Manuel Amado, «Manuel Amado — Pintura sem álibi»

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manuel amado Pintura sem รกlibi Painting Without Alibi


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manuel amado pintura sem álibi textos | texts BRUNO MUNARI J OA N A A M A D O M A R I A N A P I N TO D O S S A N TO S V I TO R S I LVA TAVA R E S

D O C U M E N TA FUNDAÇÃO ARPAD SZENES – VIEIRA DA SILVA


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ANTÓNIO GOMES DE PINHO (Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva) ANTÓNIO MONTEIRO (Fundação Millennium bcp)

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Manuel Amado, o teatro do vazio, MARIANA PINTO DOS SANTOS

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C ATÁ LO G O | C ATA LO G U E O meu pai, JOANA AMADO [Gosto dos quadros do Manuel…], BRUNO MUNARI [Não sobeja parte de casa…], VITOR SILVA TAVARES [Aplausos, aplausos], LOURDES CASTRO

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Documentos | Documents Outras obras na Colecção Millennium bcp | Other Works from the Millennium bcp Collection

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Lista de Obras | List of Works Lista de Exposições | List of Exhibitions Biografia

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T R A D U ÇÕ E S | T r A n s L AT i O n s Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, ANTÓNIO GOMES DE PINHO Fundação Millennium bcp, ANTÓNIO MONTEIRO Manuel Amado: The Theatre of Emptiness, MARIANA PINTO DOS SANTOS My Father, JOANA AMADO [I like Manuel’s paintings…], BRUNO MUNARI [Not a single corner of the house…], VITOR SILVA TAVARES [Applause, Applause], LOURDES CASTRO Biography

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A realização, na Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, da exposição Pintura sem álibi de Manuel Amado, que integra fundamentalmente obras da Coleção Millennium bcp e outras de coleções particulares, faz todo o sentido, tendo em conta a estratégia que temos vindo a seguir nos últimos anos e que assenta em três pilares: Estudo e divulgação da obra de Vieira da Silva e de Arpad Szenes e dos artistas que com eles se relacionaram, como prioridade; Apoio e divulgação da obra de artistas contemporâneos, portugueses e estrangeiros; Valorização da cooperação com outros Museus, Fundações, Coleções institucionais e privadas. A quantidade e qualidade das obras de Manuel Amado da Coleção Millennium bcp, com a qual a nossa Fundação tem uma longa tradição de colaboração que é importante assinalar, justificam pois a realização desta grande exposição que é, simultaneamente, uma oportunidade para o público conhecer um acervo que, em grande parte, ainda não tinha sido exposto, sendo uma justa homenagem a um artista português recentemente falecido e cuja obra singular no nosso contexto artístico merece esta visão alargada. Ao revermos algumas das obras agora apresentadas, paisagens urbanas, silenciosas, suspensas, que deixam adivinhar por detrás das paredes, das janelas, das portas, uma vida que as habita, mas que não vemos, não podemos deixar de evocar uma nova realidade das nossas cidades desertas, à espera que a vida volte às suas ruas. Uma palavra especial para o excelente livro-catálogo que acompanha a exposição e que permite, nomeadamente através do estudo da Curadora, Mariana Pinto dos Santos, um conhecimento aprofundado da obra de Manuel Amado e da importância que lhe reconheciam muitos dos intelectuais e artistas da sua geração. Finalmente um agradecimento à Fundação Millennium bcp e ao seu presidente, Embaixador António Monteiro, e a todos quantos tornaram possível a concretização deste projecto. ANTÓNIO GOMES DE PINHO Presidente do Conselho de Administração Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva

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A exposição Manuel Amado, Pintura sem álibi é a primeira depois do falecimento do artista, a 14 de Outubro de 2019. Planeada antes da sua morte, esperávamos que ainda a pudesse inaugurar, mas infelizmente tal não pôde acontecer. A exposição torna-se assim um tributo da Fundação Millennium bcp a um dos artistas mais representados na sua colecção. As obras de Manuel Amado adquiridas pelo Millennium bcp ao longo dos anos cobrem a grande maioria dos seus temas de pintura, estando particularmente representada a série Comboios, Estações e Apeadeiros, que teve enorme sucesso internacional. A Fundação Millennium bcp associa-se nesta homenagem à Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva numa parceria feliz dado o museu, virado para o Jardim das Amoreiras, ser um dos mais acolhedores locais de Lisboa e um dos mais apropriados para receber um conjunto de obras que pedem uma fruição intimista. Arquitecto de formação, Manuel Amado recriou espaços frequentemente traçados de memória, tanto interiores de rigor geométrico, quanto exteriores de exuberância verdejante ou praias de areia sem rasto de pegadas. Sobre a pintura de Manuel Amado não é demais salientar a precisão arquitectónica, a predilecção pelo vazio ou o silêncio introspectivo a que convidam as suas pinturas, nas quais raramente se encontra a figura humana. «Pintura de evidência», chamou-lhe José-Augusto França, pintura «tranquilizante, calmante, sem deus dentro» escreveu sobre ela Eduardo Lourenço, pintura que «ensina a repousar de todas as mensagens» (Eduardo Prado Coelho). Notamos as afinidades com De Chirico — pintor que marcou a juventude de Manuel Amado —, com Magritte — outra referência importante na sua formação —, com Edward Hopper — que o pintor só descobriu em 1987 —, referências estas mencionadas pelos vários autores que já escreveram sobre a sua obra. Mas há também uma inquietude nos espaços despojados de Manuel Amado, uma inquietude que resultará, talvez, do contraste entre a atenção que pedem e este tempo pouco dado a pausas, o que o artista expressou melhor do que ninguém: No meu tempo atento de fazer pintura, não há quaisquer referências a batalhas; é só a consciência do esforço de encontrar

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os sinais luminosos que imitam o que todos nós sabemos sem termos a certeza de o saber. O catálogo que o leitor tem entre mãos, desenhado por Manuel Rosa, permitirá não só revisitar a obra de Manuel Amado para lá do espaço e do tempo da exposição, mas também perdurará como um livro de súmula sobre a obra do artista. A Fundação Millennium bcp agradece a todos os que se empenharam na concretização desta exposição e catálogo, e em particular a Teresa Amado, companheira de vida de Manuel Amado, sempre presente, e também aos seus filhos, Rodrigo, Rita e Joana. Uma palavra de agradecimento é naturalmente devida à Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, ao seu Presidente Dr. António Gomes de Pinho e equipa, pela disponibilidade e empenho na concretização deste projecto. ANTÓNIO MONTEIRO Presidente da Fundação Millennium bcp

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Manuel Amado, o teatro do vazio MARIANA PINTO DOS SANTOS

By homely gifts and hindered Words the human heart is told of nothing — “nothing” is the force that renovates the World — 1 Emily Dickinson

A exposição Manuel Amado, Pintura sem álibi centra-se nas obras do pintor da colecção Millennium bcp, que constituem um núcleo muito representativo do trabalho de Manuel Amado ao longo dos anos, e que se mostram em conjunto com algumas obras de colecções particulares. Entre as obras seleccionadas, encontram-se trabalhos das séries Comboios, Estações e Apeadeiros (1986), A Casa sobre o Mar (1992), A Grande Cheia (1996), Lisboa (iniciada em 1983), Encenações (iniciada em 2007) ou O espectáculo vai começar… (2004-2007). Mas também temas que revisitou várias vezes como A Estrada da Comenda, a praia, as casas e os seus cantos, ou as naturezas-mortas a que chamou Grupos ou Pequenos encontros. Em comum as obras escolhidas têm um despojamento e uma economia da representação de onde estão quase sempre ausentes figuras humanas, e uma dívida à formação e trabalho anterior em arquitectura (até 1987), presente na opção frequente pela pintura de espaços construídos, e no desenho geométrico, no rigor do traço e da composição. Estas características foram notadas por muitos dos que escreveram sobre a sua obra ao longo dos anos 2, bem como uma certa «evidência» 3 ou realismo aparentemente fotográfico, em relação ao qual foi já estabelecida uma genealogia pictórica de nomes que o próprio pintor menciona como importantes na sua formação. 1 2

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Com presentes / caseiros e / palavras toscas / o coração humano nada aprende — «Nada» / é a força que renova / o Mundo — Dois exemplos, entre vários outros: José Cardoso Pires escreveu «As casas, paredes, degraus, objectos, ângulos de sombra, todo esse mundo nos aparece com o ostinato rigore dum levantamento ou duma “memória descritiva”. Nitidez de geómetra, é o que lembra», texto para o catálogo da exposição individual Manuel Amado na Galeria de São Mamede, Lisboa, 1983; Carlos Monjardino referiu-se a «espaços demarcados com muita clareza [parecendo] querer afastar todas as impurezas» («A pintura de Manuel Amado» in catálogo O Conventinho da Arrábida, Fundação Oriente, Casa Garden, Macau, 1998). A expressão é de José-Augusto França, no texto «Uma pintura de evidência» in catálogo da exposição de pintura de Manuel Amado na Galeria Antiks Design, Lisboa, 1998.

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No entanto, se foi marcado por vários nomes da história da pintura do século XX, também é notório que deles se desidentificou. Por exemplo, De Chirico e Matisse foram fascínios iniciais, Magritte também, e Giorgio Morandi, depois de uma suspeita de afinidade, revelou-se uma decepção4. A sua própria pintura, disse, nada tinha que ver com a desses nomes canónicos. Edward Hopper, pintor que passou a admirar sem limites desde a sua descoberta numa viagem aos Estados Unidos nos anos 1980, diferia também do seu percurso na pintura, não só pela representação ligada a um imaginário norte-americano, mas porque a presença da figura humana nos quadros de Hopper significava, para Amado, a introdução do factor tempo, que quis a todo o custo expurgar da sua pintura (voltarei a este assunto adiante). Estas referências são, assim, ora formativas, ora descobertas tardias nas quais entreviu afinidades, mas não traduzem qualquer procura deliberada pela inclusão num vocabulário pictórico reconhecível. Terá em comum com estes e outros pintores do século XX a opção pela figuração realista, muitas vezes ao arrepio de ditames sobre pintura moderna. É pela figuração que processa em tela o confronto com um imaginário pessoal, feito da encenação da experiência dos espaços habitados ao longo da vida. As suas telas são pintadas a óleo, meio abandonado por muitos pintores com a chegada das tintas acrílicas, que secavam mais rápido e não deixavam cheiros. Mas em Manuel Amado a lentidão da pintura a óleo é desejada, não só pelo processo em si — «[A pintura] é uma infinidade de gestos, pequenos ou grandes, em que há opções, há emendas, há rasuras, há o voltar atrás, há o recomeçar, e isto durante uma série de tempo até ao resultado final. É um corpo-a-corpo brutal, entre o pintor, a tela, os pincéis e as tintas»5 —, mas também pela pintura em simultâneo de várias telas, que passou a fazer, umas determinando o caminho das outras, por vezes deixadas em longo repouso até serem retomadas. O pintor descreveu o seu processo, em entrevista a Maria João Seixas: «Começo sempre por desenhar a carvão; a seguir pinto umas aguadas com aguarrás, é o arranque, ainda com pouca gordura; com essas primeiras camadas de tinta, continuo a desenhar; depois, se for caso disso, vou às linhas verticais e horizontais com um T e esquadro de arquitecto, e então começo a dar as camadas que vão levar à resolução final do quadro. É sempre por muitas camadas, muito finas, com pouca tinta, em velatura.»6 Luísa Soares Oliveira, ao escrever sobre a obra de Manuel Amado em 20077, notou como a técnica do óleo, feita de sobreposições de camadas finas de tinta, aplicadas em pequeníssimas 4

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Conversa com o pintor gravada a 3 de Abril de 2018: «Fui marcado pelo De Chirico, mas eu não tenho muito a ver com ele. Era uma referência de princípio. Tive uma decepção com Morandi — afinal não tenho ligação. Não me interessa. Eu fiz naturezas-mortas, mas não tem nada a ver.» E ainda: «Eu não pertenço àquelas coisas que têm estado sempre na moda nos últimos tempos. Tenho o meu caminho. Muito ligado, claro, à pintura antiga, ao surrealismo, Magritte. Não que eu esteja muito próximo deles, mas venho daí. As pessoas são feitas daquilo que vão vendo em miúdos» in Marta Ferreira dos Reis, «Entrevista a Manuel Amado: “As pessoas são feitas daquilo que vão vendo”», Público — Ípsilon, 15 de Novembro de 2007. Maria João Seixas, «Conversa com vista para… Manuel Amado», revista Pública, 28 de Janeiro de 2007. Maria João Seixas, «Conversa com vista para… Manuel Amado», revista Pública, 28 de Janeiro de 2007. Luísa Soares Oliveira, «A casa dos espelhos» in catálogo Manuel Amado. pinturaPinTUrA, Fundação D. Luís I, Centro Cultural de Cascais, Cascais, 2007.


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pinceladas que esbatem contornos, contraria a ideia de que a sua seja uma pintura dominada pelo desenho de arquitectura. Não que ela não esteja lá, como o próprio pintor sempre confirmou, mas no confronto com a tela essa formação, ainda que estrutural, é sistematicamente apagada pelo desenho com tinta, que se sobrepõe e anula o desenho a carvão inicial. Esse confronto, de que fala o pintor, é também ele apagado: as pinceladas procuram tornar-se invisíveis e todo o moroso processo de trabalho fica oculto para dar a ver apenas o que se representa na tela. É isso que vários classificaram como «formal», «liso», «inocente» 8, mas que é sobretudo a recuperação de uma função antiga da pintura ocidental — dar a ver, e não dar a ver-se.

Contemplação e inquietude A Manuel Amado não interessou o diálogo com a arte de artistas seus contemporâneos, independentemente de admirar muitos deles e ter relações de grande amizade com alguns. Disse ele: «Nunca fui sensível a fazer o que a geração me pedia. A uma geração que me era hostil. Hostil à minha maneira de pintar.» 9 Existe alguma coisa delicadamente bartlebyana nesse preferir não fazer o que podia ser esperado, não cumprir os requisitos para entrar na arena dos debates da arte contemporânea. A hostilidade de que falava Manuel Amado teria por certo que ver com a escolha por fazer uma pintura realista, recuperando uma função de representação com a qual a arte contemporânea entrara em ruptura há muito. No entanto, a representação em Manuel Amado é de um realismo apenas aparente. O que está na tela são construções de memória, não correspondem senão a um real imaginado, recordado, sem reconstituição possível. E por isso este realismo está longe de ser fotográfico. Se há nas pinturas de Manuel Amado uma inquietação, uma ameaça, como referiu Paula Rego 10, ou se «se instala uma incómoda perturbação» como escreveu Vitor Silva Tavares 11, ameaça e perturbação provêm da sua incessante procura por um tempo em suspenso. Manuel Amado referia que lhe interessa o espaço, e por isso a figura humana estava ausente: «uma praia com barracas vazia… Se puser uma pessoa, até pode estar sentada a ler muito quietinha, mas 8

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«As pinturas são todas muito formais. São composições muito lisas» disse Paula Rego, citada por Catarina Alfaro, texto para o catálogo O Verão era assim como uma casa de morar onde as coisas todas estão… (selecção de pinturas de Manuel Amado por Paula Rego), Casa das Histórias Paula Rego, 2016. «Trata-se, em boa e merecida verdade, de uma pintura inocente», José-Augusto França, «Uma pintura de evidência» in catálogo da exposição de pintura de Manuel Amado na Galeria Antiks Design, Lisboa, 1998. Neste texto França também se refere a esta como uma pintura «lisa e impessoal». Hellmut Wohl falou também de inocência (catálogo Galeria Nasoni, 1992), bem como José Cardoso Pires, «Lisboa Revisitada» in catálogo Manuel Amado, Lisboa. Pintura 1975-1997, Palácio Galveias, Lisboa, 1998. Conversa com o pintor gravada a 3 de Abril de 2018. «Estes quadros possuem todos uma simplicidade ameaçadora […]. É como se ele pintasse para erradicar um fantasma, algo que nunca conseguirá fazer», Paula Rego citada por Catarina Alfaro, texto para o catálogo O Verão era assim como uma casa de morar onde as coisas todas estão… (selecção de pinturas de Manuel Amado por Paula Rego), Casa das Histórias Paula Rego, 2016, pp. 5-6. Vitor Silva Tavares, texto para catálogo de exposição de pintura de Manuel Amado na Galeria da Alliance Française, Lisboa, 1984.

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está parada, porque tem de estar parada na pintura. Metendo uma personagem, aquela imagem que a gente vê tem um tempo reduzido. Se não está lá ninguém, aquela imagem pode durar meia hora, uma hora ou duas horas que não faz diferença nenhuma. A personagem introduziria o factor tempo, que é uma coisa que não me interessa. O que me interessa é o que se vê de longe, o espaço, o tempo não.»12 A pintura é assim, em Manuel Amado, um mecanismo para parar o tempo. Parar o tempo presente, e também o tempo onírico da memória, o tempo imaginário, cinematográfico, o da sala de cinema, onde há um corte momentâneo, mas total, com o tempo real deixado em pausa do lado de fora. Nesse lugar é possível evocar as imagens dos espaços onde o tempo já decorreu, ou pode decorrer, desfazendo a cronologia. O que se vê de longe, como diz o pintor, são as imagens de rememoração, fantasmáticas. Nelas está latente a experiência ou a acção, mas cristalizadas, entre respirações. A inquietação será essa, a de respiração em suspenso. A Grande Cheia, série de que se mostra um quadro nesta exposição, é feita de espaços vazios como outras pinturas anteriores e posteriores, mas aqui estão inundados, onde a calma e o vazio são mais assumidamente associados a abandono e catástrofe13. Mas o afastamento do real intensifica-se na duplicação de imagem e seu turvamento no espelho que a água representa, e que duplica e acentua o efeito deturpador da memória. Há um outro tipo de inquietação. Ao deliberadamente ausentar-se num exercício de contemplação atemporal despojado de tudo o que o possa perturbar, a pintura paradoxalmente torna visível o que é deixado do lado de fora. Há uma ameaça de que a contemplação seja interrompida, que o tempo tome os espaços e os altere, que a voracidade e a ansiedade da vivência do presente regressem. Essa perturbação é o que Nietzsche descreveu há muito tempo como o «viver para o hoje, viver com muita pressa — viver irresponsavelmente: precisamente o que se chama “liberdade”» 14. Contrariando a falsa sensação de que a liberdade está na vivência para o presente absoluto, a pintura de Manuel Amado opta pela clausura dos espaços para o exercício de outra ideia de liberdade, uma que passa pela encenação necessária da rememoração dos lugares dos afectos, aos quais não se pode regressar. Aí está também outra razão para Paula Rego referir que os seus quadros são claustrofóbicos 15: fixados de memória na tela, esses espaços parecem encenar 12 13

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Marta Ferreira dos Reis, «Entrevista a Manuel Amado: “As pessoas são feitas daquilo que vão vendo”», Público — Ípsilon, 15 de Novembro de 2007. Sobre ela escreveram Francisco Bethencourt, que reforça a ideia de dupla inquietude de abandono humano e o efeito de desordem provocado pela água, e Fernando António Baptista Pereira, que assinala a conjugação de serenidade e devastação nessa série. Ambos escrevem no catálogo Manuel Amado. La grande crue, Centre Culturel Calouste Gulbenkian, Paris, 2001. Friederich Nietzsche, O Crepúsculo dos Ídolos, trad. Delfim Santos, Guimarães Editora, p. 113. Embora o contexto desta citação seja remoto em relação ao assunto aqui tratado — Nietzsche fazia deste modo a crítica da modernidade que preservava instituições obsoletas como, por exemplo, o matrimónio —, a descrição nela enunciada não parece ter caducado. «As pinturas são todas muito formais. São composições muito lisas. As sombras, a composição, evocam o trabalho de Edward Hopper, mas muito mais claustrofóbico e perigoso.» Paula Rego, citada por Catarina Alfaro, texto para o catálogo O Verão era assim como uma casa de morar onde as coisas todas estão… (selecção de pinturas de Manuel Amado por Paula Rego), Casa das Histórias Paula Rego, 2016.


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o famoso final de Cesare Pavese em A Praia, a constatação da inabitabilidade dos lugares onde se foi feliz16. Neste contraste entre a janela de memória que é a tela e o fora-da-tela, entre a clausura e uma liberdade associada a pressa, a contemplação é posta à prova.

O cinema e o espelho A sua pintura era feita de três coisas, disse ele em 2018: pintura antiga, cinema e a sua casa. «Eu era feito de cinema.»17 A «casa», era na verdade mais do que uma, a casa de infância, as casas que habitou e viveu, mas também as alheias. E, extensão da casa, os jardins, paisagens construídas, aparentemente controladas, mas indomáveis na matéria viva em metamorfose de que são feitas. É de assinalar a predilecção por cantos, corredores, patamares, escadas, pedaços das barracas sobre a areia da praia, lugares esconsos nos quais se repara apenas quando se habita em pleno uma casa ou se está num longo Verão ininterrupto olhando a areia, em suma, quando se está em sossego e silêncio prolongadamente. Mas estas cenas podem também remeter para os momentos de transição em cinema, necessários para a montagem narrativa, nos quais o tempo se suspende, em suspense. Esses lugares da memória, exteriores e interiores, tornam-se assim também cenário de filmes imaginários, fotogramas de películas nunca filmadas. Ou, pelo contrário, projecções nos lugares pessoais recordados dos cenários filmados nos clássicos do cinema. Disse o pintor que na tela estão sempre «cenas em palco» 18. Assistimos a uma troca de papéis: os lugares vividos passam a ser lugares dos filmes que habitam o imaginário, misturando memória de vivência com memória do cinema, ficção e realidade reflectindo-se e projectando-se mutuamente no ecrã que é a tela19. Ruth Rosengarten registou a importância do cinema na pintura de Manuel Amado num texto de 1990, «não apenas nas sequências de “molduras” vazias e de molduras-no-interior-de-molduras — portas, janelas, espelhos — mas também no contínuo desdobramento de sombras lançadas

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«[…] nada é mais inabitável do que um lugar onde se foi feliz», Cesare Pavese, A Praia (1941), trad. Alfredo Margarido, Portugália, s/d, p. 154. Corroborando esta leitura, refira-se que a propósito da exposição na Casa das Histórias O Verão era assim como uma casa de morar onde as coisas todas estão… em 2016, Luísa Soares Oliveira escreveu: «Cenário, portanto. Espaço em caixa, para o qual o freudiano conceito de unheimlich — a estranheza inquietante bem próxima do comentário de Paula Rego — não é de todo desadequado. Unheimlich que nasce sempre da percepção de um déjà vu […]. É que o Verão de que o título fala, apropriado de um verso de Rilke, e as casas de férias em particular, não são mais do que o lugar onde se volta sempre e sempre para tentar viver o que já se viveu em tempos.» Luísa Soares Oliveira, «Da simplicidade ameaçadora de Manuel Amado à turbulência inquietante de Paula Rego», Público, 30 de Junho de 2016. Conversa com o pintor gravada a 3 de Abril de 2018. Conversa com o pintor gravada a 3 de Abril de 2018. Em 1983 José Cardoso Pires notara o «discretíssimo humor com que o fantástico coabita com o real mais palpável e objectivo» (texto para o catálogo da exposição individual Manuel Amado na Galeria de São Mamede, Lisboa, 1983).

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por objectos ou pessoas que estão fora da moldura do quadro e que ocupam a posição do próprio espectador. Este jogo com a ténue fronteira que separa a ausência da presença deve muito ao uso cinemático da “câmara subjectiva”, por exemplo de Hitchcock; é a câmara que se coloca — e que desse modo põe o espectador quase literalmente — nos sapatos do protagonista, subindo lentamente atrás dele ou dela um lance de escadas sombrias até abrir uma porta que range…»20. Retomando esta análise, a ideia de projecção e reflexo num ecrã-tela extravasa as projecções rememoradas do pintor e estende-as ao espectador, que nelas se vê reflectido também. É curioso verificar que diferentes autores que escreveram sobre a pintura de Manuel Amado falaram em espelho. Vitor Silva Tavares, em 1984, escrevia: «Surge então, e para o outro lado do espelho, o espaço (já só meu) do labirinto: esta pintura acorda-me não sei que esquecimento, preenche-me não sei que esconso de impossível fascínio»21 (itálico meu). A referência a Alice, ao outro lado do espelho, é a tal função da câmara subjectiva do cinema referida por Ruth Rosengarten, em que o espectador toma o ponto de vista do pintor, e entra num processo de rememoração de um esquecimento indefinido — uma experiência sensorial que passa a pictórica, e por isso maioritariamente óptica. O esquecimento não é o seu, é o do pintor, mas nele reflectem-se os próprios processos de oblívio e recordação de quem vê. A pintura dá a ver o esquecimento, mas nada se recupera do que foi esquecido.

Sem álibi Na entrevista a Maria João Seixas, uma das respostas de Manuel Amado dizia: «a minha é uma pintura sem literatura por trás. São imagens feitas de encontros e recordações, que se calhar evocam aos que olham para as minhas telas outros tantos encontros e recordações. Não há qualquer outra carga para além das coisas representadas.»22 Em 1984 Vitor Silva Tavares escrevia: «Não sobeja parte de casa para confidências ou leituras paralelas: exacta, nítida, esta pintura manifesta-se ao olhar em seu paciente artesanato. É o que é — o real na pintura ou a pintura sem álibi.»

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Ruth Rosengarten, texto para catálogo Manuel Amado. recent Paintings, Anne Berthould Gallery, Londres, 1990. Republicado em português no catálogo Manuel Amado. Pintura, Fundación Antonio Pérez, Cuenca, 2004. Vitor Silva Tavares, texto para catálogo de exposição de pintura de Manuel Amado na Galeria da Alliance Française, Lisboa, 1984. Outros autores que referiram o espelho foram, por exemplo, Eduardo Lourenço, «Espelho sem imagem» in catálogo da exposição de Manuel Amado Viagem à volta de uma estação abandonada, Antiks, Lisboa, 2000; Luísa Soares Oliveira, «A casa dos espelhos» in catálogo Manuel Amado. pinturaPinTUrA, Fundação D. Luís I, Centro Cultural de Cascais, Cascais, 2007; Nuno Júdice, «A Representação em Pintura» in catálogo Encenações, Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa, 2011. Nuno Júdice fará ainda um livro de poemas em diálogo com a série A Grande Cheia (1996) de Manuel Amado, com o título Jogo de reflexos, publicado em edição bilingue pelas Éditions Chandeigne, Paris, 2001. Maria João Seixas, «Conversa com vista para… Manuel Amado», revista Pública, 28 de Janeiro de 2007.


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«Não há nela o menor panfleto individual», disse José Cardoso Pires. E Ruth Rosengarten: «uma das marcas do trabalho de Manuel Amado é a ausência de deliberação». Pintura sem álibi é uma expressão que pode ser entendida como pintura sem pretextos, sem necessidade de justificações: é o que é. Sem palavra, sem narrativa, sem interferências. Olhando para a etimologia da palavra alibi, do latim alius ibi, que significa «outro lugar», podemos ler que sem álibi significa «sem outro lugar», ou seja, transpondo para a obra de Amado, a pintura não está alhures senão no lugar de encenação laboriosa que é a tela, nem procura dizer ou propor nada. A ressonância policial cinematográfica é também notória nesta expressão e, por isso, revela-se uma designação particularmente eficaz para pensar a pintura de Manuel Amado. Por coincidência, uma reunião de textos de Jacques Derrida traduzidos para inglês em 2002 foi publicada com o título Without Alibi23. No prefácio o filósofo francês faz uma extensa reflexão sobre a expressão sem álibi, desdobrando-a em polissemia, que é pertinente trazer parcialmente para pensar estas pinturas (de forma livre, pois Derrida embrenha-se quer num diálogo com a sua tradutora para inglês, quer na revisitação de outros conceitos seus que não trarei para aqui). Em primeiro lugar, sem álibi implica expor-se, ir para a frente do palco, enfrentar — não num sentido de bravata, mas de impossibilidade de arranjar desculpa para não o fazer, sem adiamento possível 24. Isto é, sem dilatação de tempo, sem o factor tempo. Assim, além do espaço, num álibi está também implicado o tempo: eu não estava lá na hora do crime, eu estava noutro lugar nesse instante. Dilata-se assim o significado de sem álibi: sem outro lugar e sem outro tempo. Esse sem lugar e sem tempo é potencialmente paralisante, sem movimento, sem desenrolar, sem progressão. Por outro lado, alegar um álibi é, como se sabe, proceder à defesa de uma acusação. «O álibi conta sempre uma história da mentira. E por isso de perjúrio, cada mentira sendo antes demais um perjúrio. Mas quem comete perjúrio poderá sempre alegar que não mentiu nem perjurou: estava apenas noutro lugar, a sua mente estava noutro lado, a sua atenção dispersa. A sua distracção ou amnésia, logo, a sua finitude, serve-lhe de álibi.» 25 Se a distracção ou a amnésia são um álibi, sem álibi poderá então ser entendido como o seu contrário, isto é, o esforço de rememorar o esquecimento, de ir além da finitude — não entendida aqui como qualquer cliché de atingir eternidade através da obra, mas finitude do que já passou — e de recriar por via da rememoração o que findou atrás no tempo. Ou seja, sem álibi significa que a finitude da experiência passada é boicotada e é reencenada na tela. 23 24 25

Jacques Derrida, Without Alibi, ed. e trad. Peggy Kamuf, Stanford University Press, Stanford, Califórnia, 2002. Jacques Derrida, «Provocation» in idem, p. xv. Tradução minha. No original: «The alibi always tells a story of lying. And thus of perjury, every lie being first of all a perjury. But a perjurer will always be able to claim that he neither lied nor perjured: he was simply elsewhere, his mind was elsewhere, and his attention disjointed. His distraction or amnesia, thus his finitude, serve him as an alibi.» Jacques Derrida, «Provocation» in idem, p. xxvi.

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Mas, prossegue Derrida, «não há razão para se ficar orgulhoso deste “sem álibi”: não prova inocência; não corresponde a uma responsabilidade assumida, aqui agora, mas antes a uma falta injustificável ou uma ausência. Quase a um flagrante delicto. No melhor dos casos a uma flagrante ofensa de irresponsabilidade»26. Porque a palavra álibi implica sempre uma incriminação, uma acusação, e por isso, uma responsabilidade — podíamos pensar aqui que a responsabilidade é perante a arte contemporânea, a acusação de que a pintura de Manuel Amado está fora do papel crítico ou interventivo ou, em todo o caso, actual, que a arte contemporânea reclama. Não ter álibi seria então ser irresponsável perante a arte contemporânea, dela alheado. Será sobretudo não apresentar qualquer defesa ou resistência à acusação. Um álibi iliba, não o ter implica assumir o crime. Implica uma certa passividade, que não é ausência de acção. É recusa de discurso, de palavra, de justificação ou desculpa. É, na pintura de Manuel Amado, perseverar numa arte distinta da palavra e expurgada da narrativa que assume o vazio rememorado como o seu aqui e agora.

O teatro «Como pano de fundo estavam sempre o sossego e o silêncio, qualidades essenciais ao visual e ao intemporal, que me interessavam», escreveu Manuel Amado em 2014 numa nota inédita27. Nessa mesma nota, afirmava que teriam sido os quadros sobre teatro, da série O espectáculo vai começar… (2004-2007), e depois também com a série Encenações (2011, e anos subsequentes)28 que o «sossego e o silêncio» se teriam quebrado, para dar lugar a silhuetas recortadas em cartão, que evocavam acção num palco literal e depois em espaços domésticos ou à janela29. Aí «afloravam

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Tradução minha. No original: «[…] there is no reason to be proud of this “without alibi”: it does not prove innocence; it does not correspond to an assumed responsibility, here now, but rather to an unjustifiable fault or lack. Almost to a blatant offense, flagrante delicto. In the best of cases, to a flagrant offense of irresponsibility.» Jacques Derrida, «Provocation» in idem, p. xxxi. Agradeço a Teresa Amado a consulta deste documento. A série O espectáculo vai começar…, de cerca de cinquenta quadros, foi mostrada numa exposição no Palácio da Ajuda em 2007. No texto do catálogo, João Pinharanda notou a inquietação reiterada por esta série: «Há grande inquietação nas serenas imagens de Manuel Amado […]. Agora, ao acrescentar a sugestão de uma acção (que vimos ser duplamente falsa: porque a acção teatral o é sempre e porque aqui não pode haver sequer simulação de acção), estes indícios acentuam-se.» João Lima Pinharanda, «Teatro do impossível» in catálogo O espectáculo vai começar…, Palácio Nacional da Ajuda, Galeria D. Luiz, Lisboa, 2007. Sobre essa série, então ainda no início, disse: «entretanto estou a desenvolver uma exposição que será daqui a 3 ou 4 anos. É outra vez um tema um bocado obsessivo, não é teatro é uma coisa um bocadinho ligada ao surrealismo, mas nada a ver com o surrealismo porque não sou um surrealista, mas tenho, até por geração, grandes ligações, não só afectivas, ligações culturais ao mundo do surrealismo que, enfim, quando era miúdo estava em pleno. Agora vou, através da minha pintura, revisitar o surrealismo.» Marta Ferreira dos Reis, «Entrevista a Manuel Amado: “As pessoas são feitas daquilo que vão vendo”», Público — Ípsilon, 15 de Novembro de 2007. Em jogo estava não o surrealismo mas a memória do surrealismo, reconfigurado através do filtro da rememoração, e de uma perspectiva à distância, de quem não está implicado, de quem não tem qualquer ideia de apresentar uma proposta surrealista, mas de visitar em tela mais um lugar (neste caso, pictórico) de afecto. A exposição teve lugar em 2011: Encenações, Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa (catálogo com texto de Nuno Júdice, «A Representação em Pintura»), 2011.


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as mais diversas emoções pescadas na nossa memória colectiva». A figura humana é aflorada, mas não passa de uma figura de papelão. As personagens não entram nas pinturas senão como cenário. Nestes quadros há uma história da pintura implícita, da própria pintura do artista, mas também da pintura ocidental, que assume a tela como palco para a encenação da memória, eliminando dela o lastro temporal — não, de novo, num sentido de transcendência ou eternidade, mas de negação do tempo. Ele é negado, não com intenção de o substituir pelo eterno — isso seria um álibi —, mas para o tornar ausente. Nestes quadros, o sentido pictórico de representação alia-se ao sentido teatral para assumir a tela, o palco e a memória como equivalentes. Para assumir a representação como condição de memória, e, ao mesmo tempo, mostrar que toda a figuração em pintura é de papelão, mas absolutamente necessária para encenar o real e tentar colmatar a sua condição fugaz e instantânea. A janela, escolhida para várias das suas Encenações dos últimos anos (de que é exemplo a tela Palhaços, que se mostra nesta exposição), não pode deixar de evocar o ensinamento de Leon Baptista Alberti no tratado De Pictura de 1435 de que o pintor deveria considerar a tela como uma janela aberta. Do mesmo modo, o ecrã de cinema e a boca de cena do teatro funcionaram como janelas para o desenrolar de uma história. A diferença estará que na pintura nada se pode desenrolar30. A série O espectáculo vai começar… (de que nesta exposição se mostram três telas) pode ser entendida como uma evocação não só da importância em geral que o teatro teve na sua formação, mas muito em concreto como uma revisitação livre da peça Antes de Começar de Almada Negreiros (1893-1970). Em 1954, quando a peça foi representada pela primeira vez, encenada pelo pai do pintor, Fernando Amado (dramaturgo, professor no Conservatório e fundador do Teatro da Faculdade de Letras, e depois da Casa da Comédia, e um dos maiores amigos de Almada Negreiros), Manuel Amado foi o ponto, decorando todo o texto numa experiência que o marcou. Já antes fizera teatro e continuaria a fazer até entrar para a Universidade, tanto no Colégio Moderno, como no teatro da Mocidade Portuguesa, uma instituição criada pela ditadura para doutrinação política de crianças e jovens, que incluía um teatro dirigido por António Manuel Couto Viana. Outro trabalho que o marcou e que retomou algumas vezes foi o de cenógrafo: criou cenários para peças encenadas pelo pai e mais tarde para outras, para o Teatro da Malaposta, para o Teatro D. Maria II, entre outros31.

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Hellmut Wohl escreveu que para Alberti a perspectiva servia a istoria, ao passo que em Manuel Amado não há istoria, na sua pintura a luz e a sombra são fins em si mesmos e o realismo e a perspectiva — a janela albertiana — servem apenas para as evidenciar. Hellmut Wohl, texto para catálogo Manuel Amado. Pintura 1971-1994, Museu da Fundação Arte y Tecnologia da Telefónica de Madrid, Madrid, 1995, p. 13. «Uma das coisas que me deu muito prazer fazer — fiz poucos, mas ainda fiz alguns — foi cenários para teatro, achava que era uma coisa maravilhosa, adorava. Comecei muito cedo para peças que fiz com um grupo de estudantes, onde também estava o [José] Sasportes. Fiz muito teatro, dos 10 aos 19 anos, como actor. Com o Couto Viana, primeiro, director do teatro da Mocidade Portuguesa. No teatro do Colégio Moderno fiz com o Manuel Lereno, que era um actor, mas muito bom encenador também. E depois fiz com o meu pai, mas já pouco, já um bocadinho desinteressado.» Conversa com o pintor gravada a 3 de Abril de 2018.

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Manuel Amado, Homem sentado de costas (ou O meu pai sentado de costas), 1967, óleo sobre tela, 30 × 54 cm Colecção Fundação Cupertino de Miranda

Manuel Amado lamentou profundamente que o pai, morto em 1967, não tivesse visto a sua pintura a não ser numa fase muito inicial, tão pouco Almada Negreiros, que elegeu o teatro e as personagens da Commedia del’Arte como arquétipos de toda a arte. E que ambos não tivessem chegado a notar a dívida que a sua obra teria ao teatro 32. Na peça Antes de Começar era Lourdes Castro quem fazia a personagem da Boneca (e também os figurinos e cenários). Mais tarde, em 1984, quando voltou a apresentar a peça no ACARTE da Fundação Calouste Gulbenkian, foi Manuel Amado quem Lourdes Castro chamou para contracenar consigo no papel do Boneco. A peça contava o diálogo entre duas marionetas, que se punham a conversar e a brincar depois de a família de bonecreiros, que, depreendemos, os construíram e os manipulavam para o público, se afastar para anunciar o espectáculo; podemos imaginar que gritam para angariar público «o espectáculo vai começar». No sossego e no silêncio, os bonecos travam a conversa iniciática, infantil, que faz as perguntas a que a filosofia tenta

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Conversa com o pintor gravada a 3 de Abril de 2018.


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responder desde o início dos tempos: quem somos?, para que servimos?, o que fazemos aqui? Surgem respostas possíveis, entre eles, que são feitos de retalhos, de restos de tecidos e materiais que tinham tido outra vida, e que são construídos à imagem das pessoas. São representações, que só ganham vida no espaço vazio anterior ao início do espectáculo para o qual é necessária a presença humana. Do mesmo modo, os quadros de Manuel Amado representam fragmentos da memória que são recriados num todo imaginado — à imagem dos espaços outrora vividos — e que remetem para uma experiência pessoal de habitação, de ocupação sensorial de um lugar, ainda que indefinida. Espaços que, vazios, se abrem a toda a projecção dessa experiência sensorial, assim ilusoriamente recuperada. *

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Quando Manuel Amado fez a série O espectáculo vai começar…, Lourdes Castro enviou-lhe um bilhete que dizia: «Aplausos, aplausos. O Manuel voltou ao teatro. Ao mundo do teatro. Ao teatro vazio.» A forma como esta nota é escrita parece mais próxima das pinturas de Manuel Amado do que qualquer outro texto ou comentário. Aplausos, vírgula, aplausos, ponto. Como se o aplauso fosse um soluço, um fugaz lampejo ecoado nos ouvidos de um som que não se escuta há muito. Um som que o espaço vazio do teatro evoca, mas que nele não pode existir sem presença humana, sem espectáculo, sem tempo. O teatro vazio de pessoas, público e actores, fixa o instante antes de começar, cristalizando a pausa necessária ao início da representação. Manuel Amado disse dessas telas: «são cenas fixas, o tempo não passa» 33. São também cenas em que nada há senão bastidores, tudo é cenário e adereço para a representação da memória do teatro. Depois da série do teatro e das encenações, poderíamos entender, retrospectivamente, a pintura de Manuel Amado como um teatro do vazio, na qual o vazio se encena nas casas, jardins, escadas, estações de comboios, locais que se tornam todos suspensos de um desenrolar que fica de fora da tela e não pode nela ser projectado. Está ausente da representação. Os espaços esvaziados de tempo prolongam indefinidamente a espera pela narrativa que não vem, a história que não pode mais ser contada, nem o que aconteceu pode voltar a acontecer. Esse vazio é condição de escuta, condição de olhar e rememorar, e condição de dar a ver. É não ter um álibi e apresentar-se no palco/tela perante o nada. No entanto, este nada é aquele de que fala Emily Dickinson no poema em epígrafe: a força que renova o Mundo.

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Manuel Amado, nota inédita, 2014.

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C ATร LO G O | C ATA LO G U E


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O meu pai JOANA AMADO

Nas férias na quinta, lá na Arrábida, o meu pai gostava de jogar à bola e de jogar ténis no pátio da tília. Gostava de nadar e passear à beira-mar. Gostava de pôr o lume a andar para grelhar uns carapaus. Depois vinha a sesta com as persianas corridas para não deixar entrar o calor. Ao fim da tarde, quando chegava do atelier, puxava de uma cadeirinha e sentava-se virado para o pôr-do-sol, para as copas das oliveiras e para a serra verde e nítida lá ao fundo. Toda a paisagem redobrava o prazer da leitura. O meu pai gostava da família e dos amigos. Uma mesa grande, cheia de copos, comida e todos a falarem uns por cima dos outros. E depois gostava de dançar. Samba, de preferência. O meu pai gostava de miúdas giras. Da minha mãe, claro. Desde sempre e para sempre. Mas também da Marilyn, da Rita Hayworth, da Grace Kelly e de tantas outras que via nos filmes que adorava. Com a chegada de um projector à quinta foi um fartote de ver cinema nas noites longas de Verão. O meu pai gostava de rever, de reler, de reouvir, de reviver, de reencontrar, de recomer, de rebeber e de reamar. Adorava pintar e repintar. O meu pai não dava açoites a ninguém. Se me deu um, na vida, foi porque a asneira deve ter sido grossa. O meu pai era um doce.

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A estrada da Comenda II, 1993, รณleo sobre tela, 89 ร 116 cm

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A estrada da Comenda V, 1993, รณleo sobre tela, 89 ร 116 cm


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A estrada da Comenda III, 1993, รณleo sobre tela, 89 ร 116 cm

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O pinhal da Comenda, 1993, รณleo sobre tela, 114 ร 146 cm


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A estrada da Comenda IV, 1993, รณleo sobre tela, 89 ร 116 cm

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Pinhal à tardinha III, 1989, óleo sobre tela, 114 × 162 cm


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[Gosto dos quadros do Manuel…] bruno Munari

Gosto dos quadros do Manuel porque: — Dão a sensação ao observador de estar no quadro, de poder dar um passo em frente e entrar no quadro, na estação onde não está ninguém, nem sequer quem deixou a bicicleta lá fora. o comboio está pronto a partir, com a porta aberta. Mas (este é o enigma do quadro) partirá? — Gosto da densidade da árvore que está em frente da estação. aquela árvore deve estar cheia de pássaros que, a uma certa hora, saem todos esvoaçando e fazem grandes voos no céu da praça da estação. — o dono da mala está com certeza sentado na outra extremidade do banco e não se vê. a luz reflectida na parede é muito sugestiva. — a luz ofuscante não permite distinguir a paisagem para além da plataforma. o carro das bagagens está vazio. o comboio fechado. ninguém a quem pedir informações. — o quadro está tão bem pintado que até dá a atmosfera do local, parece que se sente a temperatura e o cheiro característico. — São 12 horas e 12, a luz do sol ilumina a parede na penumbra, no laguinho não há uma pinga de água, no vaso não há nenhuma planta, no banco não está ninguém sentado. Pela linha da sombra diria que estamos no mês de Junho. o comboio tem duas horas de atraso. Gosto dos quadros do Manuel por tudo o que não se vê, mas que se sente, se intui que está nestas pinturas. Se não te faz sonhar que arte é? 16 de Janeiro de 1987

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A porta da estação (Comboios, Estações e Apeadeiros), 1986, óleo sobre tela, 130 × 95 cm

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Gare III (Comboios, Estações e Apeadeiros), 1986, óleo sobre tela, 75 × 95 cm


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Interior de estação (Comboios, Estações e Apeadeiros), 1986, óleo sobre tela, 80 × 110 cm

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Carruagem de noite (Comboios, Estações e Apeadeiros), 1986, óleo sobre tela, 70 × 60 cm


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A sala de espera (Comboios, Estações e Apeadeiros), 1986, óleo sobre tela, 70 × 60 cm

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A bilheteira (Comboios, Estações e Apeadeiros), 1986, óleo sobre tela, 95 × 75 cm


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Gare I (Comboios, Estações e Apeadeiros), 1986, óleo sobre tela, 95 × 75 cm

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Gare com mala (Comboios, Estações e Apeadeiros), 1986, óleo sobre tela, 48,5 × 57 cm


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Fim de linha (Comboios, Estações e Apeadeiros), 1986, óleo sobre tela, 75 × 95 cm

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Lista de Obras | List of Works

29 Manuel Amado, A estrada da Comenda II | The Comenda Road II, 1993 Óleo sobre tela | Oil on canvas 89 × 116 cm Colecção | Collection Millennium bcp 30 Manuel Amado, A estrada da Comenda V | The Comenda Road V, 1993 Óleo sobre tela | Oil on canvas 89 × 116 cm Colecção | Collection Millennium bcp 31

Manuel Amado, A estrada da Comenda III | The Comenda Road III, 1993 Óleo sobre tela | Oil on canvas 89 × 116 cm Colecção | Collection Millennium bcp

Óleo sobre tela | Oil on canvas 130 × 95 cm Colecção | Collection Millennium bcp 40 Manuel Amado, Gare III (Comboios, Estações e Apeadeiros) | Train Stop III (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 75 × 95 cm Colecção | Collection Millennium bcp 41

Manuel Amado, Interior de estação (Comboios, Estações e Apeadeiros) | Inside the Train Station (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 80 × 110 cm Colecção | Collection Millennium bcp

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Manuel Amado, O pinhal da Comenda | The Comenda Pinewood, 1993 Óleo sobre tela | Oil on canvas 114 × 146 cm Colecção | Collection Millennium bcp

42 Manuel Amado, Carruagem de noite (Comboios, Estações e Apeadeiros) | Night Carriage (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 70 × 60 cm Colecção | Collection Millennium bcp

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Manuel Amado, A estrada da Comenda IV | The Comenda Road IV, 1993 Óleo sobre tela | Oil on canvas 89 × 116 cm Colecção | Collection Millennium bcp

43 Manuel Amado, A sala de espera (Comboios, Estações e Apeadeiros) | Waiting Room (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 70 × 60 cm Colecção | Collection Millennium bcp

34 Manuel Amado, Pinhal à tardinha III | Pinewood in the Afternoon III, 1989 Óleo sobre tela | Oil on canvas 114 × 162 cm Colecção | Collection Millennium bcp

44 Manuel Amado, A bilheteira (Comboios, Estações e Apeadeiros) | The Ticket Office (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 95 × 75 cm Colecção | Collection Millennium bcp

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45 Manuel Amado, Gare I (Comboios, Estações e Apeadeiros) | Train Stop I (Railway Stations), 1986

Manuel Amado, A porta da estação (Comboios, Estações e Apeadeiros) | The Station Door (Railway Stations), 1986

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Óleo sobre tela | Oil on canvas 95 × 75 cm Colecção | Collection Millennium bcp 46 Manuel amado, Gare com mala (Comboios, Estações e Apeadeiros) | Train Station with Bag (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 48,5 × 57 cm Colecção | Collection Millennium bcp 47 Manuel amado, Fim de linha (Comboios, Estações e Apeadeiros) | End of Line (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 75 × 95 cm Colecção | Collection Millennium bcp 49 Manuel amado, Escada de prédio I | Building Staircase I, 1990 Óleo sobre tela | Oil on canvas 81 × 65 cm Colecção | Collection Millennium bcp 50 Manuel amado, Escada de prédio III | Building Staircase III, 1991 Óleo sobre tela | Oil on canvas 81 × 65 cm Colecção | Collection Millennium bcp 51

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Manuel amado, Escada de prédio II | Building Staircase II, 1991 Óleo sobre tela | Oil on canvas 81 × 65 cm Colecção | Collection Millennium bcp Manuel amado, Interior com escada (A Grande Cheia) | Interior with Stairs (The Great Flood), 1996 Óleo sobre tela | Oil on canvas 116 × 89 cm Colecção particular | Private collection Manuel amado, Interior da barraca | Tent Interior, 1989 Óleo sobre tela | Oil on canvas 97 × 146 cm Colecção particular | Private collection

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Manuel amado, Portinho, 2015 Óleo sobre tela | Oil on canvas 18 × 14 cm Colecção particular | Private collection

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Manuel amado, Terraço com cadeira II (A Casa sobre o Mar) | Terrace with Chair II (The House Above the Sea), 1992 Óleo sobre tela | Oil on canvas 73 × 100 cm Colecção particular | Private collection

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Manuel amado, Árvores na praia | Trees on the Beach, 1991 Óleo sobre tela | Oil on canvas 97 × 146 cm Colecção | Collection Millennium bcp

63 Manuel amado, Interior no castelo I | Inside the Castle I, 1990 Óleo sobre tela | Oil on canvas 89 × 116 cm Colecção | Collection Millennium bcp 64 Manuel amado, Galeria frente ao mar | Gallery in Front of the Sea, 1983 Óleo sobre tela | Oil on canvas 60 × 100 cm Colecção | Collection Millennium bcp 65

Manuel amado, Interior no castelo II | Inside the Castle II, 1992 Óleo sobre tela | Oil on canvas 89 × 116 cm Colecção | Collection Millennium bcp

66 Manuel amado, A grande arcada (Lisboa) | The Large Arcade (Lisbon), 1992 Óleo sobre tela | Oil on canvas 195 × 130 cm Colecção | Collection Millennium bcp 68 Manuel amado, A porta amarela | The Yellow Door, 2017 Óleo sobre tela | Oil on canvas 65 × 50 cm Colecção particular | Private collection


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69 Manuel amado, A cozinha | The Kitchen, 1985 Óleo sobre tela | Oil on canvas 70 × 80 cm Colecção particular | Private collection 71

Manuel amado, Fundo do corredor | The End of the Corridor, 2000 Óleo sobre tela | Oil on canvas 81 × 100 cm Colecção | Collection Millennium bcp

72 Manuel amado, Pote com cortina II | Pot and Curtain II, 2016 Óleo sobre tela | Oil on canvas 54 × 65 cm Colecção particular | Private collection 73

Manuel amado, Pote com cortina I | Pot and Curtain I, 2016 Óleo sobre tela | Oil on canvas 54 × 65 cm Colecção particular | Private collection

74 Manuel amado, Pequenos encontros, Série C-VIII | Small Encounters, Series C-VIII, 2004 Óleo sobre tela | Oil on canvas 97 × 130 cm Colecção particular | Private collection 79 Manuel amado, Os palhaços (Encenações) | Clowns (Stagings), 2015 Óleo sobre tela | Oil on canvas 60 × 73 cm Colecção particular | Private collection 80 Manuel amado, A antepenúltima ceia dos polichinelos (O espectáculo vai começar…) | The Third Last Punchinelli Supper (The Show Is About to Begin…), 2005 Óleo sobre tela | Oil on canvas 114 × 146 cm Colecção | Collection Millennium bcp 81

Manuel amado, A penúltima ceia dos polichinelos (O espectáculo vai começar…) | The Second Last Punchinelli Supper (The Show Is About to Begin…), 2005 Óleo sobre tela | Oil on canvas 97 × 146 cm Colecção | Collection Millennium bcp

82 Manuel amado, Tira-me daí essa cadeira (O espectáculo vai começar…) | Move That Chair Away (The Show Is About to Begin…), 2004 Óleo sobre tela | Oil on canvas 89 × 130 cm Colecção | Collection Millennium bcp

outras obras na Colecção Millennium bcp | O t h e r Wo r k s f r o m t h e M i l l e n n i u m b c p Collection 97 Manuel amado, O barco de papel | The Paper Boat, 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 80 × 95 cm Colecção | Collection Millennium bcp 98 Manuel amado, O largo da estação (Comboios, Estações e Apeadeiros) | The Train Station Square (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 60 × 70 cm Colecção | Collection Millennium bcp 98 Manuel amado, Exterior de estação (Comboios, Estações e Apeadeiros) | Train Station Exterior (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 75 × 95 cm Colecção | Collection Millennium bcp 99 Manuel amado, Gare II (Comboios, Estações e Apeadeiros) | Train Station II (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 80 × 110 cm Colecção | Collection Millennium bcp 99 Manuel amado, Estação à noite (Comboios, Estações e Apeadeiros) | Night Station (Railway Stations), 1986 Óleo sobre tela | Oil on canvas 70 × 60 cm Colecção | Collection Millennium bcp

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100 Manuel amado, Escada com passadeira encarnada | Stair with Red Carpet, 1990 Óleo sobre tela | Oil on canvas 130 × 81 cm Colecção | Collection Millennium bcp

105 Manuel amado, A estrada da Comenda I | The Comenda Road I, 1993 Óleo sobre tela | Oil on canvas 89 × 116 cm Colecção | Collection Millennium bcp

101 Manuel amado, A camilha | The Table, 1992 Óleo sobre tela | Oil on canvas 100 × 81 cm Colecção | Collection Millennium bcp

105 Manuel amado, A estrada da Comenda VI | The Comenda Road VI, 1993 Óleo sobre tela | Oil on canvas 89 × 116 cm Colecção | Collection Millennium bcp

101 Manuel amado, Grupo 9 (Grupos e Pequenos Encontros) | Group 9 (Groups and Small Encounters), 2001 Óleo sobre tela | Oil on canvas 65 × 54 cm Colecção | Collection Millennium bcp 102 Manuel amado, Porta grande azul | Large Blue Door, 1985 Óleo sobre tela | Oil on canvas 180 × 115 cm Colecção | Collection Millennium bcp 102 Manuel amado, Terraço com muro quebrado | Terrace with Broken Wall, 1982 Óleo sobre tela | Oil on canvas 110 × 81 cm Colecção | Collection Millennium bcp 103 Manuel amado, O jardim da Luciana | Luciana’s Garden, 1990 Óleo sobre tela | Oil on canvas 146 × 97 cm Colecção | Collection Millennium bcp 103 Manuel amado, Estrada com pinheiro II | Road with Pines II, 1989 Óleo sobre tela | Oil on canvas 162 × 97 cm Colecção | Collection Millennium bcp 104 Manuel amado, O Jardim Botânico I | The Bothanic Garden I, 1994 Óleo sobre tela | Oil on canvas 130 × 162 cm Colecção | Collection Millennium bcp

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lista de exposições | List of Exhibitions

exposições individuais | Solo Exhibitions 2016 • O Verão era assim como uma casa de morar onde todas as coisas estão…, Casa das Histórias Paula rego, Cascais, curadoria de Paula rego, co-curadoria de Catarina alfaro, catálogo com texto de Catarina alfaro 2014 • Os Cavalos, Museu do oriente, lisboa, comissariado de teresa amado e João brandão, catálogo com textos de Carlos Monjardino e José Sasportes 2012 • Na Ermida, ermida de nossa Senhora da Conceição, lisboa, catálogo com poema de Pedro tamen 2011 • Encenações, Sociedade nacional de belas-artes, lisboa, comissariado de teresa amado e João brandão, catálogo com texto de nuno Júdice 2007 • O espectáculo vai começar…, Palácio nacional da ajuda, Galeria D. luiz, lisboa, curadoria de João lima Pinharanda, catálogo com textos de elísio Summavielle, Paulo teixeira Pinto e João lima Pinharanda • PinturaPINTURA, Fundação D. luís i, Centro Cultural de Cascais, Cascais, comissariado de luísa Soares oliveira e teresa amado, catálogo com texto de luísa Soares oliveira 2004 • Manuel Amado. Pintura, Fundación antonio Pérez, Museu de arte Contemporânea, Cuenca, comissariado de teresa amado, Miguel lópez, antonio Pérez • Manuel Amado. Pintura 1992-2004, Sociedade nacional

de belas-artes, lisboa, comissariado de teresa amado e José brandão, catálogo com texto de José Manuel bonet 2002 • Galeria do Palácio, biblioteca almeida Garrett, Porto • Galeria antiks Design, lisboa, catálogo com texto de rosa alice branco 2001 • La grande crue, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, catálogo com texto de Francisco bethencourt e Fernando antónio baptista Pereira • Grupos, Galeria Municipal, tomar, comissariado de José-augusto França • Museu de arte Contemporânea de Pequim, China art Gallery, Pequim, China 2000 • A Casa de Mateus e O Meu Jardim, Galeria dos Coimbras, braga, catálogo com texto de bernardo Pinto de almeida • Viagem à volta de uma estação abandonada, Galeria antiks Design, lisboa, catálogo com texto de eduardo lourenço 1999 • O Jardim Encantado, Galeria antiks Design, lisboa, catálogo com texto de João lima Pinharanda 1998 • Manuel Amado, Lisboa. Pintura 1975-1997, Palácio Galveias, lisboa, comissariado de teresa amado e José brandão, catálogo com texto de José Cardoso Pires • O Conventinho da Arrábida, Fundação oriente, Casa Garden, Macau, catálogo com textos de Carlos Monjardino e Manuel amado • Galeria antiks Design, lisboa, catálogo com texto de José-augusto França

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1997 • biblioteca Municipal Calouste Gulbenkian, Fundação das Casas de Fronteira e alorna, Ponte de Sor, catálogo com texto de Fernando Mascarenhas 1996 • Convento da arrábida, Fundação oriente, Serra da arrábida, Setúbal 1995 • Manuel Amado. Pintura. 1971-1994, Museu da Fundação arte y tecnologia da telefónica de Madrid, Madrid, comissariado de l. ishi-Kawa e Sommer ribeiro, catálogo com textos de Hellmut Wohl, Fernando Castro Florez, Manuel amado • Galeria do Palácio Galveias, lisboa 1994 • O Quarto de Fernando Pessoa | A Casa sobre o Mar, Casa-Museu Fernando Pessoa, lisboa, catálogo Como se Constrói uma Casa / A Casa sobre o Mar, com poemas de Pedro tamen • Galeria Start, bordéus • espaço Cultural do Centro de estudos Judiciários, lisboa 1992 • Galeria nasoni, lisboa, catálogo com texto de Hellmut Wohl

1987 • Patricia Carega Gallery, Washington D.C. • Railway Stations, Smithsonian institute, Wilson Center, Washington D.C., catálogo com texto de bruno Munari 1986 • Comboios, Estações e Apeadeiros, Galeria de São Mamede, lisboa, catálogo com texto de antónio valdemar. • Comboios, Estações e Apeadeiros, banco Comercial Português, sede de lisboa • Comboios, Estações e Apeadeiros, banco Comercial Português, sede do Porto 1985 • Galeria de São Mamede, lisboa, catálogo com texto de eduardo Prado Coelho 1984 • Galeria da Cooperativa Árvore, Porto • Galeria da alliance Française, lisboa, catálogo com texto de vitor Silva tavares 1983 • Galeria de São Mamede, lisboa, catálogo com texto de José Cardoso Pires 1978 • Galeria da Junta de turismo da Costa do Sol, estoril, comissariado de Cruzeiro Seixas

1991 • Manuel Amado. Peintures recentes, Galerie Mouvances, Paris, catálogo com texto de Geneviève Moll 1990 • Manuel Amado. Recent Paintings, anne berthoud Gallery, londres, catálogo com texto de ruth rosengarten • Carega Foxley leach Gallery, Washington D.C. • Galeria nasoni, Porto, catálogo com texto de Jorge borges de Macedo 1988 • Patricia Carega Gallery, Washington D.C. • Galeria de São Mamede, arCo, Feira internacional de arte Contemporânea, Madrid • Galeria de São Mamede, lisboa

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exposições Colectivas | Group Exhibitions 2017 • Mater Dei, Santuário de Fátima, Fátima 2016 • Mater Dei, igreja da nossa Senhora da Conceição velha, lisboa 2015 • A Luz de Lisboa, curadoria de ana eiró e acácio de almeida, Museu de lisboa, torreão Poente do terreiro do Paço, lisboa


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As Casas na Colecção do CAM, Centro de arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, lisboa, curadoria de isabel Carlos e Patrícia rosas

2011 • Casa Comum — obras na colecção do CAM, Centro de arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, lisboa, curadoria de leonor nazaré • Centro de arte Moderna Graça Morais, bragança • Portugal, Pontos de Fuga, Museu da Presidência da república, comemorações do 10 de Junho, Castelo branco 2010 • núcleo de arte Contemporânea (José-augusto França), Museu de tomar, tomar 2009 • exposição itinerante Arte partilhada Millennium bcp 2008 • Linha do Horizonte — o motivo da paisagem na arte contemporânea portuguesa, Caixa Cultural do rio de Janeiro, brasil, curadoria de bernardo Pinto de almeida • Linha do Horizonte — o motivo da paisagem na arte contemporânea portuguesa, Museu nacional de Soares dos reis, Porto, curadoria de bernardo Pinto de almeida 2007 • al Faisaliah Center, riade, arábia Saudita 1998 • Museu de arte Contemporânea de Pequim, China art Gallery, Pequim, China 1994 • bolsa de valores de lisboa, lisboa 1976 • Sociedade nacional de belas-artes, lisboa 1975 • Sociedade nacional de belas-artes, lisboa • Galeria ottolini, lisboa, comissariado de Mário Cesariny e Cruzeiro Seixas

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Manuel amado, Auto-retrato, 1967, รณleo sobre tela, 50 ร 35 cm

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biografia

Manuel antónio Sotto-Mayor da Silva amado nasceu a 13 de Junho em lisboa, quarto dos sete filhos do escritor e encenador Fernando alberto da Silva amado, natural de lisboa, e de Margarida abreu Sotto-Mayor, natural da ilha de São Miguel, açores. até aos 19 anos residiu numa grande casa do século Xviii, propriedade dos avós paternos e actual Museu de lisboa. Passava as férias de verão na praia de São Martinho do Porto. estudou no Colégio Moderno de 1944 até 1956, onde foi actor nos espectáculos de teatro promovidos pelo Colégio e dirigidos pelo actor Manuel lereno, e no teatro da Mocidade Portuguesa (estrutura implementada pelo estado novo para «formação» e doutrinação da juventude), dirigido por antónio Manuel Couto viana. Depois de receber de oferta uma caixa de tintas e um cavalete aos 14 anos, fora desenhando e pintando de forma autodidacta. Durante o último ano do liceu praticou desenho a carvão para poder concorrer ao curso superior de arquitectura. Continuará a ser actor de teatro até cerca dos 20 anos, trabalhando também sob a direcção do seu pai no teatro universitário de lisboa. Fez também, desde cedo, cenários para peças de teatro. em 1957 iniciou o curso de arquitectura e pintou diversos retratos de amigos. em 1959 trabalhou num atelier de arquitectura e no verão foi um mês para Paris, onde grande parte do tempo foi passado na Cinemateca, registando depois os nomes dos filmes que via. o curso de arquitectura será feito com interrupções, pois fora chamado a fazer o serviço militar em 1960 e, com o início da guerra colonial em 1961, foi logo de seguida como oficial miliciano para angola, de onde regressaria em 1963. É em angola que conhece Cruzeiro Seixas. antes de partir, casara com Maria teresa rosa viegas (que depois adopta o apelido amado). em 1964 nasceu o seu primeiro filho, rodrigo, e um ano depois, a filha rita. em 1966 terminou o curso de arquitectura enquanto trabalhava no Gabinete de obras dos edifícios Hospitalares Militares. em Junho de 1968 nasceu a sua filha Joana. em 1971 viajou com teresa e o seu amigo Cruzeiro Seixas ao norte e centro de itália passando pela Catalunha e o sul de França, para ver pintura e arquitectura. Depois do 25 de abril de 1974, projectou a loja 6, em lisboa, um espaço dirigido por teresa amado dedicado à divulgação e venda de produtos de design. ao longo desses anos dedicou-se à pintura de forma intermitente, nas horas vagas. em 1975 e 1976 participou em exposições colectivas na Sociedade nacional de belas-artes e também numa

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colectiva organizada por Mário Cesariny e Cruzeiro Seixas, na Galeria ottolini, em lisboa. Fez o cenário para a peça de Peter Weiss Como o Senhor Mockinpott se libertou dos seus tormentos, levada à cena pelo Grupo 4, no instituto alemão em lisboa. em 1978, a convite de Cruzeiro Seixas, que então dirigia a Galeria da Junta de turismo da Costa do Sol no estoril, fez a sua primeira exposição individual, mas as obras expostas não se destinavam a ser vendidas. no ano seguinte, projectou uma casa para a sua família no sopé da serra de São luís, no Parque natural da arrábida, que viria a ser tema de muitas das suas pinturas. em 1981 mudou para um novo emprego onde o horário de trabalho lhe permitia dedicar mais tempo à pintura. em 1982 vendeu o seu primeiro quadro, a Mário Soares. a partir de 1983 começou a expor regularmente na Galeria de São Mamede em lisboa, na nasoni no Porto, e noutros locais. em 1984 voltou ao palco para contracenar com a artista e amiga lourdes Castro na peça de teatro de almada negreiros Antes de Começar, em quatro espectáculos realizados no Centro de arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian. em 1986 expôs na Galeria de São Mamede a série Comboios, Estações e Apeadeiros. este conjunto foi adquirido pelo banco Comercial Português, que o mostrou de seguida na sua sede em lisboa, aquando da inauguração, e nos anos seguintes por todo o país nas sedes distritais. em 1987 esta série viajou a Washington, onde foi exposta na Smithsonian institution — Wilson Center. Simultaneamente, Manuel amado fez uma exposição de pinturas na Patricia Carega Gallery, na mesma cidade. Durante esta viagem aos eua viu pela primeira vez quadros de edward Hopper que lhe causaram uma forte impressão. a partir do verão de 1987 passou a dedicar-se exclusivamente à pintura. nos anos 1990 exporá novamente nos eua, em londres, Paris, Madrid, Pequim, além de fazer exposições regulares em Portugal. Fez o cenário para a peça irlandesa Playboy of the Western World de J.M. Synge, levada à cena pelo Grupo de teatro da Malaposta. a convite da Casa Fernando Pessoa, pintou o tríptico O Quarto de Fernando Pessoa, que foi exposto em 1994 em simultâneo com a série A Casa sobre o Mar, para a qual Pedro tamen escreveu um poema. a convite da Fundação arte y tecnologia da telefónica de Madrid realizou a primeira exposição antológica — Pintura 1971-1994 — no Museu da telefónica, em Madrid. em 1998, a convite da Câmara Municipal de lisboa e da Fundação Millennium bcp, realizou no Palácio Galveias, em lisboa, uma grande exposição com temática de lisboa. 1999 foi o ano do centenário do nascimento do pai e Manuel amado colaborou em várias manifestações culturais comemorativas da efeméride, entre elas a da execução da capa para o livro À Boca de Cena — Fernando Amado, edição & etc. em 2000 pintou a série A Grande Cheia, que expôs na Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, no início de 2001. no livro bilingue Jogo de Reflexos — Poesia e Pintura — Nuno Júdice e Manuel Amado, publicado em França, nuno Júdice dialoga em poesia com os quadros dessa série. em Maio, a convite de José-augusto França, realizou na Galeria Municipal, em tomar, a exposição Grupos. no dia 31 de Dezembro de 2001 nasceram os netos trigémeos, Manuel, antónio e ana.

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Manuel amado, Paris, verĂŁo de 1959

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Manuel amado, lista de filmes vistos em Paris, Setembro de 1959

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em 2004 teve nova exposição antológica na Snba: Manuel Amado PINTURA 1992/2004. a série O espectáculo vai começar… foi objecto de uma grande exposição no Palácio nacional da ajuda em 2007. em novembro desse ano nasceu a sua neta Maria. em 2009 colaborou na cenografia da peça Menina Júlia de august Strindberg, com encenação de rui Mendes, no teatro nacional D. Maria ii, em lisboa. em agosto nasceu a sua neta laura. voltou ao teatro em pintura com a série Encenações, exposta em 2011 em lisboa, na Snba. em 2016, Paula rego escolheu um conjunto de obras suas para uma exposição na Casa das Histórias, em Cascais. as casas que habitou, o cinema, a praia e o mar, os espaços transitórios e o teatro são a matéria de que é feita a sua pintura. Morreu em lisboa no dia 14 de outubro de 2019. a sua obra encontra-se representada em várias colecções públicas e privadas, nomeadamente Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação das Descobertas (Centro Cultural de belém), Fundação Millennium bcp, Fundação oriente, Fundação eDP, Fundação Portugal telecom, Fundação Cupertino de Miranda, Fundação D. luís i, Fundação das Casas de Fronteira e alorna, Culturgest, Museu da Cidade (lisboa), Casa-Museu Fernando Pessoa, Mu seu de tomar (doação José-augusto França), Museu do Convento de Jesus (Setúbal), Museu da tapeçaria de Portalegre e Museu Colecção berardo. no estrangeiro: Fundação Jacqueline vodoz e bruno Danese (Milão, itália), Fundação antonio Pérez — Museu de arte Contemporânea (Cuenca, espanha).

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Biography

Manuel António Sotto-Mayor da Silva Amado was born in Lisbon on 13 June 1938. He was the fourth of the seven children of Lisbon-born writer and stage director Fernando Alberto da Silva Amado and Margarida Abreu Sotto-Mayor, who was born in São Miguel island, Azores. Until he was nineteen years old, he lived in a large eighteenth-century house owned by his paternal grandparents, which is now home to Museu de Lisboa, Lisbon’s city museum. He used to spend his summer holidays in São Martinho do Porto beach. He studied at Colégio Moderno from 1944 to 1956, where he used to perform in school plays directed by the actor Manuel Lereno, as well as in plays by Mocidade Portuguesa (a structure implemented by the Estado Novo regime for youth ‘formation’) under António Manuel Couto Viana’s direction. He was given a box with a set of paints and an easel when he was fourteen, which led him to take up drawing and painting by himself. During his last year of secondary education, he did charcoal drawing in order to take a degree in Architecture. He continued to be an actor until he was about twenty. He performed under his father’s direction at Teatro Universitário de Lisboa as well. He also designed stage sets from an early age. In 1957, Manuel Amado started his degree in Architecture and painted several portraits of friends. In 1959, he worked in an architecture studio and spent a month in Paris in the summer. Most of his time there was spent at the Cinémathèque — he would note down the titles of the films he saw. His degree in Architecture was interrupted when he was drafted in 1960 and sent to Angola as a second lieutenant following the onset of the Colonial War in 1961 — he returned in 1963. He met poet and painter Cruzeiro Seixas in Angola. Amado had married Maria Teresa Rosa Viegas (later Amado) before he left. His first son, Rodrigo, was born in 1964, and his daughter Rita a year later. He graduated in Architecture in 1966. He was working with the Military Hospital Buildings’ Works Board at the time. His daughter Joana was born in June 1968. In 1971, Amado went to northern and central Italy via Catalonia and the south of France with his wife and his friend Cruzeiro Seixas, to watch painting and architecture. After the 25 April 1974 revolution, he designed Loja 6 in Lisbon, owned by Teresa Amado, where design items were on display and sold. Throughout these years, Manuel Amado dedicated himself to painting on an on-and-off basis in his free time. In 1975 and 1976, he participated in group exhibitions at Sociedade Nacional de

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Belas-Artes (SNBA), as well as in a group show organised by poet Mário Cesariny and Cruzeiro Seixas at Galeria Ottolini, Lisbon. He designed the set for Peter Weiss’s play How Mr Mockinpott Was Cured of His Sufferings, performed by Grupo 4 at Goethe Institut, Lisbon. His first solo exhibition was held in 1978, at the invitation of Cruzeiro Seixas, who was then Head of the art gallery of the local board of tourism in Estoril. The works on display were not intended to be sold. The following year, he designed a house for his family at the foot of São Luís mountain in Arrábida Natural Park, which became a recurrent subject in his paintings. Manuel Amado started a new job, which enabled him to dedicate more time to painting, in 1981. He sold his first painting — to politician Mário Soares — in 1982. He started exhibiting regularly at Galeria de São Mamede, Lisbon, and Porto’s Galeria Nasoni and elsewhere in 1983. In 1984, he returned to stage to act with artist and friend Lourdes Castro in Antes de Começar, a play by Almada Negreiros, in four shows held at Fundação Calouste Gulbenkian’s Centro de Arte Moderna. In 1986, he exhibited his series Comboios, Estações e Apeadeiros at Galeria São Mamede. The series was acquired by Banco Comercial Português and was on display at the opening of its Lisbon headquarters and in its regional head offices across the country in the following years. The series were shown at the Smithsonian Institution’s Wilson Center, Washington, in 1987. Manuel Amado exhibited his paintings at Patricia Carega Gallery, also in Washington, at the same time. Edward Hopper’s paintings, which he saw for the first time during his trip to the USA, made a strong impression on him. He dedicated himself exclusively to painting from the summer of 1987. He exhibited again in the USA, London, Paris, Madrid and Beijing, besides shows in Portugal on a regular basis in the 1990s. He designed the set for Irish playwright J. M. Synge's play The Playboy of the Western World, performed by Grupo de Teatro da Malaposta. At the invitation of Casa Fernando Pessoa, he painted the triptych O Quarto de Fernando Pessoa, which was shown in 1994, together with the series A Casa sobre o Mar, for which Pedro Tamen wrote a poem. His first anthological exhibition — Pintura 1971-1994 — was held at the Museo Telefónica, Madrid, at the invitation of Fundación Telefónica Arte y Tecnologia, Madrid. In 1998, at the invitation of Câmara Municipal de Lisboa (Lisbon City Council) and Fundação bcp, he held a large Lisbon-themed exhibition at Lisbon’s Palácio Galveias. Manuel Amado collaborated in several cultural events commemorating the 100th anniversary of his father’s birth in 1999, such as the design of the cover of the book À Boca de Cena — Fernando Amado, published by & etc. In 2000, he painted the series A Grande Cheia, which he showed at Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, in early 2001. In the bilingual book Jogo de Reflexos — Poesia e Pintura — Nuno Júdice e Manuel Amado, published in France, Nuno Júdice’s poems dialogue with the paintings of the series. In May, he held the exhibition Grupos at Galeria Municipal, Tomar, at the invitation of historian José-Augusto França. Amado’s triplet grandchildren Manuel, António and Ana were born on 31 December 2001.

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A new anthological exhibition at SNBA — Manuel Amado PINTURA 1992/2004 — was held in 2004. A major exhibition of his series O espectáculo vai começar… was held at Palácio Nacional da Ajuda in 2007. His granddaughter Maria was born in November of that year. In 2009, he collaborated in the set design of August Strindberg’s play Miss Julie, staged by Rui Mendes, at Teatro Nacional Dona Maria II, Lisbon. His granddaughter Laura was born in August. Theatre was the subject of his series Encenações, showcased at SNBA, Lisbon, in 2011. In 2016, painter Paula Rego selected works by Manuel Amado for a show at Casa das Histórias, Cascais. The houses in which he lived, cinema, the beach and the sea, transitory spaces and theatre are the stuff his paintings are made of. He died in Lisbon on 14 October 2019. Manuel Amado’s work is represented in several public and private collections, namely Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação das Descobertas (Centro Cultural de Belém), Fundação Millennium bcp, Fundação Oriente, Fundação EDP, Fundação Portugal Telecom, Fundação Cupertino de Miranda, Fundação Dom Luís I, Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, Culturgest, Museu da Cidade (Lisbon), Casa-Museu Fernando Pessoa, Museu de Tomar (José-Augusto França donation), Museu do Convento de Jesus (Setúbal), Museu da Tapeçaria de Portalegre and Museu Colecção Berardo. Abroad, in the Fondazione Jacqueline Vodoz e Bruno Danese (Milan, Italy) and Fundación Antonio Pérez — Centro de Arte Contemporaneo (Cuenca, Spain).

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EXPOSIÇÃO | EXHIBITION

FUNDAÇÃO ARPAD SZENES – VIEIRA DA SILVA Conselho de Administração | Board of Directors António Gomes de Pinho – Presidente | President João Corrêa Nunes – Vice-Presidente | Vice-President Simonetta Luz Afonso Rita Faden José Manuel dos Santos Raquel Henriques da Silva Vera Nobre da Costa

Gestão e conservação | Management and Conservation Millennium bcp Produção | Production Sandra Santos Sandra Quintas Sofia Sutre

Director | Director Marina Bairrão Ruivo

Equipa de montagem | Display Staff António José Pereira Carlos Nogueira Renato Santos

FUNDAÇÃO MILLENNIUM BCP

Comunicação | Media Department Inês Eva

Conselho de Administração | Board of Directors António Vítor Martins Monteiro – Presidente | President Maria de Fátima Coelho Dias Artur Frederico Silva Luna Pais Mário António Pinho Gaspar Neves Ricardo Potes Valadares

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Curadoria | Curator Mariana Pinto dos Santos


121-152_Manuel Amado_Pintura sem alibi.qxp:24x28cm 21/06/20 11:56 Página 151

CATÁLOGO | CATALOGUE

© Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, 2020 © Sistema Solar Crl (chancela Documenta) imagens | plates © Herdeiros de Manuel Amado textos | texts © os Autores | the Authors Todos os direitos reservados. Esta obra não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por qualquer forma ou quaisquer meios electrónicos, mecânicos ou outros, incluindo fotocópia, gravação magnética ou qualquer processo de armazenamento ou sistema de recuperação de informação, sem prévia autorização escrita dos editores [ All rights reserved. No part of this publication may be printed or used in any form or by any means, including photocopying and recording, or any information or retrieval systems, without permission in writing of the publishers ]

Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva Praça das Amoreiras, 56-58 1250-020 Lisboa www.fasvs.pt Sistema Solar / Documenta Rua Passos Manuel, 67 B 1150-258 Lisboa www.sistemasolar.pt ISBN: 978-989-9006-38-6 Concepção | Concept Mariana Pinto dos Santos Design gráfico | Graphic Design Manuel Rosa Revisão | Proofreading Sandra Santos Helena Roldão Traduções | Translations José Manuel Godinho José Gabriel Flores Fotografia | Photographs António Lanceiro Horácio Novais José Neves Pedro Alboim Depósito legal | Legal Depot : ?????????/20 Impressão e acabamento | Printing and Binding Gráfica Maiadouro SA Rua Padre Luís Campos, 586 e 686 (Vermoim) 4471-909 Maia

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