Azulejo Semi-Industrial na Arquitetura Civil Portuense

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AZULEJO SEMI-INDUSTRIAL NA ARQUITETURA CIVIL PORTUENSE

Caracterização e intervenção LUÍS MARIZ


FICHA TÉCNICA Editor: UA Editora - Universidade de Aveiro Título: Azulejo semi-industrial na arquitectura civil portuense – Caracterização e Intervenção Autor: Luís Mariz Paginação: Nuno Remígio Arranjo de Capa: Luís Mariz 1ª Edição Março, 2014 ISBN: 978-972-989-386-7 DL: 365643/13 © Luís Mariz PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

Av. de Roma n.º 11 – 1.º Dt.º | 1000-261 Lisboa www.sitiodolivro.pt


RECORDANDO MEUS PAIS Ao amor de uma fl么r, Margarida, e ao Andr茅 Leonardo

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PREFÁCIO Em tempos recentes, tem-se avivado o discurso sobre a conservação do património edificado, englobando várias vertentes e atingindo os públicos mais diversos. No entanto não foi ainda dada atenção suficiente às fachadas revestidas com azulejo, elemento tão característico dos edifícios portugueses do século XIX e início do século XX e que compõe ruas e ruas em cidades por todo o país. O vasto património de edifícios com fachadas revestidas com azulejo é uma característica particular do património edificado português, apenas com repercussão semelhante em algumas cidades do Brasil. Estes conjuntos de fachadas, presentes nos centros de várias cidades, são geradores de uma percepção visual distinta, derivada da profusão de padrões e cores e que varia com a distância do olhar. A conservação desse património, que se encontra por vezes degradado devido à longa exposição ambiental, pressupõe o conhecimento dos materiais empregues, do funcionamento conjunto destes materiais ao longo do tempo e dos fenómenos de degradação gerados. O revestimento azulejar, após as acções de conservação e reparação, deve manter aspecto e comportamento próximos do revestimento original não degradado, o que só é possível usando materiais e técnicas de reparação compatíveis, baseados num conhecimento aprofundado dos materiais pré-existentes. Talvez por o azulejo de fachada ser tão comum, tem sido descurada a sua importância e muitas fachadas antigamente decoradas com este material foram despidas e deixadas a uma só cor. Por tudo isto, vale a pena ler e divulgar este trabalho que trata as fachadas com azulejo e os materiais com as compõe com uma nova luz. Centrando-se na cidade do Porto, o autor percorre um longo caminho que se inicia nos centros produtivos e termina na conservação das fachadas, tal como elas chegaram aos nossos dias. Pelo caminho descreve as várias técnicas de produção de azule7.


jo da altura, os materiais, as formas de degradação, até chegar à conservação deste património tão particular. É mesmo um longo caminho, trabalho profundo e cuidado, fundamental para uma intervenção baseada no conhecimento, valorizando o existente e deixando um testemunho para o futuro. Dada a especificidade do tema e a forma delicada e criativa como o autor o tratou, saltam das páginas deste livro a diversidade de padrões, as cores e o brilho do azulejo. Percepciona-se a singularidade deste tipo de revestimento e a riqueza cromática que confere às fachadas. A vivacidade das figuras e da descrição, de mãos dadas com a análise científica, geram uma contribuição singular para a área da conservação do património edificado, rumando para um discurso que se centre também nesse tipo de património e que se traduza em acções sustentadas e duradouras. Ana Luísa Velosa

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AGRADECIMENTOS Quero expressar o reconhecimento e gratidão a todos os que direta e indiretamente permitiram as condições imprescindíveis à concretização deste trabalho, realçando: Itxaso Maguregi, João Coroado e Vasco Freitas. Aos especialistas dos equipamentos técnicos - a Luis Bartolomé da Unidad de Análisis Mixto, Servicio Central de Análisis do Campus de Bizkaia da Universidade do País Basco; a Rui Lucas e a Elvira Mateus do Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro; a Cristina Sequeira e a Denise Terroso do Departamento de Geociências e ao Departamento de Engenharia Cerâmica e do Vidro da Universidade de Aveiro. A construção deste trabalho contou, desde a fase embrionária até à sua finalização, com o apoio e a participação de Margarida Azevedo. Uma menção especial a Marta Barandiaran (Universidad del País Vasco), Fernando Rocha (Universidade de Aveiro), Joaquim Teixeira (Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto), Neus Valles Canejas (Instituto de Promoción Cerámica), Vítor Hugo Torres (Museu D. Diogo de Sousa), Mário Martins (APOR), Maria Augusta (Câmara Municipal do Porto) e a Román Jiménez. Este trabalho, para a sua realização, contou o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BD/18248/2004). A sua publicação foi possível com o apoio do projeto de investigação “AZULEJAR - Conservation of glazed ceramic tile façades” (PTDC/ECM/101000/2008).

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RESUMO O uso de azulejo como revestimento exterior de edifícios civis foi uma prática corrente na cidade do Porto entre 1850 e 1920. O sistema no qual se encontra aplicado é fundamentalmente constituído por alvenaria de granito, uma camada opcional de um filme hidrófugo e argamassa de cal para a aplicação do azulejo. Neste trabalho é desenvolvida a contextualização histórica das técnicas de produção das fábricas localizadas na foz do rio Douro, uma vez que estas tecnologias exercem uma influência significativa no seu comportamento face às solicitações ambientais e humanas. Foi realizado o estudo a um conjunto de catorze edifícios analisando o sistema construtivo com dados históricos, alterações realizadas pós-construção, identificação de materiais, levantamento das anomalias e caracterização dos componentes por microscopia ótica, espectroscopia de fluorescência de raios X, difração de raios X, microscopia eletrónica de varrimento, absorção de humidade por capilaridade e secagem. Amostras de argamassas foram ainda submetidas à dissolução ácida e foi determinada a curva granulométrica dos agregados. A composição do impermeabilizante foi obtida por cromatografia. Verifica-se que há uma homogeneidade composicional e de comportamento dos azulejos produzidos neste centro, com características essenciais a serem determinadas por teores elevados de cálcio (cerca dos 20 %), temperaturas de cozedura entre os 950 °C e os 1050 °C e por uma baixa penetração do vidrado na chacota (interface diminuta). Estas características irão determinar uma elevada suscetibilidade à ação salina, e consequentes perda do vidrado e pulverização do corpo cerâmico. No respeitante às argamassas verifica-se que o conteúdo de ligante é baixo nos pontos de amostragem, com razões médias de 1:6,1 (em peso), sendo uma das causas principais da queda de azulejos. Verificou-se que o impermeabilizante inicia o processo de decaimento após a exposição aos agen-

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tes ambientais, não foi possível determinar o material ligante de origem deste filme por análises químicas mas, a partir dos dados históricos, o mais provável é ter sido usado um produto da destilação da hulha (carvão). Por fim são apontadas diferentes estratégias e levantados os parâmetros essenciais a considerar no momento da intervenção em azulejos aplicados no exterior de edifícios, especialmente localizados nos centros históricos, uma vez que caracterizam fortemente a mancha urbana e constituem um dos traços definidores das construções vernáculas desde o século XIX até inícios do século XX. Palavras-chave Azulejo, Argamassa, Impermeabilizante, Caracterização, Intervenção, Critérios, Técnicas de produção, Agentes de degradação.

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ÍNDICE Prefácio

7

Agradecimentos

9

Resumo

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Palavras-chave

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Índice

13

Símbolos e abreviatura

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1 Introdução

17

2 Azulejo e a cidade histórica, enquadramento

27

2.1 Azulejo

27

2.2 Edifício

133

3 Deterioração dos materiais

166

3.1 Clima

167

3.2 Agentes de deterioração e sua atuação

181

3.3 Anomalias nos materiais 4 Intervenção no azulejo e no sistema construtivo

204 229

4.1 Evolução da intervenção em azulejo

230

4.2 Intervenções em azulejo de fachada

237

4.3 Casos de estudo

249

5C aracterização construtiva e tecnológica da fachada e físico-química dos constituintes do sistema

275

5.1 Introdução

275

5.2 Localização

280 13 .


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5.3 Caracterização geral do edifício

282

5.4 Dados históricos

285

5.5 Alterações efetuadas

287

5.6 Identificação dos materiais

290

5.7 Caracterização da fachada

292

5.8 Caracterização do azulejo

299

5.9 Outros elementos

307

5.10 Anomalias

308

5.11 Caracterização dos materiais

329

6 Conceção e critérios de intervenção

381

6.1 Ética e intervenção

382

6.2 Tipologias de intervenção

384

6.3 Seleção da tipologia de intervenção

392

6.4 Metodologia e critérios de intervenção

402

7 Conclusões

437

8 Notas

450

9 Bibliografia

471

10 Anexos

491

Anexo 1

491

Anexo 2

494

Anexo 3

498

Anexo 4

507


SÍMBOLOS E ABREVIATURAS cv cm cm2 g º ºC h m m2 μg.m-3 μl μm mA ml mm min % km kV Psi m3·mol-1 W

cavalo-vapor centímetro centímetro quadrado grama grau (ângulo) grau Celsius hora metro metro quadrado micrograma por metro cúbico microlitro micrómetro miliampere mililitro milímetro minuto percentagem quilómetro quilovolt unidade de pressão volume molar watt

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1 INTRODUÇÃO Este trabalho versa o estudo temático da azulejaria de fachada, na baliza temporal de 1850 a 1920 e os casos de estudo centram-se na cidade do Porto, e corresponde, grosso modo, à investigação desenvolvida e apresentada na Prova de Estudos Avançados, apresentada em 2006, e na Tese de Doutoramento em Conservação e Restauro na Faculdade de Belas Artes da Universidade do País Basco, defendida em 2009. A tradição da azulejaria de fachada teve grande expressão em Portugal, se bem que com maior implementação no norte do país, e marca indelevelmente a arquitetura civil da época, correspondendo a uma das marcas mais ricas do emprego de cerâmicos vidrados e que não teve paralelo no contexto ocidental. Este substrato foi razão para efetuar uma pesquisa transversal desde o levantamento das técnicas de produção, dos agentes de degradação e anomalias, casos de estudo e metodologias para a respetiva preservação. Segundo a corrente vigente, o azulejo como revestimento de exterior está associado ao regresso de portugueses emigrados no Brasil e denominados, à época, de brasileiros em que as primeiras fachadas cobertas de azulejo terão surgido entre os últimos anos do século XVIII e os primeiros anos do século seguinte. Em épocas mais avançadas, muitas fachadas foram revestidas com azulejos produzidos pelas fábricas estabelecidas na cidade de Porto e na fronteiriça Vila Nova de Gaia, no estuário do rio Douro. Outros centros produtores nacionais localizavam-se em Lisboa, Coimbra e nas Caldas da Rainha e, em situações muito pontuais, foram usados azulejos importados de Espanha, Inglaterra ou da Alemanha. As empresas cerâmicas do baixo Douro começaram a estabelecer-se a partir das últimas décadas do século XVIII e, inicialmente, a sua produção centrava-se em peças de mesa e cerâmica decorativa, quando produziam azulejo, este

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tinha a função de revestir interiores como cozinhas, quartos de banho e áreas comuns. A tecnologia cerâmica corrente, à época, era a majólica1 e o pó-de-pedra2. Com a crescente demanda de azulejos para aplicação no exterior sucedeu, em paralelo, o processo de industrialização e de modernização tecnológica das oficinas antigas e o estabelecimento de novas empresas, ambas incorporaram novas máquinas e ocorreu um incremento no número de operários. Este aumento de produção levou a uma consequente diminuição dos custos, fazendo do azulejo um produto mais democrático, permitindo um uso mais massivo. Os edifícios onde estes azulejos foram incorporados eram, na cidade do Porto, construídos em alvenaria de pedra (granito) e o azulejo desempenhou, concomitantemente, uma função decorativa ao ser uma camada de acabamento e funções complementares (funcionais) ao contribuir para a impermeabilização do sistema e aumentar significativamente a respetiva durabilidade. Esta forma de revestimento caracteriza e marca uma época histórica por influir no desenho da mancha da urbe - identidade conferida pela harmonia (ou desarmonia) dos ritmos cromáticos, de desenhos, de formas e de texturas, em diálogo. A qualidade e quantidade de panos de azulejo que a cidade apresenta tem uma dimensão sem paralelo na Europa de esse período e que, na atualidade, funciona como memória e testemunho singular. Contudo, para a população em geral o século XIX não está ainda muito distante, logo corresponde a uma época excessivamente próxima ao tempo atual, o que tem travado a atribuição de carácter de património único e característico, que na realidade tem. A valoração desta arte de ornamentação de cariz popular, por parte de um número restrito de pessoas, data dos anos oitenta do século passado e com o decurso dos tempos tem crescido de forma manifesta. Não se enquadrando na noção de “Monumento”, a maioria de este património de imóveis que exibem azulejos nas fachadas públicas são edifícios habitacionais, mais ou menos modestos que refletem as pessoas que os erigiram e os habitaram: os gostos; a cultura; as histórias e economias pessoais, regionais e nacionais; as crenças; a sociedade; e o próprio urbanismo. O revestimento funciona como interface entre o público e o privado, protege, exibe, seduz. Numa utilização em amplas áreas da cidade, o azulejo parece vestir o corpo orgânico urbano, transpirando o seu vivenciar. Corpo orgânico com a sua anima, o seu genius loci. A crescente preocupação com este tipo de património não tem sido manifestamente suficiente para permitir a manutenção dos revestimentos cerâmicos de forma sistemática e denota-se que os conhecimentos práticos fundamentais

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sobre as tecnologias de fabrico, manufatura e aplicação se estão a desvanecer e a investigação científico-tecnológica não tem conseguido reverter o paradigma. Regista-se ainda que o revestimento cerâmico do século XIX não alcançou o nível de tratamento multidisciplinar de que disfruta o de épocas anteriores, talvez por os painéis antigos estarem implantados em construções históricas e apresentarem um valor plástico mais notório. Outra área de estudo igualmente mais avançada é a dos cerâmicos de épocas recentes - posteriores a 1960‑19703 porque não raras vezes apresentam disfunções e colocam em risco pessoas e bens. Igualmente nocivas para o património azulejar são as obras corretivas por parte dos usufrutuários, que se podem caracterizar como intervenções acríticas e podem passar pelo preenchimento de lacunas com argamassa ou com azulejos de séries diferentes e, atualmente, é frequente a utilização de réplicas sem razões justificativas sustentadas bem como intervenções realizadas por meio de técnicas inadequadas ao ambiente exterior, mais agressivo que um ambiente interior protegido. Contudo é extremamente relevante o abandono dos edifícios e a falta de manutenção das soluções neles implantadas, podendo ser esta uma das causas mais relevantes que está a fazer perigar este património coletivo de propriedade privada e com baixo nível de proteção institucional. O cenário traçado choca com a valoração patrimonial patente em documentos internacionais - os edifícios civis são manifestações culturais -, nomeadamente no primeiro artigo da Carta de Veneza: «A noção de monumento histórico engloba a criação arquitetónica isolada bem como o sítio (...) urbano, que testemunhe uma civilização particular, uma evolução significativa ou um acontecimento histórico. Esta noção estende-se não só às grandes criações mas também às obras modestas que adquiriram com o tempo um significado cultural.»4

A obra funciona como “testemunho” e incorpora elementos ambientais ou humanos que o enquadram. As recomendações atuais são mais objetivas, patentes no Art. 8º da Carta de Cracóvia: «As cidades e as aldeias históricas, no seu contexto territorial, representam uma parte essencial do nosso património universal. Cada um destes conjuntos patrimoniais deve ser considerado como um todo [incluindo “a decoração arquitetónica” - art.° 7], com as suas estruturas, os seus espaços e as características socioeconómicas, em processo de contínua evolução e mudança. (...) A conservação tem por objeto, quer os conjuntos edificados, quer os espaços livres. A sua área de intervenção tanto pode restringir-se a uma parcela de um grande aglomerado urbano, como englobar a totalidade de uma pequena cidade ou mesmo

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uma aldeia, integrando sempre os respetivos valores imateriais, ou intangíveis. Os edifícios que constituem as zonas históricas podendo não se destacar pelo seu valor arquitetónico especial, devem ser salvaguardados como elementos de continuidade urbana, devido às suas características dimensionais, técnicas, espaciais, decorativas e cromáticas, elementos de união insubstituíveis para a unidade orgânica da cidade.»5

Este é o contexto ideológico, ocidental, com o qual as civilizações têm de gerir o seu património histórico edificado e que implica estudar, valorizar, classificar, preservar, manter e conservar, com o objetivo último de legar. É óbvio que este movimento não está isento de possíveis proveitos, sem dúvida vinculados à valorização turística mas, também, aliados à inversão da espiral de degradação que se verifica em determinados centros históricos, em que a deterioração é o resultado e tem um contexto sociocultural, histórico e funcional, aspectos de relevância extrema para as populações locais. Na balança da relação custo/ benefícios são bons exemplos diversas polis que têm conseguido dinâmicas positivas com a reabilitação, regeneração e revivificação urbana como força contrária à degradação. A natureza da ampliação do conceito de valores históricos permite, nesta época global, reafirmar valores regionais e nacionais mais fortes, revelando e incrementando a pressão de responsabilidade sobre o património construído.

ESTADO DA ARTE Autores como Santos Simões6, Reinaldo dos Santos7, Meco8, Aguiar9, Calado10 e Pinto11 concordam que o azulejo como forma de revestimento de fachada foi introduzido no reino de Portugal pelos emigrantes brasileiros. Existe outra corrente que sustenta que resultou de um processo evolutivo que conduziu à saída dos azulejos do interior para o exterior, como afirmou Queirós12. Autores brasileiros, como Dora Alcântara, não encontram exemplos construídos no Brasil que sustentam a acepção veiculada por Santos Simões. Esta é uma questão de filiação que os historiadores irão aclarando com o passar do tempo mas para a preservação é um assunto marginal, ao invés do tema da produção. Em Portugal constata-se a inexistência de estudos sobre a produção do azulejo de fachada do primeiro período de industrialização (entre 1850 e 1920), com exceção dos estudos indiretos, centrados no proprietário da Fábrica das Devesas, efetuados por Domingues13 e do trabalho de Amorim que realiza um enquadramento aos revestimentos de exterior existentes na cidade de Póvoa do Varzim14. Em Espanha, o tema da produção foi estudado por Gomis Martí15, por Guillén16, por

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Molina17 e foi também tema no seminário organizado pela Asociación de Ceramología18. Por outro lado existem numerosos estudos de carácter histórico e estético sobre o azulejo de fachada português como os trabalhos da Comissão Nacional dos Descobrimentos Portugueses19, de Arruda20, de Guimarães21, do Museu Nacional do Azulejo22, de Leão23, de Lemmen24, de Veloso25 e de Silva26. Nos últimos anos tem-se assistido a um progressivo cuidado com a conservação, manutenção e restauro do património arquitetónico com revestimento em azulejo, como demonstram os seminários organizados pelo Projeto SOS Azulejo, em Aveiro, subordinado ao tema “Segurança e salvaguarda do património azulejar português” (2008) e pela Universidade Portucalense - Infante D. Henrique que abordou o tema “Azulejo. Problemas e estratégias de Intervenção” (2004); o encontro “Azulejaria de Fachada de Aveiro” (2001); e o colóquio organizado em 2000 pela Câmara Municipal de Ovar sobre o tema “Da Conservação ao Restauro” que abordou o tema do azulejo de exterior; bem como os trabalhos publicados pelo ICCROM27 e pela Asociación de Ceramología28. Por outro lado assiste-se à realização de algumas exposições temáticas com produção de catálogos como as organizadas pela Câmara Municipal do Porto29 e pelo Museu Nacional de Soares dos Reis sobre as produções das fábricas de Massarelos30 e de Miragaia31, no respeitante à produção da região de Lisboa cabe destacar a exposição da Fábrica de Sacavém32. Tanto nos estudos teóricos desenvolvidos por Ferreira33, como nas investigações práticas de Gomes34 e da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva35, raramente existe um trabalho de enquadramento do azulejo no seu contexto arquitetónico (de aproximação global ou sistémica), existindo um foco ou no azulejo ou na arquitetura, não ocorrendo normalmente uma articulação entre ambos, seja em Portugal ou em Espanha, como está patente nos trabalhos de Mateus36, Pinho37, Appleton38, Rodrigues39 e Mascarenhas40. No que toca às características físicas e químicas dos componentes do sistema em estudo e com o fim de caracterizá-lo, não se realizaram trabalhos sistematizados e com a profundidade necessária de acordo com os requisitos das atuais necessidades de conservação e restauro. Constitui a exceção o estudo de Castro41 que examina a composição química de peças cerâmicas exumadas na cidade. Sobre as anomalias dos componentes do sistema construtivo para edificações erigidas em épocas anteriores ao século XX destacam-se os trabalho de Rato42, Ferreira43 e Cóias44 e, sobre as patologias do azulejo contemporâneo, os trabalhos de Goméz45 e de Sousa46.

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OBJETIVOS A investigação foi centrada nos azulejos semi-industriais produzidos e empregues na cidade do Porto. Contudo, mais que uma caracterização do azulejo, abarcando a produção, as características físico‑mecânicas, as anomalias e as metodologias de intervenção, foi intenção realizar uma abordagem integrada do azulejo no edificado e no ambiente urbano envolvente. Esta articulação permanece com frequência no limbo da intervenção, por ser parte integrante das competências do arquiteto, do engenheiro e do conservador‑restaurador [Gráfico 1.1]. Verificou-se que na atual prática de reabilitação os arquitetos, ou engenheiros, que dirigem as intervenções se centram no edifício e em fatores ambientais e raramente é solicitada a presença do conservador. Ainda assim, este, quando solicitado, por vezes emprega metodologias demasiado próximas às utilizadas nas intervenções museológicas que são adequadas a ambientes controlados e, normalmente, não se adaptam às condições extremas que caracterizam os espaços urbanos de exterior. Encontram-se assim análises parciais e não integradas, pois assiste-se a um planeamento restritivo, ou centrado na construção ou no azulejo, como se se tratasse de unidades desligadas e independentes, em clara dissonância com os princípios éticos que versam sobre o património integrado, do qual o azulejo é um exemplo perfeito. Numa representação esquemática, a prática aproxima-se ao esquema apresentados no gráfico 1.1, sendo que as diretrizes internacionais apontam para equipas pluridisciplinares, sucedendo que, por vezes, há necessidade de serem consultados historiadores, biólogos, engenheiros de materiais, por exemplo [Gráfico 1.2].

Gráfico 1.1. Prática corrente em intervenções em azulejo, segundo o tipo de responsável. Gráfico 1.2. Planeamento integrado da intervenção.

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Deste modo partiu-se da ideia de que não é desejável desconectar a produção de azulejos, as anomalias e a ética da intervenção do contexto arquitetónico específico e da sua envolvente ambiental, ou seja, da sua relação causal - em que as condições exteriores podem ter um peso bastante significativo - havendo a necessidade de adaptar os produtos e as técnicas em conformidade com as características do suporte e do meio, devendo-se encontrar as intersecções positivas entre eles. Não sendo igualmente recomendável intervir no edificado sem conhecer os elementos “decorativos” integrados para os enquadrar e assim valorizar. Para fazer valer estes princípios torna-se fundamental a caracterização físico-química do azulejo, o estudo do meio, das técnicas e dos materiais a aplicar nas intervenções, de forma a criar bases para a definição das características (compatibilidade) e das diretrizes adequadas. São estes os objetivos primários a atingir, usando como pressuposto de trabalho uma abordagem integrada e, complementarmente, pretende-se: identificar as características de produção e de aplicação do azulejo; identificar os diferentes agentes de degradação; qualificar as patologias que afetam os azulejos; identificar os pontos de maior fragilidade do sistema; conhecer as interações entre as diferentes partes do conjunto; e sistematizar os parâmetros que se deverão ter em conta no momento de eleger as técnicas e os produtos para a conservação e restauro.

PLANIFICAÇÃO E METODOLOGIA No próximo capítulo será analisado o enquadramento histórico da cerâmica vidrada de exterior, no qual as tecnologias de produção do azulejo (materiais e procedimentos) assumem um destaque especial, por se verificar uma ausência de estudos sobre as técnicas de fabrico em Portugal. Complementariamente foram enunciadas as características funcionais, sociais e estéticas do azulejo e as relações e interferências que o azulejo introduz no desenho da fachada - azulejo e arquitetura. A rematar este ponto foi efetuada uma incursão ao sistema construtivo no qual o azulejo se encontra inserido - alvenaria, impermeabilizante (camada opcional sobre a alvenaria com fins hidrófugos) e argamassa. A metodologia empregue teve como base uma revisão prévia de trabalhos teóricos sobre o tema, seguindo a metodologia proposta por Eco47, consultando-se fontes primárias que foram contrastadas com estudos recentes. No capítulo três realizou-se o levantamento dos agentes de degradação e das consequências que poderão representar para os elementos exteriores dos edifícios. Numa primeira fase abordaram-se as características gerais do enqua-

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dramento geográfico, meteorológico e social da cidade e, posteriormente, as formas de atuação dos diferentes agentes e as suas consequências particulares (anomalias) nos elementos do sistema, em forma de catálogo ilustrado de patologias. Labor de compilação de informação baseado em fontes atuais que inclui um trabalho de campo onde se articulam os princípios de ação de cada agente com as manifestações características nos sistemas revestidos a azulejo. No capítulo quarto foram estudadas as tipologias antigas e recentes de intervenção nos panos de azulejo de exterior, para ilustrar as distintas tipologias foram selecionados quinze edifícios cuja informação foi compilada no formato de fichas (fichas A). Em paralelo foi efetuado o levantamento de todas as licenças de obra em edifícios civis, existentes no Arquivo Municipal do Porto, relativas à aplicação, reparação, substituição ou eliminação de azulejos. Os edifícios referenciados nestas licenças foram identificados e foi estudada a respetiva evolução, tendo sido analisadas as anomalias, as obras de manutenção e de reparação (fichas B) e com os dados obtidos foi estimada a “durabilidade” das soluções aplicadas. O método para a construção deste capítulo compreendeu um trabalho de resenha histórica, cruzando os documentos arquivísticos e as fontes da época com a realidade atual por meio de trabalho de campo posterior. No capítulo seguinte - casos de estudo com amostragem de catorze imóveis - foi realizado o estudo dos edifícios, desde o levantamento histórico, a caracterização construtiva e alterações, a identificação de materiais, a caracterização da fachada (estrutura resistente, impermeabilizante, argamassa de assentamento e revestimento), a caracterização físico-química dos materiais do sistema de revestimento, até ao levantamento de outros elementos dos edifícios relacionados indiretamente com o comportamento do azulejo. Foram ainda identificadas as anomalias detetadas, de modo pormenorizado, com base na classificação elaborada no capítulo três. A caracterização físico-química dos azulejos, argamassas e impermeabilizante foi realizada por observação (lupa binocular, microscopia ótica e eletrónica), por difração e por espectrometria de fluorescência de raios X e por ensaio de absorção de humidade. No caso das argamassas realizou-se ainda a dissolução ácida e a determinação da curva granulométrica dos agregados, ao passo que para determinar a composição do impermeabilizante se recorreu à cromatografia gasosa com espectrometria de massa. A metodologia de trabalho usada envolveu pesquisa bibliográfico-arquivística que enquadrou o trabalho de campo e o de laboratório. A metodologia específica do trabalho laboratorial é apresentada detalhadamente no ponto onze deste capítulo.

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No último capítulo é analisada a intervenção em revestimentos com azulejos, tendo como base os dados obtidos nos capítulos anteriores e os princípios éticos internacionalmente estabelecidos e que devem dirigir as obras em bens patrimoniais. Não é objetivo apresentar fórmulas mas sim assinalar os principais critérios a considerar para definir o valor dos revestimentos, a necessidade e a extensão da intervenção, a seleção da metodologia e a eleição de produtos. São ainda apontadas diretrizes sobre conservação, restauro, produção de réplicas e sobre a reaplicação do azulejo.

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