Pedaços

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Aldina Cortes Gaspar

Pedaรงos Poemas


FICHA TÉCNICA Edição: Vírgula® (Chancela Sítio do Livro) Título: Pedaços Autora: Aldina Cortes Gaspar Arranjo de Capa: Patrícia Andrade Paginação: Nuno Remígio 1.ª Edição Outubro, 2013 Depósito legal: 363978/13 ISBN: 978-989-8678-22-5 © Aldina Cortes Gaspar PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO Sítio do Livro, Lda. Av. de Roma n.º 11 – 1.º Dt.º | 1000-261 Lisboa www.sitiodolivro.pt


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PREFÁCIO Quando a autora de “PEDAÇOS” me convidou para prefaciar a sua obra, confesso que não me pareceu tarefa, extremamente, difícil. Não me considerando um literato, na verdadeira acepção da palavra, a verdade é que gosto de poesia, tento escrevê-la e ao dar o meu parecer à obra de uma autora, já por mim conhecida, seria como escrever um apontamento para um dos jornais, a que dou a minha modesta colaboração. Contudo, após uma leitura atenta da versão original, fiquei algo desorientado, questionando-me: Como irei, eu, ordenar este maravilhoso conjunto de sugestões que os poemas inseridos em “PEDAÇOS” indiciam?!... Senti-me, assim, numa encruzilhada. Por um lado, o profundo respeito que nutro pela autora exigia que cumprisse esta incumbência; por outro, os leitores obrigavamme a que fosse o mais sintético possível, a fim, de não lhes adulterar o prazer, de poderem mergulhar no manancial de beleza que as páginas desta obra, lhes oferecem. Decidi, então, privilegiar algumas perspectivas que, no meu entender, considerasse relevantes. Sinto, porém, um enorme receio, de não alcançar os meus objectivos porque estou perante, não, mais um livro de poesia de Aldina Cortes Gaspar mas de um Grande livro de poesia, desta excelsa Senhora. Eu, diria que, a superioridade da sua poesia deriva, sem qualquer sombra de dúvida, da grandeza da sua alma. Numa análise cuidada, ao seu estilo, confirmo que a inteligência da autora exerce um papel fundamental na construção de “PEDAÇOS”, passando todos os seus versos pelo crivo da reflexão, constituindo, a meu ver, um excelente exercício pedagógico. Não posso deixar de afirmar que Aldina fixa, maravilhosamente, a Vida. Nos seus versos, vai esculpindo tudo o que ela - a Vida - tem de mau, de desprezível, de cruel para, assim, a obra atingir a sua perfeição. Nota-se que a autora tem os seus olhos direcionados, de dentro para fora; uns olhos que olham, bem do fundo da alma. E esses olhos são raros, muito raros… Atrever-me-ia, mesmo, a afirmar que são olhos quase inexisten-

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tes. A Aldina nasceu com esse “dom”. Deve estar muito grata à Natureza que decidiu privilegiá-la!... A poetisa mostra-nos que, para transportar para o papel as suas emoções, as sensações que lhe vão na alma, a sua tranquilidade ou, até, as suas dores, as suas angústias, só tem necessidade de liberdade para seguir caminho e, algumas vezes, de momentos de solidão, para se observar em todos os espelhos, na pesquisa pura, da sua personalidade autêntica. A doçura, a delicadeza e a brandura, com um toque da mais natural elegância, adivinham-se e surpreendem-nos nos seus versos. Verifica-se um equilíbrio harmonioso no conteúdo e na expressão dos poemas que o livro encerra. A mim, confesso-o, é-me extremamente, difícil apontar, este ou aquele, como melhor pois, se um poema me fascina, me deslumbra, me faz meditar, obrigando-me a parar por alguns momentos, para ir às profundezas da expressão do seu pensamento, logo o seguinte, por poucas palavras que contenha, me envolve numa atmosfera de mistério, de remorso, de angústia, quiçá de egoísmo, quando, por exemplo, a Aldina nos lembra “ os meninos pobres do mundo” aos quais não se consegue dar a mão, ou melhor, até se conseguiria se os homens quisessem dar as mãos uns aos outros, formando um cordão tão forte, tão coeso que tornaria o Mundo melhor e diferente. Caminheira infatigável, segura e determinada, ela vai aqui e ali, colhendo traços que considera mais significativos. Polvilha-os de talento um imensurável talento - e de uma extraordinária afectividade. É, assim, que a poetisa lida com a musicalidade e a harmonia das palavras, de uma forma impressionante, conseguindo colocar-se no pedestal, onde se encontram os grandes poetas e poetisas deste Portugal que amamos e para quem, há muito tempo, não se olha, com olhos de ver. Não se olha, para algo que é, afinal, um dos grandes pilares da civilização dos povos: a CULTURA. A cultura que, alguns, definem como o “enobrecimento, o afinamento de todas as forças espirituais de um Homem ou de um Povo.” Voltemos a “PEDAÇOS”. Logo na introdução, Aldina Cortes Gaspar, agiganta-se de tal modo que, imediatamente, consegue arrastar o leitor para o labirinto dos mil pedaços que ela descortina, no seu dia a dia. É sublime!... Quem, como o autor destas linhas, pisou a terra vermelha dos muceques de Africa e viu “ o menino negro” nu e sujo, de olhos esbugalhados, de umbigo demasiado saliente, por não ter sido tratado à nascença, aterrorizado com as armas dos “tropa” que cospem fogo, de mãos fechadas, es6


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tando uma, vazia de tudo e outra, cheia de nada, não pode ficar indiferente ao “Menino Negro”, visto pelo olhar de Aldina. Prezado leitor, não leia este livro!...”Beba-o” com êxtase. Não passe a página depressa!...Delicie-se e absorva, totalmente, intensamente, tudo o que a autora lhe quer transmitir. Alguém afirmou, um dia, “ se não fosse a Poesia, a Música, a Arte, o que seria a vida do Homem sobre a Terra?!... Uma colina calcinada, sem vegetação, sem água, sem luz, sem cor ou uma planície deserta e estéril”. Parece-me que, não devo descer a mais pormenores. “PEDAÇOS” impressionou-me, profundamente. Vivi o discurso poético da Aldina com subido empolgamento e indivisível “gozo” pessoal. Oxalá, os leitores sintam o mesmo!... Fico por aqui. Não vou entrar em análise temática, temporizada. Creio ser preferível deixar ao leitor, esse prazer. Resta-me, Muito Sinceramente, felicitar a autora. Velez Correia

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… E no teu rosto aberto sobre o mar cada palavra era apenas o rumor de um bando de gaivotas a passar. Eugénio de Andrade

O Sonho é ver as coisas invisíveis Da distância imprecisa e com sensíveis Movimentos d´esperança e de vontade. Buscar na linha fria do horizonte A ave, a praia, a flor, a fonte Os beijos merecidos da Verdade.

Fernando Pessoa

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Ao meu filho Diogo

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INTRODUÇÃO Pedaços De vida, de sonho, de bruma De solidão, d´ilusão, de coisa nenhuma. Pedaços d´amores, de dissabores, de pétalas de flores De folhas caídas, de lágrimas contidas, de alegrias fingidas. Pedaços De derrotas, de choro de gaivotas, de marés revoltas De asas feridas, vidraças partidas, pérolas escondidas. Pedaços de “estórias”, de memórias, de frágeis vitórias De emoções que prevalecem e que não se esquecem. Pedaços… Cansaços…

Embaraços…

Pedaços De abraços, de fitas em laços De ecos de passos que entoam e povoam A mente descontente que habita na “Gente”. Pedaços De mim, de ti, de todos nós De nomes sem voz, de muitas pessoas Que julgamos cruéis e que podem ser boas. Gente rendida e perdida nos atalhos da vida!… Pedaços de ser, areias de mar De lírios a florescer, ávidos de saber Que o enlevo da vida está na força de Amar!... … E de um tempo sem espaços Após os estilhaços Só restam… PEDAÇOS!… Aldina Cortes Gaspar 13


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ASSIM COMEÇO Foi numa noite gelada Junto à cinza prateada e decadente Que me estreei no palco da poesia. …………………………………… Estava a lareira apagada Soprava o vento e chovia. Mas alheada, de tudo Escutando um silêncio mudo Eu olhava a noite e escrevia!...

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AMÁLGAMA POETAS, vidas loucas, cinzeladas Paridas das entranhas dos rochedos. Desaguando em correntes ensombradas Que são brados e ecos, dos seus medos. POEMAS, duras côdeas demolhadas Palavras amassadas que não escrevo. Versos, são os restos dos meus Nadas Singelos, como são as flores do trevo!...

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O REALEJO Soltei meus cavalos, à porta de casa Larguei minhas vestes, despi meu desejo. Na soleira morna rocei minha asa E numa arriba alta, da cor do cinzel Afinquei um beijo com franjas de mel Para adocicar os versos que escrevo. Desfiz meus castelos na boca do vento Fui dar que falar, às bocas do mundo. O pio de uma ave abafa o momento O voo de um morcego embruxa o lamento. Como profecia ou um juramento O sonho apodrece, num poço sem fundo. O freio dos cavalos deixei de avistar. Desgarrado galope, na noite, em cortejo. Nuvens de poeira arfaram no ar E as faúlhas da vida, chamuscando as asas Reacendem fogueiras soprando nas brasas Para de novo se ouvir, a canção do realejo!...

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GAIVOTAS Gaivotas em bando esvoaçam na praia Lenços brancos, de seda, acenando ao voar. Pedaços de neve na luz que desmaia São velas acesas, à noite, no mar. Gaivotas, sem rumo, paradas na margem. Murmúrios velados que turvam o olhar. Parece-me, ao vê-las, ser uma miragem Desejo de um sonho que tarda em chegar. Parecem bandeiras quando abrem as asas. Parecem crianças, de noite, a pintar Seus sonhos de Paz, no silêncio das casas No azul do céu ou no verde do mar. Só quero que nenhuma esvoace à deriva Se o vento do Norte trouxer temporal. Que nem uma gaivota, lá fique cativa Que sejam meninas de crescer, namorar. Se alguém vislumbrar uma asa ferida No sonho ou na rede d´ algum pescador Que defenda, num brado, eterna guarida Libertando as gaivotas, num gesto de Amor!...

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MENINO NEGRO Pobre de nome, a alma dorida. Mãos cheias de “nada”, p´ra fome matar. Parido no mato. Madrasta de vida!... Esperando uma estrela que tarda em brilhar. Os pés calejados, descalços, sem esporas. Sonhos adiados, ao sol a gretar São janelas abertas no ventre das horas À espera que a noite as venha fechar. Menino criado ao sol do Sertão Corpinho delgado cheirando a capim. Falando crioulo, de olhos no chão Mirrado de choro. Que sina ruim!... Vontade rendida que a guerra ultrajou. Criança encolhida, sem afago de mãe. O mato o pariu, a vida o talhou Sem dote, “ baldio”, afetos não tem!... Criança de negro, por fora e por dentro Batido p´lo vento, do medo refém. Escorregando na lama, sentado no tempo Olhando o horizonte à espera de alguém. Alguém que o afague que o queira abraçar. Que a fome lhe esmague, num naco de pão. Que um beijo, na alma, lhe possa atear Uma réstia de sonho no seu coração. Meninos de negro, fugidos da guerra Não podem sorrir, não sabem brincar!... São pássaros feridos, pousados em terra De braços caídos, olhando p´ró mar!... Aos meninos pobres do mundo 19


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CREPÚSCULO As ondas do mar Parecem rezar, por detrás do rochedo. E a brisa ao passar No seu balançar Embala um segredo. Avultam na areia Tranças de sereia que o dia desmente. O sol incendeia O areal que ateia Com excesso de gente. Asas a voar Salpicam o olhar, refrescam o dia. Gaivotas bailando Barcos balançando … Que excelsa magia!...

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