Um Olhar Português — Cinema e Natureza no Século XXI

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UM OLHAR PORTUGUÊS

Cinema e Natureza no Século XXI

Este livro é financiado por fundos nacionais através da FCT — Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do Projeto UIDB/00509/2020.

UM OLHAR PORTUGUÊS

Cinema e Natureza no Século XXI

organização de Filipa Rosário e José Duarte

Adriana Martins | Adriana Veríssimo Serrão | Ana Bela Morais

Ana Isabel Soares | Ana Vera | André Francisco | Andrzej Stuart-Thompson

Bruno Leal | Carlos Natálio | Caterina Cucinotta | Daniel Ribas

Elisabete Lopes | Fabíola Paes de Almeida Tarapanoff | Fernando Guerreiro

Filipa Rosário | Helena Santana | Hugo Martins | Inês Sapeta Dias

Isabel Alves | Iván Villarmea Álvarez | Jeffrey Childs

João Monteiro | José Duarte | José G. Pires | Maile Colbert

Maria do Rosário Lupi Bello | Marta Mendes | Mirian Tavares

Nelson Araújo | Patrícia Vieira | Paulo Cunha | Pedro Florêncio

Ricardo Vieira Lisboa | Rosário Santana | Sandra Camacho

Sérgio Bordalo e Sá | Sérgio Dias Branco | Susana Mouzinho | Teresa Cid

Tiago Fernandes | Tiago Ramos | Vaughn Joy | Wiliam Pianco

DOCUMENTA

Índice

«De Tanto Olhar o Sol»: Cinema Português e Natureza no Século XXI — Filipa Rosário e José Duarte ...............................

1. Água

Tarde Demais (José Nascimento, 2000) — João Monteiro ..............

É na Terra Não É na Lua (Gonçalo Tocha, 2011) — Ana Vera

A Mãe e o Mar (Gonçalo Tocha, 2013) — Maria do Rosário Lupi Bello ....

Águas do Pastaza (Inês T. Alves, 2022) — Patrícia Vieira

2. Terra

Body Rice (Hugo Vieira da Silva, 2006) — Nelson Araújo ..............

Volta à Terra (João Pedro Plácido, 2014) — Isabel Alves ...............

Teares (Mónica Baptista, 2014) — Bruno Leal

Alentejo, Alentejo (Sérgio Tréfaut, 2014) — Mirian Tavares .............

Portugal Um Dia de Cada Vez (Anabela Moreira e João Canijo, 2015) — Tiago Fernandes ........................................

Bostofrio — Où le Ciel Rejoint la Terre (Paulo Carneiro, 2018) — Wiliam Pianco .........................................

3. O Urbano

O Fantasma ( João Pedro Rodrigues, 2000) — Inês Sapeta Dias .........

Lisbon Revisited (Edgar Pêra, 2014) — Ana Isabel Soares ...............

John From (João Nicolau, 2015) — Tiago Ramos .....................

Balada de Um Batráquio (Leonor Teles, 2016) — Sérgio Bordalo e Sá

4. Territórios

Ruínas (Manuel Mozos, 2009) — Ana Bela Morais ...................

Deste Lado da Ressurreição (Joaquim Sapinho, 2012) — Hugo Martins ....

O Ornitólogo (João Pedro Rodrigues, 2016) — Vaughn Joy e Andrzej Stuart-Thompson .........................................

Mariphasa (Sandro Aguilar, 2017) — Daniel Ribas 154

Onde o Verão Vai (Episódios da Juventude) (David Pinheiro Vicente, 2018)

— Carlos Natálio ......................................... 161

5. Viagens

Um Pouco Mais Pequeno Que o Indiana (Daniel Blaufuks, 2006)

— Sandra Camacho ....................................... 171

Bibliografia: Um Naufrágio (João Manso e Miguel Manso, 2013) — José Duarte ........................................... 179

Posto Avançado do Progresso (Hugo Vieira da Silva, 2016) — Jeffrey Childs ... 186

A Árvore (André Gil Mata, 2018) — André Francisco 194

Suzanne Daveau (Luísa Homem, 2019) — Marta Mendes ............. 201

Ice Merchants (João Gonzalez, 2022) — Ricardo Vieira Lisboa .......... 209

6. Materialidades

A Costa dos Murmúrios (Margarida Cardoso, 2004) — Caterina Cucinotta 219

Um Campo de Aviação (Joana Pimenta, 2016) — Susana Mouzinho ...... 226

Spell Reel (Filipa César, 2017) — Adriana Martins .................... 233

Super Natural (Jorge Jácome, 2022) — José G. Pires .................. 241

7. Paisagem

Coisa Ruim (Tiago Guedes e Frederico Serra, 2006) — Elisabete Lopes .... 251

Estrada de Palha (Rodrigo Areias, 2012) — Teresa Cid................. 259

Montanha (João Salaviza, 2015) e Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos (Renée Nader Messora e João Salaviza, 2018) — Pedro Florêncio ..... 268

Eldorado XXI (Salomé Lamas, 2016) — Maile Colbert 276 O Movimento das Coisas (Manuela Serra, 1985/2021) — Filipa Rosário .... 284 Fogo-Fátuo (João Pedro Rodrigues, 2022) — Paulo Cunha ............. 292

8. Nos Interstícios

No Green No Blue (Marta Alvim, 2010) e The Death of an Owl (Marta Alvim, 2012) — Helena Santana e Rosário Santana .......... 301 E Agora? Lembra-me (Joaquim Pinto, 2013) e O Novo Testamento de Jesu Christo Segundo João (Joaquim Pinto e Nuno Leonel, 2013) — Sérgio Dias Branco ..................................... 308

Colo (Teresa Villaverde, 2017) — Fernando Guerreiro 315 Fordlândia Malaise (Susana de Sousa Dias, 2019) — Iván Villarmea Álvarez 323

A Metamorfose dos Pássaros (Catarina Vasconcelos, 2020) — Fabíola Paes de Almeida Tarapanoff ..................................... 330

«A Natureza Ama Ocultar-se» — Adriana Veríssimo Serrão 338

«De

Tanto Olhar o Sol»: Cinema Português e Natureza no Século XXI

filipa rosário e josé duarte

De que forma o cinema nacional contemporâneo representa a natureza? Que motivos do mundo natural animam os filmes portugueses estreados a partir do ano 2000? Que forças narrativas, conceptuais e estéticas o nosso cinema recente encontra nesta manifestação independente, contínua e simultânea de vida, isto é, dos seus fenómenos e seres físicos?

Estas foram as questões que motivaram a organização do presente volume, que apresenta um olhar panorâmico sobre mais de quarenta filmes realizados por cineastas portugueses no século XXI, propondo, desta forma, um mapeamento do cinema português muito recente feito à luz da ideia de natureza (física) enquanto função da cultura. Ou seja, as leituras de filmes aqui reunidas analisam e conceptualizam, mais ou menos, uma ideia cultural — e, por isso, política, histórica e estética — da natureza retratada pelo cinema. Isto leva a que Um Olhar Português: Cinema e Natureza no Século XXI, para além de contribuir para uma história do cinema português recente, participe também, mesmo que indirectamente, numa história estética da natureza, aqui concebida a partir do caso do cinema português contemporâneo.

No momento em que escrevemos estas palavras, associada à natureza encontra-se uma sensibilidade apocalíptica generalizada — muitas vezes, da ordem do sublime (Hockenhull 2018, 189) —, ligada à actualidade global, mas para a qual, efectivamente, a civilização humana tende desde que os solos, os mares, a fauna e a flora começaram a ser encarados de forma utilitarista e, depois, mercantilista e capitalista (Armstrong 2022, 24-25). Mais recentemente, os danos ambientais gerados pela industrialização, incluindo a escassez dos recursos naturais a par com as alterações climáticas, aceleradas pela actividade humana, redefiniram a ligação humana ao mundo natural.

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A arte — o cinema — romantiza, instrumentaliza, explora e expõe essa mesma ligação com efeitos imediatos na investigação científica. Este volume surge neste contexto específico e pretende colmatar uma lacuna detectada na bibliografia especializada, que, até agora, não incluía o caso português. A especificidade do recorte temporal do panorama aqui apresentado liga-se, reforçamos, ao facto de ser nosso objectivo auscultar as formas através das quais a produção cinematográfica nacional se posiciona face a um conceito-chave na configuração contemporânea do mundo.

Os quadros possíveis para este posicionamento tendem a ser desenhados pela pesquisa académica a que os Estudos Fílmicos, enquanto área disciplinar, dão consistência. Internacional e recentemente, acentuou-se bastante o interesse pelo ambiente (Bruno 2022, Guan e O’Brien 2020, McKim 2013), o planetário (de Luca 2021), o não-humano (George e Schartz 2016, Bousé 2000), a natureza (Fay 2018, O’Brien 2017) e os seus elementos (de Luca e Mroz 2023, Jue 2020, Balson 2018, Peters 2016, Handyside 2014). Porém, é o pensamento sobre o ecocinema, isto é, o engajamento ecológico na narrativa fílmica e nas suas estruturas de produção, distribuição e exibição, que mais anima a bibliografia especializada (Rust et al. 2023, Geal 2021, Murray e Heumann 2019, Past 2019, Starosielski e Walker 2016, O’Brien 2016, Brereton 2015, Gustafsson e Kääpä 2013, Rust et al. 2013, Pick e Narraway 2013, Bozak 2011, Willoquet-Maricondi 2011, Brereton 2005, entre muitos outros).1

Em todo o caso, a perspectiva ecocrítica sobre o cinema inspira transversalmente a actual investigação científica sobre a natureza filmada, mesmo quando aquela não aborda directamente a questão da sustentabilidade ecológica nas dinâmicas inerentes à edificação e circulação de um filme. Trata-se sempre da forma como a sensibilidade contemporânea «verde» do cinema e dos Estudos Fílmicos codifica o mundo natural, re-acordando, redescobrindo, outros sentidos nele.

A pesquisa científica sobre a natureza no cinema português é virtualmente inexistente: não só o estudo académico sobre este cinema transnacional começou a cimentar-se apenas nas últimas décadas, como a perspectiva historiográ-

1 A este propósito, e não unicamente centrado no cinema, veja-se, por exemplo, a série da Lexington Books, «Ecocritical Theory and Practice».

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fica dominou a pesquisa num primeiro momento desta consolidação. O ensaio de Patrícia Vieira sobre o tópico apresenta uma leitura panorâmica de alguns filmes e momentos da história do cinema nacional, centrando-se sobretudo em obras realizadas antes do 25 de Abril (2017). Há, no entanto, algum trabalho publicado que contribui para a teorização do tema, mas inscrevendo-o noutras matrizes de análise, tal como a paisagem (Kim 2022, Rosário 2020, 2017, Silva 2017, Areal 2011) ou a comunidade camponesa (Costa 2021).

A ligação do cinema português à natureza é uma constante desde a sua criação. Do arranque do século XX até aos anos 1990, os filmes portugueses reflectiam sobre a identidade cultural e o imaginário da nação, que vieram a tornar-se transnacional no fim do século XX, assimilando alteridades de «ontem» na sua auto-imagem (Baptista 2009, 308), com repercussões inevitáveis na representação do território português no cinema.

A tensão entre cidade e campo ditou a abordagem dos filmes do início do século XX ao espaço. O cinema mudo nacional (anos 1910 e 1920) expôs o mundo rural enquanto território idealizado, contribuindo deste modo para o projecto nacionalista que, à época, definiu o país de forma estereotipada: uma nação sobretudo rural, habitada por camponeses (Baptista 2005, 168). Até aos anos 1960, e seguindo a ideologia do Estado Novo (1933-1974), o espaço fílmico rural — o território da ordem, do positivo e do familiar — foi o contraponto moral da cidade — por sua vez, a zona, por excelência, do caos, da corrupção, do crime e do vício.

O Cinema Novo Português (1963-1974), opositor ao regime e responsável pela ruptura narrativa, temática e conceptual na nossa produção cinematográfica, veio redimir a imagem da cidade no cinema nacional, filmando Lisboa enquanto «cidade-metáfora da claustrofobia sociopolítica da sociedade portuguesa no início dos anos sessenta» (op. cit., 284). Nesta perspectiva, o tratamento cinematográfico da natureza em Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1963), o filme icónico do Cinema Novo Português sobre Lisboa moderna e modernista, foi revolucionário pelo modo como a mise-en-scène utiliza o mundo natural (na sua relação com a arquitectura e o espaço urbano) para comentar sobre a narrativa, caracterizar personagens e, simultaneamente, retratar a capital nas suas dinâmicas espaciais, sociais e históricas.

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Também no arranque da década de 1960, começa a configurar-se uma linhagem muito específica no cinema nacional (Costa 2021, 11), linhagem esta que se opõe à instrumentalização ideológica do rural vs. cidade e contra a ruralidade tornada folclore pelo aparelho cultural da ditadura, explorando, por este motivo, novas hipóteses de abordagem à natureza pelo cinema português. Assim, surge revigorado o documentário etnográfico, pelas mãos de Noémia Delgado e António Campos, que Leitão de Barros já havia explorado nos anos 1920 e 1940. A docuficção vem trabalhar o documentário etnográfico de forma mais experimental, codificada e poética com uma potência tal que, ainda hoje, inspira e enforma significativamente parte da produção cinematográfica nacional internacionalmente valorizada. Este subgénero foi explorado por Manoel de Oliveira, João César Monteiro, Margarida Cordeiro e António Reis, professor mítico e mitificado da Escola Superior de Teatro e Cinema e mentor de futuros cineastas que vieram a perpetuar esta abordagem sofisticada ao mundo natural.

Pedro Costa, Salomé Lamas, Miguel Gomes, João Rui Guerra da Mata, Joana Pimenta, João Pedro Rodrigues, Leonor Teles e Gonçalo Tocha realizaram docuficções, e Catarina Alves Costa, Hiroatsu Suzuki e Rossana Torres, e Claúdia Varejão, entre outros, documentários etnográficos. Nas paisagens dos filmes destes realizadores contemporâneos, a natureza, os seus componentes, o não-humano são elementos-chave convocados, com maior ou menor destaque, para dissertar sobre o lugar simbólico e material do ser humano no mundo.

Com efeito, no século XX, a ruralidade e a paisagem são as grandes categorias que organizam a abordagem fílmica portuguesa à natureza. Deste modo, para além do que atrás foi referido, é também proposta de Um Olhar Português: Cinema e Natureza no Século XXI testar a legitimidade destes conceitos operativos na actualidade fílmica nacional, ou seja, num momento da história do nosso cinema em que ele surge como transnacional, cosmopolita e global.

Não escondemos que este é um livro ambicioso — na forma e no conteúdo —, sobretudo porque o plano original incluía pelo menos cerca de mais vinte filmes do que aqueles que aqui se encontram analisados. Reconhecemos, no entanto, que essa é uma tarefa difícil e sabemos que este trabalho não está terminado, principalmente porque a estratégia para a execução do volume passou por capítulos curtos, incisivos, pensados como casos de estudo para criar um

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guia — com caminhos múltiplos, é certo — que nos levasse a melhor entender a relação do cinema português com a natureza.

A estrutura responde, por isso, à complexidade e número de filmes analisados — que variam bastante quer em género quer em estilo — e à abundância de autores que participaram no volume e que pensaram sobre estes2. Por isso, encontrar-se-ão neste volume diversas formas de ler a natureza, diferentes modos de abordar o cinema português, ou abordagens várias com pontos de partida que ora se aproximam, ora se desviam, e é nessa complexidade que encontramos a força desta proposta. Como tal, e no sentido de contribuir para uma leitura menos labiríntica, propomos a divisão dos mais de quarenta filmes, de acordo com oito secções: «Água»; «Terra» «O Urbano»; «Territórios»; «Viagens»; «Materialidades»; «Paisagem», e «Nos Interstícios». Dentro das secções, a lógica de alinhamento das leituras seguiu uma ordem cronológica.

Não obstante, se algumas secções são mais ou menos genéricas, outras são bastante específicas, o que, naturalmente, não invalida a existência de uma ténue fronteira no que diz respeito à pertença dos filmes nas suas respectivas secções. Defendemos uma escolha que se baseia em dois critérios: por um lado, a dimensão do volume e o número de filmes e realizadores trabalhados e, por outro, o seguir uma lógica de análise que considera a natureza nas suas múltiplas dimensões, interpretações e relações: com os elementos naturais (sempre que possível); com os espaços de contemplação (a paisagem) e territórios percorridos (as viagens); com a matéria que a transforma ou a matéria que é transformada pela sua presença e, finalmente, com lugares (in)definidos, (im)precisos, de memória, transição e identidade que se relacionam com o (trans)nacional.

Tendo isto em conta, na primeira parte, todos os filmes se relacionam com a água: Tarde Demais (Nascimento, 2000), por João Monteiro, É na Terra Não É na Lua (Tocha, 2001), por Ana Vera, A Mãe e o Mar (Tocha, 2013), por Maria do Rosário Lupi Bello e, finalmente, Águas do Pastaza (Alves, 2022), por Patrícia Vieira. O primeiro capítulo faz-nos viajar por um filme de náufragos e de dupla sobrevivência e memória, de uma que se perde (a da pesca artesanal

2 À excepção de quando indicado, as traduções nos textos são da responsabilidade dos autores. Contudo, a tradução do capítulo de Maile Colbert é de Marta Lisboa.

no Tejo) e de uma outra nova que se ergue (a de um rio que reflecte a Lisboa moderna).

Já o segundo capítulo preocupa-se em olhar para o filme de Tocha como um exercício de registo da memória dos habitantes da ilha do Corvo, o que nos leva ao terceiro capítulo, que trabalha um outro filme do mesmo realizador. Em A Mãe e o Mar, Lupi Bello analisa o filme à luz da relação deste com uma já longa história do cinema português com o mar, procurando, ao mesmo tempo, uma visão específica, que cruza a dimensão realista (o mar como forma de vida) com a dimensão poética do olhar de Tocha. Culmina esta secção com uma análise de Águas do Pastaza, num trabalho que lê o filme na sua dimensão global, mas sempre local: a vivência do rio surge em sintonia com a vivência da comunidade que lhe está ligada que, por sua vez, entra em contacto com o mundo moderno.

Em contraste, ou em ligação com este primeiro ponto, na segunda secção do livro, surgem seis filmes que tematizam a terra: Body Rice (Vieira da Silva, 2006), por Nelson Araújo, Volta à Terra (Plácido, 2015), por Isabel Alves, Teares (Baptista, 2014), por Bruno Leal, Alentejo, Alentejo (Tréfaut, 2014), por Mirian Tavares, Portugal — Um Dia de Cada Vez (Moreira e Canijo, 2015), por Tiago Fernandes e, finalmente, Bostofrio (Carneiro, 2018), por Wiliam Pianco. A unidade desta secção assenta sobretudo nos olhares sobre o mundo rural, quer a partir da sua desertificação humana, como podemos ler no capítulo de Nelson Araújo, quer de um ponto de vista profundamente poético: o vazio e o silêncio podem também eles ser reconfortantes, como acontece no duplo regresso à terra no capítulo de Isabel Alves. A este segue-se imediatamente a análise de Bruno Leal sobre a curta-metragem de Mónica Baptista que recupera, em Teares, uma natureza e um modo de vida que sublinham a sua própria transiência. Com o trabalho sobre Alentejo, Alentejo, Mirian Tavares executa um exercício semelhante, procurando cristalizar no seu estudo uma natureza e território configurado (e que se configura) a partir da paisagem humana.

Os dois últimos filmes estudados nesta perspectiva alinham-se de igual modo: são dois objectos que documentam o quotidiano e as histórias que dele nascem. No primeiro caso, e como nota Tiago Fernandes, revisitamos a geografia portuguesa e, com ela, um retrato dos que a habitam. No segundo caso, Wiliam Pianco fecha precisamente esta secção com um trabalho sobre um filme que, olhando para o espaço onde «a terra e o céu se encontram», resgata a me-

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mória dos avós do realizador num mundo fragmentado, mas enquadrado pela natureza que redefine simbolicamente este espaço.

Se os elementos naturais prevalecem nos primeiros dois momentos, a terceira secção procura a natureza num espaço que, modo geral, é contrário a esta, o urbano. A secção surpreende precisamente por nos mostrar como, na selva urbana, o humano e o natural se cruzam através do real ou do ficcionado. No primeiro capítulo desta secção, Inês Sapeta Dias abre a leitura de O Fantasma (2006), de Rodrigues, ao mundo vegetal, território que o protagonista habita e que o aproxima de uma figura animal.

É do mesmo espaço que Ana Isabel Soares trata na sua leitura de Lisbon Revisited (2014) apontando como o filme de Pêra reconfigura o espaço urbano a partir da ideia de criação, mostrando assim como a «natureza da cidade» é resultado de artifícios onde podemos encontrar plantas, animais, rios e o céu.

A paisagem sonhada é precisamente um dos temas estudados no capítulo de Tiago Ramos sobre John From (Nicolau, 2015). Nele, o autor mostra como Telheiras se transforma numa paisagem natural e exótica a partir de paisagens interiores. Conclui esta secção o capítulo de Sérgio Bordalo e Sá sobre o filme de Teles, Balada de Um Batráquio (2016), obra que oscila entre o mundo natural, o da discriminação do sapo, e um mundo natural em todo o seu esplendor, e que serve igualmente para questionar naturezas diversas: a da realizadora, a da cidade, e a fábula em que Balada de Um Batráquio se inscreve, o que nos leva para outros territórios.

A secção «Territórios» é composta pela análise dos filmes Ruínas (Mozos, 2009), por Ana Bela Morais, Deste Lado da Ressurreição (Sapinho, 2012), por Hugo Martins, O Ornitólogo (Rodrigues, 2016), por Vaughn Joy e Andrzej Stuart-Thompson, Mariphasa (Aguilar, 2017), por Daniel Ribas, e Onde o Verão Vai (Pinheiro Vicente, 2018), por Carlos Natálio. A esta secção estão subjacentes vários olhares sobre espaços e as relações que neles existem. Pela mão de Ana Bela Morais, Ruínas é lido como um filme sobre uma história que já não existe: a dos edifícios, a dos lugares abandonados, mas sobretudo das paisagens tocadas pelos humanos, aludindo a uma natureza fantasma (de ausência, ruína, do que já não é, mas que ainda assim continua presente).

Com Deste Lado da Ressurreição, Hugo Martins dá conta de três territórios fílmicos na longa de Joaquim Sapinho: o da razão, o da natureza, e o do transcendente. E no filme, de acordo com o autor, a transição para a natureza

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é um caminho para a luz. É de uma viagem num bosque profundo que trata a análise seguinte. Tal como indicam Vaughn Joy e Andrzej Stuart-Thompson, esta possibilita uma metamorfose queer e ambientalista num caminho de descentramento humano. Já Daniel Ribas aproxima-se do cinema de Aguilar através de uma análise que demonstra como o humano convive com a natureza de forma misteriosa, em que esta vai invadindo o espaço, tomando-o. Com Carlos Natálio, regressamos ao «bosque paraíso», que é palco dos episódios (transformadores) da juventude dos que o habitam. Estes são territórios naturais, mas de transformação e desejo.

É de metamorfoses precisamente que se alimenta a próxima secção, porque se dedica aos filmes que abordam o tema da viagem. Um Pouco Mais Pequeno Que o Indiana (Blaufuks, 2006), por Sandra Camacho, Bibliografia (Manso, 2013), por José Duarte, Posto Avançado do Progresso (Vieira da Silva, 2016), por Jeffrey Childs, A Árvore (Gil Mata, 2018), por André Francisco, Suzanne Daveau (Homem, 2019), por Marta Mendes e Ice Merchants (Gonzalez, 2022), por Ricardo Vieira Lisboa, ocupam a quinta divisão do livro. Sandra Camacho recupera um género tipicamente norte-americano, o road movie, para nos falar de uma natureza em crise que contrasta com as paisagens-postal — visões idealizadas que não se materializam para além do papel. Em Bibliografia, José Duarte segue o rasto do road movie — num filme que é uma espécie de Odisseia —, mas através das descidas do Zêzere e do Tejo. Nesta descida, somos confrontados com duas paisagens: a natural e a construída, intimamente associadas.

Os capítulos de Jeffrey Childs, sobre o filme de Hugo Vieira da Silva, e o de André Francisco, sobre a longa de André Gil Mata, formam um díptico sobre natureza, viagem e «guerra»: no primeiro, a selva serve de palimpsesto de múltiplas realidades e histórias, a da colonização portuguesa, a de um falso progresso e a de um confronto entre a «civilização» e a wilderness. No segundo caso, a dura natureza é fruto de uma guerra responsável pela destruição de ecossistemas, representando também o isolamento humano, e a crueldade do tempo a partir de um contexto militar. Nada resta, portanto, nestas viagens a não ser uma natureza magoada.

Marta Mendes, por sua vez, aborda a viagem a partir de uma dimensão histórica e narrativa associada a uma dimensão poética de paisagem, demonstrando como, na longa de Luísa Homem, a disposição humana é colocada lado a lado com fenómenos naturais. Por sua vez, na análise de Ice Merchants,

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Ricardo Vieira Lisboa leva-nos para as muitas possibilidades de leitura do filme, aqui encarado como uma metáfora para a crise ecológica. Na viagem de pai e filho, é possível descobrir um jogo sobre sobrevivência e consumismo, sobre o abismo e, sobretudo, sobre «mercado», motivo pelo qual as necessidades do mundo natural são muitas vezes ultrapassadas e ignoradas.

Os filmes que compõem a sexta secção do livro alinham-se com ideias de materialidade do cinema, aqui interligada precisamente com a natureza. Por isso, o capítulo sobre A Costa dos Murmúrios (Cardoso, 2004), por Caterina Cucinotta, apoia-se numa leitura sobre a natureza selvagem e os espaços abertos que entram em comunhão (ou em dissonância) com as diferentes opções da realizadora na caracterização das duas protagonistas do filme. Susana Mouzinho leva a cabo um trabalho que encara o filme de Pimenta, Um Campo de Aviação (2016), enquanto obra sobre a modelação do terreno natural e a impermanência da forma — a paisagem sempre em transformação e movimento. Adriana Martins, por sua vez, em Spell Reel (César, 2017), explora a relevância do resgate das imagens para a construção de uma memória colectiva da qual não podemos dissociar a natureza (porque é igualmente a partir dela que se luta contra o esquecimento). O último capítulo, por José G. Pires, mostra-nos como a impermanência nos arrasta para territórios de estranheza conquistada através da ideia de que Super Natural (Jácome, 2022) é um filme com a natureza (e de naturezas diversas), apostando num devir mais-que-humano, humano-animal, humano-vegetal e de fusões várias.

Os filmes que compõem a penúltima secção centram-se sobretudo na ideia de paisagem, que se apresenta de diferentes formas. O que se reforça aqui é que, ao contrário das ideias específicas apresentadas noutros momentos, possamos abarcar movimentos múltiplos. Iniciamos a secção com o capítulo de Elisabete Lopes sobre Coisa Ruim (Serra e Guedes, 2006), filme em que, como explicita a autora, a floresta se apresenta como espaço assustador, abrindo-se a leituras como a da teoria ecogótica. Passamos em seguida para a análise de Teresa Cid sobre Estrada de Palha (Areias, 2012), filme de género (o western) que se alimenta da paisagem da Serra da Estrela para nos contar uma história «típica» de cowboys em Portugal: nela cabem Thoreau, John Ford, Alberto Caeiro, sonhos e a comunhão com a natureza.

Pedro Florêncio não foge a algumas destas questões na leitura que faz de Montanha (Salaviza, 2015), em articulação com Chuva É Cantoria na Aldeia dos

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Mortos (Nader Messora e Salaviza, 2018). O argumento do autor passa pela percepção do mundo natural em Montanha — uma cosmovisão naturalista — que se estabelece como elo em Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos, pelo modo de produção e criação do filme que permitiu a aproximação à comunidade indígena Krahô. Com o capítulo sobre Eldorado XXI (Lamas, 2016), Maile Colbert debruça-se sobre o retrato de uma outra comunidade, a de La Riconada e Cerro Lunar, e sobre o que compõe a montanha onde vivem: os minerais, a natureza sobrenatural, a paisagem hostil, um mundo em que as fronteiras entre o natural e não-natural se esbatem, aproximando-se, de certo modo, dos temas do capítulo anterior.

Fecham esta secção dois capítulos, o primeiro pela mão de Filipa Rosário, sobre O Movimento das Coisas (2021), de Serra, e o segundo sobre Fogo-Fátuo (2022) de Rodrigues, escrito por Paulo Cunha. Na visão de Filipa Rosário, o filme de Serra atesta o modo como a paisagem articula o natural com o mitológico, o político e o industrial, dando igualmente conta do olhar da realizadora que nos apresenta um espaço pictórico e sensitivo único. Com Fogo-Fátuo, o caminho é semelhante, pois, neste último capítulo, Paulo Cunha parte em busca de pontos de vista ambiental e ecológico para pensar sobre uma potencial estética ecológico-queer.

A última secção, «Nos Interstícios», concentra-se na relação entre natureza e os seus diversos lugares mais ou menos abstractos. Helena Santana e Rosário Santana abrem esta secção numa análise conjunta sobre No Green No Blue e The Death of an Owl (Alvim, 2010 e 2012), em que reflectem sobre o uso de imagens que focam o mundo natural, jogando assim com diversas sobreposições: vida e morte, natureza e humano, continuidade e descontinuidade. O segundo capítulo analisa também dois filmes: E Agora? Lembra-me (Pinto, 2013) e O Novo Testamento de Jesu Christo Segundo João (Pinto e Leonel, 2013). Como observa Sérgio Dias Branco, estes são filmes que nasceram ao mesmo tempo e que partem da ideia da natureza enquanto espaço de revelações. Por um lado, a natureza como texto que pode ser lido para nos dar conta da presença de Deus. Por outro, a íntima relação entre a (pequena e a grande) paisagem e o contexto e história dos realizadores. É nesta relação da natureza com o pessoal que também encontramos o capítulo de Fernando Guerreiro sobre Colo (Villaverde, 2017). Para o autor, este é um filme em que as personagens partem de um regresso à natureza que se contrapõe ao retrato sombrio do espaço suburbano que habitam.

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Terminamos esta secção com dois capítulos, de certa forma interligados por trabalharem ausências e presenças: o de Iván Villarmea Álvarez sobre Fordlândia Malaise (Sousa Dias, 2019), e o de Fabíola Paes de Almeida Tarapanoff sobre A Metamorfose dos Pássaros (Vasconcelos, 2020). No primeiro caso, Villarmea Álvarez centra-se numa ideia de revolução tripla da natureza (humana, natural e visual) que disserta sobre o futuro. No segundo, encontramos uma análise animada por ideias que, no fundo, atravessam todos os capítulos aqui apresentados e que podem ser sintetizadas na seguinte interrogação: como é que o cinema, por via das paisagens escolhidas, dá conta da nossa condição humana?

Este pequeno ensaio, a par com os outros aqui reunidos, atesta a ideia de que toda a vida — biológica, não-humana, humana, transumana — é composta por ciclos e por mudança.

Contudo, no decorrer do Tempo, a força da Vida prossegue sempre, é resistência e potência, partilhando com a Natureza um modo de operar independente, contínuo e simultâneo, como, aliás, já aqui afirmámos. Contemplar a representação fílmica desta vida a partir do pensamento sobre a natureza física permite distinguir as extraordinárias formas de materializar a identidade Vida=Natureza e, por isso, deixar a descoberto possíveis articulações do que se pode considerar «ser natural». Também por este motivo é necessário continuar a olhar bem para as montanhas, como o artista brasileiro Manfredo de Souzanetto advertiu em 1974, e não só pensar como elas, como o pioneiro do pensamento ecológico, Aldo Leopold, ensinou (1949, 3-93).

O volume não termina aqui. Num movimento propositadamente cíclico, Um Olhar Português: Cinema e Natureza no Século XXI encerra com «A Natureza Ama Ocultar-se», um texto de Adriana Veríssimo Serrão que, mais do que funcionar como posfácio, apresenta-se como uma leitura panorâmica dos fundamentos filosóficos do conceito de Natureza no tempo. Em quatro reflexões, a especialista em Filosofia da Paisagem dá-nos conta da pluralidade daquele conceito, sendo este igualmente um texto que nos forma e informa sobre a banalização do termo. Para além disso, também elucida que, face à iminência de um fim, pretendemos preservar vestígios do que já não é, tentando fixar o que só já é fixável no domínio da memória. Este livro é, então, também, uma tentativa desse resgate.

cinema e natureza no século xxi 17

Por esta mesma razão, as palavras de Serrão levam-nos ao princípio de tudo. E daí o título do livro e desta introdução: «Um Olhar Português» transporta-nos para a especificidade dos «olhares» por nós convocados, que, reflectindo a contemporaneidade, expõem a condição global do cinema aqui estudado.

«De Tanto Olhar o Sol» recorre a uma estrofe de Miguel Torga e — num gesto de livre interpretação — mostra como o olhar pode ser suspenso: do vermos com clareza ao sermos ofuscados, sendo sempre um olhar sobre o mundo da natureza em plena metamorfose.

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1.

Água

Tarde Demais (José Nascimento, 2000)

joão monteiro

Tendo nascido no final dos anos 1970, a minha primeira memória do rio Tejo prende-se, curiosamente, com um naufrágio: o do porta-contentores britânico Tollan, em 1980. Uma colisão com outro navio, em pleno estuário do Tejo, fê-lo tombar de lado e assim ficou durante três anos, ao ponto de, na minha imaginação, à época, o rio e o Tollan serem inseparáveis. Durante os anos que se seguiram, o rio foi-se tornando num autêntico esgoto da cidade de Lisboa, atingindo um grau de poluição tal que, em 1989, o mergulho dado por Marcelo Rebelo de Sousa, na corrida para as eleições autárquicas, pareceu ser mais um acto de loucura do que de coragem.

Na escola, aprendia-se que o maior rio português era uma enorme auto-estrada que cruzava a Península Ibérica e que foi determinante para a construção da identidade não só de Lisboa, como do próprio país. Foi deste rio que partiram as naus e as caravelas da grande aventura marítima portuguesa. Para além da sua localização estratégica e importância logística, também tem servido de inspiração a poetas, músicos e cineastas. E foi nesta última arte que, no dealbar do século XXI, estreou o único filme em que o grande e pacato rio é a personagem principal, diria mesmo o antagonista da narrativa, porque essa suposta tranquilidade esconde os verdadeiros perigos de um rio que agora é de morte(s) e não de vida(s). O filme é Tarde Demais (2000), a segunda longa-metragem de José Nascimento.

Tarde Demais é uma obra de ficção pós-milenar que testemunha a transição de um paradigma social para outro. Relata a história verídica de quatro pescadores encalhados no Tejo a lutarem pela sobrevivência, enquanto a «nova» Lisboa do ano 2000 os ignora, lá ao fundo. Uma transição socioeconómica, aqui encenada como um survival film absurdista, em que a câmara coloca os

espectadores num contracampo com os pescadores, que observamos indiferentes, assim como a cidade da ponte Vasco da Gama e da Expo’98. Este capítulo propõe-se analisar o rio neste filme, enquanto metáfora perfeita desta Lisboa do novo milénio.

O mar tem dado azo a alguns filmes sobre pesca e pescadores — dos filmes de Leitão de Barros na Nazaré, à própria Nazaré (1952) de Manuel Guimarães ou A Promessa (1973) de António de Macedo — mas, em relação a rios e, em particular, a este rio, o mesmo não se verifica. São mais olhares estrangeiros que o Tejo atrai, em primeiro lugar nas co-produções exploitation de António Vilar, como Fim-de-Semana com a Morte (Julio Coll, 1967), que «exploram» a cidade e as suas vistas (com sequências filmadas na, à época, ainda inacabada ponte 25 de Abril), ou em filmes de autor que se tornaram autênticos postais da capital, como A Cidade Branca de Alain Tanner (1983) ou Lisbon Story de Wim Wenders (1994).

O filme que talvez retrate melhor o rio e a sua relação histórica com a cidade é Zéfiro (1994) de José Álvaro Morais, uma docuficção sobre a importância geográfica da margem sul do estuário do Tejo, de acordo com a teoria do arqueólogo Cláudio Torres, de que o Sul de Portugal começa nessa margem. Outra curiosidade é a única longa-metragem de Pedro Ruivo, A Força do Atrito (Pedro M. Ruivo, 1993), um road movie apocalíptico filmado parcialmente nas ruínas industriais dos terrenos onde hoje existe o Parque das Nações, local onde José Nascimento filmaria posteriormente o seu Tarde Demais e cuja transformação figura proeminentemente enquanto elemento visual.

José Nascimento, natural de Lisboa, onde nasceu em 1947, tem desenvolvido actividade em várias vertentes: da realização à montagem até à assistência de realização. Enquanto cineasta de ficção tem assinado escassas obras — antes de Tarde Demais, apenas realizou Repórter X em 1986. Escrito a meias com Edgar Pêra, este meta-biopic em torno da personagem criada pelo jornalista Reinaldo Ferreira, move-se algures entre os territórios do film noir e da peça de teatro, mas o seu artificialismo esvazia um pouco a acção da narrativa, tendo sido um filme que foi sendo esquecido apesar da originalidade da sua empresa. Foram precisos quase quinze anos para que voltasse à ficção em longa-metragem, num registo antagónico a Repórter X.

A génese de Tarde Demais partiu de uma reportagem de Laurinda Alves para o extinto jornal O Independente, em 1995, que relata o naufrágio de um

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barco de pesca artesanal no Tejo, junto à futura ponte Vasco da Gama. Dos quatro tripulantes, apenas sobreviveram dois, e uma tragédia impensável dava-se ali, tão perto da margem. Para além do aspecto da luta pela sobrevivência pertíssimo de terra, havia algo de alegórico nesta história: o rio, que outrora alimentava as aspirações da cidade de Lisboa, fora abandonado, poluído, esquecido por essa nova urbe. Chegados ao fim do século XX, o paradigma civilizacional havia-se transformado, tínhamos entrado na era da indiferença. Estamos não só perante a morte de seres humanos, mas igualmente perante a morte do rio, de um ofício e de uma cultura económica específica.

Com o argumento novamente escrito a duas mãos, com o também cineasta João Canijo, Tarde Demais foi filmado no local onde se deu o naufrágio, recorrendo a uma estética hiper-realista muito longe das limitações cénicas de Repórter X. Três anos depois do fenómeno Titanic (James Cameron, 1997), e no ano de filmes como The Perfect Storm (Wolfgang Petersen, 2000) ou Cast Away (Robert Zemeckis, 2000), Tarde Demais inscreve-se num género muito em moda neste fim de século, o filme de náufragos, e dentro deste, na sua versão mais extrema, o survival film. Este subgénero reencena um microcosmos social, através de um pequeno grupo que tenta, por todos os meios possíveis, sobreviver à situação em que se encontra. Em acção estão representadas forças sociais e dinâmicas de grupo que reflectem um quadro maior. No fundo, somos todos náufragos, quer queiramos quer não.

Em Tarde Demais, temos quatro personagens separadas do seu tecido social que procuram, em conjunto, sobreviver ao momento. Mas cada personagem representa uma tensão particular: Zé (Vítor Norte), a abnegação e a capacidade de auto-sacrifício, enquanto, no espectro oposto, temos Joaquim (Nuno Melo), preenchendo o lugar do egoísmo e do individualismo. Os outros dois — Manel (Adriano Luz) e António (Carlos Santos) — são forças estáticas, de certa maneira, representando a massa humana que compõe uma sociedade. Se o passado (António) fica para trás e prefere esperar, seja pela morte ou pela salvação, já o presente (Manel) perde-se e acaba vítima dessa desorientação. Neste caso, nenhum dos extremos vence, Joaquim acaba vítima de si próprio, enquanto Zé consegue chegar a terra sem lograr, no entanto, salvar nenhum dos seus colegas — vamos perceber que o seu desespero é motivado pelo sentimento de culpa por ter insistido naquela saída de barco. Este microcosmo destaca estas personagens individualmente separadas da sua realidade pessoal, personifican-

cinema e natureza no século xxi 25

do o seu destino histórico, ou seja, a sua extinção. A morte dos pescadores é, ao mesmo tempo, a morte da pesca no Tejo.

Tarde Demais é o caso de um filme português que se filia num subgénero, mas que tenta, simultaneamente, fugir deliberadamente a qualquer catalogação, quase se posicionando como uma série B «envergonhada», que, através de uma estética crua e perto do documental, assume a seriedade do seu tema. Mas a série B está lá. Comecemos pelos aspectos de economia narrativa: o filme começa já depois do naufrágio, e o espectador mergulha imediatamente na situação, como se fosse um dos sobreviventes.

Assim, durante os primeiros quarenta minutos, estamos a sós com as quatro personagens encalhadas e com os perigos que enfrentam. Esta metade corresponde ao survival puro, quase um filme de terror «tímido», porque um dos seus triunfos é a forma como reflecte o Tejo nas suas lentes: ameaçador, escuro, cinzento, agreste, uma terra de ninguém. Este é talvez o aspecto mais desarmante do filme de Nascimento, a forma como re-apresenta o rio ao espectador: se, por um lado, as marés baixas e a pouca profundidade parecem inofensivas, a realidade é que por detrás desta superfície escondem-se os verdadeiros perigos do rio, a camada de ostras no fundo do lodo que corta os pés, as fortes correntes e a temperatura da água.

Na segunda metade, são introduzidas novas personagens, nomeadamente os filhos de Zé e Manel, interpretados respectivamente por Francisco Nascimento (João) e Ana Moreira (Laura). Esta metade visa explorar o aspecto absurdo de a tragédia ter acontecido ali, no meio do Tejo, junto ao que viria a ser a zona da EXPO, numa ideia de um «novo futuro» que vem literalmente apagar o passado do rio. Do survival film passamos então para o filme de denúncia social. A lentidão de processos para accionar uma operação de salvamento é exasperante, e Nascimento aponta o dedo às autoridades como co-responsáveis pela tragédia. O filme termina então quase num tom épico, aquando da descoberta, na manhã seguinte, do cadáver de Manel congelado num mouchão, que se justifica pela forma como encena o fim do Tejo como meio de subsistência.

A forma como o filme aborda o ex-líbris da capital é muito distante do que havia sido feito até então, como já foi mencionado. No entanto, José Nascimento vai mais longe, ocasionalmente mostrando planos gerais que ilustram ao longe o progresso da cidade através da ponte, como se o rio fosse um palco lamacento de uma tragédia a que todos os lisboetas podem assistir na primeira

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fila das suas novas casas ou dos seus carros, sem terem de se molhar ou passar um frio de morte. O Tejo é também filmado como um rio morto (destaque para a fotografia de Mário Castanheira) — muito escuro e ríspido — que, por detrás da sua aparente calma, suga quem nele deposita as suas esperanças de vida. A certa altura, Joaquim, nos seus devaneios solipsistas, queixa-se: «Isto não é a guerra contra os pretos, é o Tejo». Como se os próprios pescadores estivessem incrédulos pelos perigos que estão a enfrentar, como é possível morrer-se ali «por causa de meia dúzia de robalos»?

Em Junho de 1816, La Méduse, uma fragata do governo francês que transportava soldados e colonos para o Senegal, encalha na costa africana. Quando resolve abandonar a embarcação, o comandante percebe que quatro jangadas não vão acomodar quatrocentas pessoas e resolve cortar os cabos de ligação entre uma das jangadas e as restantes, deixando à deriva cento e cinquenta ocupantes, sem comida e sem vela. Uma semana depois, a jangada é encontrada com apenas dez sobreviventes, os restantes morreram afogados ou foram comidos pelos companheiros. Face à recusa de uma compensação por parte do governo francês, os sobreviventes resolvem escrever um livro contando a sua experiência e apontando o dedo ao capitão do La Méduse por esta indescritível tragédia.

O escândalo político que daqui adveio chamou a atenção do pintor Théodore Géricault que, como muitos liberais franceses, se opunha à monarquia restaurada depois de Napoleão. O pintor romântico não poupou esforços para conseguir o máximo de autenticidade — entrevistou sobreviventes, mandou construir um modelo exacto da jangada e estudou cadáveres na morgue. A tela que pintou era em tamanho real e o seu objectivo era mesmo o de chamar a atenção para a falência do estado. Le Radeau de La Méduse (1818-1819) é um exemplo de uma arte engajada na denúncia social. Esta procura da verdade sem compromissos ecoa no filme de José Nascimento. Também ele entrevistou os sobreviventes e as famílias afectadas, também ele procurou o máximo de veracidade e realismo no seu relato, e também visava apontar o dedo à inoperância das autoridades.

O Tejo é hoje um rio para actividades de recreio, para a passagem de cruzeiros e navios de carga. Já ninguém vive da sua pesca, o aumento de água salgada não permite a sua utilização para regas e o seu caudal é motivo de contínua disputa entre Portugal e Espanha. Não deixa de ser, por isso, curioso, Tarde Demais ter surgido logo em 2000, ainda como um filme fin-de-siècle sobre o

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ancestral rio. Se, por um lado, a morte do rio é simbolizada pelas suas «armadilhas» mortais, vemos, porém, um novo paradigma civilizacional emergir à mercê de uma leitura contemporânea do filme.

O século XXI ergue-se como o século da indiferença, da falta de empatia, de um individualismo que foi crescendo nas décadas de 1980 e 1990, aqui simbolizado pelo fim da pesca artesanal e pela nova cidade que se ergue naquelas margens, mera observadora dos dramas que se desenrolam diante de si. Mas, desde 1995, muita coisa mudou no rio, principalmente o facto de ter deixado de ser o destino dos esgotos domésticos e industriais de Lisboa, e depois dos anos da pandemia, com a redução de tráfego fluvial, até golfinhos têm sido vistos a nadar no Tejo.

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É na Terra Não É na Lua (Gonçalo Tocha, 2011) ana vera

«Vamos filmar tudo o que conseguirmos, vamos tentar estar em todos os sítios ao mesmo tempo, e não perder nada. Vamos tentar conhecer toda a gente, filmar todas as caras, todos os serviços, todas as casas, todas as ruas, todos os trabalhos e todos os cantos da ilha. Todas as árvores, todos os campos, todas as vacas, todos os porcos, todas as rochas, todos os pássaros. Toda a música, toda a noite. Da ilha do Corvo também se vê a Lua. O Corvo é na Terra não é na Lua». Assim acaba o diálogo a duas vozes entre Gonçalo Tocha, realizador, e Dídio Pestana, director de som, no prólogo de É na Terra Não É na Lua (2011). Durante o diálogo, a câmara revela o barco que se aproxima do Corvo, a ilha mais pequena e ocidental do arquipélago dos Açores, que assim aparece registada pela primeira vez desde o mar. À medida que nos aproximamos da ilha e observamos as suas falésias e abundante vegetação, as duas vozes sussurrantes sobrepõem-se, anunciando as suas intenções: filmar todas as coisas.

Com esta sequência inicial, Gonçalo Tocha comunica o objectivo e o plano do filme É na Terra Não É na Lua, construído e realizado entre 2007 e 2011. Ao mesmo tempo que Tocha e Pestana se vão integrando na vida da ilha e que o filme se vai tecendo ao ritmo da boina de lã que uma das habitantes da ilha está a fazer para o cineasta, o espectador vai também descobrindo a ilha, as suas paisagens, as suas histórias e tradições e as suas pessoas. Todo este universo insular se vai tornando familiar. O filme adquire, assim, um interesse quase antropológico, na medida em que revela uma necessidade de registar a vida da ilha para que fique como arquivo de memória para os seus habitantes.

É na Terra Não É na Lua manifesta duas das principais tendências do cinema português dos últimos anos.1 A primeira é a descentralização dos relatos

1 Para uma leitura mais detalhada das tendências estéticas do cinema português contemporâneo, consultar Fernández e Álvarez (2015).

cinematográficos e a procura de histórias em territórios rurais pouco explorados, graças a uma nova geração de criadores e cineastas que fixam o seu olhar nos espaços rurais e na periferia a partir da hibridização dos géneros. Este interesse e movimento para a periferia geográfica tende a resultar em filmes que combinam os registos do documentário e da ficção e, assim, são capazes de transitar entre o real e o imaginário. A segunda tendência está relacionada com a utilização de materiais pessoais e registos de histórias de vida para, desde uma perspectiva contemporânea, descobrir estes espaços rurais e estas paisagens que resistem à desumanização causada pela nova modernidade.

A fusão de ambas as tendências resulta num conjunto de títulos que confirmam a renovação geracional do cinema português, bem como a sua diversidade estética. Filmes como É na Terra Não É na Lua, Campo de Flamingos sem Flamingos (André Príncipe, 2013), Volta à Terra (João Pedro Plácido, 2014), Portugal — Um Dia de Cada Vez (Anabela Moreira e João Canijo, 2015), ou ainda Terra Franca (Leonor Teles, 2018), manifestam esta ideia de busca e de movimento de quem parte à procura de novos territórios, da natureza, de pessoas, do país. Todos eles se desenvolvem em cenários rurais, mais ou menos periféricos, cruzam a fronteira ténue entre documentário e ficção e, por essa via, mantêm um compromisso criativo e reflexivo com a realidade que procuram representar. Como salientou Ana Isabel Soares (2012), o cinema documental em Portugal conheceu uma grande expansão na primeira década do século XXI, tanto em termos de filmes produzidos, como em termos de recepção crítica e de institucionalização. A crise financeira de 2008 marca um novo ponto de viragem, com a produção cinematográfica em Portugal e os cineastas a tentarem criar um espaço de debate e de resistência mais amplo, sem fronteiras limitadoras de registo e de género, e mantendo o compromisso de enquadrar os tempos em que vivemos (Soares, 2012).

Este artigo propõe uma análise de É na Terra Não É na Lua, salientando a maneira como o filme representa a natureza insular da ilha do Corvo, as suas pessoas e as suas histórias. Procuraremos demonstrar que o universo cinematográfico e a estética de Gonçalo Tocha estão intimamente relacionados com a natureza insular dos Açores na sua diversidade, como um ecossistema que inclui entidades humanas e não-humanas, personagens individuais, colectivas e natureza. Não nos interessa, aqui, abordar as relações teóricas entre cinema e natureza, nem o deslizamento conceptual dos termos natureza, ambiente ou

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mundo natural. Pretendemos mostrar como o filme testemunha o desenvolvimento de uma consciência ecológica que reflecte a relação entre humanidade e ambiente, numa contemporaneidade marcada pela sucessão de crises de diversas naturezas.

O aparecimento do arquipélago dos Açores no universo cinematográfico de Gonçalo Tocha surge com o filme Balaou (2007), uma espécie de odisseia pessoal no Atlântico motivada pela morte da sua mãe. Balaou inicia com o jovem realizador a retraçar o seu percurso na ilha de São Miguel, a terra natal da mãe, em busca das suas raízes junto dos seus familiares, que lhe dizem repetidas vezes sentirem que ele «está à procura de algo». O regresso ao continente não tem data marcada. Contudo, a descoberta de um diário da sua mãe, que descreve uma viagem aos Açores, instigam-no a embarcar numa travessia dos Açores até Lisboa a bordo de uma pequena embarcação (o Balaou), comandada por um casal de franceses, Beru e Florence Beaufrere, para quem a deriva marítima é um estilo de vida.

Durante a travessia do oceano, Tocha parece ficar cada vez mais indisposto com a agitação do mar e o movimento do barco, mas continua a registar e a filmar as conversas com Beru, o oceano, o interior do barco e a própria dinâmica do movimento marítimo. Tocha questiona-se constantemente: «Porque é que eu fui para os Açores? O que se passa comigo? O que estou aqui a fazer?». Contudo, a resposta e o seu desejo de distância já haviam sido anunciados no prólogo do filme: «Só quero partir, ficar preso no mar», acrescentando «Não estou a fugir, estou a afastar-me». Este afastamento resulta num documentário ficcional em que memória pessoal, histórias de vida (do casal de franceses e do próprio realizador) e diário de viagem se cruzam e se incorporam no mar. Tocha regressará aos Açores em É na Terra Não É na Lua, mas se o mar era o protagonista de Balaou, com este filme decide entrar na terra e explorar o «imaginário desconhecido» da ilha do Corvo, como ele próprio o designa. O filme estabelece, desde logo, um diálogo com o filme anterior, pois abre com um barco em pleno mar alto e uma voz-off que, em francês, relembrando Beru, lhe diz: «Tu vas a Corvo? Les Azores c´est fou!». A ilha é composta pela Vila do Corvo, a única povoação, com uma população de cerca de quatrocentos habitantes, um porto, uma escola, um centro de saúde e um aeródromo que permite a ligação, três vezes por semana, a outras ilhas (Flores, Faial e Terceira) do arquipélago do Açores. Outrora um posto de vigia de baleias, a ilha do Corvo

cinema e natureza no século xxi 31

permanece como um espaço isolado, remoto tanto no espaço como no tempo, uma terra esquecida no meio do oceano Atlântico.

O filme, cujo título é retirado de um velho jornal sobre a ilha, desenvolve-se a um ritmo lento, com planos gerais e médios da agreste paisagem insular, das paredes brancas e dos telhados vermelhos das casas dispersas da pequena povoação, dos rostos e das pessoas que vamos conhecendo e que se vão tornando familiares, dos eventos que vão marcando a actividade da ilha. Os quinze capítulos que compõem É na Terra Não É na Lua estão unidos e estruturados em torno das cenas com Inês, uma antiga tecelã que está a tricotar uma boina de lã para Tocha, seguindo a tradição trazida pelos baleeiros da América. Enquanto se dedica ao tricô, Inês relembra o passado da ilha, discorrendo sobre as práticas antigas que uniam a população: a agricultura, o pastoreio, a criação de ovelhas e vacas, e os foguetes usados para assinalar a presença de baleias. O filme acaba com Tocha a colocar a boina acabada e brasonada com a inscrição «Gonçalo Corvo 2008», tornando-se finalmente um corvino honorário. No capítulo 1 do filme ficamos a conhecer Óscar, a primeira pessoa que abre a porta ao realizador. Óscar manteve um diário pessoal sobre o Corvo, um arquivo escrito ao longo de quarenta anos e com mais de oito mil entradas, que diz ter feito desaparecer. Nesse momento inicial, Tocha parece querer assumir esse papel, tornando-se, assim, o filme e as filmagens recolhidas pelo realizador entre 2007 e 2011 o único arquivo existente da ilha. Um filme-arquivo das memórias futuras da ilha do Corvo, como o realizador explicou numa entrevista:

Esta foi a razão pela qual senti que tudo aquilo que estava a filmar era especial e significativo. Eu filmei sempre as mudanças nos edifícios ou a chegada e partida de pessoas, porque tive a sensação que todas aquelas imagens permaneceriam para a memória futura. E como tenho tudo classificado por datas e eventos, pensei que não iria fazer um filme, mas um arquivo gigante da ilha do Corvo. Eu tive mesmo a ideia de ficar pela ilha durante 10 anos para a filmar. (citado em Fernández e Álvarez 2015, 43)

Como já referimos, É na Terra Não É na Lua é pontuado por diferentes cenas com Inês, tornando-se esta numa personagem central e quase omnisciente. Efectivamente, Inês representa a confidente a quem o realizador regressa em vários momentos para contar as visitas que fez, os espaços e as pessoas que

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É significativo que um pensador tão sistemático como Kant já não possa oferecer, em finais do século XVIII, um conceito unificado, mas apenas pontos de vista multifacetados consoante as diferentes operações das nossas faculdades. «Natureza» pode ser entendida como a soma indiferenciada de todos os fenómenos (natura materialiter spectata), ou como complexo das leis que dão forma à multiplicidade dos fenómenos (natura formaliter spectata); a primeira acepção é-nos inacessível porque carece da unidade da apreensão; a segunda, a do conhecimento científico, é determinada pelas estruturas do entendimento e pela categoria da causalidade (Kant, Crítica da Razão Pura, B 164-165).

Na Crítica da Faculdade de Julgar, de 1790, Kant tematiza dois fenómenos que escapam à explicação segundo nexos de causas e efeitos: a beleza natural e os seres orgânicos autofinalizados, que têm de ser compreendidos como harmonia de meios e fins, isto é, produções de uma Natureza poética.1

1 Para um desenvolvimento do tema, ver Leonel Ribeiro dos Santos. 2007. «Kant e a Ideia de Uma Poética da Natureza». Philosophica, vol. 29: 19-34.

cinema e natureza no século xxi 341 extensão espacial, a uma res extensa, na expressão de Descartes e típica do mecanicismo, suprimindo o movimento próprio, desmitificando-a e despojando-a de segredos, para discernir as leis constantes do funcionamento dos fenómenos. Se a Prometeu preside a objectividade da atitude dominadora, judiciária, é Orfeu quem inspira as artes e a experiência estética. A natureza só se esconde se não a soubermos ver, ler e escutar. É celebrada, mesmo que fugazmente, nas suas imensas qualidades, na diversidade dos seres singulares, nos mais subtis recantos e ínfimos pormenores (Hadot 2006, 117-120). Mostrar-se-á se apreendida em modos directos e não projectivos, como a percepção, a sensibilidade, a reflexão. No espanto grego, no politeísmo e animismo poéticos, e em toda a linha do desinteresse estético desde Kant até à fenomenologia do século XX, encontramos exemplos que convidam a apreciar sem violentar, sem intervir. A contemplação exige despojamento e atenção demorada, gera sentimentos como a admiração e a reverência. Entre as artes, o primado foi tradicionalmente atribuído à poesia, mas posteriormente outras artes como a fotografia, a instalação, a Land Art e o cinema-documentário puderam reivindicar a capacidade de dar protagonismo e pôr em primeiro plano aquilo que num mundo excessivamente ocupado por objectos, saturado de artefactos e gravemente desrealizado pela hegemonia das imagens a visão comum não permite alcançar.

Desde finais do século XIX, o pessimismo em face da decadência da civilização europeia, em grande medida devida à expansão da técnica e o domínio da industrialização sobre todos os níveis da vida, irá contradizer a crença iluminista no progresso indefinido. A concentração urbana, o afastamento da vida rural, a substituição da ciclicidade dos ritmos naturais pela uniformidade do tempo dos relógios terão efeitos também nos nossos esquemas mentais e maneiras de sentir. O espírito analítico que tudo segmenta em partes divisíveis anulou a capacidade de tudo ligar e relacionar. O sentimento de pertença do ser humano ao todo natural perdeu-se: o Homem desnaturalizado só encontra natureza fora ou em face de si.

É sob o signo da nostalgia de uma Natureza perdida que o ensaio fundador de Georg Simmel, de 1913, sobre o advento da Paisagem como categoria da Modernidade se destaca pela notável acuidade crítica.

Paisagens não são aqueles lugares, aprazíveis ou majestosos, nem as vistas dos bilhetes postais, nem cenários que enquadram, como pano de fundo decorativo, o desenrolar das acções humanas, noções em que prevalece a representação e a espacialidade. Numa paisagem espaço e tempo não se separam. Nela pulsa ainda a Vida, a corrente subterrânea do acontecer. Paisagens não são partes da natureza, nem conjuntos de seres dispostos sobre a superfície plana do território. São fragmentos do que ainda resta da temporalidade do curso contínuo da natureza vital, mas que apenas se dão ao homem moderno fragmentariamente e em momentâneas intuições de unidade. «As barreiras autotraçadas de cada paisagem são constantemente deslocadas e dissolvidas por este sentimento, e a paisagem, embora arrancada e tornada autónoma, é perpassada pelo obscuro saber desta conexão infinita […], sustenta-se nela e continua a ser sensivelmente penetrada por ela» (Simmel 2013, 43).2

A distinção entre Natureza-Todo e Paisagem é retomada por Joachim Ritter, mas reelaborada em torno da lei da compensação. Quanto mais nos afastamos do originário, tanto mais e mais longe o podemos encontrar. Paisagem

2 Sobre a necessária precisão entre categorias, veja-se Rosario Assunto. 1976. «Paisagem, Ambiente, Território. Uma Tentativa de Clarificação Conceptual». In Filosofia da Paisagem: Uma Antologia, editado por Adriana Veríssimo Serrão, 125-131. Centro de Filosofia da Faculdade de Letras (em especial as páginas 126-129).

É por isso com a maior das precauções que devemos estender os usos deste conceito que oscila entre «Natureza perdida, natureza reencontrada», sejam analógicos, como paisagens urbanas, sonoras, tácteis…, sejam verdadeiros absurdos, como paisagens políticas, eleitorais, laborais, familiares. O mesmo abuso acontece com «ecossistemas», que são inter-relações de seres vivos e factores bióticos e abióticos, quando aplicados a organizações empresariais, informáticas e actualmente à Inteligência Artificial.

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Vivemos numa época paradoxal em que nos falta uma concepção omni-englobante de Natureza. E nem a filosofia, que perdeu a função de unificadora dos saberes, nem as ciências sectoriais no-la dão.3 Planeta ou Sistema-Terra, Gaia, ou frequentemente o Ambiente, têm sido algumas entificações propostas. Incessantes informações sobre extinção de espécies, alterações climáticas, subida do nível das águas oceânicas, aumento da temperatura global convergem no anúncio do declínio de um fundamento tido durante séculos como estável e regular, capaz de crescimento e auto-regeneração.

Não obstante, e se for certo que o ser humano só valoriza aquilo que perdeu, queremos encontrar aparições de naturalidade onde porventura já não estão lá, pelo menos intactas. E não se trata apenas de transformações na face visível da Terra, mas de ameaças à integridade, como a dramática intervenção nos processos geradores por parte da biotecnologia: técnicas capazes de produzir vida.

3 Comprovam-no as respostas a uma chamada internacional de artigos sobre o tema «Pensar a Natureza Hoje» / «Thinking Nature Today» promovida pela revista Philosophica e publicadas nos números 47 e 48, de 2016.

cinema e natureza no século xxi 343 cumpre esta função substitutiva. Nela procuramos a presença de uma Natureza primordial para sempre perdida. Excluídos ficam as cidades, os campos muito modificados pela agricultura, o comércio e as indústrias, a inteira esfera da cultura. Restam-nos voláteis experiências estéticas em substitutos cada vez mais pobres e cada vez mais distantes: povoações rurais, jardins e parques públicos ou, ainda mais longe, nas paragens exóticas e paradisíacas prometidas pela publicidade (Ritter 2013, 113-129).

Talvez a banalização do termo seja o sintoma do pressentimento de um fim iminente — mais nosso do que da Natureza («a Natureza vinga-se de nós») ou daquela espontaneidade que nos leva a querer preservar nem que sejam vestígios geológicos e sinais de vida animal e vegetal nos baldios e espaços vacantes das cidades.

Bibliografia

Aristóteles. 2023. Física. Tradução de Carlos Humberto Gomes. Edições 70. —. 2018. Poética. Tradução de Ana Maria Valente. Fundação Calouste Gulbenkian. Hadot, Pierre. 2006 (2004). O Véu de Isis: Ensaio sobre a História da Ideia de Natureza. Tradução de Mariana Sérvulo. Edições Loyola. Kant, Immanuel. 2017 [1790]. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução António Marques e Valério Rohden. Lisboa: Imprensa Nacional — Casa da Moeda. —. 2013 [1781]. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Platão. 2005. Timeu. Tradução de José Trindade dos Santos. Piaget. Ritter, Joachim. 2013 (2011) [1963]. «Paisagem. Sobre a Função do Estético na Sociedade Moderna». In Filosofia da Paisagem: Uma Antologia, editado por Adriana Veríssimo Serrão, 95-122. Centro de Filosofia da Faculdade de Letras.

Simmel, Georg. 2013 (2011) [1913]. «Filosofia da Paisagem». In Filosofia da Paisagem: Uma Antologia, editado por Adriana Veríssimo Serrão, 42-52. Centro de Filosofia da Faculdade de Letras.

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Autores

Adriana Martins é professora associada com agregação na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, onde coordena a área científica de Estudos de Cultura desde 2019. É investigadora sénior do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura, integrando a linha de investigação Cultura, Arte e Conflito. É autora de várias publicações sobre Estudos de Cultura, e, em particular, sobre Estudos Fílmicos e Literatura Comparada.

Adriana Veríssimo Serrão é professora associada com agregação jubilada de Filosofia. Leccionou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Editou Filosofia da Paisagem. Uma Antologia (2011); Filosofia e Arquitectura da Paisagem. Um Manual (2012); Filosofia e Arquitectura da Paisagem. Intervenções (2013) e é autora de Filosofia da Paisagem. Ensaios (2013). Publicou numerosos trabalhos sobre Estética, Antropologia Filosófica e Idealismo Alemão e traduziu várias obras de Kant, Ludwig Feuerbach e Georg Simmel.

Ana Bela Morais é investigadora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde coordena o Grupo LOCUS do Centro de Estudos Comparatistas, ensina História do Cinema e co-lecciona um seminário de doutoramento sobre Cinema Português. Entre outras publicações, é autora de Censura ao Erotismo e Violência. Cinema no Portugal Marcelista (1968-1974) (2017), coordenou o Dossier «Censura ao cinema nas ditaduras ibéricas» em Ler História (2021), e mais recentemente publicou Labirintos do Desejo em Pedro Almodóvar (2023).

Ana Isabel Soares, professora associada da Universidade do Algarve, é doutorada em Teoria da Literatura pela Faculdade de Letras de Lisboa (2003), onde completou investigação de pós-doutoramento sobre cinema português e poesia (2009). É membro do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (Universidade do Algarve). Publicou vários artigos sobre Cinema Português e a monografia Margarida Gil: Quatro Décadas de Audiovisual (2021).

Ana Vera é investigadora convidada do Departamento de Estudos Ingleses, Germânicos e Românicos da Universidade de Copenhaga, onde entre 2017 e 2023 foi professora

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associada de Estudos Portugueses. É doutorada em Estudos Ibéricos (2015) pela Universidade Lumière Lyon 2, França e a sua investigação centra-se na relação entre cinema e sociedade, em particular no impacto que o contexto de crises sucessivas da última década tem exercido nos cinemas no espaço ibérico.

André Francisco é aluno do Doutoramento em Literaturas, Artes e Culturas Modernas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigador no Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa. Na sua tese de mestrado estudou a importância da paisagem no slow cinema. As suas principais áreas de interesse são o noir, espaço e cinema e o Cinema Norte-Americano.

Andrzej Stuart-Thompson é Stipendiary Lecturer em Português na Universidade de Oxford. Os seus interesses de investigação incluem a poesia feminina portuguesa dos séculos XX e XXI e as possibilidades de pensamento desantropocêntrico emergentes do pós-humanismo, do ecofeminismo, dos estudos críticos sobre animais e da filosofia vegetal. Com a Dra. Dorothée Boulanger, está a trabalhar no projecto «Luso-Ecologias» (dedicado à investigação que visa descobrir e celebrar a expressão ecológica emergente de contextos lusófonos).

Bruno Leal é membro colaborador do Centro de Investigação e de Estudos em Belas-Artes — Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e cineasta, tendo desempenhado actividade em documentários e filmes institucionais na qualidade de realizador, montador e assistente de montagem. O âmbito da sua pesquisa, centra-se na recriação performativa da memória, através do cinema documental e animação.

Carlos Natálio é professor de História e Crítica de Cinema, e investigador no Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes, da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa. Desde 2019, é programador no festival IndieLisboa. É crítico de cinema e membro fundador do site À Pala de Walsh, e autor de vários cadernos pedagógicos, nomeadamente sobre filmes de Pedro Costa, Manoel de Oliveira ou Yasujirō Ozu.

Caterina Cucinotta é professora auxiliar na Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidad Rey Juan Carlos em Madrid e foi investigadora FCT de pós-doutoramento (2018-2023) no IHC da Universidade NOVA de Lisboa. O seu último livro tem o título Figurinos e Figurinistas de Portugal. Conceitos para Novas Materialidades

Daniel Ribas é professor auxiliar na Escola de Artes da Universidade Católica Portuguesa, e director do CITAR — Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes. É programador do Curtas Vila do Conde IFF e do Batalha Centro de Cinema. Doutorado em Estudos Culturais pelas Universidades de Aveiro e Minho, escreve sobre Cinema Português e cinema contemporâneo. É autor de Uma Dramaturgia da Violência: Os Filmes de João Canijo (2019) e editor (com Paulo Cunha) de Reframing Portuguese Cinema in the 21st Century (2020).

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Elisabete Lopes é professora adjunta no Instituto Politécnico de Setúbal e membro integrado do CEAUL — Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa. Doutorada na área de Estudos Norte-Americanos, a pesquisa académica e as respectivas publicações debruçam-se fundamentalmente sobre o género Gótico, o horror e o terror (no cinema e na literatura).

Fabíola Paes de Almeida Tarapanoff possui pós-doutoramento em Literaturas, Artes e Culturas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Actua como professora universitária no Senac São Paulo e é responsável pela NECULT Consultoria & Produções. É autora dos livros Jornalistas no Cinema (2.ª ed., 2023) e Escrever e Pensar Cultura na Atualidade (2016).

Fernando Guerreiro é docente aposentado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Publicou, sobre cinema, os livros: Cinema El Dorado — Cinema e Modernidade (Colibri, 2015), Imagens Roubadas (Enfermaria 6, 2017), A Cadeira (do) Fantasma — Cinema Excêntrico (Enfermaria 6, 2021).

Filipa Rosário é investigadora auxiliar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Co-editou ReFocus: The Films of João Pedro Rodrigues and João Rui Guerra da Mata (com José Duarte, 2022), O Quarto Perdido do MoteLX. Os Filmes do Terror Português (1911-2006) (com João Monteiro, 2022), New Approaches to Cinematic Space (com Iván Villarmea Álvarez, 2019), entre outros livros, e escreveu O Trabalho do Actor no Cinema de John Cassavetes (2017).

Helena Santana integra a equipa de docentes do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro e dos investigadores do Instituto de Etnomusicologia — Centro de Estudos em Música e Dança. Resultado dos seus interesses de investigação, e no seguimento da sua formação base, enfoca o seu trabalho nas áreas da análise e teoria da música do século XX e da relação entre as artes e a educação.

Hugo Martins é doutorado em Artes Performativas e da Imagem pela Universidade de Lisboa em colaboração com o Instituto Politécnico de Lisboa e licenciado em Cinema pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Realizou a longa-metragem A Vida do Avesso (2017) e um dos segmentos no filme-antologia O Que Há de Novo no Amor? (2011).

Inês Sapeta Dias tem trabalhado entre a investigação, a realização e a programação de cinema. É doutorada em Ciências da Comunicação com uma tese sobre a história da programação do cinema. Organiza programas desde 2004, primeiro na Filmoteca de Catalunya (Barcelona), depois na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa, e actualmente integra a equipa de programação da Cinemateca Portuguesa. Em 2008 realizou Retrato de Inverno de Uma Paisagem Ardida (16mm, 40’), com o apoio do ICA/RTP.

Isabel Alves é professora de Estudos Anglo-Americanos na UTAD e investigadora do CEAUL — Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa. Trabalha sobre a relação entre literatura e paisagem, escrita sobre a natureza, humanidades ambientais

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e ecocrítica. Tem, igualmente, estudado autores da literatura transmontana, tendo co-organizado Aqui e Agora Assumir o Nordeste: Antologia de Textos de A.M. Pires Cabral (2011) e Por Longos Dias, Longos Anos, Fui Silêncio: Uma Breve Antologia de Autoras Transmontanas (2015).

Iván Villarmea Álvarez é professor de História do Cinema na Universidade de Santiago de Compostela. Publicou o livro Documenting Cityscapes. Urban Change in Contemporary Non-Fiction Film (2015) e co-editou os volumes New Approaches to Cinematic Space (2019, com Filipa Rosário) e Jugar con la Memoria. El Cine Portugués en el Siglo XXI (2014, com Horacio Muñoz Fernández).

Jeffrey Childs é professor associado do Departamento de Humanidades da Universidade Aberta, co-coordenador do grupo de investigação Literatura, Artes e Transculturas do Centro de Estudos Globais da mesma instituição e investigador no Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

João Monteiro fundou o CTLX — Cineclube de Terror de Lisboa e, em 2007, o MOTELX — Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, onde ocupa os cargos de co-director e programador. Realizou o documentário vencedor do Prémio Sophia em 2018, Nos Interstícios da Realidade ou o Cinema de António de Macedo. Em 2022 co-organizou com Filipa Rosário O Quarto Perdido do MOTELX — Os Filmes do Terror Português (1911-2006).

José Duarte lecciona na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É investigador no CEAUL — Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa. Os seus interesses de investigação incluem: História do Cinema, Cinema Norte-Americano, Cinema Português, entre outros.

José G. Pires é formado em Cinema (Escola Superior de Teatro e Cinema), licenciado em Comunicação Social (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa). Tem mestrado em Estudos Norte-Americanos (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Realizou: Ensaio de Amor (documentário, Doclisboa, 2019); A Minha Casa É o Mundo (documentário, 2020); Guilherme Cossoul — O Conservatório da Esperança (documentário; em pós-produção); One Singular Sensation (documentário; em pós-produção).

Maile Colbert é artista intermedia, pesquisadora e educadora com foco nos media baseados no tempo. Doutorou-se em Estudos Artísticos na Universidade Nova de Lisboa. «Wayback Sound Machine: Sound through Time, Space, and Place», o seu projecto de pesquisa actual, questiona o que podemos obter ao activarmos o som do passado. Maile Colbert já expôs, exibiu e apresentou o seu trabalho em diversas plataformas e geografias. www.mailecolbert.com

Maria do Rosário Lupi Bello é professora associada na Universidade Aberta e membro integrado do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura, da Universidade Católica

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Portuguesa. Lecciona e investiga nas áreas dos Estudos Fílmicos, Literatura Comparada e Estudos Interartes. Publicou, entre outros estudos, Narrativa Literária e Narrativa Fílmica. O Caso de Amor de Perdição (1.ª ed. 2005; 2.ª ed. 2008) e Tempo e Narrativa no Cinema de Manoel de Oliveira (2022).

Marta Mendes é licenciada e doutorada em filosofia, especialidade de estética, pela NOVA FCSH — Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e professora adjunta nas áreas de estudos fílmicos e narrativas cinematográficas na ESTC — Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa. É investigadora integrada no CIAC — Centro de Investigação em Artes e Comunicação.

Mirian Tavares é professora catedrática da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve. É doutorada em Comunicação e Cultura Contemporâneas, pela Universidade Federal da Bahia. Coordena o Centro de Investigação em Artes e Comunicação e é directora do Doutoramento em Média-Arte Digital, leccionado em parceria entre a Universidade do Algarve e a Universidade Aberta.

Nelson Araújo é docente na Escola Superior Artística do Porto. Organizou os livros: Manoel de Oliveira — Análise Estética de Uma Matriz Cinematográfica (2014); História do Cinema (2021); Os Melhores Planos do Cinema, 100 Autores, 100 Planos (2023). É autor da obra Cinema Português: Interseções Estéticas nas Décadas de 60 a 80 do Século XX (2016). Editor nos quatro volumes Cinema e Outras Artes: Diálogos e Inquietudes Artísticas (Edições LabCom).

Patrícia Vieira é investigadora sénior no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Os seus livros mais recentes são States of Grace: Utopia in Brazilian Culture (2018) e o livro co-editado The Mind of Plants: Narratives of Vegetal Intelligence (2021). Coordena o projecto «ECO — Animais e Plantas em Produções Culturais sobre a Bacia Amazónica», financiado pelo Conselho de Investigação Europeu e co-coordena o projecto RESILIENT, financiado pela Fundação Gerda Henkel.

Paulo Cunha é docente de Cinema e Media Artes no Departamento de Artes da Universidade da Beira Interior. É também coordenador do grupo de trabalho Cinemas Pós-Coloniais e Periféricos da AIM — Associação de Investigadores da Imagem em Movimento. Tem trabalhado como programador e jurado em concursos científicos e artísticos no ICA, FCG e FCT. Entre outras publicações, é autor de Uma Nova História do Novo Cinema Português (2018) e editor (com Daniel Ribas) de Reframing Portuguese Cinema in the 21st Century (2020).

Pedro Florêncio é licenciado em Cinema pela Escola Superior de Teatro e Cinema, mestre em Cinema e Televisão pela NOVA FCSH — Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, doutorado em Artes pela Universidade de Lisboa. Realizou, entre outros, os filmes À Tarde (2017) e Turno do Dia (2019). Tem publicações,

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dispersas e em volume, sobre cinema. É docente na NOVA FCSH e investigador no grupo de Performance & Cognição (Instituto de Filosofia da Nova).

Ricardo Vieira Lisboa é programador e crítico de cinema. Trabalha na Cinemateca Portuguesa. Integra a equipa do IndieLisboa, desde 2013, e do Porto/Post/Doc, desde 2021. Possui um mestrado pela Escola Superior de Teatro e Cinema e é co-fundador do sítio À Pala de Walsh. Co-editou O Cinema Não Morreu e escreveu A Gulbenkian e o Cinema Português II, a partir do ciclo por si programado. Escreve para diferentes publicações e realiza vídeo-ensaios.

Rosário Santana realizou a sua formação na área da música e da musicologia do século XX. Enquanto docente do Instituto Politécnico da Guarda, centra a sua investigação nos domínios da arte e da arte na educação. Enquanto integrante da equipa do Centro de Tecnologia, Restauro e Valorização das Artes — TECHN&ART, alarga o seu interesse a outros domínios, dos quais a relação da música com as outras artes, nomeadamente o cinema, ganha especial relevo.

Sandra Camacho é doutorada em Estudos Comparatistas pela Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Desenvolve o projecto «Explorações Artísticas de Limitações Tecnológicas na Fotografia Portuguesa do Século XXI» no Instituto de Comunicação da Nova, Universidade NOVA de Lisboa. Tem como principais áreas de investigação o arquivo enquanto prática artística, arqueologia dos media, estudos interartes e intermedia

Sérgio Bordalo e Sá é investigador integrado e coordenador do pólo do Instituto de Etnomusicologia — Centro de Estudos em Música e Dança na FMH — Faculdade de Motricidade Humana, e ainda coordenador-adjunto do Centro de Estudos em Artes Performativas (FMH). É doutorado em Estudos Artísticos — Estudos do Cinema e Audiovisual pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2013) e mestre em Film Studies pela The University of Iowa (2001). É membro da equipa de três projectos financiados pela FCT. Actualmente investiga a relação entre a dança e o cinema.

Sérgio Dias Branco é professor associado de Estudos Fílmicos na Universidade de Coimbra, onde dirige o Mestrado em Estudos Artísticos e coordena o LIPA — Laboratório de Investigação e Práticas Artísticas. É investigador do CEIS20 — Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra e colabora com o Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião da Universidade Católica Portuguesa e o Instituto de Filosofia da Nova.

Susana Mouzinho é artista, membro associado do Cinelab — Laboratório de Cinema e Filosofia do Instituto de Filosofia da Nova, a concluir doutoramento em Estudos Artísticos na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. É professora convidada de Realização e Produção Audiovisual no IADE — Universidade Europeia, e é uma das editoras da revista online de Arte Contemporânea Wrong Wrong.

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Teresa Cid é professora associada jubilada de Estudos Norte-Americanos. Leccionou na Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, na Universidade dos Açores e na Georgetown University, EUA. Foi directora do Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa (CEAUL/ULICES, 2014-2019), onde continua a ser investigadora. Os seus interesses de investigação abarcam os Estudos Luso-Americanos, o Modernismo, o Cinema e a Cultura Popular.

Tiago Fernandes é professor adjunto no Instituto Politécnico de Bragança, professor auxiliar convidado na UTAD e director da Licenciatura em Comunicação e Jornalismo do IPB. É doutor em Media Artes, coordenador editorial da ANIKI e investigador integrado do LabCom — Comunicação e Artes. Ao longo dos últimos anos tem escrito diversos textos e apresentado trabalhos e criações artísticas nas áreas do cinema, do audiovisual, do som e da memória.

Tiago Ramos é doutorando em Ciências da Comunicação, com especialização em Cinema e Televisão, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Neste momento, desenvolve uma investigação, financiada pela FCT, sobre a maneira como os dispositivos cinematográficos são representados no cinema.

Vaughn Joy é aluna de doutoramento na University College London. Estuda as representações dos elementos políticos, sociais e culturais dos Estados Unidos durante o período pós-guerra nos media inócuos através do estudo de caso dos filmes de Natal. É também bastante activa publicamente enquanto académica, com textos de opinião em publicações populares, aparições em transmissões internacionais e apresentações de vários podcasts, incluindo Impressions of America e Hollywood in Focus.

Wiliam Pianco é doutor em Comunicação, Cultura e Artes pela Universidade do Algarve; mestre em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (Brasil); é professor universitário e, actualmente, coordenador dos cursos de Jornalismo e Relações Públicas no FMU | FIAMFAAM Centro Universitário (Brasil). As suas investigações académicas versam sobre cinema e audiovisual, com ênfase sobre a obra de Manoel de Oliveira.

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