O meu Abrigo

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O MEU ABRIGO


FICHA TÉCNICA EDIÇÃO:

Edições Vírgula ® (chancela Sítio do Livro) O Meu Abrigo AUTORA: Natividade Coelho TÍTULO:

REVISÃO:

Cecília Sousa Patrícia Silva e Alice Rodrigues ARRANJO DE CAPA: Patrícia Andrade PAGINAÇÃO: Paulo S. Resende CAPA:

1.ª EDIÇÃO Lisboa, Abril 2014 ISBN:

978-989-8678-60-7 372089/14

DEPÓSITO LEGAL:

© NATIVIDADE COELHO

PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

Av. de Roma n.º 11 – 1.º Dt.º | 1000-261 Lisboa www.sitiodolivro.pt


O MEU ABRIGO NATIVIDADE COELHO



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asci a 23 de Fevereiro de 1938. Frequentei o Liceu Nacional de Évora apenas um ano, tendo depois passado para a escola Santa Clara, para o curso geral de comércio. Nessa escola comecei a escrever poesia em vez de fazer o que os professores me pediam. Apesar de tudo, tive belíssimos professores que me entenderam e ajudaram, que se tornaram amigos e admiradores. Tenho vindo a colaborar, ao longo dos anos, nos jornais da minha terra, Évora, e noutros. Em tempos tive grandes admiradores, que já não estão entre nós. Tenho de agradecer a boa vontade e o trabalho da minha filha e amigos, que me incentivaram a publicar o livro, contribuindo para a realização do meu sonho. Ao longo da vossa leitura compreenderão a sensibilidade e o tumulto que vivi nos melhores anos da minha vida, bem como uma insatisfação presente na maioria dos meus trabalhos. Cheguei a ter pessoas que me respondiam e que tentavam amenizar o desconforto que sentia em mim. Nestas páginas encontrarão alguém para quem a vida é um estranho painel de sentimentos, mas que joga sempre com a boa vontade e com amor aos outros, ainda que por esses mesmo tenha sido algumas vezes incompreendida. Sei que é difícil. Vivo no meu mundo, um mundo de fantasia irreal. Daí toda a dificuldade ao ter de, naturalmente, aceitar a realidade. É precisamente nesses momentos que surge a minha poesia, que se veio a tornar no meu refúgio, no meu Abrigo. Foram passagens de sofrimento e de êxtase, pela perfeição da natureza e pela minha fé. Alguns leitores irão, certamente, encontrar-se comigo ao longo do livro. Natividade Coelho



APRESENTAÇÃO

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atividade Coelho abriu-nos as portas do seu Abrigo e mostrou-nos um mundo que teimava em esconder, um mundo que era o abrigo do mundo que na sua voracidade ia engolindo toda a pureza do sentimento, toda a ternura humana, toda a vontade de romper com o tempo e preservar somente aquilo que está para além do tempo, para além da vida: a poesia. São versos à solta, sonetos e outros poemas que nos levam ao encontro da vida, da cidade, do Alentejo, do mundo, o tal mundo que se abrigou no seu mundo para preservar o que há de belo e bom na natureza humana. Datados no tempo estes versos são a imagem de uma mulher livre, que continuou nas palavras todos o sentimento que encontrou nas pedras da calçada, nas ervas do caminho, nos braços do amor, na ternura de dar e receber. Sem grandes preocupações na forma, Natividade Coelho encontrou nas palavras e no sentimento a maneira de nos levar a um mundo real mas diferente, e fez-nos ficar com vontade de criar também em nós um abrigo, onde seja possível viver para além da vida, para além do sonho. A poetisa eborense encarna bem o que é a sua cidade, a beleza, as contradições, o estar sempre de partida e o ponto de chegada sempre igual e sempre diferente, mas sempre sedento de mudança que nunca muda. Natividade Coelho é bem o exemplo da mulher alentejana, que enfrenta o sol, o frio a chuva, que mantém a beleza e que vai passando os anos sempre com um olhar profundo, um olhar perdido no horizonte de onde lhe chega a coragem de ser mulher, de ser mãe, de ser terra, de ser flor e fruto, de ser alma e corpo forte.


Com os olhos postos no céu, do seu abrigo, a poeta descobre-se e entrega-se com o amor de quem quer tudo, de quem sabe que eternidade está muito para além do corpo físico, para além do pensamento, para além da tristeza e da alegria que sabe ser momentânea, mas que tem a certeza que volta sempre como o Natal, como o Outono, como a sua vida através daqueles que vão e dos que chegam. O Meu Abrigo é um livro que nos abre as portas para a imaginação, para uma viagem com regresso e com muitas ideias na bagagem, para continuarmos a ter a certeza de que há um mundo para além do mundo em que vivemos. Que bom que é o Abrigo da Natividade Coelho. Mário Simões


O M EU A BRIGO

MULHERES... Existe uma mulher que sabe dar, Aos outros, o amor e o sentimento. Aquelas, que em seu peito dão guarida a muito, mesmo muito, sofrimento. Há mulheres que transportam solidão E fazem de tristeza companhia. Veste-as o luar só de magia, E transportam muito amor e emoção. Bravura, a destas almas. Tão sedentas, Perdidas na bondade e no amor. E que o mundo de hoje não respeita, Nem por vezes compreende, tanta dor. E se elas nos estão a jeito Oferecemos-lhes respeito! 03-03-2013

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AGORA Já disse nos meus versos desolados Que o meu mundo é feito de quimeras, E se passaram por mim sonhos passados, Foram vividos noutras primaveras. Já não me entendo nos murmúrios que vivi E deslumbro-me com o eco doutros passos Já não sinto, na penumbra, esses cansaços Que outrora, tantas vezes, eu senti. Mas se pudesse mudar o mundo agora Não era este fantasma, que em mim chora, Que calava as minhas incertezas... Neste tumulto da vida que vivi, Preencho este vazio que já senti Com amores de magia e de riquezas. 12-11-2013

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PÁSCOA... O mundo em desalinho, alvoraçado Alheios, os homens, vão sempre exigindo Só Deus morreu por nós crucificado, Só Deus tudo nos deu, nada pedindo. Nasceram malmequeres pelas estradas Floresce o alecrim e o rosmaninho. Morreram mulheres tristes e cansadas A lembrar que Deus foi pobrezinho. A sua cruz tem rosas de perfil. Tem o cheiro das flores no mês de Abril, Tem o límpido fulgor e a clareza De nos mostrar que Deus tem humildade, Que faz do sofrimento a felicidade, Que faz duma flor a Natureza! 04-04-1977

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A ALGUÉM Todas as noites e dias deste mundo Não chegam p’ra tapar a sua dor. Minha amiga, coragem, que o amor É facioso, louco e moribundo. A vida é muito mais. É dar, é querer. Gostar só por gostar, não ser profundo Ter força na vontade, e esquecer Quem tanto mal lhe fez, cá neste mundo. Renove-se e encontre um ideal, A vida quer de si prova final Depois de tantos anos... Renascer! Caminhe ao longo desta estrada só, Não deixe que por si se sinta dó. Você é muito mais... Não vai morrer! 08-12-1982

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SÃO CIGANOS E MALTESES... São ciganos e malteses, Atravessam os silvados, Vão de noite aos povoados, Trazem da vida os revezes E dormem pelos montados. São corpos duros crestados, São almas iguais à minha, Fazem no vale a fogueira, E gostam da soalheira. Cantam ao luar de agosto, Quando a vida lhes dá gosto. Caminham em caravanas, São turbulentos de raça, E se a caravana passa, Uma vez... e muitas vezes Gritam rapazes na rua: São ciganos e malteses! 13-04-1977

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ÉVORA Choram em silêncio as tuas pedras toscas. Há ruas perdidas no teu labirinto. Há sonhos que eu sinto que estão a morrer. E... Não pode ser. Tu és a Princesa do meu Alentejo, A terra bendita que me viu nascer. Oásis do Amor e das sombras, Onde o sol queima sem dor. E se o vento chora nas tardes de outono, E se ofusca a noite quando a lua vem, Só em murmúrios fala do que sente. Como eu sinto e falo, Também, tristemente! 11-11-2013

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TODOS OS DIAS... Todos os dias Um grito de mãe Transforma em Natal As paragens da terra. Todos os dias Os homens inventam A destruição A morte e a guerra! 16-12-1983

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QUADRAS SOLTAS Há quem nasça pobrezinho E seja rico a valer Pois quem tem muito dinheiro Não tem nada, pode crer. Os sentimentos são frutos Da alma amadurecida, Só que há velhos que são novos E novos, velhos na vida. 17-07-1983

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A MAIS DITOSA... Procuro a noite escura, a mais ditosa, Que em nuvem transformasse as nossas almas, Que me adornasse o corpo só de palmas E me deixasse a mim ser venturosa. E fujo da desdita que me envolve, Já numa ânsia louca e desmedida, Por tudo o que há no mundo, estou vencida. A paz, só outro mundo ma devolve. Sou onda sem maré num mar ventoso, Tenho um destino forte e desditoso No Cabo das Tormentas desta vida. Sou folha esvoaçando ao temporal Malmequer batido ao vendaval Alma na solidão, triste e perdida. 01-01-1977

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N ATIVIDADE C OELHO

O MEU ABRIGO... Flor do pântano, cinzenta amortecida Sem fé, sem esperança, sem luz de felicidade. Tenho sempre em mim esta saudade Da vida que, por mim, não foi vivida. E se Deus me deu a mim o cativeiro, Encontro os meus sorrisos magoados Na sombra dos lilases perfumados Ou na giesta brava dum ribeiro. Não perco a minha força, a minha voz, Ao sentir-me tão só, no meio de vós, Aqueles a quem Deus deu um amigo. Mas sinto-me rainha no meu mundo, O meu mundo de sonho, tão profundo. E é este sonho louco, o meu abrigo! 03-12-1976

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O M EU A BRIGO

DESÂNIMO! Bebi a seiva amarga que me deste, Servida em taças de porcelana ocas. É como se os meus versos fossem gente E calassem mentiras doutras bocas. Anseios, já os perdi na hora certa. Os meus sonhos, só gritam desalento. Os anos foram outra descoberta Que me lançaram castelos ao vento. Olhos postos em ti, quanta ansiedade! É feita de mentira ou de verdade, A noite do teu mundo agonizante? Deus trouxe-me aqui ao teu caminho. A tropeçar na vida, andas sozinho. Eu fico atrás de ti, judeu errante! 26-02-1984

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AOS TEUS 15 ANOS… Nos teus olhos de menina com ternura Já há graça, o esplendor da juventude. No teu corpito airoso há a virtude Amor dos olhos meus, tanta candura. Nos cabelos, essa graça diabólica Tens nos gestos incertezas da idade, E tão despretensiosa a mocidade Quando vivida assim, é já simbólica. Ternura no olhar, sorriso alheio, Tens um destino em alvo, que está cheio Do meu amor por ti, desta ternura. Não fiques nunca à espera sem firmeza, Porquanto a vida é luta de incerteza E eu por ti vivo, a luta agreste e dura. 14-01-1977 Para a filha

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