PETRÓLEO VERDE FLORESTA DE EQUÍVOCOS
PETRÓLEO VERDE FLORESTA DE EQUÍVOCOS volume i
JOÃO M. A. SOARES Ex-Libris 2015
Edição: Edições Ex-Libris © (chancela Sítio do Livro) Título: Petróleo Verde | Floresta de Equívocos (volume i) Autor: João M. A. Soares Capa e Separadores: Rui Cunha | João Timóteo Retrato desenhado: Carlos Moreira Arranjo gráfico da contracapa: Nuno Remígio Paginação: Paulo Resende 1.ª Edição Lisboa, Abril 2015 ISBN: 978-989-8714-31-2 Depósito Legal:
© João M. A. Soares publicação e comercialização
Rua da Assunção, n.º 42, 5.º Piso, Sala 35 | 1100-044 Lisboa www.sitiodolivro.pt NOTA: Por opção do autor, este livro foi impresso em papel de fibra virgem, de origem portuguesa.
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
DEDICATÓRIA(S) À memória do Eng.º Silvicultor Manuel P. Ferreirinha, primeiro Presidente do IPF – Instituto dos Produtos Florestais e meu antecessor no cargo, com quem aprendi, pelo exemplo, como liderar, gerir e delegar; À notável equipa da Divisão de Estudos Económicos do IPF, em espe‑ cial à memória da Maria José Pinto e do Jorge Casquilho (que prematuramente nos deixaram), e ao labor altamente profissional da Isabel Saraiva e da Carmen Pastor que sempre me apoiaram, superior e decisivamente, nos meus futuros cargos na Administração Pública e com quem estabeleci laços de amizade pes‑ soal e de profundo respeito profissional; Ao Eng.º Álvaro Barreto, meu último “patrão público” e meu primeiro “patrão privado” que me ensinou, no dia‑a‑dia da nossa caminhada profis‑ sional comum, que as pessoas – agora chamadas “recursos humanos” – são o esteio essencial e decisivo do sucesso das organizações; Aos meus netos, Tomás, Luísa e Diana (e futura descendência) para que possam saber o que este avô andou por cá a fazer, profissionalmente; Aos meus filhos, João e Catarina, por serem quem são (e como o afirmam) e pelas alegrias e carinhos inigualáveis que me têm dado; À Pilar, minha mulher e amiga de sempre, por ter tornado tudo isto – e muito mais! – possível.
7
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
ÍNDICE VOLUME I DEDICATÓRIA(S) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 ÍNDICE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 PREFÁCIO DO AUTOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 PREFÁCIO DO ENG.º JOSÉ ANTÓNIO NEIVA VIEIRA . . . . 19 NOTA (AUTO)BIOGRÁFICA (AUTO)COMENTADA . . . . . . . 23 AGRADECIMENTO(S) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 CAPÍTULO I – COMUNICAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 1.1 – Fogos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 Prevenir os Fogos Florestais… e a CNEFF . . . . . . . . . . . . . . 39 “Psicodrama” para Spot Tv - Defesa da Floresta . . . . . . . . . . . 42 Seminário “Prevenção De Fogos Florestais” - Aspectos Laterais (ou Básicos?) da Prevenção dos Fogos Florestais . . . . . . . . . . . . . 43 Colóquio em Arganil - Os Fogos Florestais Não se Apagam. Evitam‑se! 51 A Floresta Portuguesa e a Indústria do Fogo . . . . . . . . . . . . . 56 Os Incêndios Florestais e o Consumo de Matérias‑primas pela Indústria 65 V Encontro Pedagógico sobre Risco de Incêndio Florestal . . . . . . 86 Fogos Florestais - Cada Macaco no Seu Galho . . . . . . . . . . . . 96 Mudam os artistas mas o espectáculo é o mesmo… . . . . . . . . . 100 A Soporcel e os Fogos Florestais em 1998 . . . . . . . . . . . . . . 106 Será da Nossa Natureza não Saber Conservar e Aproveitar os Nossos Recursos Florestais? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 Fogos Florestais - Opinião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 Discurso em Sessão de Encerramento . . . . . . . . . . . . . . . . 117 Investimento Nacional em Prevenção de Fogos Florestais em 2004 . 122 Comissões Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios . . . 124 Um Ano de Políticas Contra os Fogos Florestais . . . . . . . . . . . 126 9
João M. A. Soares
Fogos: a Mentira dos Media . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 Os Fogos Florestais e os “Iluminados” . . . . . . . . . . . . . . . . 133 Defesa da Floresta Contra Incêndios . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 Não Deixes que a Verdade Estrague Uma Boa “Estória” . . . . . . . 149 Basta! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
1.2 – Notícias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 O Novo Director‑Geral das Florestas . . . . . . . . . . . . . . . . 161 Floresta Pode Ser Mais do que Riqueza Potencial . . . . . . . . . . . 163 Director das Florestas volta à Carga em Defesa dos que Vivem da Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170 Desenvolvimento Integrado da Floresta . . . . . . . . . . . . . . . . 173 Uma Floresta Equilibrada e Diversificada é o Desejo do Futuro . . . 181 A Evolução da Fileira Florestal em Portugal . . . . . . . . . . . . . 190 Director‑Geral das Florestas ao Jornal “O Diabo”: “O comércio ilegal da cortiça atingiu os três milhões de contos” . . . . . . . . . . 196 PAC e Produção Florestal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 Sowing With a Light Hand - Best Practice/Soporcel . . . . . . . . . 203 Floresta deve estar mais próxima do Primeiro‑Ministro . . . . . . . . 205 João Soares Inaugura Secretaria de Estado das Florestas . . . . . . . 206 Novo Secretário de Estado com Ministro que já Criticou . . . . . . . 209 Governo: Secretário de Estado Conta Levar Legislação Específica a Conselho de Ministros até ao Final do Ano – Câmaras serão chamadas à prevenção florestal . . . . . . . . . . . . . . . . . 211 “As Câmaras são as entidades certas para arrancar com a Defesa da Floresta contra Incêndios” - Entrevista com João Alves Soares . . 212 A Grande Reforma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219 As Coisas Andam . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220 “A continuar esta situação, a fileira florestal tem 15 anos pela frente” Entrevista João Soares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221
1.3 – Cartas e Polémicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 Senhor Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação . . . . . . . . 229 Aos Colaboradores da Direcção-Geral das Florestas . . . . . . . . . 232 Exmo. Senhor Presidente da Assembleia Geral da Companhia das Lezírias, SA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233 10
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
Carta aberta ao Engenheiro Carlos Pimenta . . . . . . . . . . . . . . 234 Exmo. Senhor Director do Jornal “Público” - Anos Noventa o Regresso do Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236 Exmo. Senhor Director da Revista Visão . . . . . . . . . . . . . . . 238 Ao MI Bastonário da Ordem dos Engenheiros e Director da Revista Ingenium . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241 Ao Presidente da Comissão Executiva da Portucel . . . . . . . . . . 243 À Directora do jornal “Público” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245 O Eucalipto e a Estrela de David . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247 Dia Mundial do Automóvel ou a “Explicação” do Holocausto . . . . 250 Em 13/06/2014, às 17:20, F… escreveu: . . . . . . . . . . . . . . . 256
CAPÍTULO II – SUSTENTABILIDADE, ORDENAMENTO E CERTIFICAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . 261 2.1 – Economia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263 Perfil Florestal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265 Discurso do Director‑Geral das Florestas no 2.º Congresso da Agricultura Portuguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272 A Economia da Fileira Florestal e a sua Evolução Previsível . . . . . 277 Floresta Cultivada. Estratégia ou Impulsão? – O Caso Português . . . 290 Floresta, Indústria e Sociedade em Portugal . . . . . . . . . . . . . . 300 The European Paper Industry Vision and the Stakeholders Perception 308 O Contributo dos Recursos Florestais Privados para o Desenvolvimento Rural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 332 The Pulp and Paper Industry’s Raw Material and the 6th Environmental Action Programme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343 “O Que é de Mais, Deita por Fora” . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346
2.2 – Ambiente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347 Floresta/Ambiente: Conflito ou Complemento? . . . . . . . . . . . 349 A Floresta na Estratégia do Uso do Solo . . . . . . . . . . . . . . . 354 Nota sobre a Avaliação do Impacte Ambiental das Plantações de Eucaliptos, na Legislação Florestal Portuguesa . . . . . . . . . . . 363 Floresta Artificial. Sim ou Não? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 366
11
João M. A. Soares
As Agressões Ambientais Legítimas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 369 Comissários do Ambiente… Não obrigado . . . . . . . . . . . . . . 372 Ainda o Ecofascismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 376 O Ecologismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 378 Papel Reciclado e Plantações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381 Um Outro Olhar sobre a Poluição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383 Reflexão sobre uma Estratégia de Conservação do Ambiente . . . . 387 O Uso Múltiplo da Floresta em Portugal. Contribuições para um Debate 391 Ambiente e Floresta de Produção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 394 Ambiente e Crescimento Sustentado - O Direito de Poluir . . . . . . 403 Ambiente e Floresta – Sinais de Bom Senso . . . . . . . . . . . . . . 408 Ambiente e Desenvolvimento – O Caso Florestal . . . . . . . . . . . 413 A Floresta. Síntese da Economia e da Ecologia. . . . . . . . . . . . . 418 O Natura 2000 e a “Ameaça” Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . 421 Ambiente e Ordenamento – A Tentação Totalitária . . . . . . . . . . 424 Um Passo Contra uma Certa Literacia Ambiental . . . . . . . . . . . 425 Papel e Ambiente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 431 Ecoeficiência, Floresta e Papel – Um Conceito Novo . . . . . . . . . 434 Nós, os Ambientalistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 436 Contra o “Golpe de Estado Ambiental” . . . . . . . . . . . . . . . . 438 A Floresta em Boas Mãos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 442 O Efeito de Estufa e a Floresta Portuguesa . . . . . . . . . . . . . . 445 Um Exemplo Concreto de Práticas Eco‑Eficientes na Floresta da Soporcel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 447 O Programa Nacional para as Alterações Climáticas e os Desafios e Oportunidades para as Indústrias da Fileira Florestal . . . . . . . . 452 Apresentação do GHG PROTOCOL do WBCSD na Associação Portuguesa de Energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 457 O Valor de Uma Floresta… . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 459 Os Diferentes Modelos de Gestão Florestal . . . . . . . . . . . . . . 463 Floresta, Homem e Natureza – Vale a Pena Acreditar . . . . . . . . . 465 Alterações Climáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 468 Sustentabilidade, Indústria e Recursos Naturais . . . . . . . . . . . . 469 Floresta, Indústria e Ambiente – O que alguns teimam em não querer ver 472 O Desenvolvimento Sustentável da Fileira Florestal Portuguesa . . . 475 Floresta e Ambiente de Mãos Dadas(?) . . . . . . . . . . . . . . . . 480 12
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
Proposta de uma Agenda para a Sustentabilidade num Grupo Silvo-Industrial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 482 Biodiversidade e Dinossauros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 484 Biodiversidade e Incêndios Florestais . . . . . . . . . . . . . . . . . 486 Nagoya. Uma Nova Oportunidade para a Biodiversidade? . . . . . . 488 É Importante apostar na Investigação sobre Novas Espécies em Portugal? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 490 Porquê Papel de Escritório de Fibra Virgem (e Não Reciclado) . . . . 492 Plantações 2050 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 496 Desenvolvimento Sustentável das Florestas . . . . . . . . . . . . . . 499 A Licença para Operar do Sector Florestal em Portugal . . . . . . . . 501 Árvores Geneticamente Modificadas . . . . . . . . . . . . . . . . . 503 A Vespa “Assassina” ou A “Perigosa Vespa” cuja importação foi autorizada por uns malandros do Ministério da Agricultura para combater o gorgulho do eucalipto contra o parecer dos “ambientalistas” 509 O Saco de Plástico, o Ambiente e o Síndrome do Salteador . . . . . 512
2.3 – Sociedade e Certificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 515 Ordenamento e Sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 517 Certificação no Domínio da Fileira Florestal . . . . . . . . . . . . . 520 Actualidades… Florestais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 528 Que Planos Regionais de Ordenamento Florestal? . . . . . . . . . . 531 “Na Europa, as plantações não devem substituir as florestas naturais, mas sim complementá‑las” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 534 O Alentejo, a Agricultura e o Ambiente . . . . . . . . . . . . . . . . 539 Certificação das Plantações Florestais . . . . . . . . . . . . . . . . . 542 1999 e a Certificação Florestal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 550 Reflexões sobre a Certificação Florestal e o Mercado . . . . . . . . . 552 Certificação Florestal – Iniciativas e Têndencias . . . . . . . . . . . . 557 Campeonatos Nacionais de Tiro e Santo Huberto e Planos de Ordenamento Cinegético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 567 O Reconhecimento da Importância da Actividade Cinegética e do seu Movimento Associativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 571 Certificação Florestal e Illegal Logging – Novos Atributos das Matérias-Primas Florestais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 573 Contributo para uma Breve Caracterização Socio‑Economica 13
João M. A. Soares
do Eucaliptal em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 580 Reunião em Lisboa do Grupo Técnico do FSC Dedicado a Promover um Instrumento de Certificação Florestal para Pequenos e Muito Pequenos Proprietários Florestais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 582
VOLUME II CAPÍTULO III – POLÍTICA FLORESTAL 3.1 – Antes da Lei de Bases 3.2 – Contributos para a Lei de Bases 3.3 – Depois da Lei de Bases CAPÍTULO IV – O EUCALIPTO 4.1 – A Polémica 4.2 – A Economia 4.3 – A Legislação
VOLUME III
CAPÍTULO V – PARA ALÉM DOS FOGOS E DO EUCALIPTO 5.1 – A Cortiça 5.2 – A Madeira 5.3 – A Importância Económica do Sector Florestal 5.4 – Contributos para um Plano Global de I&D na Fileira Florestal
14
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
PREFÁCIO DO AUTOR Este livro, tornado necessário por um mundo de falsas verdades, de pseudo‑ ‑consensos e de “especialistas” mediáticos, não é um qualquer exercício hedonista nem um epitáfio profissional. É uma afirmação integral, transparente e sem retoques, de um percurso profissional onde se misturou, por dever de consciência, a intervenção técnica e a intervenção social de quem acreditou e acredita que num país pobre em recursos naturais, como Portugal, a floresta pode e deve ser uma fonte sustentável de riqueza e de bem‑estar. Nele estão todos os textos que pude encontrar. É a exposição à crítica e à revisão autocrítica de factos e opções, bem como às razões que em cada momento as ditaram, assim como às consequências que delas advieram. É o reflexo de uma visão antropocêntrica da legitimidade do uso dos recursos naturais. É a defesa – desde cedo e sempre – da responsabilidade dos agentes económicos e dos Reguladores, perante as gerações vindouras e os bens ambientais em presença. É a “descoberta” da defesa – antecipada no seu tempo? – de valores e ideias (que, por vezes, assinalo com a designação de “Nota do Autor”) que no final do século XX vieram a estruturar o conceito de Desenvolvimento Sustentável, resultante do Relatório Bruntland, a cuja apresentação pública nas Nações Unidas, em Genebra, tive a fortuna de assistir. É a recusa da tentação simplista de tentar “congelar” o momento presente, como forma e bandeira da defesa da Natureza. É o combate público contra o “politicamente correcto” na floresta e no ambiente e contra todas as novas formas de totalitarismo ambiental que daí derivam ou podem resultar. É a explicitação permanente de que Ecologia (ciência) e Ecologismo (ideologia) são duas “coisas” – legítimas, úteis e desejáveis – bem diferentes. Por tudo isto, repito, os textos que se seguem neste livro, são apresentados sem alterações, justificações ou comentários, para além da citação da sua origem ou local de publicação ou apresentação. Por isso e porque neste domínio não se exige a criatividade ou a originalidade permanentes do romancista, ficcionista ou novelista, nele o Leitor encontrará 15
João M. A. Soares
por vezes, perante locais e audiências diferentes a quem se quis passar a mesma mensagem, momentos (às vezes extensos) de auto‑plágio assumido. São talvez os resquícios do ensinamento de um “velho” professor primário (seguramente mais novo então, do que eu hoje) que nos dizia todos os dias: Para aprender e ensinar, é preciso repisar, repisar, repisar, repisar! É o que o Leitor verá que tentei fazer e de que lhe deixo um pequeno exemplo, imediatamente após este Prefácio, num texto de 1992 que podia dar título a este livro. E se me esforcei por aprender, não escondo que me esforcei, igualmente, por discutir aquilo que considerei ensinamentos errados, daí que o técnico, tantas vezes, se tenha transformado, voluntariamente, em polemista. E digo, voluntariamente, porque nunca enjeitei que na minha actividade privada os meus empregadores me possam ter contratado (e pago), também, pelas ideias profissionais que tinha e tenho; o que sempre repudiei é que alguém pudesse ou possa insinuar ou pensar que tinha e tenho essas ideias porque me pagaram para as ter. João M. A. Soares Outubro de 2014
Floresta, ambiente e tolerância Numa sociedade em que quase todos – mesmo os que a não procuram – têm acesso à informação, surgem com facilidade os “esclarecidos”, os “ecléticos” e os “generalistas sem dúvidas”. É pois com os outros que pretendo partilhar algumas das dúvidas e das angústias desta época de informação maciça. Verifiquei há poucos dias, abrindo um livro técnico recentemente publicado por uma das mais conceituadas editoras científicas do Mundo, que os autores escreviam qualquer coisa como isto: “Embora os factos que servem de suporte às teorias desenvolvidas no texto sejam precisos e verdadeiros, cerca de metade do que vão ler revelar ‑se‑á falso num futuro mais ou menos próximo” . Este pensamento de grande dignidade e de grande humildade fez‑me lembrar de imediato um provérbio árabe, que ouvi citado por um econometrista 16
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
famoso e que diz que “todo o homem que prevê o futuro, mente; ainda que esteja a dizer a verdade”. De facto, a leitura de novos documentos e a análise de nova informação, põem cada vez mais rapidamente em causa as verdades inatacáveis de um passado cada vez mais próximo: Os estudiosos (negros) do comportamento social nos EUA combatem hoje, cada vez mais abertamente, as turmas inter‑raciais; os dietistas rejeitam hoje dietas e alimentos que aconselhavam no passado (e vice‑versa); (alguns) políticos doutrinários do aparelho partidário, que os escolheu, treinou e promoveu, condenam e reformam esse aparelho e essa doutrina sem abdicarem de ser políticos; e, finalmente, para terminar com um exemplo que tem muito a ver com a actividade da Emporsil, eminentes estudiosos da floresta defendem que deve ser repensado o estudo da floresta enquanto mega‑sistema (ou eco‑sistema complexo), em favor de um aprofundado estudo fisiológico e mecanicista dos seres vivos em presença. Na floresta, como aliás nos outros sectores da actividade humana, a rápida mutação das “verdades”, ela própria responsável pelo avanço da Ciência, deveria tender à criação de seres cada vez mais abertos e “duvidantes” (passe o neologismo). Em contrapartida, assiste‑se ainda ao crescente poder dos dogmáticos, dos fundamentalistas e dos reaccionários (na expressão etimológica do termo) que procuram hoje o poder nas escolas, na imprensa e nos Ministérios de uma forma bem mais subtil (e eventualmente mais eficaz) do que os revolucionários da utopia comunista. As vozes (alterosas) dos que querem mais poder para o Ambiente – e que simultaneamente reclamam a demissão dos titulares que não são “dos seus” – são um sintoma preocupante de uma dinâmica que os partidos convencionais ainda não assimilaram nem enquadraram. Assistir, por todo o Mundo, ao crescendo de importância política de grupos mais ou menos verdes que têm entre os seus principais activistas ex ou actuais bombistas (caso da ALF, Animal Liberation Front, no Reino Unido) ou artistas da música, do cinema ou da TV (um bom artista não tem necessariamente que ter ideias ou posições políticas mais justas do que um não artista), serve apenas para confirmar que em Portugal se vive o mesmo fenómeno. Aqui, ao contrário de muitos outros domínios, temos a vantagem de ir atrasados e de poder aprender com as experiências de “vanguarda” já vividas na Europa. 17
João M. A. Soares
O desejo do autor destas linhas é que possamos incluir a Ecologia e o respeito pela Natureza no dia a dia da nossa actividade económica e da nossa prática administrativa e política, na exacta medida em que já não abdicamos hoje do Bom Senso e da Justiça Social, mesmo sem Ministérios e Partidos que deles se reclamem. in Lavoura Moderna, 1992
18
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
PREFÁCIO João Soares Uma vida profissional intensa ao serviço da floresta João Soares não passou pela vida e pela profissão discreto e ao de leve, antes deixou um rasto intenso de ideias, projectos, escritos e polémicas, que lhe granjearam a admiração e o respeito do sector florestal. São no fundo os homens que fazem a diferença, com o seu saber, a sua inteligência, a sua criatividade, a sua perseverança e o seu carisma e asseguram o êxito das ideias, das instituições e das políticas, quer no plano conceptual quer no plano das realizações. Somos da mesma geração e do mesmo “ofício” e por isso tive a oportunidade de acompanhar, ao longo de toda a minha vida profissional, o envolvimento de João Soares na reflexão, debate e definição de orientações de política florestal e na construção de uma “visão” da floresta que temos e da floresta que, com as suas potencialidades e as nossas capacidades de superar dificuldades e estrangulamentos, poderíamos desenvolver. É com admiração pessoal, mas sobretudo com sentido de justiça, que destaco o seu enorme contributo para o progresso do sector florestal, pela sua intervenção constante na esfera pública e privada, nacional e internacional, pautada pelo saber, método, convicções e frontalidade, quer como técnico quer como gestor, dirigente, consultor, comunicador, polemizador ou doutrinador. A publicação dos seus escritos de mais de quatro décadas, bibliografia vasta e de temática florestal diversificada, confirmará a dimensão, qualidade e oportunidade da sua intervenção no sector, no desempenho de funções diversas e em contextos temporais também muito diversos. Muitos desses escritos serão resultado da sua participação num sem número de reflexões, debates, comunicações em seminários e congressos, grupos de trabalho, acções de formação e tomadas de posição públicas. É da sua personalidade nunca virar costas ao debate de ideias, ao confronto de opiniões, à exposição pública e à polémica. Quase diria que o faz também com gosto. E nesse confronto militante teve opositores de gabarito e grande peso mediático. E em defesa das suas causas foi frontal, contundente, por vezes provocatório, mas sempre com clareza e elegância. 19
João M. A. Soares
Alguns títulos de escritos seus são elucidativos desse combate visando a indiferença governativa, os fundamentalismos ecológicos, a ignorância da opinião pública sobre a floresta ou a defesa da fileira do eucalipto e a recusa da sua demonização! Relembro alguns: “A floresta vem sendo progressivamente guindada ao triste papel de agressor ambiental, quer perante a opinião pública quer perante o poder político (pelos falsos defensores do ambiente…)”, 1989; “Obrigado. Comissários do ambiente, não…”, 1992; “Será da nossa natureza não saber conservar e aproveitar os nossos recursos florestais?”, 2000; “Sector Florestal deve abandonar o Ministério da Agricultura (e ficar na dependência da Presidência do Conselho de Ministros)”, 2003; “Venha a Troika para a floresta”, 2012; “A Protecção da Natureza, a Ciência e o Corão”, 2013. Muitos dos seus escritos têm também um caracter pedagógico e informativo: “A floresta tem de ser objecto de melhor conhecimento da parte da sociedade e de maior interesse da parte de políticos e governos”; “A adopção urgente de uma Política Florestal Nacional sustentada, consensual e de longo prazo é pois uma exigência nacional”; “Na Europa e no Mundo, as plantações não devem substituir as florestas naturais, mas sim complementá‑las”; “A questão fulcral da floresta portuguesa é a ausência de uma gestão activa e profissional”; “A diversidade não tem de ser inimiga da especificidade”. A sua carreira profissional é impressionante na diversidade de funções e cargos que exerceu. Em funções públicas de âmbito florestal começou como tarefeiro no Laboratório de Estudo e Ensaio de Cortiças da Junta Nacional da Cortiça (1969) e acabou como Secretário de Estado das Florestas (2003), percorrendo nesse caminho as funções de técnico e mais tarde Chefe da Divisão de Estudos Económicos do Instituto dos Produtos Florestais (1977), Director do IPF (1985), Presidente do IPF (1986) e Director‑Geral das Florestas (1988‑1990). Em funções privadas, exercidas no quadro das empresas de celulose, o percurso foi igualmente notável. Destacam‑se os cargos de Sub‑Director Florestal da Soporcel (1990), Director do Instituto de Investigação da Floresta e Papel – Raíz (1995‑2003), Presidente da Emporsil (1991-93 e 1998‑2000), Director Florestal da Soporcel (1993-98 e 2000-2003), Administrador da Portucel Florestal (2001-2003) e Assessor da Administração do Grupo Portucel Soporcel para as questões da floresta, do ambiente e da sustentabilidade (2004‑2013). 20
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
No âmbito internacional, o exercício de funções e cargos de âmbito florestal é igualmente prestigiante, nomeadamente: Comité da Madeira e Comissão Europeia para as Florestas (vice‑presidente de ambos em 1986); Comité Consultivo do Sector Madeiras da Comissão das Comunidades Europeias (1986-94); Presidente e Vice‑Presidente do Comité Florestal da Confederação Europeia da Indústria Papeleira (1996‑2003); Vice‑Presidente do Comité Consultivo da Floresta e Cortiça da D. G. de Agricultura da Comissão Europeia (1999‑2003); Presidente do Action Team Forest Resources do WBCSD (2010-2013). Porque mais próximos em termos pessoais, destaco três momentos da acção de João Soares no sector florestal: a sua actividade no âmbito do Instituto dos Produtos Florestais, nomeadamente na Divisão de Estudos Económicos, exemplo de organização, rigor e trabalho de equipe que permitiu granjear um enorme prestígio juntos dos interlocutores nas áreas do comércio e indústria dos produtos florestais; o exercício de funções de Director‑Geral das Florestas (1988‑90) em que muito contribuiu para a modernização e dinamização dos Serviços Florestais, para a sua abertura ao exterior, para a reformulação da legislação florestal estratégica “Pacote Florestal” e para a implementação do Programa de Acção Florestal (PAF) incluído no Programa Específico de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP) que visou o fomento florestal privado e o associativismo em larga escala e o aparecimento de empresas privadas prestadoras de serviços florestais. Será recordado como um Director‑Geral mediático que deu sempre a cara pela Direcção-Geral das Florestas, rejuvenesceu os seus quadros dirigentes, reorganizou os serviços e implementou significativas mudanças comportamentais. E ao deixar o cargo, na sua mensagem de despedida, fez justiça à instituição a que presidiu, à época mais habituada a críticas que a reconhecimentos: “Ao cessar as minhas funções de Director‑Geral não posso deixar de dar público testemunho da colaboração e competência que encontrei na maioria dos dirigentes, técnicos e funcionários que nesta casa prestam serviço. Foi uma estimulante surpresa (ou talvez não) verificar que em todos os níveis de actividade se encontram pessoas disponíveis e responsáveis, prontas a responder ao desejo de ver a DGF manter, por direito e com prestígio, o lugar de autoridade florestal do País” (1990); o convite a João Soares para Secretário de Estado das Florestas em 2003, na sequência da dimensão trágica dos incêndios florestais desse Verão, com a missão de reforçar a tutela do sector 21
João M. A. Soares
e realizar uma reforma estrutural que lhe desse coerência e combatesse a dispersão de competências, veio criar, a par de novas polémicas com a opinião mais conservacionista, justificadas expectativas na reabilitação e operacionalização da Direcção‑Geral das Florestas. A instabilidade governativa pôs fim prematuro a uma experiência que começava a funcionar. Há hoje um largo consenso que o sector florestal português, com as suas enormes potencialidade mas também com significativos estrangulamentos, tem de assumir‑se como fonte privilegiada da criação de riqueza com base num recurso natural, endógeno e renovável, com fortes impactos positivos de âmbito económico, social, ambiental, paisagístico e cultural e que são determinantes para o País e em particular para o Mundo Rural e o Sector Industrial que lhes está associado. A sensibilidade da sociedade para a floresta tem crescido mas é convicção do sector que este não tem tido atenção política e a prioridade que a sua importância justificariam. O caminho a percorrer para uma floresta sustentável é longo, difícil e controverso. E exige saber, informação e participação. O interesse actual da publicação da compilação bibliográfica dos escritos florestais de João Soares é inequívoco. Através de uma escrita clara podemos acompanhar mais de quatro décadas de reflexões sobre a floresta portuguesa na sua multiplicidade e complexidade de usos e funções, feitas por um técnico atento e profundamente conhecedor da realidade florestal nacional e que foi participante activo na formulação de algumas das suas políticas, pelas muitas funções e cargos que ocupou. Os seus leitores ganharão seguramente em conhecimento e compreensão da floresta portuguesa nas suas diversas valências e usufrutuários, nas suas potencialidades e dificuldades, nos seus consensos e conflitos e sobre as realidades do passado, os desafios do presente e as expectativas do futuro. José António Neiva Vieira Engenheiro Silvicultor
22
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
NOTA (AUTO)BIOGRÁFICA (AUTO)COMENTADA –– Nasce a 12 de Janeiro de 1948, em casa, em Lisboa, o quinto de cinco irmãos, filho do sócio de uma pequena serração e carpintaria de madeiras e de mãe doméstica; –– Com “propinas de favor”, frequenta o Externato Marista de Lisboa, da primeira classe ao sétimo ano do liceu; –– É aí que se inicia na prática do desporto, no domínio dos jogos de equipa, acabando, mais tarde, por ser razoável praticante de futebol, andebol, rugby e… xadrez; –– Inscreve-se em 1966 no ISA – Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, no curso de Agronomia e na especialidade de Indústrias Agrícolas, convencido (erradamente) que o curso tinha “pouca matemática” e depois de ter ficado impressionado com um cartaz que viu, na sua primeira visita à Escola. Era dos Serviços Florestais franceses e dizia (sobre uma imagem de um caçador visando uma rapina): “Ne tirez pas, c’est un rapace!”. –– Perante a morte do pai no ano anterior, angaria o seu primeiro emprego, em Janeiro de 1969, para financiar os estudos e ajudar a família, como tarefeiro, no Laboratório de Estudo e Ensaio de Cortiças, da Junta Nacional da Cortiça, onde permanece até Janeiro de 1974; –– Após o tremor de terra de Fevereiro de 1969 – que danificou seriamente a casa onde nascera e ainda vivia – decide sair de casa e antecipar o casamento; –– Casa pois em Julho de 1969, com a Pilar (ambos sem dote, enxoval ou dinheiro), ainda a estudar no ISA e com o emprego de tarefeiro em part time; –– Em 1971 nasce, desejado, o João Bernardo; –– Na iminência – inelutável - de vir a ser “chamado para a tropa” e perante o risco de vir a ficar sem emprego após o cumprimento do serviço militar, candidata-se a dar aulas – e é aceite – como professor do Ciclo Preparatório na recém-inaugurada Escola Preparatória do Navegador Rodrigues Soromenho, em Sesimbra, onde lecciona Ciências da Natureza e se inicia na espeleologia amadora; 23
João M. A. Soares
–– Em Janeiro de 1974, esgotados todos os adiamentos possíveis e já com 26 anos, é incorporado na EPI – Escola Prática de Infantaria, em Mafra; –– Termina o primeiro ciclo da recruta em finais de Março de 1974, como segundo classificado de toda a incorporação, sendo, talvez por isso, escolhido para frequentar a especialidade de “Carros de Combate, M-47” (que nessa época raramente dava lugar à mobilização para a Guerra Colonial); –– Entra na EPC – Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, no dia 15 de Abril de 1974, ficando sob o comando do capitão Salgueiro Maia, então comandante do Esquadrão de Instrução; –– Na madrugada de 25 de Abril, juntamente com todos os instruendos, é acordado (no que pensaram ser mais uma das penosas praxes diárias a que vinham sendo submetidos) e, como a todos os cadetes mais velhos, é-lhe dado a escolher entre “ir para Lisboa”, “ficar a fazer a protecção ao quartel” ou “sair à civil da unidade militar”; –– Foi pois um dos cinquenta militares que ouviu ao vivo, numa sala de instrução, a famosa explicação de Salgueiro Maia sobre as razões do Movimento: “Ele há os Estados Socialistas, os Estados Comunistas e o estado de coisas a que esta merda chegou…" (sic) –– Comete o “erro histórico” de escolher ficar a fazer a defesa do quartel, em Santarém, na convicção de que estaria perante um golpe militar de extrema-direita (o golpe de Pinochet, no então recentíssimo Setembro de 1973, no Chile, ainda estava fresco, e o militarismo tirânico e anacrónico experimentado nos dez dias antes vividos em Santarém, não lhe pressagiavam nada de bom); –– Termina depois o segundo ciclo da recruta, já após o 25 de Abril, como primeiro classificado dessa incorporação; –– É colocado no esquadrão de Carros de Combate M-47 (CCM47), em Santarém, sob o comando do capitão Salgueiro Maia, sendo por este designado para integrar o então criado “Gabinete de Relações Públicas” da unidade, na linha das chamadas relações Povo/MFA, à data instituídos nas unidades militares; –– Conhece então, nessa qualidade, o Eng.º José Manuel Casqueiro, recém-saneado dos serviços escalabitanos do Ministério da Agricultura “revolucionário” que, quase diariamente, se lhe dirige para apresentar 24
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
––
––
–– ––
––
––
––
as queixas da então criada ALA – Associação Livre de Agricultores que anteciparia a formação, logo em 1975, da CAP; Passa a adjunto do capitão Salgueiro Maia, enquanto comandante do Esquadrão de Instrução e acompanha-o, na mesma qualidade, enquanto comandante do Esquadrão de Carros de Combate, vivendo com ele (e com o então tenente Carlos Beato), as peripécias do Verão quente de 1975, após o 11 de Março de 1975; Termina o cumprimento do serviço militar em Dezembro de 1975 e, como programara, regressa ao ensino público, em Sesimbra, leccionando então Física, Matemática e Educação Visual (!) dos novos curricula; Em 1976 nasce, igualmente desejada, a Catarina; Em 1977 completa a parte não-escolar do Curso de Agronomia e é convidado a integrar o IPF – Instituto dos Produtos Florestais (que englobara em 1973 a ex-Junta Nacional da Cortiça), onde ingressa como técnico de terceira classe, na Divisão de Estudos Económicos, coordenada pelo Eng.º Silvicultor Jaime Salazar Sampaio, director do IPF, que aliava o seu grande conhecimento da economia suberocorticeira com o facto de ser, talvez, o dramaturgo português vivo mais representado; É aceite no corpo de peritos da Associação Portuguesa de Seguradores e inicia um longo périplo de peritagens agrícolas (geadas, granizos, trombas de água, fogos florestais, etc.) pelo Norte e Centro de Portugal, realizadas intensa e sistematicamente, do nascer ao pôr-dosol, aos fins-de-semana e nos feriados e férias, que lhe permitiram um conhecimento directo da realidade socioeconómica do Mundo Rural do Portugal profundo e lhe dão, e à família, pela primeira vez, uma verdadeira folga financeira no final de cada mês; Progride paulatinamente ao longo de todos os níveis da carreira da função pública e, em 1985, é nomeado Director do IPF, quando já desempenhava o cargo de chefe da respectiva Divisão de Estudos Económicos, onde aprendera a respeitar e compreender a importância da Matemática, em geral, e da Estatística, em particular; Nesses lugares e por delegação progressiva de Salazar Sampaio, integra o Comité da Madeira da Comissão Económica para a Europa (Genebra) e a Comissão Europeia para as Florestas (Roma), das 25
João M. A. Soares
––
–– ––
––
––
––
––
Nações Unidas, sendo eleito para o cargo de vice-presidente de ambos em Outubro de 1986; Integra a missão técnica internacional do Projecto Florestal Português/ Banco Mundial (1981/1982) e participa na redacção do Relatório relativo ao potencial do mercado dos produtos florestais oriundos do pinhal, após missão ad hoc ao Reino Unido, então decisivo mercado consumidor de madeiras serradas de origem nacional; É nomeado para suceder ao primeiro presidente do IPF, em Março de 1986, aquando da aposentação deste; Organiza, mais tarde e nessa qualidade, a passagem (integral) de pessoas e meios para outras estruturas da administração pública, com particular relevo para a DGF – Direcção-Geral das Florestas e para o SNB – Serviço Nacional de Bombeiros, após a decisão do Governo de extinguir progressivamente os chamados “organismos de coordenação económica” (onde se incluía o IPF) por alegada incompatibilidade jurídica destes com o direito comunitário, prevalecente após a adesão de Portugal à CEE; Integra, por convite pessoal e após nomeação no Jornal Oficial das Comunidades, de Agosto de 1986, o Comité Consultivo do Sector Madeiras da Comissão das Comunidades Europeias, onde é reconfirmado em Agosto de 1989 para o triénio seguinte; É nessa qualidade, e como investigador convidado, responsável pelo Relatório Nacional que integra o Estudo RES 2 (Recursos Naturais Renováveis) do Programa FAST – Forecasting and Assessement in the Field of Science and Techonology (DG XII, Investigação), em 1986, e nele vê plasmadas (em 1987) muitas das suas reflexões e propostas sobre as florestas plantadas na Europa; Na sequência dessa participação é convidado, em 1987, pela FLAD - Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, a elaborar um projecto para o Programa de Apoio à Investigação e Ciências Florestais em Portugal, tendo para o efeito contactado todas as entidades e investigadores envolvidos na matéria, o que lhe confere então uma visão holística e profunda da governança do sector, das suas potencialidades e carências; Com a extinção do IPF, em 1987, é convidado nesse mesmo ano, para celebrar um contrato de prestação de serviços com a Portucel, E.P., 26
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
––
––
––
––
––
no sentido de apoiar e estimular o movimento associativo (então inexistente) dos produtores florestais privados; Poucos meses depois de ter iniciado essa tarefa na Portucel, é convidado (em Outubro) pelo Eng.º Álvaro Barreto, então Ministro da Agricultura, para substituir o Director-Geral das Florestas, prestes a reformar-se, tendo rescindido daquela empresa pública ainda em Novembro de 1987; Até à tomada de posse (que só teve lugar após a aposentação do Director-Geral cessante) fica encarregue de preparar o que viria a ser designado por primeiro “Pacote Florestal”, tarefa que veio a incluir, no início de 1988, a primeira legislação sobre autorizações para florestações com espécies de rápido crescimento, as limitações ao uso do solo após a ocorrência de fogos florestais, o texto da primeira lei do arrendamento florestal e, mais tarde, a reintrodução do regime cinegético especial (em contraponto ao “regime livre” de caça que vigorou após o 25 de Abril e que implicou a extinção dos coutos privados de caça), entre outros diplomas; Toma assim posse do cargo de Director-Geral das Florestas apenas em Março de 1988, com a missão específica de estimular o aparecimento de empresas prestadoras de serviços florestais (antes monopolizados pelo Estado) e de promover o fomento florestal e o associativismo através da aplicação das verbas do PAF – Programa de Acção Florestal, incluído no PEDAP – Plano Específico de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa, negociado por Portugal aquando da adesão à CEE; A visibilidade da nova política pública para o sector florestal e a “guerra da eucaliptização”, contribuem para a mediatização das suas intervenções e, nesse quadro, é convidado para participar num longo debate ao vivo – provavelmente o primeiro – que a recém-criada TSF dedica ao tema florestal, num frente-a-frente com o Prof. António Azevedo Gomes (que fora o primeiro Secretário de Estado das Florestas em Portugal, num dos governos provisórios); Juntamente com D. Miguel Perez Turrado, membro basco do Comité Consultivo da Madeira da CEE, concebe a constituição da USSE – União dos Silvicultores do Sul da Europa, em 1989, de que aquele viria a ser presidente histórico, congregando a floresta privada 27
João M. A. Soares
––
––
––
––
––
––
––
––
plantada do Sul da Europa a partir de 1990 e promove, sob os auspícios da DGF, a primeira reunião nacional de todas as entidades constituídas ou interessadas no movimento associativo florestal em Portugal; Dessa reunião resulta a constituição, em 1989, pela CAP, do CNF Conselho Nacional para a Floresta (o qual seria o primeiro membro português e co-fundador da USSE), embrião da primeira federação do incipiente movimento associativo florestal português; Nesse quadro apoia, desde logo, o envolvimento activo do Eng.º Silvicultor Moreira da Silva, “seu” Chefe da Circunscrição Florestal do Porto (com quem muito aprendeu) na criação e desenvolvimento da FORESTIS – Associação Florestal de Portugal, que viria a constituir-se formalmente em 1992 e se posicionou como contraponto da visão, da realidade social e dos interesses associados no CNF; Terminada a primeira fase da aplicação do PAF – cuja procura e execução excederam as melhores expectativas –, e perante a notícia de que parte das futuras verbas previstas para o PAF seriam aplicadas fora da floresta, decide deixar a DGF em 1990; Aceita assim o convite pessoal do Comendador Américo Amorim (que conhecia bem desde o IPF) para liderar uma empresa de investimento florestal que este empresário decidira constituir, em parceria com um conhecido (à data) grupo investidor estrangeiro, o Grupo Kyo; Apresenta, por isso, a sua demissão ao Ministro da Agricultura, Eng.º Álvaro Barreto que o dissuade de tal propósito. O Comendador Américo Amorim – que o “desobrigou” do “acordo de cavalheiros” celebrado entre ambos – descontinua depois o seu projecto; Poucos meses volvidos, o mesmo Ministro é “despedido” pelo primeiro-ministro (por causa de declarações “irreverentes” a um semanário) e sucede-lhe o seu Secretário de Estado Adjunto, exactamente o defensor do uso dos dinheiros florestais do PAF para outros fins, no Mundo Rural; Pede então a demissão do cargo de Director-Geral das Florestas ao novo Ministro, nos primeiros meses de 1990, sendo mais tarde convidado para integrar os quadros florestais da Soporcel, tendo tomado posse em Abril do mesmo ano, com o cargo de subdirector florestal; Desempenha aí as tarefas que lhe foram sendo confiadas, numa perspectiva permanente de desenvolvimento equilibrado entre 28
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
––
––
–– ––
––
––
o económico (vital para a viabilidade da empresa), o ambiental e a aceitação social da empresa e das florestas plantadas; É o primeiro “florestal” entrevistado pelos técnicos residentes da Monitor Company, que fora contratada pelo Governo para elaborar o que ficou conhecido, em 1992, por Relatório Porter, e sensibiliza-os para a importância, potencialidades e dificuldades estruturais do cluster florestal em Portugal que viria, posteriormente, a ser considerado no Relatório como cluster estratégico e prioritário; Integra, em 1994, o corpo de correspondentes do consórcio EUROFOR, vencedor do concurso do Parlamento Europeu, destinado a caracterizar e propor medidas para a floresta europeia e é co-patrocinador da definição e caracterização dos “mitos da floresta europeia” com que o Estudo se inicia e que veio a glosar, sistematicamente, nos anos seguintes; Nessa perspectiva, redige e faz aprovar, em Janeiro de 1995, o pioneiro Código de Conduta Florestal da Soporcel e propõe (e vê aprovados) os termos e a divulgação pública das principais políticas da Empresa; Em 1997 redige, conjuntamente com o presidente da USSE, Perez Turrado, a Declaração IBISUS – Iniciativa Ibérica para uma Gestão Sustentável das Florestas, (a segunda do género, no mundo) aprovada em Cáceres, subscrita por vinte e cinco organizações de referência da produção florestal e formalmente testemunhada e apoiada por oito entidades das áreas da Academia, da Ciência e da Administração Pública Florestal de ambos os países; Participa em 1997 e 1998, sob a coordenação de Moreira da Silva, com outros técnicos convidados pelo Prof. Carvalho Guerra (presidente carismático da FORESTIS), na comissão de acompanhamento da elaboração do Livro Verde da Cooperação Ensino Superior/Empresa, no quadro do CESE – Conselho para a Cooperação Ensino Superior/ Empresa; Representa a indústria portuguesa de celulose e papel na CEPAC e posteriormente na sua sucessora, CEPI - Confederação Europeia das Indústrias do Papel, (Bruxelas) nos respectivos Comités Florestais, sendo eleito para vice-presidente e presidente do último, em 1998 e 2001, respectivamente; 29
João M. A. Soares
–– Como representante da indústria papeleira europeia, integra o Comité Consultivo da Floresta e da Cortiça da DG Agricultura da Comissão Europeia e aí é depois eleito para exercer o cargo de vice-presidente de 1999 a 2002; –– É especificamente encarregado, pelo presidente da Soporcel, de promover a integração da Empresa nos trabalhos do novíssimo WBCSD – World Business Council for Sustainable Development (fundado em Janeiro de 1995), onde a SONAE era então a única empresa portuguesa e ao qual viria a aderir de seguida a Cimpor; –– Funda depois, em 1996, com os sete restantes “membros florestais” internacionais do WBCSD, o SFPI – Sustainable Forest Products Industries, mais tarde rebaptizado de WBCSD – Forest Solutions, que congrega hoje mais de três dezenas das maiores empresas mundiais de produtos florestais; –– É vítima, em 1997, de um acidente cirúrgico grave, quando lhe aplicavam um stent coronário, que o coloca perto da morte, sendo então submetido com sucesso a uma intervenção cirúrgica de emergência, que lhe coloca bypasses e o deixa mais “filosófico” e, paradoxalmente, mais irascível; –– Com os dois outros Delegados de Ligação (Liaison Delegates) portugueses no WBCSD, concebem – com o apoio da logística da FLAD e pessoal do respectivo secretário-geral – os estatutos do que viria a ser a BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, em 2001; –– Na sequência da decisão política que conduziu a que a Portucel adquirisse a totalidade do capital da Soporcel, é encarregado pelo então presidente do Grupo, Dr. Jorge Armindo, para promover a fusão dos serviços de planeamento e de gestão patrimonial (florestal) das duas empresas, que já antes se tinham fundido em novas empresas: a Investigação & Desenvolvimento (no RAIZ, em 1995) e a prestação de serviços silvícolas (na Aliança Florestal, em 2000); –– Após a terrível época de fogos de 2003, é convidado pelo Ministro da Agricultura do XV Governo Constitucional, Eng.º Armando Sevinate Pinto, em Outubro, para ser, como independente (porque nunca teve partido e provavelmente nunca o terá), o primeiro Secretário de Estado das Florestas dos governos constitucionais 30
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
––
––
––
––
––
–– –– ––
(já houvera outro, em governo provisório, antes de aprovada a Constituição) com a tarefa concreta de propor uma reforma estrutural para o sector florestal; É ainda nesse ano e nesse cargo que sugere a unificação dos serviços florestais e da conservação da natureza que desencadeia, dentro e fora do governo, uma histeria colectiva de interesses instituídos e instalados que proclamam a existência de “interesses particulares” nessa proposta; A queda do governo, pela saída do então Primeiro-Ministro para presidir à Comissão Europeia, em Bruxelas, leva-o a anunciar a sua não disponibilidade para continuar a exercer o cargo no governo seguinte (para o qual, talvez por isso, não chegou a ser formalmente convidado) e regressa à Soporcel, entretanto privatizada e integrada, na prática, na Portucel; Deixa então de ter funções de gestão, passando a assumir o cargo de Assessor do Conselho de Administração e do Presidente da respectiva Comissão Executiva, integrando a Comissão de Sustentabilidade do Grupo desde a sua criação; Elabora, integralmente, em 2005, o primeiro Relatório de Sustentabilidade do Grupo Portucel (relativo a 2004), cuja publicação não viria a ter lugar, dado conter, à época e na óptica da gestão da empresa, “excesso de informação” antes considerada, ainda que informalmente, como reservada; Nos anos seguintes dedica particular atenção ao tema do Desenvolvimento Sustentável e à criação de pontes privilegiadas da Empresa com as Organizações de Produtores Florestais, especialmente no domínio da cooperação e da transferência de tecnologias silvícolas; É cooptado em 2009 para integrar o Conselho de Escola do Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, a que vem a presidir até ao início de 2014; Nasce o Tomás (em Janeiro de 2011) e, depois, a Luísa (em Novembro de 2012) quando já temia não vir a ter netos; Termina, por vontade própria, a sua carreira de trabalhador por conta de outrem, com 44 anos de trabalho e de descontos para os diferentes sistemas de segurança social a que esteve ligado, no exacto dia em que perfaz 65 anos; 31
João M. A. Soares
–– É então aceite, a seu pedido, como membro do Colégio de Engenharia Florestal da Ordem dos Engenheiros; –– Cria, com a Catarina, uma empresa de Consultoria no domínio da Gestão e da Economia Florestal, prioritariamente destinada a angariar os meios necessários à publicação deste livro; –– É depois convidado a integrar o Conselho Estratégico e Científico do Centro da Biomassa para a Energia - CBE (em 2013) e o Conselho Consultivo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas – ICNF (em 2014); –– Nasce a Diana (em Novembro de 2013) e quase todos os objectivos pessoais e profissionais ficam alcançados; –– Considera-se, hoje, um homem suficientemente feliz e pessoalmente realizado. Outubro de 2014
32
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
AGRADECIMENTO(S) Este Livro só foi possível por ter beneficiado de colaborações decisivas e inestimáveis: –– Da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, através da disponibilização benévola de instalações e de meios físicos para acolher e tratar toda a documentação de base; –– Da anuência, para que tal pudesse acontecer, do seu presidente, Eng.º João Cyrillo Machado; –– Do pronto, bom e incondicional acolhimento do pedido que nesse sentido formulei ao Eng.º Luís Mira, seu Secretário‑Geral, depois de ter visto recusado (ou simplesmente ignorado) tal pedido, feito a entidades que me pareceram bem mais vocacionadas (ou, até mesmo, moralmente mais “obrigadas”…) para facilitarem este projecto; –– Da Eng.ª Rita Kayseller que comigo estagiou, pela sua juventude, dedicação e empenho na recolha, sistematização e tratamento de todos os documentos identificados e consultados; –– Do Dr. Manuel Pina da Silva, responsável pela Biblioteca da AFN – Autoridade Florestal Nacional (e do Eng.º João Soveral, seu vice-presidente) pela recolha e disponibilização de toda a bibliografia pertinente aí residente; –– Do Eng.º José Neiva Vieira, por me ter dado a honra de o prefaciar e de me ter disponibilizado preciosos arquivos particulares que fazem parte do seu incomparável acervo sobre a História Florestal Portuguesa; –– Da Eng.ª Ana Reis e do Dr. Joaquim Lima (e dos seus colaboradores na APCOR – Associação Portuguesa de Cortiça), pela pesquisa e disponibilização de textos dos “velhos” Boletins “Cortiça”, da Junta Nacional da Cortiça e do Instituto dos Produtos Florestais; –– Das minhas colaboradoras pessoais, ao longo de tantos anos: da Maria Emília Lima, da Isabel Medina Cardoso e da Maria Helena Gomes, sem cuja dedicação, competência, disponibilidade e paciência não teria sido possível escrever (em tempo) os textos originais que foram servindo de base às minhas intervenções junto das diferentes partes interessadas que me convidaram, leram ou ouviram; 33
João M. A. Soares
–– A todas e a todos cumpre uma palavra adicional, devida e especial: o agradecimento pela amizade pessoal com que me distinguiram, mesmo quando de mau humor ou com pressas e exigências inesperadas; –– Aos críticos, aos sonsos, aos incompetentes e aos ignorantes atrevidos, tenho que agradecer o terem contribuído para fortalecer a minha convicção de que este Livro – cuja edição financiei integralmente – pode ser útil. Lisboa, Outubro de 2014
34
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
CAPÍTULO I
COMUNICAÇÃO
Petr贸leo Verde | Floresta de Equ铆vocos
1.1 FOGOS
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
Prevenir os Fogos Florestais… e a CNEFF1 Não está nos hábitos desta Empresa propagandear os seus actos de gestão corrente nem empolar os seus feitos, ainda que merecedores de crónica. Acontece, porém, que esta Empresa é, no essencial, uma empresa portuguesa que trabalha em Portugal, e neste país a expressão “pôr as barbas de molho” é particularmente adequada à época estival que vamos atravessar. De facto, “pôr as barbas de molho” pressupõe a maturidade de tê‑las e pressupõe o bom senso de tomar precauções quando tal se justifica, estejam ou não a arder “as barbas do vizinho”. E as “barbas” da Emporsil são já hoje alguns larguíssimos milhares de metros cúbicos de madeira em crescimento, sejam de sua propriedade ou estejam sob a sua gestão, que nos anos anteriores tem sido possível preservar dos incêndios florestais de forma activa, socialmente responsável e participada. Desde a sua criação que a Emporsil (e a sua empresa mãe, a Soporcel) vêm aplicando anualmente vultosos fundos em medidas de prevenção, detecção e combate a fogos florestais, quer nas matas próprias, quer – através da ACEL (Associação das Empresas de Celulose) e de forma mútua – nas matas das empresas suas congéneres, quer ainda – depois da criação da CNEFF – nas matas privadas de pinho e eucalipto que abundam em Portugal. É, por isso, bom que, em plena fase de “pôr as barbas de molho”, se utilize este espaço para divulgar (não se trata de propagandear ou empolar) as concretizações do ano de 1990 e as iniciativas de 1991. Quanto a 1990, a Empresa despendeu, por si só, mais de 300 mil contos em acções relativas à prevenção, detecção e combate de fogos florestais (não incluindo custos de estrutura, operações silvícolas correntes e seguros), destacando‑se daquele montante a verba de 84 mil contos doada ao Estado, para subsídios a entidades públicas e privadas. Neste último universo, destacam‑se, por mera ordem alfabética, as Câmaras Municipais de Abrantes, Águeda, Alandroal, Alcácer do Sal, Aljezur, Aljustrel, Almeirim, Amarante, Ansião, Arganil, Azambuja, Carregal do Sal, Castro Verde, Castelo Branco, Chamusca, Constância, Ferreira do Zêzere, Figueiró 1
Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais.
39
João M. A. Soares
dos Vinhos, Fundão, Gavião, Góis, ldanha‑a‑Nova, Mação, Mogadouro, Monchique, Mortágua, Murça, Niza, Odemira, Oleiros, Pampilhosa da Serra, Penamacor, Vila Nova de Poiares, Ponte de Sôr, Portalegre, Rio Maior, Sabugal, Sardoal, Sobral de Monte Agraço, Soure, Torres Vedras, Valpaços, Vila de Rei e os Corpos de Bombeiros de Abrantes, Alcoentre, Castelo Branco, Constância, Figueiró dos Vinhos, ldanha‑a‑Nova, Monchique, Niza, Odemira, Oliveira do Hospital, Ponte de Sôr, Sanfins e Vidigueira que receberam subsídios, necessariamente escassos para as respectivas necessidades, que representaram a solidariedade da Empresa para com a tarefa colectiva de preservação do património florestal nacional. Em 1991, não obstante a difícil conjuntura económica que o sector da pasta celulósica atravessa, a Soporcel/Emporsil decidiu manter ao nível de 1990 o volume financeiro disponibilizado para subsídios no âmbito da prevenção, vigilância e combate a fogos florestais, dando exemplo e apelando desta forma para o empenhamento de outras entidades co‑financiadoras, para o esforço financeiro que urge realizar neste domínio. Trata‑se afinal de continuar a alimentar a esperança que, em 1987, a constituição da CNEFF representou, sabendo‑se que tal Comissão tem por objectivo principal a mobilização e o cofinanciamento das Comissões Especializadas de Fogos Florestais de nível concelhio que, sob a presidência do respectivo Presidente da Câmara, agrupam os responsáveis locais dos Serviços Florestais, dos Corpos de Bombeiros e das Forças de Segurança, para além de representantes dos produtores florestais privados. Sabendo que, por vicissitudes várias, a CNEFF não tem sido “contemplada” pelo Orçamento de Estado, a ACEL vem contribuindo anualmente com montantes vultosos para aquela Comissão (86 mil contos em 1987, e até 370 mil em 1990, anos em que tal subsídio representou 100% dos meios financeiros da Comissão), sempre na convicção de que ao Estado e aos restantes agentes económicos da fileira silvo‑industrial, cabe igualmente um papel activo e importante na vitalização e na eficácia da própria CNEFF. Não sabemos quais os meios financeiros que a CNEFF e os Serviços Florestais vão ter ao seu dispor este ano, para além dos que a Soporcel e as restantes empresas industriais produtoras de pasta celulósica já garantiram – tanto mais que o Parlamento se “esqueceu” de novo de os dotar no Orçamento de Estado para 1991 –, mas é desejável que outras entidades, nomeadamente públicas e da Administração Central, ponham “as barbas de molho”, 40
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
para que não sejam mais tarde obrigadas a “pôr trancas na porta”… depois da casa roubada. in Águas de Verão, órgão de comunicação da EMPORSIL – Empresa Portuguesa de Silvicultura, Janeiro de 1991
41
João M. A. Soares
“PSICODRAMA” PARA SPOT TV DEFESA DA FLORESTA Banco de tasca. (No exterior, para poder justificar a presença de miúdos que se vão chegando) HOMEM 1 (Líder) Pessoal! Temos de organizar este ano, outra vez, um sistema de vigilância das nossas matas. HOMEM 2 No ano passado arderam matas aqui mesmo ao lado na Freguesia de S. Pedro e nas nossas não houve problemas! HOMEM 3 Eu vou nisso! Tenho lá na serra umas dezenas de pinheiros grandes, próprios para a serração, que valem bem mais de 3 contos cada um! MULHER 1 Os nossos são mais novitos, mas num espaço pequenito (assim como um campo da bola) temos mais de 500 contos de madeira em pé! HOMEM 4 E os meus “clipos” (expressão popular para eucaliptos) não os quero queimados que daqui a dois anos já os posso cortar! MIÚDO 1 Pois é. Mas mesmo que as árvores não valessem dinheiro era importante defendê‑las do fogo! Elas abrigam os animais, protegem os solos, produzem oxigénio, defendem do vento, evitam as enxurradas, … MIÚDO 2 (reguila, interrompendo)… e são o sítio ideal para piqueniques e namoricos!… HOMEM 1 Boa! Vamos falar com o Presidente da Junta para combinarmos a melhor forma de vigiar as nossas matas! (Saem todos…)
24 de Maio de 1991
42
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
SEMINÁRIO
“PREVENÇÃO DE FOGOS FLORESTAIS” ASPECTOS LATERAIS (OU BÁSICOS?) DA PREVENÇÃO DOS FOGOS FLORESTAIS Exmo. Senhor Presidente Membros da mesa Ilustres participantes
Agradeço à Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) o convite que me foi formulado, a qual felicito vivamente pela organização deste seminário, e aproveito para esclarecer que fui convidado e aqui me encontro a título rigorosamente pessoal. Tendo a honra de me dirigir a uma plateia iminentemente política, não enjeitarei a oportunidade para acentuar o lado político da questão florestal e nesta, obviamente, o lado político das interacções associadas aos incêndios florestais. Dirão uns que se trata de questões laterais à prevenção dos fogos florestais. Digo eu que se trata de questões básicas para a prevenção dos fogos florestais. Em primeiro lugar, destaco a importância política da actividade silvícola enquanto forma de ocupação do território: –– A floresta ocupa hoje um terço do território continental, e a fraca aptidão dos solos, hoje sujeitos a formas tradicionais de agricultura, permite vaticinar que no prazo de uma geração (vinte anos?) mais de metade do território português estará ocupado ou disponível para ocupação, pela floresta; –– Não é pois politicamente indiferente quem compra, aluga ou explora a terra florestal, da mesma forma que não é politicamente indiferente a forma como é conduzida a produção oriunda de mais de um terço do território nacional. Em segundo lugar, refiro a importância política da fileira florestal, enquanto segmento fundamental do tecido económico do país: 43
João M. A. Soares
–– O sector agrário responsável pela produção silvícola garante mais de 20 000 empregos permanentes. Em 1989 produziu um valor bruto florestal na ordem dos 110 milhões de contos, ou seja, cerca de 20% do valor agrícola bruto; –– O sector transformador das matérias‑primas florestais ocupa uma mão‑de‑obra industrial que excede as 60 000 pessoas em cerca de 3 000 estabelecimentos fabris, onde predominam as pequenas e médias empresas; –– O valor bruto da produção das indústrias de produtos florestais em Portugal, em 1989, ultrapassou os 450 milhões de contos, tendo o valor acrescentado bruto excedido os 170 milhões de contos. A exportação portuguesa de produtos florestais atingiu os 300 milhões de contos em 1990, contra apenas 115 milhões de contos de importações. Tratou‑se de uma exportação correspondente a 13% das exportações totais portuguesas, sendo o saldo positivo desta balança comercial suficiente, em 1989, para pagar o valor da totalidade das importações portuguesas de produtos petrolíferos. As economias associadas ao sector são vastíssimas e incalculáveis. A título de exemplo, refira‑se que uma estimativa recente quanto ao número de quilómetros percorridos anualmente pela frota portuguesa que transporta as matérias‑primas da floresta para as fábricas, aponta o fabuloso número de 26 milhões de quilómetros percorridos, ou seja, uma distância equivalente a 650 voltas à Terra ou a 34 viagens de ida e volta à Lua. A tudo isto acresce o valor não financeiro de todos os bens não tangíveis proporcionados pela floresta em Portugal (defesa contra a erosão, lazer, correcção torrencial, cortinas de abrigo, variedade faunística e florística, etc.) que complementam harmonicamente os bens lenhosos e não lenhosos de uma floresta mediterrânica que, como nenhuma outra, tem em algumas das suas componentes, uma marcada vocação agro‑silvo‑pastoril. Não é, pois, politicamente indiferente assegurar ou não o futuro do abastecimento desta importante parcela da actividade económica, da mesma forma que não é politicamente indiferente a forma e o local como se estrutura e onde se desenvolve o sector transformador destas matérias‑primas. 44
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
Por tudo isto, permito‑me concluir que definir ou não uma estratégia global, consensual e coerente para o sector florestal é um tema de importância política vital. Chegados a este ponto, e não divergindo seguramente sobre a importância política e económica do assunto, deixo ao vosso critério algumas interrogações, eventualmente úteis para outros colóquios: –– Como foi possível chegar a 1991 sem uma política florestal nacional consensual, publicamente explicitada e devidamente orçamentada? –– Como foi possível deixar degradar o corpo nacional de guardas ‑florestais e os próprios Serviços Florestais? –– Como foi possível que no programa de governo, do único governo maioritário pós 25 de Abril, não existisse uma única referência à floresta no capítulo Agricultura? (As únicas e vagas referências à floresta portuguesa surgem no capítulo Ambiente); –– Como é possível sair deste estado de coisas sabendo que países europeus bem menos “florestais” que Portugal privilegiam, nos respectivos parlamentos, as regras, os orçamentos e as intervenções políticas de carácter florestal? Os fogos florestais, meus senhores, não são mais do que uma faceta do problema florestal. A legislação avulsa, errática ou voluntarista sobre esta matéria, não é também mais do que uma amálgama explosiva de interesses e vontades (dos políticos aos corporativos, passando pelos pessoais e, tantas vezes, pelo oportunismo e pela ignorância). De facto, porque existe, indiscutivelmente, um certo vazio político neste domínio, é frequente assistir a intervenções legislativas que, sob a capa da prevenção e do combate aos fogos florestais, mais não são do que a procura do alargamento de competências ou um mero ganho de poder negocial. Vejamos alguns exemplos: –– Até 1975 os serviços florestais, persistindo numa visão egocêntrica dos espaços florestais, estavam convencidos de que podiam enfrentar e limitar os efeitos dos fogos florestais. Esqueciam que, se tal fosse verdade, a sua intervenção apenas se poderia limitar às áreas públicas (no máximo 15% da floresta portuguesa); 45
João M. A. Soares
–– No final da década de 70, os corpos de bombeiros convenceram‑se de que, com os meios financeiros disponibilizados pelo país para o combate aos incêndios, com meios aéreos e com a pressão da opinião pública (alarmada com o aumento do número e extensão dos fogos), seria possível enfrentar e limitar os efeitos dos fogos florestais, do mesmo passo que ganhariam influência, imagem e poder; –– No final da década de 80 (entre 87 e 90) quer os serviços florestais quer os corpos de bombeiros “amadureceram” no sentido de reconhecer que ambos não seriam demais para enfrentar e limitar os efeitos dos fogos florestais. Viveu‑se aquilo a que ouso chamar a “fase dos consensos”. Para tal terá, indiscutivelmente, contribuído o papel do coordenador nacional, hoje chamado Presidente da cneff. Acontece porém que, persistindo o tal vazio político que referi, o início dos anos 90 apresenta‑se cheio de novos equívocos e de novas tentações (algumas delas manifestamente totalitárias): • A primeira tem a ver com a intervenção desastrada do conceito de ordenamento do território nesta matéria; • A segunda tem a ver com a perda de humildade que caracterizou a “fase dos consensos”; • A terceira e última (de entre as que quero referir) tem a ver com um errado conceito de ambiente. Vamos primeiro à questão do ordenamento do território. O ordenamento do território, num país democrático e que persegue ideais caros à iniciativa privada, não pode ser um conjunto de regras limitadoras do uso do solo sem quaisquer contrapartidas. No domínio urbano, as regras habitualmente impostas – e muitas delas assumem aspectos draconianos – têm a ver, e justificam‑se pelas contrapartidas colectivas que as autarquias e o poder central dão aos empreendedores privados. Das comunicações à segurança e ao saneamento básico há um conjunto de prestações de serviços e de contrapartidas que legitimam restrições ao uso do solo urbano. No domínio agrícola e florestal as coisas não se passam do mesmo modo. 46
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
A produção agrícola e florestal, enquanto modo de vida do agricultor ou fonte complementar de rendimento do proprietário florestal pode e deve ser condicionada pela necessidade de garantir a perenidade dos recursos naturais envolvidos (especialmente o solo e a água) mas não pode nem deve ser objecto de qualquer forma de “planificação central”. Se não passa pela cabeça de ninguém impor ao agricultor a produção, na sua propriedade, de alface em vez de tomate, aveia em vez de trigo ou maçãs em vez de pêras, por que parece tão aceitável impor ao proprietário florestal que faça azinheiras em vez de sobreiros, carvalhos em vez de pinheiros ou castanheiros em vez de eucaliptos? (Particularmente se se tiver em conta que a produção florestal, mesmo intensiva, é sempre ambientalmente menos agressiva que a produção agrícola intensiva). Quais são de facto os serviços ou benesses que se oferecem em troca ao produtor florestal, de forma a legitimar imposições similares às adoptadas pela “reforma agrária” de Staline na república dos sovietes? Ordenar o território ou ordenar a floresta portuguesa não é delinear um mapa com várias cores, no qual cada cor corresponde a uma forma rígida de ocupação do solo! Na silvicultura, como na agricultura, nunca existe uma só solução para o uso de um determinado solo. As restrições que a sociedade entenda dever impor ao livre uso da terra têm de ter razões colectivas, indiscutíveis ou obedecer a estratégias locais ou regionais, que se legitimam através de incentivos e estímulos de carácter positivo. Se mais razões não houvesse, importaria ter sempre presente que, em floresta, a imposição gratuita ou a proibição cega conduzem ao fogo! À segunda questão que identifiquei chamei‑lhe “perda de humildade”, que caracterizou a “fase dos consensos”. Quando tudo indicava que o respeito mútuo entre pessoas e instituições, directa ou indirectamente ligadas à floresta, conduziriam ao juntar de esforços perante os incêndios florestais, quando a experiência de três anos de uma coordenação empenhada, informal e independente parecia dar os seus frutos, o país florestal foi sobressaltado com três medidas, seguramente não consensuais sob o ponto de vista técnico e burocrático, que demonstram claramente uma vontade de impor e não de dialogar ou de conciliar e que, mais grave ainda, pressagiam o desaparecimento prático da coordenação equidistante, em troca da criação de um novo (mais um) centro de poder. 47
João M. A. Soares
Os exemplos são breves e eloquentes (e sobre eles terei o maior prazer em aprofundar o meu ponto de vista na fase do debate): • O DL 327/90 de 22 de Outubro (que a pretexto de evitar o fogo doloso cria novas razões para rejeitar a floresta, e que marginaliza os serviços florestais); • O DL 334/90 de 29 de Outubro (que a pretexto de prevenir o fogo inviabiliza toda a economia do sector, exigindo a económica impossibilidade e a ecológica imbecilidade de retirar para fora da mata a totalidade dos “produtos sobrantes” da exploração florestal); • A Resolução do Conselho de Ministros 9/91 (que centraliza no mai os pareceres e as competências da cneff). Finalmente, a terceira questão que identifiquei: a adopção de um conceito errado de ambiente. Sendo o ambiente, mais concretamente a preservação dos recursos naturais, a diversidade biológica e a melhoria da qualidade de vida das populações, tarefas indiscutíveis em sociedades, como a nossa, que se reclamam desenvolvidas, importa que o ambiente, genericamente, seja adoptado e incluído na prática diária dos decisores, e não que o ambiente dê origem a uma nova classe de senhores todo‑poderosos que usem e abusem de uma arma discricionária chamada “parecer vinculativo”. Também no domínio dos fogos florestais, o ambiente procura acenar com soluções miraculosas, exactamente na mesma medida em que garantiu realizações espectaculares nos espaços florestais, que pretendeu gerir directamente. Não estou a dizer que o ambiente fez ou faz pior que as outras entidades, neste caso concreto que os serviços dependentes do MAPA2, mas recordo – por ser o exemplo mais recente – as lutas públicas e privadas pela tutela do Choupal, aqui em Coimbra. Recordo as notícias tremendamente críticas à intolerância dos serviços florestais no Choupal (antes da mudança de tutela). Recordo as notícias bombásticas dos grandes saltos qualitativos, que se iriam registar no Choupal (durante a mudança de tutela e com honras de telejornal). E recordo, finalmente, o silêncio envergonhado do momento actual em que os resultados – ainda que tão escondidos quanto a obstrução 2
Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.
48
Petróleo Verde | Floresta de Equívocos
deliberada das vias de acesso permite – dizia, em que os resultados de mais de dois anos de mudança de tutela estão à vista. Por fim, não recordo, mas antevejo, a inclusão em certos programas eleitorais da promessa (oportunista ou subreptícia) de colocar os serviços florestais sob a tutela do ambiente e/ou dos recursos naturais, como forma de resolver as questões florestais que anteriores programas eleitorais omitiram. Se tal se vier a concretizar, prevejo um claro recuo nos consensos já obtidos em matéria de fogos florestais. Depois de tudo isto, que propostas? • Primeiramente, dar à fileira florestal a importância política que ela, por razões económicas, sociais e ambientais, justifica; • Depois, adoptar no Parlamento uma política florestal consensual, comprometendo‑se o Parlamento a dotar os agentes públicos e privados dos meios e regras de que os primeiros carecem e de que os segundos precisam; • No quadro dessa política, definir uma forma alargada e solidária de financiamento da fileira florestal, que vá do Orçamento do Estado ao auto‑financiamento do sector, sem que tal se venha a revelar um travão à própria saúde do tecido económico ou um sorvedouro insaciável na área do combate aos fogos florestais; • No quadro da solidariedade nacional, especificamente destinada à prevenção, detecção e combate aos fogos florestais, a criação de uma taxa nacional sobre fósforos e isqueiros, e eventualmente, sobre os produtos combustíveis; • A criação da figura da declaração/avaliação da área ardida, por parte dos proprietários florestais, de forma a tornar mais transparente e eficaz a relação do proprietário florestal com a autarquia e com os serviços florestais; • A reformulação da organização florestal do Estado, passando progressivamente para as autarquias os meios e algumas das competências ligadas ao uso florestal da terra; • Neste último quadro, desenvolvimento descomplexado de núcleos duros de bombeiros florestais profissionais. A fusão das competências do Serviço Nacional de Protecção Civil com as do Serviço Nacional de Bombeiros, numa única entidade tutelada pelo 49
João M. A. Soares
primeiro‑ministro ou por um seu representante, com vista a integrar definitivamente as acções de fogos florestais em estruturas profissionais e estáveis de protecção civil, ou seja, potenciar as virtualidades das actuais ceff’s3 municipais e distritais que devem, de uma vez por todas, ser financiadas sem recurso à esmola, mais ou menos generosa, dos agentes económicos privados. Associação Nacional dos Municípios Portugueses, Coimbra, Maio 1991
3
Comissões Especializadas em Fogos Florestais.
50