O Voltarete, regras e etiqueta

Page 1



O Voltarete regras e etiqueta Maria Luísa Mascarenhas Peça


FICHA TÉCNICA Edição: Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro) Título: O Voltarete - regras e etiqueta Autor: Maria Luísa Mascarenhas Peça mluisapeca@gmail.com Capa: Patrícia Andrade Desenhos da Capa: Eduardo Mascarenhas Peça Paginação: Nuno Remígio 1.ª Edição Lisboa, 2013 Depósito legal: 360753/13 ISBN: 978-989-98448-2-7 © Maria Luísa Mascarenhas Peça PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO Sítio do Livro, Lda. Av. de Roma n.º 11 – 1.º Dt.º | 1000-261 Lisboa www.sitiodolivro.pt 4


SUMÁRIO AGRADECIMENTOS I. INTRODUÇÃO II. O JOGO E ORDEM NATURAL DO VALOR DAS CARTAS III. ORDEM DO VALOR DAS CARTAS CUJO NAIPE É TRUNFO IV. MATADORES V. DAR AS CARTAS, ORDEM A FALAR E A JOGAR VI. VALOR DAS FICHAS, DOS TENTOS E ENTRADAS PARA O BOLO VII. OS LANÇOS EM PRIMEIRO JOGO; O CONTRATO VIII. COMO PROCEDE O FEITO EM PRIMEIRO JOGO IX. AS VOZES NO LEILÃO X. OS LANÇOS EM SEGUNDO JOGO; O CONTRATO XI. COMO PROCEDE O FEITO EM SEGUNDO JOGO XII. AS VOZES NOS LANÇOS EM SEGUNDO JOGO XIII. COMO PROCEDEM OS CONTRÁRIOS XIV. AS VOZES DOS CONTRÁRIOS PARA DEFINIR O FORTE E O FRACO XV. O FEITO MANDA JOGAR OU NÃO XVI. O FEITO GANHA O JOGO XVII. O FEITO PERDE O JOGO XVII.1 RESPOSTA XVII.2 CODILHO XVIII. A TÁCTICA DO JOGO XIX. O FEITO RENDE-SE XIX.1 O FEITO PROPÕE RESPOSTA XIX.1.1 AMBOS OS CONTRÁRIOS ACEITAM A RESPOSTA XIX.1.2 O FORTE NÃO ACEITA A RESPOSTA. O FRACO ACEITA XIX.1.3 O FORTE E O FRACO NÃO ACEITAM A RESPOSTA XIX.2 O FEITO, QUE FOI À CASCA, RESPONDE XX. A CONTA NO FINAL DA SESSÃO XXI. O QUE SIGNIFICA “UM ROQUE” XXII. ESTRATÉGIAS E EXPRESSÕES DIVERSAS XXIII. TESTEMUNHOS DO VOLTARETE NA LITERATURA XXIV. GLOSSÁRIO XXV. BIBLIOGRAFIA XXVI. OUTRAS LEITURAS RELEVANTES

7 9 11 13 15 17 21 23 25 27 31 33 35 37 39 43 45 49 49 51 57 59 59 59 60 61 63 65 67 69 73 77 85 89

5


6


AGRADECIMENTOS Ao meu pai Dr. Joaquim António Nobre Mascarenhas (1924-2007), natural de Vide, por ter dedicado um capítulo ao voltarete, numa das suas obras (Vide: subsídios para um estudo histórico e etnográfico. Vol. I. Coimbra: Casa do Castelo, 1986) o qual foi inspiração para o presente trabalho. Ao meu filho Eng. Eduardo Mascarenhas Peça pelos resumos que fez do voltarete sob indicações do seu avô Dr. Joaquim António Nobre Mascarenhas. Ao Sr. Victor Ribeiro dos Santos, natural de Vide, pela sabedoria e gosto que teve em me ensinar a jogar o voltarete, sua etiqueta e estratégias, e aos seus sobrinhos Dra. Paula Ribeiro Silva e Dr. Mauro de Almeida pela participação nos jogos de voltarete. Ao meu tio Sr. Manuel Gil Abranches Nobre pela explicação e inúmeros esclarecimentos que me deu do voltarete e da sua etiqueta. Ao meu primo Dr. António de Almeida Santos pela gentil carta que me enviou a descrever com detalhe as suas recordações do voltarete e da sua etiqueta. Ao Sr. Joaquim Augusto dos Santos, natural de Vide, por me ter ensinado expressões e pormenores importantes dos jogos de voltarete a que assistia em menino, e à sua filha D. Alzira dos Santos pela contribuição prestada no início da pesquisa bibliográfica. Ao Dr. António Manuel de Almeida Pacheco por me ter facultado anotações do voltarete do seu avô Sr. Manuel Nunes Pacheco, natural do Piódão, distrito de Coimbra, residente em Vide a partir de 1932. À minha mãe D. Maria Elvira Mascarenhas e à minha prima Dra. Adelaide de Almeida Santos Cardoso pelos ensinamentos de vozes e expressões do voltarete. À minha nora Dra. Ana Sofia Dias Teles David pela colaboração na pesquisa de termos do voltarete na literatura portuguesa. Em particular, à minha irmã Dra. Manuela Mascarenhas pelo valioso trabalho de formatação das referências bibliográficas.

7


8


I. INTRODUÇÃO O voltarete é um jogo de cartas, de vaza, que exige dos jogadores reflexão e alguma estratégia. Os três parceiros fazem lanços em leilão de que resulta um contrato de jogo. Em Portugal, o voltarete esteve na moda nos séculos XVIII, XIX e no primeiro quartel do século XX. O voltarete terá chegado ao Brasil no início do século XIX pois o autor do Tratado do jogo de voltarête com as leis geraes do jogo, Lisboa, 1794, o desembargador António Rodrigues Velloso de Oliveira, acompanhou a família real portuguesa para o Brasil, em 1808. Antes do voltarete, nos séculos XVI a XVIII, jogou-se em Portugal “a arrenegada” que é um jogo semelhante ao voltarete, mas mais simples. Jogos congéneres da “arrenegada” e do voltarete estão referenciados na Europa, na América Latina e até no Oriente: em Espanha, o juego del hombre, o renegado, o mediator, o tresillo de voltereta e el tresillo (Gispert, 2000, 2010); em França, o jeu de l’ hombre (Académie des jeux oubliés, 2008); em Itália, o giuoco dell’ ombra (Mesquita, 1903); em Macáçar, nas ilhas Celebes, o omi (Depaulis, 2008); na América Latina espanhola, o rocambor; em Inglaterra, o ombre e o tridge (Riva; Cambridge Tridge Club, 2002); na Dinamarca, l’ hombre (Christiansen, 1996, 2003). É opinião corrente na bibliografia que todos estes jogos provêm do juego del hombre ou “jogo do homem”, de origem espanhola. O voltarete chegou a Vide (fig. 1), concelho de Seia, distrito da Guarda, Portugal, e terra natal do pai da autora, na viragem do século XIX para o século XX, “[...] vindo de Valezim [concelho de Seia] onde animava os serões de algumas famílias que tinham amigos da Vide. [...] 9


À Vide acorriam também adeptos do voltarete, sobretudo sacerdotes das freguesias da Serra [da Estrela e do Açor] que ali permaneciam alguns dias, para muitas partidas de voltarete; [...]” (Mascarenhas, 1986) (fig. 2). O voltarete divulgou-se rapidamente entre os conterrâneos; passou das salas particulares para as várias tabernas que havia na primeira metade do século XX (fig. 3) (Nobre, 2006). Depois, jogava-se ocasionalmente durante as férias de Verão (fig. 4). Neste trabalho descrevemos as regras de jogo e algumas estratégias do voltarete, por vezes ditas em gíria, tanto na versão padrão portuguesa como na versão que se jogava em Vide. Todavia, para poder jogar o voltarete, além de se ter que conhecer as suas regras e estratégias, tem também que se saber um conjunto de vozes/falas que são o meio permitido aos jogadores de dialogarem entre si durante o jogo e que constitui a “etiqueta” do jogo. A recolha feita em Vide da etiqueta do voltarete incluiu-se neste trabalho constituindo uma contribuição original. Foram muito valiosas as várias conversas tidas pela autora com o Sr. Victor Ribeiro dos Santos sobre o jogo do voltarete (fig. 5). O texto termina com um glossário de palavras do voltarete. Esperamos que esta leitura contribua para que o voltarete não “fique” esquecido e “volte” a ser jogado, de “preferência” sem envolver dinheiro, “só” como puro entretém.

10


II. O JOGO E ORDEM NATURAL DO VALOR DAS CARTAS Para jogar o voltarete são precisos 3 parceiros. O baralho é de 40 cartas, ou seja, tiram-se os Oitos, os Noves e os Dezes ao baralho. É um jogo de lanços/ofertas em leilão, de que resulta um contrato de jogo. O jogador que estabelece o contrato – o Feito – enfrenta sozinho os outros dois adversários – os contrários – e tem que fazer mais vazas que qualquer deles para ganhar o jogo. Reportando-nos à figura 6, a ordem decrescente natural do valor das figuras é: Rei, Dama e Valete. “A Dama mata o Valete” (a Dama tem valor superior ao Valete). A ordem natural do valor das cartas brancas (não figuras) é distinta consoante os naipes são vermelhos ou pretos. “Nas vermelhas é por baixo” o que significa que nos naipes vermelhos, quanto menos pintas (pontos) tem a carta mais ela vale. Nos naipes pretos, quanto menos pintas tem a carta menor o seu valor. Contudo, nos naipes pretos os Ases não aparecem.

11


12


III. O RDEM DO VALOR DAS CARTAS CUJO NAIPE É TRUNFO Reportando-nos às figuras 7 e 8, o Ás de espadas é sempre trunfo – a Espadilha – sendo o trunfo com maior valor, qualquer que seja o naipe de trunfo. O Ás de paus também é sempre trunfo – o Basto – e é o terceiro trunfo mais valioso do jogo. Quanto basta, assim poderá dizer um jogador quando joga o Basto (Couto, 1842). Na versão de Vide o Ás de paus é chamado o Bastos ou o Bastião. Reportando-nos à figura 7, como foi referido anteriormente, nos naipes vermelhos a carta de menor valor na ordem natural é o Sete. No entanto se o trunfo for um naipe vermelho (copas ou ouros) o Sete respectivo passa a ser o segundo maior trunfo do jogo – a Manilha – e o Ás vermelho passa a valer mais que o Rei vermelho do respectivo naipe, sendo o quarto trunfo. “Sendo trunfo, o Ás corta o Rei”. Reportando-nos à figura 8, nos naipes pretos a carta com menor valor na ordem natural é o Duque (Dois). No entanto, se o trunfo for espadas ou paus o Duque respectivo passa a ser o segundo maior trunfo do jogo – a Manilha.

13


14


IV. MATADORES Os Matadores são trunfos. Qualquer que seja o naipe de trunfo em que se jogue, os três trunfos mais valiosos, que são a Espadilha, a Manilha e o Basto, são “Matadores”. Ás de espadas – Espadilha –, o trunfo mais valioso, qualquer que seja o naipe de trunfo. Manilha, o segundo trunfo mais valioso, que é o Sete dos naipes vermelhos ou o Dois dos naipes pretos, consoante o naipe do trunfo. Ás de paus – Basto –, o terceiro trunfo mais valioso, qualquer que seja o naipe de trunfo. Se o trunfo for copas ou ouros/oiros (fig. 7) o respectivo Ás é Matador mas só se o jogador tiver na mão os 3 Matadores precedentes: a Espadilha, a Manilha e o Basto. Se o trunfo for copas ou ouros o respectivo Rei é Matador mas só se o jogador tiver na mão os 4 Matadores precedentes: a Espadilha, a Manilha, o Basto e o Ás. E assim sucessivamente, isto é, a Dama só é Matador se o jogador possuir todos os Matadores precedentes sem interrupção, o Valete só é Matador se o jogador possuir todos os Matadores precedentes sem interrupção, o Dois só é Matador se o jogador possuir todos os Matadores precedentes sem interrupção e o Três só é Matador se o jogador possuir todos os Matadores precedentes sem interrupção. Como se pode constatar no máximo pode haver 9 Matadores. Se o trunfo for espadas ou paus (fig. 8) o respectivo Rei é Matador mas só se o jogador tiver na mão os 3 Matadores 15


precedentes: a Espadilha, a Manilha e o Basto. Se o trunfo for espadas ou paus a respectiva Dama é Matador mas só se o jogador tiver na mão os 4 Matadores precedentes: a Espadilha, a Manilha, o Basto e o Rei. E assim sucessivamente até ao máximo de 9 Matadores. Na versão de Vide o número máximo de Matadores é de 5 (Mascarenhas, 1986), ou seja, até ao Rei nos naipes vermelhos (fig. 7) e até à Dama nos naipes pretos (fig. 8).

16


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.