Quino 60 anos humor 60 years of humour

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a poio Câmara Municipal de Vila Franca de Xira Cartoon Xira’2016 22 de abril a 28 de maio de 2017 Celeiro da Patriarcal, Vila Franca de Xira www.cm-vfxira.pt

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quino 60 anos de humor 60 years of humour apresentação

José Pablo Feinmann comissariado e coordenação editorial

António Antunes

DOCUMENTA

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No nono ano de internacionalização da Cartoon Xira, honra-nos contar com o reconhecido cartoonista argentino Quino.

In the ninth year of internationalization of Cartoon Xira, we are honoured to count on the presence of the renowned Argentine cartoonist, Quino.

Para a Câmara Municipal é uma enorme honra e satisfação receber este conceituado artista, cuja carreira se iniciou há mais de sessenta anos e que é, sobretudo, conhecido do grande público enquanto «pai» da banda desenhada Mafalda. Um trabalho que continua a ser reimpresso em mais de trinta países, sendo mesmo a «tira» latino-americana mais vendida no mundo.

It is with great honour and satisfaction that the Town Hall receives this acclaimed artist, whose career began more than 60 years ago and who is known to the public as the “father” of the comic strip Mafalda. This work continues to be reprinted in more than 30 countries and is actually the best-selling Latin American “strip” in the world.

Mas o trabalho de Quino é substancialmente mais vasto, como se salienta, aliás, nesta exposição, com a mostra intitulada «60 anos de humor», onde poderemos apreciar a sua visão do mundo e da sociedade ao longo das últimas seis décadas.

But Quino’s work is much broader, as indeed highlighted in this exhibition, entitled “60 anos de humor” (60 years of humour), where we can appraise his view of the world and society over the past six decades.

Ao longo da sua já extensa carreira, Quino recebeu vários reconhecimentos, incluindo a Ordem Oficial da Legião de Honra, a mais alta distinção concedida a um estrangeiro pelo governo francês.

Throughout his already extensive career, Quino has received several awards, including the Official Order of the Legion of Honour, the most prestigious award offered by the French government to a foreigner.

Apraz-nos, assim, registar que, tendo a Cartoon Xira trazido a Vila Franca de Xira, nas suas anteriores edições, autores internacionais, prosseguimos agora este objetivo com um dos nomes maiores do cartoon mundial.

We are therefore glad that, as Cartoon Xira has brought international authors to Vila Franca de Xira in its previous editions, we now continue to pursue this path with one of the world’s greatest cartoonists.

Alberto Mesquita

Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira Mayor of Vila Franca de Xira

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Quino 60 anos de humor Quino 60 years of humour

Riso e reflexão, texto e imagem. Algumas vezes com o texto; outras, com a imagem e, geralmente, com ambos; mas o resultado é o mesmo: as obras de Quino provocam sempre o riso, embora em algumas delas haja amargura e essa amargura se transforme em sorrisos; obras que levam, quase obrigatoriamente, à reflexão. A exposição «Quino 60 anos de humor» inclui material produzido ao longo de sessenta anos de trabalho por este grande artista argentino. A exposição contém cem desenhos e vai desde o seu primeiro trabalho: La naturaleza y la calle, para a revista Esto Es, de 1954, até às obras realizadas em 2014.

Laughter and reflection, text and image. Sometimes with text, others with image, and usually with both; but the result is the same: Quino’s works always bring laughter to us, but in some works, they are bitter and become smiles; those of the type that entail, almost necessarily, reflections. The exhibition “Quino 60 years of humour” includes material produced over 60 years of work of this great Argentine cartoonist. The exhibition contains 100 drawings and goes from his first work: La naturaleza y la calle, for the Esto Es magazine, of 1954, to the works carried out in 2014.

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Nota biográfica Biography

JOAQUÍN LAVADO, apelidado de Quino desde tenra idade, nasce em Mendoza a 17 de julho de 1932, no seio de uma família de imigrantes espanhóis da Andaluzia. Com 13 anos de idade matricula-se na Escola de Belas-Artes, mas pouco tempo depois abandona-a para se tornar autor de banda desenhada. Esta aspiração leva-o a mudar-se para a cidade de Buenos Aires aos 18 anos. Três anos mais tarde, em 1954, verá o seu primeiro desenho publicado no semanário Esto es, de Buenos Aires. Em 1960, casa-se com Alicia Colombo, com quem continua casado até hoje. Depois de trabalhar em diversos meios de comunicação, em 1963 aparece Mundo Quino, o seu primeiro livro de humor gráfico.

JOAQUÍN LAVADO, nicknamed Quino from an early age, was born in Mendoza on 17 July 1932 into a family of Andalusian immigrants. At the age of 13, he enrolled in the School of Fine Arts but soon left it to become a cartoonist. This ambition led him to move to the city of Buenos Aires at the age of 18. Three years later, in 1954, he saw his first drawing published in the Buenos Aires weekly newspaper Esto es. In 1960, he married Alicia Colombo, to whom he is still married to this day. After working in several media, Mundo Quino, his first comic book, was released in 1963.

Pouco depois, encomendam-lhe uma tira para publicitar num jornal os eletrodomésticos Mansfield da empresa Siam Di Tella. O nome das personagens tinha de começar pela letra «M» de Mansfield. Chamou a menina de Mafalda, nome inspirado numa das personagens do romance Dar la cara, de David Viñas. Embora a banda desenhada nunca chegasse a ser publicada, Quino fica com algumas tiras que lhe serão úteis alguns meses mais tarde, quando o seu amigo Julián Delgado lhe veio pedir para conceber uma banda desenhada para a revista Primera Plana. Ali nasce Mafalda, a 29 de setembro de 1964. A partir de 1965, a tira passa a ser publicada no jornal El Mundo e, depois, na revista Siete Días Ilustrados. Com enorme sucesso, tanto ao nível nacional como internacional, Mafalda continuaria a ser publicada até 25 de junho de 1973,

Shortly after, he was asked to create a comic strip to advertise the “Mansfield” line of household appliances from the Siam Di Tella company in a newspaper. The names of the characters had to start with “M” (of Mansfield). He called the young girl Mafalda – the name came from a character of the novel Dar la cara by David Viñas. Although the cartoon was never published, Quino was left with a few strips that he would use a few months later, when his friend Julián Delgado asked him to come up with a cartoon for the Primera Plana magazine. There, Mafalda was born on 29 September 1964. From 1965, the strip started running in the newspaper El Mundo and then in the Siete Días Ilustrados magazine. With resounding success, both nationally and internationally,

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quando Quino decide deixar de a desenhar. Esta decisão difícil deve-se ao facto de o autor já não sentir a necessidade de utilizar a estrutura expressiva das tiras em sequência. Embora tenha abandonado Mafalda, Quino continua a sua atividade como autor de banda desenhada. Em 1984, em colaboração com Juan Padrón Quinoscopios, cria algumas curtas-metragens baseadas em desenhos e ideias de Quino.

Mafalda continued running until 25 June 1973, when Quino decided to stop drawing her. This difficult decision was based on the fact that he no longer felt the need to use the expressive structure of sequential strips. Although he left Mafalda, Quino continued working as a cartoonist. In 1984, together with Juan Padrón Quinoscopios, he produced a few short films based on Quino’s drawings and ideas.

Ao longo da sua carreira, Quino recebe vários reconhecimentos, incluindo a Ordem Oficial da Legião de Honra, a mais alta distinção concedida a um estrangeiro pelo governo francês. Por sua vez, Mafalda continuou a ser reimpressa em mais de trinta países, chegando a converter-se na tira latino-americana mais vendida no mundo. 2014 foi um ano especial, uma vez que Quino comemorou 60 anos no humor gráfico e Mafalda celebrou o seu 50º aniversário. Nesse mesmo ano foi galardoado em Espanha com o Prémio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades e abriu a 40ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires.

Throughout his career, he has received many awards, including the Official Order of the Legion of Honour, the most prestigious award offered by the French government to a foreigner. On the other hand, Mafalda continued to be reprinted in more than 30 countries, becoming the best-selling Latin American comic in the world. 2014 was a special year, because Quino celebrated 60 years in graphic humour and Mafalda celebrated her 50th birthday. Also that year, Quino received the Prince of Asturias Award for Communication and Humanities in Spain and opened the 40th Buenos Aires International Book Fair.

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Quino, humor e antiutopia Quino, humour and counter-utopia

Se nos anos 1960 Oscar Masotta, para os comics, cunhou o conceito de «literatura desenhada», parece-me adequado propor para os que Quino desenhou ao longo de seis décadas o de «filosofia desenhada». De uma forma geral, são desenhos muito elaborados, com muitas linhas, com pormenores obsessivos, que expressam aquilo que os alemães (muito sonoramente) chamam de Weltanschauung, algo como visão ou conceção do mundo. Em Quino, visão e conceção andam em paralelo, uma vez que, enquanto desenhador, observa o mundo para o expressar. Ao observá-lo (ao captá-lo, mais em imagens do que em conceitos), expressa-o em desenhos, com imagens cheias de imaginação, que sugerem, sussurram, gritam, ferem ou aliviam dores insolúveis. Não parecia que o mundo de Quino fosse resolúvel. Daí que o seu humor seja antiutópico. Uma utopia é sempre um estado situado além, para a frente, na temporalidade própria do futuro, em que as coisas deveriam ser diferentes. Quino expressa o mundo tal como ele é. E o mundo é tal como Quino o vê. É, então, a projeção de uma consciência livre, autónoma, crítica, que dá testemunho de uma visão sem amarras, sem véus. Por assim dizer: descarnada.

If in the 1960’s, Oscar Masotta, referring to comics, coined the concept of “drawn literature”, I believe it is proper to propose that of “drawn philosophy” for those drawn by Quino over the past six decades. They are, in general, very elaborate drawings, with many little lines, obsessive details, expressing what the Germans (very resoundingly) call Weltanschauung, something like vision or perception of the world. In Quino vision and perception run parallel with each other, because, as a cartoonist, he looks at the world to express it. When he looks at it (presenting it more in images than in concepts), he expresses it in drawings, with images full of imagination, that suggest, whisper, scream, hurt or soothe perhaps unsolvable pains. Quino’s world does not appear to be solvable. This is why his humour is counter-utopian. A utopia is always a state located beyond, ahead, in the specific temporality of the future, where things should be different. Quino expresses the world as it is. And the world is as Quino sees it. It is, therefore, the projection of a free, independent and critical awareness that bears witness to a vision without ties, without veils. So to speak: harsh.

Seria injurioso para este artista interrogarmo-nos se a sua visão é otimista ou pessimista, se é constituída por categorias pueris, sem densidade. O mundo que Quino vê é o mundo de Quino: só ele o pode ver assim, uma vez que os seus traços desenham a realidade não real (construída) que surge do encontro entre a sua consciência e a realidade em que essa consciência se insere,

It would be offensive to this artist to wonder if his vision is optimistic or pessimistic, if it’s about trivial categories, without density. The world Quino sees is Quino’s world: only he can see it as such, since his strokes draw the unreal (constructed) reality that emerges from the convergence between his awareness and the reality of which that awareness is part, understanding it.

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integrando-a. O resultado é a obra de arte, que nunca reflete a realidade (presunção do antigo estalinismo), que nunca a reduz a um sistema de sinais preexistente (presunção da linguística) ou a um sistema de produção e relações de produção preestabelecido (presunção historicista). Trata-se aqui de um indivíduo. A consciência do artista (apesar de estar imersa na trama do seu tempo) é sempre o encontro entre essa consciência e um mundo sobre o qual se debruça (sobre o qual intenciona, no seu estado de interpretado [em termos existencialistas]) e que expressará sob a forma própria, intransmissível, da sua arte.

The result is the work of art that never reflects reality (arrogance of old Stalinism), which never reduces it to a pre-existing sign system (arrogance of linguistics) or a pre-set system of production and production relations (historicist arrogance). Here we have an individual. The artist’s awareness (despite being immersed in the plot of his time) is always the convergence between this awareness and a world upon which it is cast (upon which it intents in its interpreted state [NT: in existentialist terms]) and which he will express in the specific, non-transferable form of his art.

Quino tornou-se denso, a sua densidade aumentou ao longo dos anos. A sua obra é uma crítica impiedosa da modernidade técnica do capitalismo. A mercadoria, entendida como a mercantilização das relações entre os homens, ocupa um lugar central no seu pensamento sob a forma de desenho. Não expõe conceitos, expõe desenhos, situações. O próprio título do livro em que me baseio para analisar a sua obra – Esto no es todo (Isto não é tudo) – alerta-nos para a insuficiência da sua tarefa. Quer se trate de esboços ou notas; quer se trate do início de uma obra totalizadora, que ainda não totalizou; quer se trate da simples e feroz confissão de nunca poder totalizar. Isto não é tudo porque o tudo é inconfinável, porque a condição humana é tão complexa, tão infinita, que jamais poderá ser confinada. Quando acreditamos que já chegámos ao tudo, essa totalidade irá abrir-se, destotalizar-se, para dar lugar ao surgimento de categorias, conceitos, ideias, surpresas novas, imprevisíveis. Existem, efetivamente, constantes na condição humana que Quino desenha. Há homens pequenos, com vidas pequenas, sempre sujeitos a grandes poderes: os do Pai, os da Mãe, os das Máquinas, os das Mercadorias, os do Dinheiro, os da

Quino has become dense, his thickness has increased over the years. His work is a ruthless critique of the technical modernity of capitalism. Commodities, understood as the commodification of human relationships, are at the heart of his thinking in drawing mode. He does not present concepts, he presents drawings, situations. The very title of the book I refer to in order to analyse his work – Esto no es todo (This is not all) – warns us of the insufficiency of his task. Perhaps it involves sketches, notes. Perhaps it is the beginning of a totalizing work that has not yet been totalized. Perhaps it is the simple and fierce confession of never being able to totalize. Esto no es todo (This is not all) because todo (all) is unfathomable. Because the human condition is so complex, so infinite that it will never end. When we think we have reached todo (all), this entirety will open up, de-totalize itself, to give rise to categories, concepts, ideas, new, unpredictable surprises. There are, indeed, constants in the human condition drawn by Quino. There are small men, living small lives, always subjected to great powers: those of the Father, the Mother, of Machines, of Commodities, of Money, of Competition,

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Concorrência, os da Solidão. E, por último, pequenos homens sujeitos ao poder de todos os poderes: o Poder da Morte, perante o qual o homúnculo Quino está sempre abandonado, temeroso.

of Loneliness. And, finally, small men subjected to the power of all powers: the Power of Death, before which the little Quinoman is always abandoned, fearful.

Um homenzinho, num supermercado, está a ver os preços nas prateleiras. Passa por ali um marcador de preços. Clack! Clack! Clack! Sem dar por isso, coloca uma etiqueta com aquelas riscas nas costas do homenzinho, que não se apercebe de nada. Aparece uma senhora com um carrinho enorme cheio de produtos. Pega no homenzinho e coloca-o no carrinho. Fim: na caixa, o homenzinho, desesperado, grita e esperneia, mas o operador de caixa agarra-o pelo pescoço, como um frango, procura o preço e marca-o na caixa. A senhora leva-o. Este facto, sem mais, diz tanto como o capítulo do fetichismo da mercadoria em Marx, ou a reificação do homem em Lukács, ou o reinado do ôntico em Heidegger. Agora, vemos uma longa, longuíssima fila de homenzinhos anónimos e inexpressivos que caminham na mesma direção. De repente, um deles (que ganha um rosto assim que diz a sua frase) exclama: «E por que raio vamos todos, sem sequer saber para onde vamos, como se fôssemos ovelhas?» Aparece um enorme guindaste, agarra-o cuidadosamente e fá-lo desaparecer. Isto é Orwell, é 1984. É uma crítica impecável à massificação das sociedades do coletivismo autoritário. E, por último, o suicídio. Vemos um homem pendurado do teto, suspenso por uma corda grossa com nó de forca. A seus pés, a cadeira de onde tinha saltado, estando nela marcadas as duas manchas dos seus sapatos. E a sua mulher, ali, a apontar para essas manchas, repreendendo-o pelo seu desleixo, furiosa, sujar dessa forma uma casa tão limpa…, caramba! Outro indivíduo (pequeno, muito pequeno, silencioso e irremissível para a vida) coloca uma cadeira no meio da sala, onde já se encontra uma

A little man is in a supermarket looking at the prices on the shelves. A price marker walks by. Clack! Clack! Clack! Without realizing it, he sticks a label with those little lines on the little man’s back, who doesn’t notice. A lady shows up carrying a huge shopping trolley loaded with goods. She grabs the little man and puts him in the trolley. End: at the Checkout, the little man, desperate, screams and kicks, but the Cashier grabs him from the neck, like a chicken, looks for the price on him and records it in the cash register. The lady takes him away. This simply says as much as the chapter on commodity fetishism in Marx, or as the reification of man in Lukács, or the ontic rule in Heidegger. Now we see a long, very long row of anonymous and expressionless little men walking in the same direction. All of a sudden, one of them (who gains a face as soon as he says his sentence) exclaims: “And why the hell do we all go without even knowing where to, as if we were sheep?” A huge crane appears, grabs him carefully and makes him disappear. This is Orwell, it is 1984. It is a perfect criticism of the massification of the societies of authoritarian collectivism. And, finally, suicide. We see a guy hanging from the ceiling, sustained by the noose of a thick rope. At his feet, the chair on which he had stood; on it, the stains left by his shoes. And his wife, there, pointing to those stains, reproaching him for his sloppiness, furious, to dirty such a clean house, how dare he! Another guy (small, very small, silent and irredeemable for life) places a chair in the middle of the room, where a rope already hangs from the ceiling. Sitting in an armchair, at a distance, is his wife, indifferent. To him, but concentrated on

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corda pendurada do teto. Numa poltrona, um pouco afastada, está a sua mulher, indiferente. Indiferente a ele, mas concentrada nos naperons que borda e borda e não para de bordar. A casa toda está cheia de pequenos naperons, de todos os tipos. Os bordados rococó adquirem um barroquismo aracnídeo que inunda tudo. O homenzinho, em cima da cadeira que terá de subir para pôr a corda ao pescoço, colocou, obediente até ao fim, um pequeno naperon, requintadamente bordado, requintadamente macabro.

the covers that she is sewing, sewing, and didn’t stop sewing. There are covers all over the house. Of all shapes and sizes. Rococo embroideries acquire a spider-like baroque appearance that permeates every space. The little man, obedient to the very end, has placed on the chair he would have to stand on to put the noose around his neck, a small, exquisitely embroidered, exquisitely macabre cover.

O humor de Quino é antiutópico. Este mundo não lhe permite alentar qualquer esperança. Ele não pode oferecer vidros coloridos. Que o façam os outros. Ele expõe a impossibilidade do homem no mundo mercantilizado, mecanizado, caótico, doente, egoísta, competitivo e frio do capitalismo. As suas notas também atingem a massificação e o autoritarismo dos regimes coletivistas. Isto é, não apresenta soluções. Não é obrigado a apresentá-las. Sorrio tristemente quando leio que alguém fala sobre os seus temas depressivos. E se assim não fosse? E se a antiutopia fosse a recusa da esperança fácil, a obstinação ética de expor a ignomínia para a tornar mais ignominiosa? Quino não anda a dizer a ninguém: «Irmão, o futuro trará certamente algo de maravilhoso.» É demasiado profundo para isso. Ele conhece a condição humana. Ele sabe que o homem é o lobo do homem. Que a pulsão de morte derrota sempre Eros. Que o mundo desliza rumo à barbárie e, pior do que isso, à indiferença pela barbárie. Vemos fotografias que mostram torturas e são apenas «as notícias do dia». Bastará virar a página para esquecer. Com Quino, é impossível esquecer. Porque o que nos mostra não é uma fotografia. (Já aprendemos a desconfiar das fotografias dos jornais, das montagens artificiais da Internet que criam a emoção e a diluem de imediato com uma nova imagem, com a por-

Quino’s humour is counter-utopian. This world does not allow him to inspire any hope. He cannot offer coloured glass. Let others do it. He displays the failure of mankind in the commodified, mechanized, chaotic, sick, selfish, competitive and cold world of capitalism. His notes also address the massification and authoritarianism of collectivist regimes. In other words, he does not provide solutions. He doesn’t have to. I smile sadly when I read that someone talks about their depressive themes. And if it were not so? If counter-utopia were the rejection of easy hope, the ethical stubbornness of displaying ignominy to make it more ignominious? No one goes around telling Quino: “Brother, the future inevitably has something beautiful in store.” He is too deep for that. He knows the human condition. He knows that man is man’s wolf. That the death drive defeats Eros time and again. The world slips towards brutality and, worse still, towards indifference to brutality. We see photographs showing tortures and they are merely “the news of the day”. Just turn the page and it’s forgotten. With Quino, it is impossible to forget. Because what he shows us is not a photograph. (We have already learned to distrust photographs in newspapers, the artificial assemblies of the Internet, which creates emotion and instantly dilutes

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nografia mercantilizada ou com a informação compulsiva que não para de informar porque procura, simplesmente, fazer com que não exista uma verdade, com que não a possamos construir estando sujeitos à vertigem dos acontecimentos, das novidades, uma vez que tudo é novo e o que é novo, assim que aparece, deixa de ser novo porque surgiu, em seu lugar, outra novidade). O que Quino nos mostra não é um momento, uma polaroid, uma nova novidade que nasce para desaparecer. Mostra-nos uma reflexão. Vemos um conceito. Uma ideia. Em suma, uma verdade. Uma filosofia desenhada. Um desafio à reflexão. Uma incitação à fúria, à consciência crítica. Se o mundo é assim, como Quino diz que é, é preciso fazer algo. E aqui reside a glória de um grande artista: mostrar-nos o horror do dia a dia, o intolerável do que é aceite, o pesadelo que habita o sonho, a impossibilidade – neste mundo já decidido – de tudo o que podemos amar. Quino não desenha utopias. Não acredita – suponho – que o futuro trará certamente algo de melhor. No entanto, o impiedoso presente que desenha só nos pode levar a querer mudá-lo. Toda a mudança implica imaginar um futuro diferente. Quino impele-nos a isso: ao futuro, à coragem, às nossas mais verdadeiras potencialidades. Assim, e não paradoxalmente, a sua negrura, o seu impiedoso ceticismo transforma-se em prática.

it with a new image, with commodified pornography or with compulsive information that continuously informs simply because it seeks to prevent the existence of a “truth”, to prevent us from building it subjected to the vertigo of facts, of novelties, since everything is new and what is new, as soon as it appears, is no longer new because another novelty has appeared to replace it.). What Quino shows is not an instant, a polaroid, a new novelty that is born to disappear. He shows us a reflection. We see a concept. An idea. In short, a truth. A drawn philosophy. A challenge to reflection. An incitement to fury. To critical awareness. If the world is like this, like Quino says it is, something has to be done. And here lies the glory of a great artist: to show us the horror of everyday life, the intolerability of what is accepted, the nightmare that inhabits the dream, the impossibility – in this already decided world – of everything we can love. Quino does not draw utopias. He does not believe – I suppose – that the future inevitably has something better in store. However, the ruthless present that he draws can only make us want to change it. Any change involves imagining a different future. Quino compels us to that end: to the future, to have courage, to our truest potentials. Therefore, and not paradoxically, his blackness, his merciless scepticism becomes praxis (practice).

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Conheceram-se na Galeria Nacional. Ambos amavam a Arte. Combinaram encontrar-se para tomar um café na terça-feira seguinte. Nunca souberam porque não foi possível.

They met at the National Gallery. They both loved Art. They agreed to meet up for a coffee the following Tuesday. They never found out why it was not possible.

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Mas o que menos te perdoo é que não estejas presente, precisamente quando mais preciso de te dizer que não aguento mais!!

The thing I forgive you the least is that you are not around precisely when I most need to tell you that I can’t stand you anymore!!

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Estar almoço pronto, gordo inútil!

Lunch ready, you useless fatso!

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O caso é complicado, Watson: num raio de 20 milhas não há nem um criado de quem suspeitar

This is a difficult case, Watson: for 20 miles around there is not a single servant to be suspected

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Soldado!! Estás disposto a morrer em combate? Não, meu coronel, eu quero ir com a minha mamã!!!

Soldier!! Are you willing to die fighting? No, colonel, I want to go with my mommy!!!

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Aposto que não sabem que é proibido.

I bet you don’t know what’s forbidden.

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Será possível que neste mundo ninguém possa governar tranquilo, devido àquela maldita mania que os povos têm de querer estar sempre melhor do que estão?!!

Can it be that no one can rule peacefully in this world, because of that damned obsession that peoples have of always wanting better conditions than they have?!!

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Como posso ajudá-lo? Espere lá, o que significa isto? Pretende corromper-me? Eeeh, está a tentar corromper-me? Então, oiça: ainda não nasceu… Repito, ainda não nasceu ninguém capaz de me corromper!! Ah, caramba! Desculpe a minha curiosidade, mas quando é que o senhor veio ao mundo?

How can I help you? Wait, what does this mean? Do you want to corrupt me? Huuuh? Are you trying to corrupt me? Then, let me tell you: has not yet been born,… I repeat, no one has yet been born. Who could ever manage to corrupt me!! Oh, good heavens! Pardon my curiosity, but when did you come into the world?

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Problema: jogam as pretas e dรฃo xeque-mate quando lhes dรก na real gana.

Problem: black pieces play and call checkmate whenever they feel like it.

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– Como não rema mais?!!… Surpreende-me, Fernández!!!… Estamos ou não estamos no mesmo barco??

– What do you mean, you’re not rowing anymore?!!... You surprise me, Fernández!!!… Are we or aren’t we all on the same boat??

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– … Sabe com quem está a falar?!

– … Do you know who you’re talking to?!

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Índice Table

Introdução | Introduction, Alberto Mesquita . . . . . . . . . . . . . . . . .

7

Quino 60 anos de humor | Quino 60 years of humour . . . . . . . . . .

9

Nota biográfica | Biography . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

11

Quino, humour e antiutopia | Quino, humour and counter-utopia José Pablo Feinmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

13

60 ANOS DE HUMOR | 60 YEARS OF HUMOUR . . . . . . . . .

18

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