Arte de Navegar - Nautical Science

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António Costa Canas, Francisco Contente Domingues, João Filipe Queiró, João Manuel Fernandes, João Marinho dos Santos, Jorge Semedo de Matos (ed.)

ARTE DE NAVEGAR – NAUTICAL SCIENCE 1400-1800 Actas da XIV Reunião Internacional de História da Náutica Coimbra, 23-25 de Outubro de 2008

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA UNIVERSIDADE DE COIMBRA 2014


FICHA TÉCNICA Edição: Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra Título: Arte de Navegar—Nautical Science 1400–1800 Autores: Vários Capa: J. F. Queiró Paginação: A. C. Canas 1a edição, Setembro de 2014 Depósito Legal: 381038/14 ISBN: 978-989-99172-0-0 c Autores e Comissão Internacional de História da Náutica PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO Sítio do Livro, Lda Av. de Roma, no 11 – 1o Dto | 1000–261 Lisboa www.sitiodolivro.pt


Arte de Navegar | Nautical Science 1400-1800

Índice / Table of contents Opening Address Maria de Nazaré Simões Quadros Mendes Lopes

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Forty Years of Nautical Science Francisco Contente Domingues

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Luís de Albuquerque, Historiador dos Descobrimentos António Dias Farinha

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Náutica - Nautical Science The medieval Low-German „Seebuch”: the earliest Northwest European sailing direction and its principles of navigation Albrecht Sauer

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A Introdução do Almanaque Náutico em Portugal. Contributo de Monteiro da Rocha António Costa Canas

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Arqueologia Naval—Nautical Archaeology Ship Design and Nautical Science: Technological Interchange in Renaissance Europe Richard W. Unger

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Technology Transfer and the Development of Shipbuilding Contracts Martin Bellamy

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Um século na construção naval em madeira (1580-1680). Apontamento e reflexão Adolfo Silveira Martins, Tiago Fraga, António Teixeira

55

Portuguese Shipbuilding in the 17 -18 Augusto Salgado

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th

th

Centuries

Re-constructing Juan Rodríguez Cabrillo’s San Salvador: 16th -Century Shipbuilding versus the United States Coast Guard Carla Rahn Phillips

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Buques Hospitales en la Historia Manuel Gracia Rivas

75

Cartografia e Astronomia—Cartography and Astronomy The Origins of Global Cartography: The Waldseemüller Globe Gores and other Maps in the James Ford Bell Library William D. Phillips, Jr., Marguerite Ragnow

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Cartografía conflictiva de elaboración lenta; las islas del Oriente Mariano Cuesta Domingo

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A Cartografia ao Serviço da Política José Manuel Azevedo e Silva

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A Introdução em Portugal do Compasso Geométrico, dos Logaritmos e da Carta de Mercator José Manuel Malhão Pereira

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António Barbosa and the myth of the square chart Joaquim Alves Gaspar

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História Marítima—Maritime History A “Escola Náutica” do Porto (“ricos e atrevidos no mar”) Aurélio de Oliveira

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Portugal y los Portugueses en el Cedulario Indiano de Alonso de Encinas José María Blanco Núñez

143

El Mar del Sur entre Nueva España y Perú. Reestructuración marítima y portuaria durante la segunda parte del siglo XVIII Guadalupe Pinzón Ríos

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O interesse da Academia das Ciências de Lisboa pela obra de Pedro Nunes—a edição (incompleta) de 1940–1960 e a edição mais recente F. R. Dias Agudo

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Maritime History, the History of Nautical Science and the Oxford Encyclopedia of Maritime History John B. Hattendorf

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Sessão de Abertura – Opening Adress Maria de Nazaré Simões Quadros Mendes Lopes Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra Exmo. Senhor Prof. Doutor Luís Meneses, Vice-Presidente do Conselho Científico, em representação do Senhor Reitor e do Senhor Presidente da Faculdade de Ciências e Tecnologia Exmo. Senhor Almirante Rui Abreu, Presidente da Comissão Cultural da Marinha, em representação do Senhor Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada Exmo. Senhor Almirante Luís Fragoso, Comandante da Escola Naval Exmo. Senhor Almirante Roque Martins, Director da Revista da Armada Exmo. Senhor Prof. Doutor Francisco Contente Domingues, Presidente da Comissão Internacional de História da Náutica Caros Colegas Minhas Senhoras e meus Senhores, É com o maior gosto e enorme privilégio que, em meu nome e na qualidade de Presidente do Departamento de Matemática, dou as boas vindas a todos os participantes na XIV Reunião Internacional de História da Náutica, evento que este Departamento se sente muito honrado por, mais uma vez, enquadrar institucionalmente. Tal como há quarenta anos o Departamento de Matemática abre as suas portas para receber notáveis investigadores nacionais e internacionais da História da Náutica, fazendo-o com o sentido de responsabilidade e dever de quem é portador de um testemunho que remonta ao século XVI e a Pedro Nunes, Professor de Estudos Matemáticos na Universidade de Coimbra entre 1544 e 1562. Pedro Nunes, ilustre Homem da Ciência Náutica, deixa uma obra de investigação teórica neste domínio que é sobretudo a de um Matemático; é justo pois associar o início da História da Matemática em Portugal com a Ciência Náutica. Grande cientista, a sua investigação esteva para além do seu tempo, não tendo as suas ideias notáveis, e sobretudo verdadeiramente originais, tido aplicação imediata. Esta é a grandeza do génio e a essência do pensamento matemática. Sendo, eu própria, uma estudiosa de Matemática enquanto ciência capaz de descrever a realidade, dir-vos-ei que vejo a obra de investigação de Nunes ligada à Ciência Náutica como a de um investigador da Moderna Modelação Matemática. A semente lançada e desenvolvida em Coimbra nos estudos de Matemática e da Náutica com Pedro Nunes, somente com a Reforma Pombalina de 1772 e com a chamada a Coimbra do Astrónomo José Monteiro da Rocha, com o objectivo de organizar a nova Faculdade de Matemática, conheceu alguma repercussão. A intervenção de Monteiro da Rocha na reforma da Universidade ultrapas-

sou largamente aquela ideia inicial pois este Homem, das Letras e das Ciências, acabou por ter um papel determinante nos Estatutos Pombalinos, cujo texto foi muito para além do preceituado habitual. Ter-se-á porventura devido a Monteiro da Rocha, posteriormente ligado à criação e direcção do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra, a referência nesses estatutos à importância do estudo da Astronomia e da Matemática na Geografia e na Navegação, salientando o valor dos Observatórios, entre outros, no conhecimento do Globo terrestre e na fixação de longitudes geográficas. A verdadeira contribuição do Departamento de Matemática na História da Náutica e da Cartografia iniciou-se contudo nos finais do Século XIX, princípios do Século XX. Um antigo professor desta casa, Luciano Pereira da Silva, graças aos seus conhecimentos de Astronomia estudou com rigor a Ciência Náutica na época dos descobrimentos e fez a sua introdução no ensino universitário. Segundo o Professor Contente Domingues, os estudos de Luciano Pereira da Silva e Duarte Leite Pereira da Silva (também antigo estudante de Coimbra) constituíram um ponto de partida essencial, que transformou assuntos de interesse colateral em tema de relevo na historiografia portuguesa. A História da Náutica e Cartografia Portuguesa conhece então franco desenvolvimento em Coimbra em meados do século XX com dois ilustres Professores desta Escola, Armando Cortesão e Luís de Albuquerque, os quais em associação com Avelino Teixeira da Mota, produziram investigação de alto nível dando origem, entre outras, a essa obra maior da Cartografia Portuguesa Antiga a Portugaliae Monumenta Cartographica. Com a criação da Secção de Estudos de Cartografia Antiga, sediada neste Departamento, a investigação proliferou tendo sido publicados, nas suas séries de Memórias e de Separatas Verdes, trabalhos dos nomes mais significativos da Historiografia Internacional da Náutica e da Cartografia. A publicação da História da Cartografia Portuguesa de Armando Cortesão e a publicação sistemática dos Livros de Marinharia por Luís de Albuquerque constitui, para além de muita outra e segundo os especialistas, obra de mérito daquela Secção de Estudos de Cartografia Antiga. Tudo isto teve como consequência a organização em Coimbra, pelos três investigadores agora referidos, da I Reunião Internacional de História da Náutica, cujas actas espelham bem a elevação científica e o grau de internacionalização atingidos. Esta reunião viria a dar um novo impulso à História da Náutica, cuja investigação se manteve profundamente ligada às actividades científicas deste Departamento, até ao 7


início dos anos 90, pela mão de Luís de Albuquerque. Que dizer da grandeza de Luís de Albuquerque que a sua obra de excelência não revele? Talvez reproduzir aqui as palavras que o seu Mestre, Armando Cortesão, proferiu há 40 anos na cerimónia de abertura da referida Reunião Internacional: Devo, porém, dizer em abono da justiça, que embora a conveniência e possibilidade de a realizar (a I Reunião Internacional) tenha surgido durante as muitas conversas que eu e o Professor Luís de Albuquerque naturalmente temos sobre estes assuntos, a ideia original, mais do que a mim, a ele pertence. Na verdade algo que de bom se tenha feito nesta Secção em grande parte se deve à assombrosa actividade intelectual deste homem excepcional, que muito honra a nossa Universidade. E termina com uma referência à modéstia, apanágio dos que têm real valor, que todos tão bem conhecemos e recordamos em Luís de Albuquerque. Minhas Senhoras e Meus Senhores, É de toda esta Ciência e desta História que nós, Departamento de Matemática, também somos herdeiros, sendo disso testemunho vivo os estudos de Engenharia Geográfica que desenvolvemos e o Observatório Astronómico que continua a manter a sua actividade diária de observação e investigação e que permanece como Secção do Departamento de Matemática. Para além disso, nunca em momentos específicos este Departamento esqueceu um tão valioso património cultural e científico. É assim que, por exemplo, nas comemorações dos 500 anos do nascimento de Pedro Nunes se reedita, a partir de um exemplar da nossa Biblioteca de Matemática, em edição fac-simile, a obra de estudo da náutica Petri Nonni Salaciencies Opera. Parafraseando Teilhard de Chardin “estamos (também) hoje aqui, como outros já estiveram antes, pela nossa confiança no progresso das coisas. . . ”. A recente criação do Instituto de História da Náutica onde iremos enquadrar e desenvolver actividades científicas e pedagógicas desta Ciência é disso paradigma. A existência neste Departamento de um potencial humano e científico de valor em áreas como a História das Ciências e da Matemática e dos Estudos Geodésicos, Car-

tográficos e Astronómicos é um garante inequívoco para a dinamização das actividades culturais e científicas daquele Instituto. Estamos certos que, tal como em 1968, esta reunião contribuirá também para o efectivo relançamento desta área tão dignamente tratada, até há não muito tempo, nesta Instituição. Temos sobretudo a certeza de que esta será uma Reunião produtiva, inovadora e de grande valor científico. Finally, some words in English. . . Dear Participants Let me begin by paying tribute to your patience while I addressed the Portuguese speaking audience. On behalf of our Department, I would like to welcome all of you to our University for the fourteenth International Reunion for the History of Nautical Science. We are honoured to pay host to such a distinguished gathering of researchers whose contributions will certainly make this meeting a memorable event. The intertwinement between the Mathematical Studies in Coimbra and the Nautical Studies goes back to the XVIth century and owes its brilliance to the genius of Pedro Nunes. However the research on the History of Nautical Science starts in this Department, late in XIXth century, with the studies and teaching of Luciano Pereira da Silva, on navigation and cartography of the Portuguese Discoveries Period. From mid XXth century the history of navigation and cartography achieved renewed interest and development with the remarkable work of Armando Cortesão and Luís de Albuquerque and, namely, with the foundation of the Ancient Cartography Studies Center. The First International Meeting on the History of Nautical Science, held in Coimbra in 68, gave a further impetus to that area of research. We believe the recently created Nautical History Institute, in our Department, as well as the present event, will promote fresh activity in the History of Nautical Science by our researchers. Hoping that the studies here presented will contribute to the advance of the History of Nautical Science, I wish everyone a productive and rewarding participation in this Meeting. Thank all for coming.

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40 Years of Nautical Sciene Francisco Contente Domingues Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa The first International Conference on the History of Nautical Science took place in Coimbra in 1968, resulting from the coming together of two quite distinct processes that nonetheless met on this occasion to open up a new thematic area for research.

The institutional framework provided by the Overseas Research Board, which provided this group with important publishing resources, made it possible to begin two series of publications that were very soon to command great prestige: Memórias, in which Luís de Albuquerque published several books on navigation in elegantly-presented editions with excellent introductory studies; and the socalled Separatas Verdes (Green Offprints), in which articles and conference papers were kept apart and disseminated in this manner. The work of Cortesão and Albuquerque in Coimbra, as well as that of Teixeira da Mota in Lisbon, operating in close collaboration with the others, was in itself sufficient to guarantee the re-launching of the history of nautical science in Portugal. The 1968 meeting, however, certainly gave this process a fresh impetus. The second factor referred to above had to do with the fact that maritime historiography did not give due importance to this type of inquiry, namely in the Colloques d’Histoire Maritime that had been started by Michel Mollat du Jourdin in the 1950s; these conferences were a forum for the discussion of the aspects most closely connected with the economic component of maritime trade, with some occasional contributions about ships and routes, but without any reference to the art of navigation, as has always traditionally been the case under the heading of “Maritime History”. Even with an identical subject of study, the different approaches can reflect widely varying points of view. This is clearly shown by the study of the ship: the historian of economics seeks to investigate tonnages and cargo capacities, or crew-cargo ratios, in order to estimate freight costs or profitability margins; the historian of nautical science (in the broad sense) studies morphology or functionality, when not actually reconstructing the vessel’s geometrical design. These were complementary perspectives, but ones that required their own spaces for development. While one was relatively common, the other still remained on the fringes of the preferred themes of historiographic discourse. And it was the realisation of this fact that led Cortesão and Albuquerque to decide on the 1968 conference, chaired by the former but, in his own words, largely indebted to the latter: “I must, however, say in all fairness that, although the convenience and possibility of holding the meeting arose during the many conversations that I naturally had with Professor Luís de Albuquerque on these matters, the original idea came from him more than it did from me. In fact, much of the good that has perhaps been done in this Section [of Ancient Cartography] is due to the astounding

On the one hand, the 1950s had witnessed the birth of one of the main scientific research projects in this area in Portugal, culminating in the publication of the Portugaliae Monumenta Cartographica (Cortesão; Mota, 1960-2). Armando Cortesão was already one of the leading names in the history of cartography, with a reputation that had been firmly established through the publication of two monumental volumes entitled Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos xv e xvi (Cortesão, 1935), and of subsequent works in English that had been given international exposure due to his years in exile and his connections with the Hakluyt Society. On his return to Portugal, Cortesão met Avelino Teixeira da Mota, a naval officer who had written hugely important works on Guinea, but who was increasingly interested in the history of nautical science and cartography. In turn, the collaboration between these two authors on the above-mentioned research project gave rise to the creation of the Ancient Cartography Studies Group of the Overseas Research Board, initially divided into two sections: the Lisbon section headed by Teixeira da Mota, and the Coimbra section headed by Armando Cortesão. The Coimbra section was joined by a university professor who was to play a fundamental role in later years: Luís de Albuquerque (Guerreiro, 1998). Being interested from an early stage in the scientific component of the history of the Discoveries, he later devoted himself, in the early 1960s, to following a tradition that had already borne fruit with the works of Luciano Pereira da Silva and Duarte Leite Pereira da Silva, both of them full professors of mathematics at the same university. Luciano Pereira da Silva was responsible for such fundamental contributions as the biographies of the two Doctors Pedro Nunes, studies on 16th -century astronomy, and the dismantling of the myth of the School of Sagres. This theme, as well as other related topics, were later worked on by Duarte Leite, who perhaps exaggerated in his spirit of criticism, and entered into a controversial debate with Jaime Cortesão. Jaime Cortesão was a remarkable historian and the scholar responsible for drawing attention to the important question of the technical and scientific component of the voyages of the Discoveries, even though he was occasionally prone to an overly free imagination, as when he developed his theory of the existence of a policy of secrecy as a State (crown) policy of the Portuguese navigations. 9


intellectual activity of this exceptional man” (Cortesão, 1971: 4). A brief look at the book of Proceedings immediately highlights the fact that the organisers succeeded in bringing together the greatest specialists in the subject at that time, many of whom later maintained contacts that helped to give a structure to the meetings. Leaving aside the Portuguese authors, one may highlight (if, indeed, anyone should be highlighted in particular) the names of Guy Beaujouan, Emmanuel Poule, Ursula Lamb, Ernst Crone, Marcel Destombes, Wilcomb Washburn, G. R. Tibbetts, David Waters, R. A. Skelton, Max Justo Guedes, Reyer Hooykaas, or Rolando Laguarda Trías. It might be said that nobody was missing: all the top names were at the Coimbra conference in 1968. This is clearly shown by the works presented: O. Vietor reported on the existence of the oldest signed and dated Portuguese chart, Jorge de Aguiar’s nautical chart of 1492; Marcel Destombes referred to two nautical astrolabes from the early 17th century, both of them unknown, just like Diogo Homem’s chart of 1566, which was the subject of a second paper; Teixeira da Mota presented an overview of the evolution of Portuguese sailing directions in the 16th century; Ursula Lamb presented a pioneering study on Alonso de Chaves; Luís de Albuquerque spoke of terrestrial magnetism, Martins Barata of Vasco da Gama’s ship, and Maria Emília Madeira Santos of the India Route. The list could continue, but would not be worthwhile, because the papers that have already been mentioned exemplify the future themes of the conferences, grouped around five main areas, with the core subjects being nautical science and the art of navigation, astronomy and scientific instruments; nautical cartography; naval architecture and shipbuilding; the history of science (in its broadest sense, which later on naturally spread to the history of scientific ideas), and voyages and voyagers, with shipping routes and navigational resources being included here, although from a more technical standpoint than usual. Continuity was not numbered amongst the goals of the meeting, but it was decided upon from the outset, being linked to events that might facilitate funding by future organisers: the model was biased towards this point of view, since the sponsoring body paid the full expenses of those attending the conference. This is why it was not easy to guarantee the holding of new conferences other than on specific occasions, normally connected with commemorative cycles, which is when official institutions tend to have more substantial material resources available. The definition of the group of participants also continued following the example of Coimbra, oscillating in general between a direct invitation addressed to them all or one addressed to a significant majority. In some cases, this allowed the programme to be completed with papers presented on open themes, although these were allotted less time for their exposition. At some of the meetings, namely those organised by Luís de Albuquerque, the themes of keynote papers were specifically requested from guest speakers to ensure that there was a suitable coverage of the general theme right from the outset.

Other important aspects that distinguished these meetings from traditional conferences: the number of participants was generally around thirty (ranging between a minimum of twenty-two and a maximum of forty-five). They met in plenary sessions, which, together with the concentration of papers on the same themes, generally led to discussions of the highest level. Although it was decided to promote new conferences, it was another eight years before the second one was organised. It was held in Brazil in 1976, with the central theme being extended to include hydrography; in other words, also dealing with the navigation of large rivers. This was followed by the third meeting held at Greenwich, which, unlike the previous two, covered a much wider time span, reaching well into the 19th century. In the 1980s, three more conferences were held in quick succession: SagresLagos in 1983; Rio de Janeiro in 1984; and once again Sagres in 1987. The principle was established that meetings would not be held on a regular basis and that they should be linked to commemorative events, for the reasons invoked above. From the fourth meeting onwards, there was a clear opening up of the central themes, albeit timidly at first, but increasingly more pronounced thereafter, achieved through the efforts of scholars from related areas, or, more precisely, from quite distinct areas but engaged in related research projects: the reports of voyages, for example, ceased to be analysed solely as if they were reservoirs of information about the techniques of navigation and were subjected to approaches that were more characteristic of literary or cultural studies. Collections of documents were made known, whilst the production and circulation of information about the Discoveries — in the broadest possible sense — in the world of that time became a relatively common theme. In other words, the 1980s recentered the preferred time span of the meetings (15th –17th centuries, occasionally the 18th century), simultaneously expanding the scope of the themes that were dealt with therein. The scientific interest of such a choice does not need to be commented on, but looking back more than twenty years later, it should be asked whether this was really an option rather than an imposition. In fact, it would have been very difficult to again bring together a group of scholars such as the one that met in Coimbra: the history of nautical science had not become unfashionable, but the chronological scope of the meetings was not the more popular one. In naval and maritime history, there is a preponderance of Anglo-Saxon historiography, whose chosen field is the golden age of sailing vessels, from the mid-seventeenth century to the early nineteenth century. In other words, the period when the mastery of the seas was disputed between the Dutch, English and French, after the Iberian powers had been reduced to the status of minor actors on the world’s naval stage. This is why French historiography also concentrates most of its attentions on this period. In this latter case, the reading of academic dissertations that consider Richelieu’s navy as an introduction to or even the first part of the history of the French navy is sufficiently revealing. In the case of Anglo-Saxon historiography, the 10


chronology is (even today) determined by Alfred Mahan’s The Influence of Sea Power Upon History (Mahan, 1890): sea power has been a historical problem since 1660 (Domingues, 2004). Navigation in the 15th and 16th centuries became a particular area of interest for historians writing in Portuguese and Spanish, but for very few others. Despite the limitations of simplifications of this type, such a separation is undeniable, as can be seen precisely in the case of nautical science. This period is considered by some as the formative period or even as the very beginning, since they see in it the establishment of the most important procedures and techniques. Others, however, see it as no more than a preliminary phase before the period of technical perfection, which ranged from the production of printed nautical charts to the rigorous determination of longitude. Underlying this question is a cultural problem. The study of the origins of nautical science is given scant attention in a historiography that has produced an immense wealth of studies, both in qualitative or simply quantitative terms, but whose authors are far too often incapable of reading Portuguese and Spanish authors — who traditionally publish very little in English — and much less so the sources. There are exceptions, as is proven by the undeniable standard work of reference written by David Waters (Waters, 1978), the capacity of authors like W.G.L. Randles to read a wide extent of sources, or the cartographic works of Armando Cortesão in his time. More than anything else, however, such works are precisely that — exceptions. But there are too many studies on European nautical science that show the lack of knowledge of their authors about the matters dealt with in the books on Portuguese navigation published by Luís de Albuquerque, to name but one example. This situation has been manifest at the meetings on the history of nautical science, as can be easily seen by consulting the contents of the respective Proceedings (see list at the end), with Anglo-Saxon historians most evidently writing about the more recent period and the Iberian historians writing about more distant times. At the same time, however, it can be seen that although the popularity of the history of nautical science has not diminished, as has been said, it has not grown either, even in those countries where one might have expected this to happen. The conferences also reflect this, namely those that were held in the 1990s (Manaus, 1992, Viana do Castelo, 1994, Aveiro, 1998): once again, there has been an enriching diversity of themes spreading into marginal areas, with the impact of the specific theme becoming diluted over time, even though there has remained a strong bias towards different sectors, as can be seen by the excellent set of papers on naval architecture and shipbuilding in the 1998 Proceedings, to again give just one example. Diversification of the themes and the recentering of the time span, with a certain tendency for this to be stretched on occasions, these then seem to be the lines of force emerging from the period surrounding the 1968 conference in Coimbra. Basically, they marked out what had already been done, since, in the final analysis, Coimbra was almost an exception in terms of the compact density of the themes

and the period that was dealt with. The most recent meetings have confirmed this tendency, which will undoubtedly become the hallmark of the future. But it is also already possible to detect the emergence of new generations of historians whose work is focused on nautical science (continuing to use the term in a broad sense). In Portugal, several academic dissertations in this area are being prepared or have been presented in recent years, whereas these were rare occurrences in earlier years, contrary to what might have been expected. It is hoped that old subjects may be given an entirely new treatment and analysis, or that new problems may emerge. On a very informal basis, the participants at the first conferences joined together to form an International Committee for the History of Nautical Science and Hydrography, chaired by Luís de Albuquerque. In 1987, he was succeeded by Max Justo Guedes, followed in 2000 by Inácio Guerreiro. As the need was felt to strengthen the links between the group of possible participants in the intervals between scientific meetings, and there was also a clear advantage in promoting other initiatives that might lead to the promotion of this research area, a formal proposal was made to this effect at Greenwich, in 1979, which was unanimously approved but unfortunately had no immediate consequences. Since 1998 the Committee has had its own website, where some information is made available about the founders and the contents of the books of Proceedings. The committee’s organisational process was initiated in 2000 by the then president, Inácio Guerreiro, with the appointment of a Secretary General and a Board of Directors: National Delegates were also intended to be appointed, but this never occurred. An organisational and scientific support group was set up for conferences, the holding of which is the committee’s main aim. The creation of a permanent headquarters (which has been in operation at the Portuguese Naval School since 2002) has made it possible to organise a permanent centre of documentation and logistics. Conferences have continued to be organised in the same tried and true fashion. It is normally decided at each meeting where the next one is to be held, who will be responsible for its organisation and scientific programme, and what measures will have to be taken in the future. Judging by what has happened in recent years, such measures include the maintenance of a certain regularity (every two years) along pre-existing lines, with roughly thirty papers being presented at the plenary session and occasional papers at parallel sessions. A balance should continue to be found between ensuring the openness of both the themes and the time span covered, and reinforcing the study of the technical component of the navigations, which is, after all, what has ensured the scientific specificity of these meetings. Today it seems more possible to guarantee this specificity than, for example, ten years ago, without prejudice to the need to approach old themes from new perspectives and with new focuses — which is, at the same time, an essential condition for a renewal of the historiographical discourse. However it seems that focusing again on the core sub11


ject of the reunions will be indispensable. In the 2000s, the maintenance of regular reunions was a difficult task: after the last meeting organized by Max Guedes (Rio de Janeiro, 2000), we had to have a joint meeting in Portimão (2002), and the reunions of Medina del Campo (2004) and Borja (2006), were only possible due to the notable efforts of Maria Isabel Vicente Maroto and Mariano Esteban Piñero, in Medina del Campo, and Manuel Gracia Rivas, in Borja. These two reunions focused more exclusively than normal since 1983 on the technical perspectives of navigation, a trend reinforced in Coimbra, forty years after the first meeting: a reunion of “Nautical Science” and not of “Nautical Science and Hydrography”, as had occurred since 1976. A widespread approach to navigation follows more than ever the current historiographical trend, and certainly reunions have become richer with those contributions; but our specific goal is the study of the history of navigation itself, and there are no other fora so specifically dedicated to it. The completion of the Committee’s organisational process should be the main step in a development that must open up in new directions, especially with regard to the elimination of one evident lacuna, the lack of a specialized scientific journal, an essential vehicle for publishing studies in this area, together with the development of contents for the webpage, making (at least) the earliest conference proceedings available online. These Proceedings contain works that are still considered to be essential references today: hundreds of the most valuable papers given by a significant number of top scholars. In this way, we will be able to continue along the paths leading to an indispensable renewal.

Theme: A arte náutica dos séculos XV e XVI. Nautical Science, XV and XVI centuries President: Armando Cortesão; Secretary: Luís de Albuquerque Proceedings: Revista da Universidade de Coimbra, Vol. XXIV , Coimbra, 1971, pp. 1–614. II — Salvador, 1976 Themes: Hidrografia do Brasil e Náutica 1700–1822. Hydrography of Brasil and Nautical Science, 1700–1822 President: Max Justo Guedes Proceedings: Anais Hidrográficos, Tomo XXXIII (Suplemento), [Rio de Janeiro,] 1976. III — Greenwich, 1979 Theme: Five Hundred Years of Nautical Science 1400– 1900 Presidents: Luís de Albuquerque and H. Derek House Secretary: P. Billings Proceedings: Five Hundred Years of Nautical Science 1400–1900, Greenwich, National Maritime Museum, 1981. IV — Sagres–Lagos, 1983 Theme: Náutica e Hidrografia 1550–1650. Nautical Science and Hydrography 1550–1650 President: Luís de Albuquerque Proceedings: Revista da Universidade de Coimbra, Vol. XXXII , Coimbra, 1986. V — Rio de Janeiro, 1984 Theme: Náutica e Hidrografia dos séculos XVIII e XIX. Nautical Science and Hydrography, XVIII – XIX centuries President: Max Justo Guedes Proceedings: Anais Hidrográficos, Tomo XLI (Suplemento), Rio de Janeiro, 1984 [1988]. VI — Sagres, 1987 Theme: O domínio do Atlântico nos séculos XV e XVI. The Atlantic in the XVth and XVIth centuries President: Luís de Albuquerque Proceedings: Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXIV , Coimbra, 1986; VI Reunião Internacional de História da Náutica e Hidrografia, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1989. VII — Manaus, 1992 Theme: A navegação e a hidrografia nos grandes rios. Navigation and Hydrography in the Great Rivers President: Max Justo Guedes Proceedings: Anais Hidrográficos, Tomo XLIX (Suplemento), Rio de Janeiro, 1992 [2002]. VIII — Viana do Castelo, 1994 Theme: Os Limites do Mar e da Terra: Natureza, Política e Cartografia. The Limits of the Land and the Sea: Nature, Politics and Cartography Organizing Committee: Inácio Guerreiro, Maria Emília Madeira Santos, A. Estácio dos Reis, A. A. Marques de Almeida, Francisco Contente Domingues, Vítor Rodrigues e Manuel Lobato Proceedings: Limites do Mar e da Terra. Limits of the Land and Sea, ed. by Inácio Guerreiro and Francisco Contente Domingues, Cascais, Patrimonia, 1998. IX — Aveiro, 1998

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Theme: Fernando Oliveira e o Seu Tempo Humanismo e Arte de Navegar no Renascimento Europeu (1450– 1650). Fernando Oliveira and His Era Humanism and the Art of Navigation in Renaissance Europe (1450–1650) Organizing Committee: Inácio Guerreiro, Telmo Verdelho, José António Rodrigues Pereira, Francisco Contente Domingues Proceedings: Fernando Oliveira e o Seu Tempo. Fernando Oliveira and His Era, ed. by Inácio Guerreiro and Francisco Contente Domingues, Cascais, Patrimonia, 2000. X — Rio de Janeiro, 2000 Theme: A Náutica e a Hidrografia na época dos Descobrimentos President: Max Justo Guedes XI — Portimão, 2002 Theme: As Novidades do Mundo: conhecimento e representação na Época Moderna Presidents: A. A. Marques de Almeida, Inácio Guerreiro Organizing Committee: Maria da Graça Mateus Ven-

tura, Jorge Semedo de Matos Proceedings: As Novidades do Mundo. Conhecimento e representação na Época Moderna, ed. by Maria da Graça A. Mateus Ventura and Luís Jorge R. Semedo de Matos, Lisboa, Colibri, 2003. XII — Medina del Campo, 2004 Theme: La Ciencia y el Mar Organizing Committee: Mariano Esteban Piñeiro, Maria Isabel Vicente Maroto Proceedings: La ciencia y el mar, ed. by María Isabel Vicente Maroto and Mariano Esteban Piñeiro, Valladolid, Ed. Sever Cuesta, 2006. XIII — Borja, 2006 President: Manuel Gracia Rivas Proceedings: Cuardernos de Estudios Borjanos, vol. L / LI , dir. Manuel Gracia Rivas, Borja, 2008. XIV — Coimbra, 2008 Theme: Arte de Navegar / Nautical Science 1400–1800 Organizing Committee: Francisco Contente Domingues, João Filipe Queiró, João Manuel Fernandes, João Marinho dos Santos and Jorge Semedo de Matos

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Luís de Albuquerque, Historiador dos Descobrimentos António Dias Farinha Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa A vida académica de Luís de Albuquerque conheceu um momento de profundo significado quando do seu doutoramento honoris causa pela Universidade de Lisboa. A iniciativa dessa homenagem ficou a dever-se ao Prof. Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro que proferiu o seu elogio na respectiva sessão solene. Era então professor do curso de Mestrado em História Moderna na Faculdade de Letras de Lisboa. Na Universidade de Lisboa, Luís de Albuquerque granjeou a admiração geral de colegas e alunos pela forma competente e empenhada da sua docência e pela rara capacidade de entrega àqueles que recorriam ao seu saber. A afirmação comprova-se com eloquência ao referir as centenas de actos universitários maiores em que participou como orientador ou arguente de teses e de concursos. A formação de engenheiro geógrafo, a capacidade de observação do meio ambiente e do espaço, cedo o levaram às grandes interrogações sobre a evolução das ciências e das técnicas, em particular ao estudo dos métodos descritivos do Universo e da forma como o homem conseguiu entender a ordenação geral que o rege. Era um privilégio ouvi-lo explicar as imagens obtidas por satélite que acompanham os boletins meteorológicos: percebia-se facilmente por que razão as suas previsões acertavam mais do que as dos respectivos serviços! Os primeiros trabalhos históricos publicados pelo Prof. Luís de Albuquerque revelam a orientação do seu espírito, inclinado a indagar as razões que movem o mundo e os homens. Com essa orientação publicou, em 1941, dois artigos na revista Síntese, intitulados “O Sistema de Ptolomeu” e “O Sistema do Mundo na Antiguidade”. Cidadão empenhado na observação do real, preocupado com a evolução política e a dinâmica social, não lhe escapavam os problemas que afligiram o mundo durante a II Guerra Mundial. Esse aspecto, bem como as dificuldades editoriais da época do grande conflito, explicam que só em 1947 Luís de Albuquerque iniciasse o seu sistemático trabalho editorial. Desse ano e do seguinte, datam os estudos sobre a reforma pombalina e sobre algumas personalidades daquela época, como Luís António Verney. Como historiador dos Descobrimentos, Luís de Albuquerque, em 1948, fez imprimir os artigos sobre “A carta de Pero Vaz de Caminha e o descobrimento do Brasil” e sobre “D. Manuel e a colonização do Congo”. A amizade com António José Saraiva levou este professor a pedir-lhe a redacção de um capítulo intitulado “As navegações e as origens da mentalidade científica”, que veio a ser publicado no segundo volume da História da Cultura em Portugal, em 1955. Este trabalho foi decisivo para a definição de Luís de Albuquerque como historiador

da gesta ultramarina portuguesa. Em 1957, iniciou a série de artigos intitulados “Introdução à História dos Descobrimentos” para a revista Vértice que foram reunidos em separata no ano de 1960. Livro de carácter inovador, nele o Autor procedeu ao rastreio crítico das condições que preludiaram as grandes viagens marítimas dos séculos XV e XVI. A 2a edição, muito cuidada, saiu dos prelos da Livraria Atlântica em 1962. A abordagem ao estudo da História feita pelo Prof. Luís de Albuquerque assumiu, nas condições descritas, um carácter mediato com origem na problemática científica que o preocupava e no estudo da obra dos autores antigos desde o longínquo Ptolomeu a D. João de Castro, figura que sempre o fascinou na sua dupla qualidade de homem de pensamento e de acção. Pode afirmar-se que, não tendo abraçado uma profissão de historiador, os seus primeiros trabalhos logo revelaram um espírito de eleição na tarefa do entendimento do passado, no estudo crítico das fases essenciais do processo histórico e, finalmente, na divulgação pública das conclusões a que chegava. Os numerosos artigos que publicou em jornais e revistas revelam a preocupação de conhecer mas também a de transmitir, ou, por outras palavras, de assumir a exigência do sábio e a responsabilidade do cidadão. Assim, fica explicada a razão pela qual o seu livro Introdução à História dos Descobrimentos fosse publicado primeiro em doze números da revista Vértice, nos anos de 1957 e 1958, antes de ser compilado em volume autónomo e ser divulgado actualmente em várias edições. Durante alguns anos, Luís de Albuquerque cultivou três temas essenciais: a Náutica e a Marinharia dos Descobrimentos, o complexo problema da fase inicial da empresa marítima lusitana e a obra dos principais criadores e arautos da abertura ao Mundo. Em 1965, escrevia: “Todo o Livro de Marinharia [nos séculos XV e XVI] se compunha de duas partes. Na primeira, de carácter astronáutico, juntava-se uma grande variedade de apontamentos: além das regras para a determinação de latitudes por observação do Sol (com as indispensáveis tábuas com as declinações deste astro), pela Estrela Polar e pelo Cruzeiro do Sul, continha os regimentos das marés e das léguas, anotações sobre a construção e a utilização da bússola, regimentos sobre algumas estrelas que também podiam servir para a observação de latitudes, regras para se demandar uma ilha ou para se fixarem as datas das luas (que podiam ser aproveitadas na determinação das horas das marés) e as festas mudáveis do calendário, etc. A segunda parte era constituída por roteiros: invariavelmente apresentava o de Lisboa à Índia, a par de outras derrotas do Índico ou para as ilhas das especiarias, e, ainda, em alguns casos, a des15


crição da viagem para o Brasil” (Dicionário de História de Portugal, II, pp. 949-950). Nesta definição pode atentarse na palavra “astronáutica”, fora da sua acepção hoje corrente, usada como sinónimo de astronomia náutica. Luís de Albuquerque tinha a paixão do rigor semântico e interrogava continuamente os documentos para deles extrair o significado de cada palavra na respectiva época e no seu contexto. Ele próprio justificou o uso daquele vocábulo em artigo datado de 1968 (Dicionário de História de Portugal, III, p. 137). As obras sobre náutica, marinharia e cartografia constituem, certamente, um dos mais meritórios serviços que Luís de Albuquerque prestou à historiografia portuguesa. Para o seu estudo contribuiram a mundividência do próprio historiador, a sua formação científica, o apelo dos colegas à sua competência de matemático e de engenheiro geógrafo e, também, a vasta audiência que dentro e, sobretudo, fora das fronteiras apelava para um esclarecimento das condições pelas quais a ecúmena alcançara a plenitude da sua inter-relação durante os séculos XV e XVI. Neste aspecto, Luís de Albuquerque era um homem realizado: fazia exactamente aquilo que lhe dava prazer e era apreciado como tal. O Dr. Francisco Contente Domingues, um dos seus mais competentes e dedicados discípulos, autor de uma valiosa biobliografia do Mestre publicada em 1986, lembrou, em artigo in memoriam, uma frase cujo sentido lhe era peculiar: “quando eu morrer não tenham pena de mim: vivi muito bem a minha vida” (in Penélope, no 8 (1992), p. 129). O problema da determinação das latitudes por alturas das estrelas na náutica dos descobrimentos foi estudado em vários trabalhos de Luís de Albuquerque. Pode considerar-se o Curso de História da Náutica, como a súmula dos seus estudos sobre a matéria. Foi primeiro apresentado em 1970, ao público universitário brasileiro em São Paulo, em aulas cuja memória ainda perdura, e impresso no Rio de Janeiro em 1971. Em página preambular, pouco conhecida, e assinada no já longínquo ano de 1971, o Prof. Arthur Cézar Ferreira Reis, Presidente do Conselho Federal de Cultura, afirmava: “Luís de Albuquerque [. . . ] é uma daquelas insignes figuras de que se pode e deve orgulhar o Portugal—espírito. Participa da família dos Luciano Pereira da Silva, Gago Coutinho, Fontoura da Costa, Armando Cortesão, Joaquim Bensaúde, Teixeira da Mota, Visconde de Santarém, aos quais tanto deve a história da ciência náutica. Sua obra anterior, a Introdução à História dos Descobrimentos é bem um prefácio ao tomo de hoje [referia-se ao Curso de História da Náutica]. Naquele, há os aspectos políticos, económicos que explicam as navegações. Agora há o lado tecnológico do empreendimento”. E o historiador continuou, enfatizando o valor do livro e das lições que proferiu na Universidade de São Paulo. Foi de novo editado pela Livraria Almedina, em Coimbra, dois anos mais tarde, e conhece hoje outras edições. Nesse campo, todavia, considera-se primacial a publicação de diversas obras como o Livro de Marinharia de André Pires, Os Guias náuticos de Munique e Évora, a Arte de Navegar de Manuel Pimentel, o Livro de Marinharia de Manuel Álvares e, ainda, o de Gaspar Moreira. Qual o escopo da investigação de Luís de Albuquer-

que sobre a navegação astronómica? Ele próprio a define como a necessidade de mostrar os progressos dos Portugueses a fim de conhecer a posição do navio por observações dos astros. Importava resolver três problemas essenciais: “determinação da latitude durante o dia, pelo Sol; determinação da latitude durante a noite, por observações de estrelas; e determinação de diferenças de longitudes entre dois lugares, calculadas pelas diferenças de tempo em que um dado fenómeno celeste é neles observado” (Curso de História da Náutica, 1972, p. 8). Enquanto o último problema só veio a ter cabal resolução no final do século XVIII, os navegadores portugueses puderam solucionar os dois primeiros ainda no decurso do século XV. Os aspectos geográficos e cartográficos da Expansão Portuguesa mereceram desvelado interesse de Luís de Albuquerque. Em livro de 1991, considerava “que, através de escritos e de desenhos cartográficos, os Portugueses desempenharam um papel pioneiro e primordial na descrição objectiva do mundo” (Dúvidas, II, p. 28). A sua investigação nesse campo incidiu sobre as concepções do mundo anteriores aos Descobrimentos Portugueses e, portanto, ainda ignorantes dos progressos que as viagens dos séculos XV e XVI representaram. A divulgação da obra de Ptolomeu durante a Idade Média levou-o a tomar posições controversas, nomeadamente no que respeita à sua transmissão pelos Árabes e à influência que o geógrafo alexandrino teria assumido junto dos geógrafos e cartógrafos lusitanos (Dúvidas, II, p. 12). A presença dos Portugueses no mar da Arábia, Golfo Pérsico e mar Roxo, durante a primeira metade do século XVI, atraíu a atenção do Historiador que sobre essas regiões escreveu grande número de trabalhos. O mais importante é, sem dúvida, a monumental edição das Obras Completas de D. João de Castro, impressa por iniciativa da Academia Internacional da Cultura Portuguesa. O rosto dos volumes ostenta os nomes de Armando Cortesão e Luís de Albuquerque, embora, sem que a segunda pessoa tivesse impugnado a primeira, seja bem conhecido que o trabalho de anotação, de sumariação de documentos e dos numerosos anexos seja exclusivamente da responsabilidade de Luís de Albuquerque. Acresce que muitas dessas notas foram redigidas quando o nosso homenageado se encontrava convalescente num hospital, o que mostra bem o seu ânimo combativo e empenhado. Entre elas encontram-se numerosas correcções de erros em que incorreu o conhecido mas desacreditado historiador A. Kammerer. Quando alguém lhe fazia notar que essa benemerência podia contribuir para divulgar ainda mais aquele autor, replicava com um sorriso de bonomia que era necessário ler e corrigir os erros. Os quatro volumes das Obras Completas de D. João de Castro são uma publicação modelar, onde não faltam exaustivos índices devidamente estruturados. Entre os artigos de Luís de Albuquerque sobre o Oceano Índico contam-se dois sobre o problema da identidade do piloto que conduziu a primeira armada de Vasco da Gama de Melinde à Índia, em 1498. Bem informado da investigação histórica feita além-fronteiras, que já provara que, nessa data, Ibn Madjid seria um ancião quase centenário que certamente não navegava, o sábio professor 16


infirmou aquela tese que correu mundo após a publicação do livro de Gabriel Ferrand, Instructions nautiques. As suas considerações não foram lidas com suficiente atenção, pelo que ainda se encontra frequentemente a suposta identificação. Luís de Albuquerque conhecia bem os problemas tratados por Armando Cortesão em O Mistério de Vasco da Gama, obra publicada em 1973. Não aceitava muitas das conclusões e procurava esclarecer os seus ouvintes e leitores sobre os aspectos não provados daquela tese, o que fazia em termos de grande correcção científica e pessoal. Era leitor atento das obras sobre os Descobrimentos e História geral. Redigiu algumas recensões de grande mérito, como a que consagrou à História das Bandeiras de Jaime Cortesão, de que hoje constitui um complemento clássico. Impõe-se sintetizar alguns aspectos da vida e obra de Luís de Albuquerque. Na sua rica experiência discente incluíam-se estudos na Universidade de Gottingen, na Alemanha, onde aperfeiçoara o domínio da língua alemã. Tinha conhecimentos de Árabe, cuja aprendizagem lhe dava grande prazer. Como catedrático, foi vice-reitor da Universidade de Coimbra e ocupou o prestigiado lugar de director da biblioteca da Universidade daquela cidade. O sucessor, Sr. Prof. Aníbal Pinto de Castro, salientou o seu trabalho nessas funções. Pertenceu a diversas Academias científicas. Foi secretário geral da Academia das Ciências de Lisboa, onde ocupava uma cadeira da Secção do mesmo nome, mas poderia, obviamente, sentar-se entre os seus confrades dos bancos fronteiros, na Classe de Letras. Era membro da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, vice-presidente da Academia de Marinha e sócio correspondente da Real Académie Internationale d’Histoire des Sciences. Considerava a actividade das Academias como lugar de eleição para aqueles que se procuram erguer à inteligência do Universal e ao entendimento dos homens. Sem menosprezar o papel de formação que incumbe às Universidades e à necessária especialização dos seus métodos, apreciava o convívio de pessoas de formação diferente, de que ele próprio era o exemplo. Aceitava colaborar sempre que outras instituições a ele recorriam, como é o caso da Universidade Autónoma Luís de Camões. Cidadão atento à vida do País, Luís de Albuquerque ocupou o lugar de governador civil de Coimbra durante um breve e conturbado período. Procurou imprimir toda a dignidade possível a esse cargo de que beneficiaram a Universidade, muitos professores e mesmo os ilustres residentes do palácio de São Marcos. Um dos lugares de investigação mais importantes da vida de Luís de Albuquerque foi o de membro da Secção de Coimbra do Centro de Cartografia Antiga da Junta de Investigações do Ultramar, que manteve até ao seu passamento, mesmo após a sua nomeação para director do Departamento de Ciências Históricas, Económicas e Sociológicas do agora designado Instituto de Investigação Científica Tropical. Nesse centro pôde contactar com notáveis figuras de investigadores como o Almirante Avelino Teixeira da Mota, Armando Cortesão, o Prof. Cruz e Silva, a Dra Maria Emília Madeira Santos e o Dr. Inácio Guer-

reiro. Nos últimos anos ocupou o lugar de Presidente do Conselho Científico da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, onde fez obra notabilíssima na edição de textos, no lançamento de iniciativas de restauro e resguardo do património arquivístico, em especial cartográfico e na representação externa do País, em numerosas conferências e artigos pelos quatro cantos do Mundo. A sua arte de integrar equipas coesas pôde ser sublinhada com os Comissários Dr. Vasco Graça Moura, Prof. Adão da Fonseca e Comandante Soeiro de Brito. Entre tantos afazeres, ainda reservava alguns dias para presidir ao Centro de Estudos do Atlântico, por iniciativa do Governo Regional da Madeira, através do seu Secretário Regional da Cultura, Sr. João Carlos Abreu, acompanhado pelo Dr. José Pereira da Costa e Prof. Alberto Vieira. Antes de concluir, impõe-se formular uma questão e ensaiar a resposta: qual o sentido do trabalho histórico de Luís de Albuquerque e quais as propostas concretas que resultaram desse labor? Trata-se, com certeza, de uma contribuição notável para o conhecimento da História dos Descobrimentos Portugueses, em particular nos seus primórdios, e na dimensão inventiva dos navegadores, cosmógrafos e cartógrafos. Sem nunca esquecer a formação rigorosa de matemático e o estudo das ciências da natureza, para o qual o curso de engenheiro geógrafo o preparara, Luís de Albuquerque preocupava-se com os homens, indagava o conteúdo e o significado das suas acções e opções. Em outro plano, o seu trabalho representa um considerável enriquecimento da publicação e crítica das fontes disponíveis. Na vida universitária e de investigação científica o seu labor assumiu um enorme significado pela preparação de gerações sucessivas de estudantes e pela orientação constante daqueles que reconheciam o seu magistério. Qual é a imagem final que colhemos da vida e docência de Luís de Albuquerque? A de um homem inteligente, laborioso, preocupado com as grandes questões do Homem e do Universo, estudando permanentemente para encontrar explicações racionais, claras, objectivas, das motivações que animam os indivíduos e as sociedades e das leis que regem o Mundo, empenhado em acompanhar o pensamento e o labor daqueles que considerava seus pares no ideário e na inquietação espiritual. De todos os problemas procurava dar conta pública, em busca constante do ponto de equilíbrio entre o laboratório do sábio, a biblioteca ou o arquivo do historiador e a “ágora” como ideal helénico, espaço hoje assumido pelo jornal, revista, conferência ou congresso, sobretudo pela Universidade ou no diálogo permanente com os seus colegas e discípulos. Qual a dimensão da aventura humana e intelectual de Luís de Albuquerque? Em termos de espaço, hesitamos se, algures, no eixo ferro-rodoviário entre Coimbra, Figueira da Foz ou Lisboa, no seu permanente rodopio pelos locais onde tinha residências e se encontravam a Família e as Universidades, ou, talvez, em lugar ignoto, longínquo, em pleno golfão atlântico ou em recortado golfo Pérsico, ou mar Roxo, interrogando as estrelas, “pesando” o astrolábio, ensaiando o compasso. Quanto à temática, 17


o seu olhar penetrante podia alternar entre razões da viagem, condições do percurso, finalidade dos objectivos ou inquirição do pensamento do seu semelhante, antigo e moderno, sobre a problemática que o interessava. E, finalmente, uma certeza sobre esse homem invulgar que foi Luís de Albuquerque: no final das suas viagens, fosse no

plano humano, fosse a nível científico, por mares encapelados, reuniões tumultuárias ou problemas difíceis havia a doação total, sem condições nem restrições, do seu labor, do seu pensamento e da sua mensagem a todos os seus semelhantes.

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