Momentos

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FICHA TÉCNICA Edição: edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro) Título: Momentos Autor: Emanuel Góis Arranjo de Capa: Patrícia Andrade Paginação: Nuno Almeida 1ª Edição Lisboa, Março 2016 ISBN: 978-989-8821-19-5 Depósito Legal: 405041/16 PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

www.sitiodolivro.pt

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A palavra pode ser tudo e não ser nada conter vida ou também morte pode ser escrita ou então falada é desdita ou, é sorte ah, a palavra afinal, é pensar é sofrer ou é amar é honra ou humilhação é guerra e é paz tirania e prisão sonâmbula ou fugaz ah, a palavra é pobreza, ostentação despotismo e compaixão poder ou submissão alegria, sofrimento castigo, mas perdão ódio ou sentimento esperança, desilusão

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ah, a palavra é dor, é mentirosa soberana, poderosa é problema, é solução cobarde, aventureira engenhosa e matreira mas é também amor pensemos pensemos na palavra na que é imortalizada na verdade, se sufragada ou se tem tudo ou se não tem nada ah! se eu soubesse como te domar... palavra...

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Tu és árvore eu sou gente mas, ambos somos semente juntos nascemos na paz e na guerra tu és terra eu sou ventre teu alimento é a seiva o meu corre nas veias teus braços são teus ramos flores são tuas mãos nos meus dedos mato vidas neles aperto horrores diante de mim treme a morte a ti matam-te a sorte :: 9 ::

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crescemos por todo o lado bebendo o mesmo ar e se morremos lá estamos bem juntos no mesmo lugar nosso percurso é diferente seja no cume ou sopé se a gente morre deitada tu, árvore morres de pé

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Ei-los que chegam os lobos correm e saltam... fogem as presas desorientadas perdidas manietadas quais marionetas comandadas de orelhas empinadas escutam a alcateia chegando em altifalantes sonantes com doçura chamando por elas saltitam figuras figurinhas e figurões bracejam os abutres abraçam-se os lobos beijam-se os corvos todos em uníssono no meio dos despojos ei-los que dizem iremos calar nos próximos anos o vosso sofrimento prometemos obra juramos :: 11 ::

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com engenho e arte fazem-se os leitos e os predadores disfarçados em momentos planeados pormenores acautelados lá do alto no palco deste circo soltam os uivos e, no entretanto ouve-se a voz do “compère” e logo o coro - não fujam de nós e, numa correria soltam-se sensações desesperos e ilusões e na mistura de sons invertidos feitos de escolhas à pressa ao sabor dos sentidos amedrontadas vagueando por aqui ali e em toda a parte as presas morrem assim

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Numa tarde na tarde de um qualquer dia revivi o teu olhar já perdido no tempo com os dedos percorri cada espaço do teu corpo já esquecido nas memórias do tempo lado a lado saboreámos cada traço e a saudade se dissipou dos meus lábios disseste mais bonitos que toquei recordei os passes e os abraços da dança que dancei que o tempo já levou

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podem afastar-nos os corpos mas não nos matam a alma só para ti dispo a mente e desnudo os sentimentos e no teu rosto afago os anos de tantos anos já gastos na tarde em que te vi nesta catarse moldamos movimentos modelamos na argila esta pedra que é safira ensaiamos sem disfarce bailados já dançados no crepúsculo das esperanças de danças que já se foram e na noite embriagamos recordações desfalecemos nas ilusões duma tarde na tarde de um qualquer dia que, afinal, não foi mais que sonho e ficção

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Todos temos beijos roubados guardados no cantinho da memória abraços sentidos escondidos no fim de uma estória corpos colados em passados proibidos afinal somos actores de queixas e de queixumes de paixões e de ciúmes em recortes de boémia

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somos filhos do pecado culpados de blasfémia e a vaidade que se cria na estrada caminho ou viela mais não é que a bazófia de pensamentos de orgias imaginadas nos cânticos na capela

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Há os filhos da sorte e os filhos da noite e os filhos da droga também e, naturalmente os filhos da puta e, claro, os filhos de bem com tantas diferenças afinal são todos filhos da mãe

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Existem passos que damos sem passarmos de onde estamos existem também olhares que olhamos sem vermos para onde vamos existem aqueles beijos que damos e outros que reclamamos existem abraços que apertamos em corpos que agarramos existem sentires que sentimos sem sabermos como ficamos existem carícias que trocamos nas mentiras que testemunhamos e, assim, nesta dança dançamos até o inverno chegar e, depois de tudo isto quando se ama porque hesitamos? e, se o céu é o limite porque tardamos?

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há escolhas erradas outras perdidas... não mais achadas opções escolhidas já passadas vidas omitidas moldadas escondidas disfarçadas sofridas acomodadas há... há... há sempre escolhas erradas

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Mentes prostituídas são prisão que se tem a cada instante capas proibidas de livros que não se tem na estante nessa dialéctica que não é verso habita o caldeirão da raiva e da revolta nele vejo o refúgio de gente patética o ruído do voar do vampiro que de dia nunca volta

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Memórias foi o que me trouxeste ontem à noite lembras-te? contámos estórias na cumplicidade dos risos sentados à mesa fomos derretendo os anos na cera incandescente da vela e, a chama tal, como nós assim se ia mantendo acesa e as taças ali estavam elas geometricamente alinhadas frente a frente esperando a mão que as agarrasse

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Ah, perdoa amor esquecia-me do champagne no balde prateado ali ancorado também sentado à nossa espera na cama deixamos gestos há muito ensaiados ontem perdidos hoje encontrados aquecemos os corpos desnudados na chama da vela enquanto a escuridão avançava pouco a pouco envolvia-me o desejo de sempre ali ficar ouvirmos as estórias ao som dos beijos até acabar a luz e a vela por que, até lá tinha o champagne tinha-te a ti e tinha-a a ela

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A sala apronta-se chega a orquestra a música começa juntam-se os pares chovem pedidos encurtam-se espaços elas levantam-se eles apressam-se mãos que se apertam em laços que se afogam no tempo que passa agarro-te a cintura roubo-te um beijo simplesmente te beijo neste poema que grito e, assim danço na imaginação num aperto de corpos que não existem nos olhos que não vejo... ...mas danço, danço, danço até que as luzes se apaguem...

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Nesta valsa em que te danço não há Strauss a tocar não importa se me canso e mesmo que seja falsa o que quero é dançar estendo o braço sem te agarrar noutra mão agarro o ar nos corpos nos afastamos damos passes rodopiamos fecho os olhos e a sonhar o que quero é dançar

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não me assusta o salão nem o silêncio receio se as portas se abrem e entra a multidão dando urros e a gritar nos teu braços balanceio o que quero é dançar nas janelas envidraçadas vejo o sol chegar eis, também, o rouxinol e, com ele a cantar com tanta gente abraçada adormeço na imaginação e assim fico a dançar

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E na noite das palavras te faço melodias... mesmo sabendo que não existes mas, se porventura num qualquer lugar onde te encontres não me escutares apenas resta dizer que esta força não se apaga com a tempestade existe uma vida para além da saudade nesta chama coberta que se acende ao toque de uma carícia na distância te pinto à janela e no espelho encontro o aceno da despedida

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Nos abraços colam-se os corpos roçam-se os rostos... afagam-se os cabelos instantaneamente espontaneamente momentaneamente trocam-se sentimentos que os tempos mantiveram prisioneiros dão-se as mãos apertam-se os dedos e o beijo tímido surge fortemente obcecadamente sentidamente no arrependimento de amores perdidos

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nos abraços oferecem-se emoções sentem-se sensações e recebem-se pedaços despedaçados no cansaço de recordações bebe-se a água na sede dos lábios famintos e, no lençol se recolhem os corpos decididamente apaixonadamente perdidamente e, na força do reencontro abrigam-se confissões concedem-se perdões nos abraços tudo se encontra tudo se esvai vai o corpo vai a mente tudo se acha tudo se perde inocentemente definitivamente na viagem do sonho os olhos se olham... ...eternamente

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Neste conflito entre o corpo e a mente ocorrem sobressaltos quer se queira ou, não umas vezes, prudentes outros são ressaltos duma mesma comunhão quando se afastam perde-se-lhes o rasto surge, então, a dúvida e, mesmo a interrogação se existe diferença entre o prazer e a razão neste contraditório resta apenas esperar a junção dos ponteiros que, certeiros disparam as badaladas se ritmadas são o aviso, são o toque de, quando juntos nessa mistura não se confundem são paixão :: 29 ::

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