MÁRIO CESARINY E
ANTONIO TABUCCHI
C artas e outros textos
MÁRIO CESARINY E ANTONIO TABUCCHI
Cartas e outros textos
edição de Fernando Cabral Martins com a colaboração de Maria José de Lancastre DOCUMENTA
FUNDAÇÃO CUPERTINO DE MIRANDA
PREFÁCIO
Maria José de Lancastre
Antonio Tabucchi, Maria José de Lancastre e Mário Cesariny, 1970 .CRÓNICA DE UM ENCONTRO NOS
TEMPOS DA PALAVRA INTERDITA
Antonio Tabucchi veio a Portugal no rasto de um poeta: Fernando Pessoa, ou melhor Álvaro de Campos, de quem lera por acaso o poema «Tabacaria» . Quis aprender a língua do autor do poema e para isso inscreveu-se na cadeira de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Pisa, que então frequentava . O seu mestre foi uma professora especial, bela, inteligente e culta, Luciana Stegagno Picchio . Antonio quis conhecer o país onde se falava aquela língua e ao qual pertencia aquele poeta e, na Primavera de 1965, com o seu Fiat 500, chegou a Portugal . Aí conheceu uma portuguesa com quem falou de Pessoa, e com quem continuou a trocar correspondência até ao ano seguinte, quando se tornaram namorados, vindo depois a casar (1970) . Mas até lá, veio amiúde a Portugal (a sua mestra atribuiu-lhe mais de uma vez a bolsa de Verão que a Fundação Gulbenkian enviava à Universidade) e começou a interessar-se pelo Surrealismo português, sobre o qual havia muito pouco material crítico, praticamente nada, em vista da sua futura tese de licenciatura . Conheceu então (1967) dois membros ilustres daquele movimento, dois grandes poetas, Alexandre O’Neill e Mário Cesariny de Vasconcelos, com quem passou muitas horas, primeiro para os entrevistar e depois, com sempre maior intimidade, já com laços de amizade, só pelo prazer de estarem juntos .
Cesariny e O’Neill já então não se falavam, consequência das zangas ligadas ao Movimento Surrealista, mas quer um quer outro, ao falarem
do «outro», faziam-no com ironia ou condescendência fingida ou irritação, mas percebia-se que se estimavam, e que havia um lastro de afecto lá no fundo, entre eles .
O rapaz italiano despertou o interesse dos dois poetas quer pela sua bagagem literária (conhecia bem a obra de Breton, Péret, Artaud…) quer pelas suas qualidades humanas, uma sobretudo: o humor corrosivo e a réplica pronta dos toscanos; quando estavam para aí virados, os diálogos, quer com um quer com o outro, eram um fogo de artifício de graça e inteligência . E, se com O’Neill se faziam sobretudo serões lúdicos de leitura de poesia (com uma panóplia incrível: possuía as obras dos poetas americanos contemporâneos, dos espanhóis, dos gregos, dos ingleses, dos russos…), o Mário, por sua vez, dedicava grande parte do tempo que passava connosco a instruir-nos acerca daquilo que era importante exportar sobre a história do Surrealismo português, sobre a figura estelar de António Maria Lisboa, sobre os desvios arrogantes das suas «bêtes noires» que eram António Pedro, Jorge de Sena e José-Augusto França, e ainda sobre os golpes baixos dos neo-realistas, e sobre os erros da academia e da crítica .
Com ele, encontrávamo-nos nas pastelarias da rua Alexandre Herculano, na Paraíso ou na Coimbra . O Mário era uma personagem fascinante: tinha modos de príncipe e frugalidade de pobre; era sério e espirituoso; era pérfido, cáustico, e também carinhoso e gentil; era teatral a contar as intrigas do meio literário, ríamos muito . Era um sedutor incrível, e perfeitamente ciente desse poder . Nos Verões de 1968 e 1969 fomos muito à praia juntos, no Fiat 500 do Antonio, e almoçámos também algumas vezes em tasquinhas lisboetas . Frequentámos o seu atelier da Calçada do Monte e a Galeria S . Mamede . Em Janeiro de 1970, o Antonio e eu casámos em Lisboa e o Mário veio ao casamento .
Ofereceu-nos um quadro muito bonito: Diante dos teus olhos — Zaratustra, de 1966 .
A tese do Antonio, discutida em Junho de 1969 e premiada com votação máxima e louvor, deu origem à sua primeira publicação, o volume La Parola Interdetta. Poeti Surrealisti Portoghesi, que saiu em Janeiro de 1971 na Einaudi, uma das mais prestigiosas editoras italianas . Chegava assim ao público italiano um estudo sério e original, com intuições válidas ainda hoje, que teria obviamente interessado os leitores portugueses da altura . Dois longos artigos de intelectuais conhecidos (Dario Puccini e Angela Bianchini), em jornais de projecção nacional, Paese Sera e La Stampa , dedicaram-lhe palavras de encómio: «… o livro, da autoria de um jovem estudioso, é exemplar pelo interesse da matéria, pela precisão da informação, pela base filológica e histórica tornada acessível não só para os especialistas mas também para o público mais vasto»1 .
O volume consistia numa extensa antologia da obra poética de Cesariny, O’Neill e António Maria Lisboa, em tradução italiana e com o texto português na página ao lado, antecedida pela análise crítica das respectivas obras e acompanhada por uma ampla e original introdução acerca das características do movimento português, das analogias com o seu antecessor francês e também com o movimento espanhol contemporâneo . Tabucchi incluía ainda no volume uma escolha de poemas de Fernando Alves dos Santos, Herberto Helder e Cruzeiro Seixas, uma
tábua cronológica e uma bibliografia específica, forçosamente magra, e ainda alguns exemplos de «Cadáveres Esquisitos» . É evidente que, ao escrever a sua introdução, Tabucchi seguira a linha do que para ele estava o mais próximo possível da verdade histórica, ou seja, o que resultava dos testemunhos dos vários participantes e não só a versão do Mário, que ele pretendia que fosse aceite sem discussão1 . Em Portugal o livro teve pouco ou nenhum eco: aliás, praticamente, ninguém sabia italiano para poder ler o estudo do Antonio . Para obviar de certo modo a isso, enviámos para o Diário de Lisboa uma entrevista feita por mim ao Antonio, que o jornal publicou a 1 de Abril (1971) . Era, evidentemente, uma entrevista combinada, um subterfúgio, em que ele podia dar a conhecer algumas das suas conclusões mais originais, falar de Cesariny e O’Neill enquanto vozes europeias, ou emitir um juízo sobre a poesia de Herberto Helder . A primeira pergunta que lhe fazia era sobre o significado de parola interdetta, «palavra interdita», a que ele respondeu: «“Interdetto” não significa apenas “proibido” . Significa também diminuído, privado duma sua faculdade . O
1 Mário era ferozmente assertivo quanto à história do Movimento, não suportando outras versões além da sua, salvo vir a contradizer-se depois tranquilamente É o caso da importância do livro de Maurice Nadeau, Histoire du surréalisme, para o grupo de jovens dos anos quarenta de que fizera parte: um livro teórico, de certo modo didáctico, indigno de fazer parte do mito da criação do Movimento . Tentou, sem conseguir, fazer esquecer a A . Tabucchi esse «manual»: «Favor não insistir na história do Maurice Nadeau . O Nadeau, que é o José-Augusto França em melhorzinho (Paris) não me deu nada . Que poderia ele dar? (Ou dar-nos, a nós, aqui?)» (carta de Setembro de ’71); ou ainda: «Aqui fomos sempre contra o Maurice Nadeau!» (carta de 5 02 ’73); e depois, anos mais tarde, a propósito de O’Neill: «Nunca esquecerei a nossa camaradagem, nos anos 46-48 (mesmo antes!), nem o dia em que ele apareceu no café com a Histoire du surréalisme, de Nadeau, debaixo do braço . Passou-me simplesmente o alfarrábio, e disse: Tens de ler isto! Isto era o Surrealismo» (carta a Vancrevel de Maio de ’86) .
Movimento Surrealista na prática não chegou nunca a agir em Portugal — neste sentido, podemos dizer que não existiu . Existem os poetas surrealistas, existe a poesia surrealista (extraordinariamente bela) . O Verbo surrealista que, segundo a intenção de Breton, deveria actuar sobre a vida, estabelecer uma ponte com ela, em Portugal não superou a fase da Poesia . Trata-se, pois, também neste sentido, de uma “parola interdetta” . Por outro lado, esta condição tão portuguesa (a expressão poética apenas), favoreceu paradoxalmente a Poesia . A poesia surrealista portuguesa, sem a arrogância bretoniana, na sua angústia, no seu grito sumido, é fascinante . É sem dúvida uma das mais belas poesias da Europa pós-bélica» .
Em La Parola Interdetta, o Antonio publicara 21 poemas de Cesariny, mas de seguida continuou a traduzir a sua obra e a pensar publicá-la num volume exclusivo, dando também a conhecer a sua obra pictórica, e foi assim que, aproveitando os recentes conhecimentos na editora Einaudi, pôde publicar numa nova e muito cotada revista de arte, Quinta Parete (Verão 1972) três reproduções de pinturas de Cesariny (Le prestigitateur organise la fête, 1970; O Operário, 1947; Visitez l’oiseau-lyre, 1968), e a tradução de mais um poema, com o texto original ao lado («Passagem dos Amantes Justiçados») . Acompanhava o todo uma apresentação do poeta-pintor, desta vez escrita com à-vontade para um público mais heterogéneo de leitores: «… Cesariny escreve com as cores, pinta com as palavras . O seu delírio ambíguo, a alegre angústia da cor, é a luminosa melancolia de Lisboa, seu Éden e inferno . Nesta luz de aquário precariamente enfeitiçado soltam-se pássaros marinhos, amantes imaginários, navios iluminados, mas também suplícios, crianças emudecidas, prisioneiros . E o surrealismo renova-se, pois Cesariny encontra o desconhecido no real quotidiano, é seu, e está nele . Assim
“como os olhos da mosca reflectem os objectos”, para utilizarmos o verso dum poema seu, a pintura de Cesariny é um navio de espelhos que navega na realidade, reflecte-a descompondo-a, desligando-a da tenebrosa e incompreensível totalidade . E exorciza-a .»
Por razões editoriais, o volume dedicado à pintura de Cesariny não chegou a ver a luz . Em vez dele resta-nos apenas uma página de bibliografia, uma lista de 13 quadros para serem reproduzidos, e este significativo esboço de uma nota introdutória: «O incauto leitor que pretendesse inscrever a pintura de Cesariny nos termos de um surrealismo abstracto (à maneira de Gorki ou de Matta, por exemplo), ficaria inevitavelmente excluído de todo o substrato que ela esconde: a poesia, que antes de ser iconográfica é verbal . A pintura de Cesariny está, portanto, intimamente ligada à poesia de Cesariny: a impulsioná-la são os mesmos humores (o sarcasmo, a paródia, a mistificação), os mesmos temas (a epifania impossível, as correspondances, a expectativa do acontecimento milenarístico e mágico), os mesmos estilemas (o Mago, Hamlet, o Incêndio, os Pássaros) . É, por conseguinte, uma pintura que tem de ser lida num contexto mais largo, como tem de ser lida a pintura dos poetas, de Blake a Hugo, de Baudelaire a Michaux . E que não haja equívocos: o que quero dizer não é que ela seja um apêndice ou um complemento da actividade poética; mas antes uma tradução e, amiúde, uma retroversão .»
Nós continuámos a vir a Portugal no Verão, mas o convívio com o Mário foi-se espaçando, havia ferrugem entre nós, ele dizia que não conseguira ler o ensaio italiano mas que ouvira boatos sobre afirmações sacrílegas aí contidas . Percebemos que tinha alguma influência a
sua relação com um surrealista holandês, Laurens Vancrevel . Mas foi só em 2017, quando se publicaram aqui as cartas do Mário para ele1, que percebi que o mesmo Vancrevel fizera, em 1971, uma recensão extremamente negativa ao livro da Einaudi numa revista de Bruxelas chamada Gradiva 2 . Passaram alguns anos . Houve uma revolução . O Antonio publicou um primeiro livro de ficção em 1975 (Piazza d’Italia) e um segundo em 1978 (Il Piccolo Naviglio), mas continuava a exercer a profissão de professor universitário, em Roma e Génova, ocupando-se de literatura portuguesa; eu ensinava na Universidade de Pisa . E em Pisa havia um jovem editor, Giardini, que começara a publicar textos e revistas de carácter universitário . Resolvemos então, com Luciana Stegagno Picchio, concretizar um projecto ambicioso: publicar uma revista sobre literatura portuguesa que pudesse interessar um público de leitores exigentes, que praticamente desconheciam quase tudo da cultura de Portugal, do qual se falava então um pouco mais, devido à revolução . Chamámos-lhe Quaderni Portoghesi, teve publicação bienal e chegou ao número 24 . Os dois primeiros números (Primavera e Outono 1977) foram dedicados a Fernando Pessoa e o terceiro (Primavera 1978) ao Surrealismo português .
1 Mário Cesariny, Um Rio à Beira do Rio. Cartas para Frida e Laurens Vancrevel, Documenta / Fundação Cupertino de Miranda, Lisboa / V N Famalicão, 2017, pp 86, 93
2 A curiosidade levou-me agora, em Setembro de 2023, a procurar obter esse artigo, da tal revista belga . Ao lê-lo, pasmei ante a má-fé e a ausência de escrúpulos de quem «cozinha» uma recensão sem conhecer as línguas e as obras de que fala . Mas o tempo (por vezes) faz justiça, e tout se tient .
Este terceiro número dos Quaderni era, e é ainda hoje, extremamente interessante . Tinha, é claro, muita coisa que não podia agradar ao Mário, pois colaboravam nele figuras suas «inimigas»: Jorge de Sena, amigo da Luciana, entre outras afirmações polémicas, declarava-se precursor do movimento e atribuía-se a descoberta de António Maria Lisboa! José-Augusto França falava das revistas surrealistas, não citava Cesariny e citava mais do que uma vez António Pedro . João Nuno Alçada analisava detalhadamente a obra Apenas Uma Narrativa deste último…
A ausência de Cesariny era uma cratera .
A colaboração de Alexandre O’Neill era uma das mais interessantes porque relatava a sua participação no movimento praticamente do início, quando três ou quatro poetas e pintores que se tinham estreado com o engagement neo-realista entraram em conflito com alguns conceitos então muito difusos tais como o célebre mot d’ordre: é necessário escrever com linguagem simples para chegar à gente comum, e, entre outras coisas significativas, referia pela primeira vez a importância que teve para os surrealistas portugueses a obra de Carlos Drummond de Andrade «enquanto proposta de desarticulação do discurso poético» .
Se Luiz Francisco Rebello falava do teatro surrealista em Portugal, no caso de Almeida Faria, narrador pertencente a uma geração vinte anos mais nova, o tom era mais aceso e até mesmo polémico em relação à figura de António Maria Lisboa, mas atribuía aos surrealistas portugueses o grande mérito de terem desde o início atacado a estética neo-realista, e de continuarem a ser um ponto de referência . E é evidente que a afronta mais grave foi, para o Mário, o facto de Cruzeiro Seixas, com quem aliás tinha já praticamente cortado relações, ter colaborado
na revista . Cruzeiro e Alfredo Margarido falavam nos seus artigos do pequeno grupo surrealista a que pertenciam, na Luanda dos anos cinquenta, e Cruzeiro Seixas atrevera-se a dizer que «ainda hoje» não se considerava surrealista .
Duas ilustres colaborações estrangeiras enriqueciam o número da revista, focando sobretudo o movimento de Breton mas tocando ao de leve também o movimento português: a francesa Jacqueline Risset e o italiano Edoardo Sanguineti, ambos conhecidos poetas, ambos docentes universitários e críticos militantes, uma pertencente ao Grupo Tel Quel, outro ao «Gruppo ‘63» . Os seus textos (como os de quase todos os colaboradores do número) eram ricos de conteúdo, com observações originais, e teriam sem dúvida interessado o Mário, se os tivesse lido .
Antonio Tabucchi tinha evidentemente convidado o Mário para participar no Quaderno, tinha-lhe pedido que escrevesse um texto de propósito para esse fim . Mário dissera que sim, mas adiava a entrega, soubera talvez quem eram os outros participantes, e pode ter rejeitado a ideia de participar numa iniciativa académica . Num postal de Fevereiro desse ano de 1978, aqui incluído, invocava para o adiamento um argumento de primeira importância: a saída para breve de um volume «indispensável», com a obra reunida de António Maria Lisboa, com inéditos vários . Por outro lado, o editor não nos dava trégua, o número da revista estava composto, outro número vinha a caminho, tínhamos furado os prazos, tivemos de fechar o número .
Mário congeminou uma bela vingança, um artigo sarcástico para o Jornal Novo, em veste de texto dramático, com um diálogo entre os
Marretas intitulado «Apólogo do Grupo Surrealista de Pisa» . O jornal publicou-o a 21 de Agosto de 1978, acompanhado pela longa resposta de Cruzeiro Seixas («Sacaníssima Visão»), esta de nível muito baixo, sem metáforas, com laivos de «zanga de faca e alguidar» . Entre outras coisas atirava ao Mário com um episódio em que nós (eu e Antonio Tabucchi) resultávamos traidores às leis da hospitalidade, o que era falso1, «esquecendo» aliás uma ocasião anterior em que, ao virmos a Portugal, lhe entregáramos (a ele, Cruzeiro Seixas) a nossa casa em Itália, a ele e a três amigos dele que então não conhecíamos: Teresa e Manuel Amado, e Ana Viegas .
Com o Mário, ficámos vinte anos sem nos vermos ou falarmos . Em 2000, numa minha estada em Portugal sem o Antonio, encontrámo-nos e pediu-me para ir vê-lo a casa . Assim fiz, foi um encontro muito intenso e afectuoso (e melancólico, não obstante rirmos muito) . Ofereceu-me um quadro, um desenho com collages, com o tema da guerra e com uma dedicatória tranquila, de quem esteve longe uns dias: «Para a Maria José e para o Antonio este óptimo aspecto da chamada civilização ocidental, desde o século XIII até hoje . Abraço do Mário» .
1 Setembro de 1971, durante as nossas férias anuais em Portugal Eu e o Antonio e o nosso filho Miguel de um ano, fomos passar uns dias com a minha família numa quinta que a minha mãe tinha no Minho . Antes de deixar Lisboa, o Antonio disse calorosamente ao Mário que seriam hóspedes bem-vindos quando fossem a caminho de Amarante (Casa de Pascoaes) . Tratou-se de uma ignorância de códigos: a minha mãe afirmou-nos que os receberia com a maior simpatia, com um óptimo jantar e um serão de conversa animada, mas que para ela era realmente impensável ter a dormir em casa dois homossexuais assumidos Eu e o Antonio percebemos que não havia nada a fazer e fomos alugar um quarto para eles na pensão Albano em Felgueiras . O Mário percebeu que aquilo não tinha a ver com nós os dois, Cruzeiro Seixas evidentemente não, se conta a história daquela maneira sete anos mais tarde .
CARTAS DE MÁRIO CESARINY A ANTONIO TABUCCHI
E A MARIA JOSÉ DE LANCASTRE (1970-2000)
Mário Cesariny, 1970 . Fotografia de Antonio Tabucchi .14 DE MARÇO DE 1970
Parigi 14 Março
Minha cara (Rosto Meu, Foste Tu, etc .) Zé
Muito muito obrigado pela sua carta que só agora recebo aqui em Paris, entre o Sena a subir, neves a descer e uma Torre Eiffel pela primeira vez muito parecida às do Delaunay, vista à chuva cerrada e ao floco de neve . Nada me agradaria mais que aceitar agora o vosso convite e ir directamente para Follonica . Follonica? Mas estou um gato velho, com uma pata um pouco a abanar para o lado, e, neste interim, parece-me melhor regressar a penates . De Lisboa veremos quando há-de poder ser isso .
Quanto à sua amiga Teresa Cabral, acho altamente excitante a pintura afresco, e tentarei ligar para ela quando esteja em Lisboa (sigo amanhã) .
Recebi no mesmo dia, de ontem, uma carta do Einaudi . Respondo hoje também contando da grande honra, do prazer nem lhe falo, de ser traduzido e propalado pelo esposo da senhora Tabucchi . Ao qual pediria só e ainda, dadas como é direito todas as necessárias autorizações, que registasse, na dita publicação, que o copyright é meu . Isto prevenindo qualquer ideia sinistra dos jesuítas de Lisboa (Livraria Morais Editora) .
Está aí o frio que está aqui? E o rio? O rio,
Grande abraço do vosso
Mário Cesariny
POSFÁCIO
Fernando Cabral Martins
UMA QUESTÃO DE TEMPO
Esta é a história de um desencontro . Cesariny, como o surrealismo, considerava a universidade um inimigo, e Tabucchi, para todos os efeitos, era em 1971 um universitário . Mesmo se, no caso dele, havia por parte do poeta o agrado de ver como a sua poesia e o seu lugar no surrealismo português eram reconhecidos — pela primeira vez — por um leitor com a distância crítica e a óbvia inteligência de Antonio Tabucchi .
Aqui, nos textos que documentam o contacto directo entre ambos do final dos anos 60, pode ver-se uma ilustração do modo como a história do surrealismo foi sendo feita, com que ritmo e a partir de que posições . E que implica a consciência, por parte do poeta, da importância do sentido que a crítica atribui à História, capaz (ou não) de tornar o passado digno do presente, ou vice-versa . E manifesta, por parte do jovem crítico italiano, a intuição da grandeza de um movimento que evoluía na sombra, num carceral jardim à beira-mar .
O surrealismo português já tinha atingido no final dos anos sessenta uma definição que tornava possível, de um ponto de vista exterior, descomprometido, fazer uma avaliação de conjunto . Cesariny tinha publicado os seus principais livros: 1956, Manual de Prestidigitação; 1957, Pena Capital; 1959, Nobilíssima Visão; 1965, A Cidade Queimada . E também as três antologias em que faz o balanço das actividades do grupo: 1961, Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito; 1963, Surreal/Abjeccion(ismo); 1966, A Intervenção Surrealista .
Tabucchi marca, pois, uma data importante, em 1971, com a sua antologia La Parola Interdetta — Poeti Surrealisti Portoghesi, um estudo
coerente, que faz uma descrição e procede a uma análise ainda hoje interessantes pela precisão e profundidade — apesar de ter que ver com uma data em que os poetas surrealistas, ou aqueles para quem esse adjectivo era determinante, ainda estavam em plena actividade e surpreendiam a cada novo livro . Quanto à crítica portuguesa, só em 1986, sob a forma de uma tese de doutoramento apresentada por Maria de Fátima Marinho à Universidade do Porto, há-de produzir o primeiro estudo de fôlego sobre o surrealismo .
Tabucchi, na longa introdução que acompanha a sua antologia, começa por notar o atraso crónico dos movimentos culturais portugueses em relação aos europeus . É um tema obrigatório . Mas, se a distância entre o Manifesto do Surrealismo de André Breton em 1924 e a aparição pública do surrealismo português em 1948 não podia ser ignorada, o comentador reconhece que o movimento é «genuíno e espontâneo» e não está enfeudado à «dimensão francesa» . Mário Cesariny, na carta a Tabucchi de Setembro de 1971 que se pode ler aqui, acrescenta o peso das condições políticas e económicas em que se vivia, a marginalização e a miséria do ser português e surrealista ao tempo de Salazar .
Um ponto que ilustra este tema incómodo é o curioso episódio da descoberta do surrealismo por Cesariny . Escreve Tabucchi em La Parola Interdetta que foi António Pedro quem trouxe para Portugal a Histoire du surréalisme de Maurice Nadeau, publicada em 1945, cuja leitura havia de desencadear nos jovens artistas a adesão imediata a uma ideia de arte revolucionária nos antípodas do neo-realismo . Ora, Cesariny reage fortemente a uma narrativa que privilegia o papel de António Pedro . Para ele, é importante esclarecer que a mão que trouxe o livro de Maurice Nadeau foi a de Alexandre O’Neill . Não tinha acontecido uma lição de um mestre, mas um gesto que ligara dois poetas .
O certo é que, na Histoire du surréalisme se encontra, logo a abrir, uma advertência que pode ter impressionado os seus leitores portugueses:
«Uma história do Surrealismo! Como se o Surrealismo estivesse morto! Mas não é essa a nossa ideia . O estado de espírito surrealista, ou, melhor dizendo, o comportamento surrealista é eterno . Entendido como sendo uma certa disposição, não propriamente a transcender o real, mas a aprofundá-lo, a “ganhar uma consciência cada vez mais clara, e ao mesmo tempo cada vez mais apaixonada, do mundo sensível”»1 . Assim, Nadeau declara que o surrealismo está bem vivo, que continua vivo, definindo-o como «consciência» do «mundo sensível» — quer dizer, consciência das analogias secretas, das correspondências que o sonho encontra, da alquimia também chamada montagem .
Uma parte importante da introdução em La Parola Interdetta é a sua aproximação temática de uma poesia que diz marcada pela frustração e pela angústia, muito longe da ambiência de sonho, desejo, amor louco que envolve a corrente francesa original . Nela se lê: «Este é um mundo a preto e branco, liso, lunar, espectral, onde reina a hostilidade e a dificuldade» . Tal negrume português advém da privação de liberdade e da noção de irrelevância social, o que reclama a provocação pelo nonsense e o sarcasmo desesperado, reactivando, com o twist do humor negro, a tradição portuguesa da sátira, dos trovadores a Gil Vicente, de Chiado, Correia Garção, Tolentino, ao Abade de Jazente, a Gomes Leal ou Junqueiro . E refere ainda o abjeccionismo, o terrível ismo que traduz em português o surrealismo, e de que ainda hoje falta avaliar devidamente a relevância . E que, de resto, talvez não seja sequer tradução .
Depois, há uma ideia em La Parola Interdetta que suscita particular incómodo a Cesariny, a de colocar Pessoa como o grande precursor do surrealismo . Na verdade, a própria obra de Mário Cesariny permite tirar essa conclusão, dado o poema singular de 1953 que é Louvor e
1 Maurice Nadeau, Histoire du surréalisme (1945), Paris, Seuil, 1964, p . 4 .
Simplificação de Álvaro de Campos . Mas o progressivo desenvolvimento da celebridade de Pessoa no mundo foi induzindo, inversamente, a desvalorização de uma figura a tal ponto desmedida . Pelo que, numa entrevista de 19891, contemporânea da primeira edição d’O Virgem Negra, Mário Cesariny será implacável: «Verdadeiramente, a voz precursora do nosso movimento foi a do poeta Teixeira de Pascoaes .»
No entanto, Louvor e Simplificação… não é caso único em Cesariny, e, por exemplo, no primeiro opúsculo por ele publicado, em 1950, o poema Corpo Visível parece igualmente marcado pela leitura de Fernando Pessoa — de seu nome verdadeiro Álvaro de Campos . O deambular pela cidade que vai gerando imagens, como num caleidoscópio ou no fluir de um sonho, é atravessado por sensações que se cruzam no texto . Há a presença de Pessoa, pelo menos, na medida em que aquela escrita só é possível depois de ter lido Pessoa — tal como há a evidência de um estilo novo . O acento com que as palavras ocorrem e o volume quase wagneriano que atingem cria, na sucessão dos quadros de Corpo Visível, um tipo de lirismo que não vem de Pessoa . Assim, quando Tabucchi escreve (um pouco mais tarde, em artigo de 1972) que «Cesariny escreve com as cores, pinta com as palavras», está a definir uma poesia solta de laços precursores, um olhar colorido, material, vibrante . No processo do seu trabalho sobre os surrealistas portugueses, Tabucchi inicia em 1970 uma troca de correspondência com Mário Cesariny, o poeta mais representado na antologia La Parola Interdetta .
1 Uma Última Pergunta — Entrevistas com Mário Cesariny (1952-2006), Lisboa / V.N . Famalicão, Documenta / Fundação Cupertino de Miranda, 2020, p . 242 .
Em algumas das cartas agora publicadas pode ler-se o desacordo de Cesariny com vários tópicos do ensaio de Tabucchi de 1971 . Depois, esse desacordo é amplificado no prefácio de Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial, de 1977, de um modo eloquente, mesmo se pouco específico: «Expondo-se mais e pior o ensaio de Tabucchi sobre “os poetas surrealistas portugueses”, não nos dispensaremos de verter, de passagem, uma sentida lágrima pelo cliché miserabilista traçado por Tabucchi com uma espécie de arrasto que até agora só era costume de fazer com os legumes da “consciência infeliz” ou com a discipulagem da era existencialista do Café de Flore, Paris, fim de Segunda Guerra Mundial . Apenas da existência da ditadura (1926-1974) impeditiva de um momento surrealista aqui, tira A . Tabucchi somas e subtracções que nos fazem acreditar, sem grande margem de erro, que este ensaísta nunca esteve preso, nem num país nem numa cela, ignorando tudo o que um regime prisional, cela ou país, pode ocasionar como afirmação de indestrutível e inalienável liberdade . Como também não sabe que os regimes fascistas e sociais-fascistas prendem as ideias e as pessoas, não porque acreditem que elas na cadeia sejam menos ideias e pessoas, mas por terem medo pânico delas . Pelo menos neste aspecto — dando de largo outros, de forma alguma menos importantes, deixamos à ensaística italiana o cuidado de aperceber-se um dia da inaguentável frivolidade de Tabucchi quando “compõe” a sua “introdução geral” aos inditosos poetas — ficamos no direito de ignorar A .T. como um contemporâneo de Sade (íamos escrever: de Gramsci»1 . É um comentário que prova a relativa impenetrabilidade dos dois entendimentos do poético, mas também a delicadeza de uma discussão concreta em que, de um lado, está um leitor, Tabucchi, que trata
com objectividade crítica aquilo que, do ponto de vista de Cesariny, não é objectivável: os traços gravados de uma experiência pessoal .
Outro momento significativo, na relação entre Tabucchi e Cesariny, é, em 1978, a publicação de um número dos Quaderni Portoghesi, dedicado ao surrealismo português, para o qual a colaboração de Cesariny fora pedida com especial insistência, sem sucesso . De facto, esse número de uma revista editada pelas universidades de Roma e de Pisa, cujo «Editorial» era assinado por Tabucchi, tinha tudo, a priori, para afastar Cesariny, que, como atrás referido, associava instituições como essas à defesa da racionalidade e da regra, ou seja, daquilo mesmo contra o que o surrealismo era a revolta .
No «Editorial» desse número, é desenvolvida a ideia de que o Orpheu fora uma coligação de individualidades geniais, mais do que um verdadeiro grupo, e que as gerações seguintes, a presença e o neo-realismo, se tinham empenhado sobretudo na desvalorização da vanguarda . E, em contrapartida, o surrealismo seria um verdadeiro grupo, regressando à lógica própria da vanguarda . Segundo este entendimento, entre o surrealismo e Orpheu estabelece-se uma ligação de tal maneira forte e directa que aquele é a realização última deste, enquanto grupo de vanguarda . O surrealismo cumpre Orpheu .
Assim, Mário Cesariny saudara, em 1963, os 70 anos de Almada declarando, entre outras coisas, que Orpheu é surrealista1 . De resto, a publicação de Nome de Guerra em 1938, tanto quanto a dos volumes fundamentais da obra poética de Pessoa entre 1942-1946, são marcos miliários para a geração dos surrealistas .
1 «Orfeu Tem Setenta Anos», Jornal de Letras e Artes, 3 de Abril de 1963 .
A leitura de Tabucchi parece corresponder à realidade textual e histórica, pelo que é verosímil dizer que Orpheu era, de algum modo, o surrealismo antes do surrealismo . Ora, Orpheu estava em perfeita sincronia com a vanguarda europeia, em notável excepção, portanto, à regra do atraso sistemático sublinhada sete anos antes no seu livro da Einaudi . A isto, junta-se o facto de o surrealismo de 1947 ser muito diferente do surrealismo de 1924, e ter antes que ver com a pós-vanguarda sua contemporânea . Isto implica, como escreve Cesariny em carta a Tabucchi, que o grupo dos surrealistas portugueses «conhece e ultrapassa certas condições e certas contradições do movimento surrealista no estrangeiro, nesse final dos anos 40»1 .
Pouco tempo depois, em resposta a esse mesmo editorial dos Quaderni Portoghesi, Mário Cesariny publica a sátira «Apólogo do Grupo Surrealista de Pisa», no Jornal Novo de 21 de Agosto de 1978, em que reage à interpretação que Tabucchi apresentara da sua poesia e à caracterização política que fizera das suas últimas publicações . É o último acto do seu fértil desencontro . Apesar de Tabucchi fornecer nesse texto a solução para a vexata quaestio do anacronismo do surrealismo português, contribuindo para a solução do paradoxo de uma «vanguarda inactual» .
Esta última designação é de Jacqueline Risset, em informado artigo publicado no mesmo número dos Quaderni Portoghesi . Traduzindo o último parágrafo, pode ler-se: «Este surrealismo deve, portanto, ser pensado independentemente do modelo francês, ou mesmo independentemente do seu nome, e apenas pela sua capacidade de suscitar obras livres num momento em que se afigurava impossível toda e qualquer forma de liberdade criativa . Ou, invertendo a perspectiva, faz sentido argumentar que os surrealistas fizeram um uso “surrealista” da palavra
1 Carta a Tabucchi de 5 de Fevereiro de 1973 .
surrealista: na medida em que passou a constituir para eles, em vez do emblema de uma dependência cultural, a chave mágica (mas actual ) de uma libertação»1 . O que recupera e expande o sentido do «Editorial» de Antonio Tabucchi, culminando a sua intervenção crítica .
Em suma, o elemento vital do surrealismo português não é o do surrealismo bretoniano — porque lhe é anterior, é antes o dadaísmo, que pratica a desarticulação das palavras e o nonsense, ou até, os «frémitos “eversivos” do tipo onírico, rimbaldiano e lautréamontiano» (escreve Tabucchi) que o ligam à fonte da poesia moderna . Nas suas referências próprias e na sua poética única, afirmando a liberdade em plena opressão, o surrealismo português está fora e dentro do seu tempo, é intemporal e intempestivo, palavra e acto .
MÁRIO CESARINY
Na Documenta (com a Fundação Cupertino de Miranda)
«Le Temps des Pionniers» – Desenho, Inversões
Pintura e Colagem sobre Fotografia , Mário Cesariny
Cartas para a Casa de Pascoaes , Mário Cesariny
Edição de António Cândido Franco
Cartas de Mário Cesariny para Cruzeiro Seixas , Mário Cesariny
Edição de Perfecto E . Cuadrado, António Gonçalves e Cristina Guerra
Um Sol Esplendente nas Coisas – Cartas de Mário Cesariny para Alberto de Lacerda , Mário Cesariny
Edição de Luís Amorim de Sousa
Um Rio à Beira do Rio – Cartas para Frida e Laurens Vancrevel , Mário Cesariny
Edição de Maria Etelvina Santos e Perfecto E . Cuadrado
Apresentação, tradução e notas de Maria Etelvina Santos
Posfácio e comentários de Laurens Vancrevel
Gatos Comunicantes – Correspondência entre Vieira da Silva e Mário Cesariny (1952-1985), Mário Cesariny, Vieira da Silva, Arpad Szenes
Apresentação de José Manuel dos Santos
Edição e textos de Sandra Santos e António Soares
Sinal Respiratório – Cartas para Sergio Lima (1967-1995), Mário Cesariny
Apresentação de Sergio Lima
Edição e posfácio de Perfecto E . Cuadrado
Uma Última Pergunta – Entrevistas com Mário Cesariny (1952-2006), A . Sérgio S . Silva, Afonso Cautela, Álvaro Guerra, Ana Marques
Gastão, António Cândido Franco, António Duarte, António
Guerreiro, Bernardo Pinto de Almeida, Bruno da Ponte, Bruno Horta, Carlos Botelho, César Antonio Molina, Claudia Galhós, Cruzeiro Seixas, Elisabete França, Francisco Belard, Francisco Vale, Maria Bochicchio, Maria Leonor Nunes, Maria Teresa Horta, Mário Galego, Ricardo Duarte, Torcato Sepúlveda, Vladimiro Nunes
Organização, introdução e notas de Laura Mateus Fonseca
Prefácio de Bernardo Pinto de Almeida
Posfácio de Perfecto E . Cuadrado
Textos de Afirmação e de Combate do Movimento
Surrealista Mundial , Mário Cesariny
Preâmbulo de Laurens Vancrevel
Posfácio de Perfecto E . Cuadrado
Obras sobre Mário Cesariny
Cesariny – Em Casas como Aquela , Duarte Belo (fotografia), José Manuel dos Santos (texto)
Mário Cesariny e O Virgem Negra ou A Morte do Autor e o Nascimento do Actor , Fernando Cabral Martins
Mário Cesariny – A Obra ou a Vida , Maria Silva Prado Lessa
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1 ª EDIÇÃO, NOVEMBRO DE 2023
ISBN 978-989-568-123-5
TRADUÇÃO DO ITALIANO: JACINTO LUCAS PIRES
REVISÃO: LUÍS GUERRA
DEPÓSITO LEGAL: 524067/23
IMPRESSÃO E ACABAMENTO: PUBLITO