Paulo: «Nossa Senhora me dê a mão, cuide do meu coração, da minha vida, do meu Destino.» Não há pão para malucos. Acreditamos no Pai Natal, mas no fim não há nada no sapatinho. Mas se formos mesmo malucos a sério dão-nos uma cama num hospital e não pagamos mais impostos. Camões era maníaco-depressivo, Bocage neurótico, Fernando Pessoa bagaçómano, Camilo Pessanha opiómano e eu próprio não me sinto lá muito bem. Mas o génio que prefiro é o de não ter nada para dizer, pronunciar palavras incoerentes em tom militar, não fazer ideia do que estou aqui a fazer e passar um mês a olhar para as moscas a bater contra os vidros da minha janela.
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