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Mambos da Banda
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Retratos de Angola
título: Mambos
da Banda – Retratos de Angola (Volume I) Moniz (mariomoniz@live.com.pt) edição: Edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro) autor: Mário
Patrícia Espinha Ângela Espinha paginação: Paulo Resende capa:
1.ª edição Lisboa, fevereiro, 2022 978‑989-8986-55-9 490805/21
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isbn:
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revisão:
depósito legal:
© Mário Moniz
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Mambos da Banda Retratos de Angola
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Volume I
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Mário Moniz
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Dimi dyetu,kifa kyetu Nossa língua, nossa cultura.
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Provérbio angolano
kalakala, se uandala kukala mutu Estuda se queres ser pessoa!
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Provérbio angolano
Quando a casa do vizinho pegar fogo, ajuda a apagar o fogo porque amanhã pode chegar a tua casa.
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Provérbio angolano
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Agradecimentos Primeiramente, agradeço a Deus pela vida.
Gostaria de agradecer a Bel Neto e a Pedro Bélgio
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pela correção e pelo prefácio.
Ao Raimundo Da Costa Gaspar (Edmundo), por ter feito o desenho da capa.
Ao Reverendo Luís Adão João e Reverendo
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Agostinho Cipriano, por terem ajudado na tradução dos termos da língua em Kimbundo.
Também agradeço a Sandra Pena, pela sua sábia assistência editorial nestes últimos quatro anos.
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Um agradecimento muito especial à minha equipa de trabalho: Euclid Moniz Gonçalves, Natália Coutinho Gonçalves, Pedro Bélgio, Bel Neto, Gonçalves Moniz Domingos, Edivaldo Balsa, Jorge Santos, Demiurgo Sebastião Capemba.
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PREFÁCIO
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É uma grande honra poder lavrar o convite desta obra repleta de tatuagens do musseque. Mambos da Banda é o panorama da nossa terra, da nossa cultura. É o retrato dinâmico de falares, de problemáticas sociais, de assuntos que muitas vezes passam despercebidos aos microscópios dos mais sensíveis, e aqui encontramos histórias enraizadamente angolanas, tal como a nossa tradição, ou a fuga à paternidade tal como espelha o capítulo “Menina linda”. Deparar-nos-emos com a antroponímia dos nomes africanos, a certeza de que todo nome carrega uma história ancestral, um significado de grande valorização cultural, a civilização da nossa cidade, consegue-se perceber as mudanças que a nossa Marginal sofreu com o passar dos anos, por exemplo, e nomes como “Baleizão” e “prédio da Chechénia ” acarretam nostálgicas memórias de muitos angolanos e/ ou luandenses idosos. Desta vez, Mário Moniz revela-se um contador de histórias, um verdadeiro conhecedor e observador do 11
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mundo-musseque-asfalto-beleza- amor à sua volta, onde os contos pincelam narrativas espremidas e exprimidas da alma de quem vive na pele “o bairro ou a cidade onde vive”, defensor das memórias colectivas com a sua escrita angolanamente convidativa e forte. A linguística híbrida e natural enriquece a obra e oferece-nos um casamento quase sanguíneo entre o Português e a Língua Nacional Kimbundu e, mais uma vez, marca novamente a angolanidade deste exímio escritor que renuncia separar a terra das suas letras sempre que nos convida a passear os olhos em suas obras. E escreveu sem grandes rodeios os nossos calões daqui da banda. Ler Mário Moniz é incluir os papoites, as mamoites, os kotas e os kandengues e homenagear a sua existência. É aceitar imagens em nossa mente, um filme que se realiza na nossa banda, onde tudo e muita coisa acontece, onde sobreviver já faz parte do simples acto de respirar e, por isso, resistimos e não desistimos. O autor solicita-nos também uma maior atenção para gestos como a solidariedade, o diálogo e a amizade, a importância de olharmos do lado e repararmos em detalhes que chamam por nós todos os dias na rua, tal como narra no capítulo “Ngala Boba”. Nesta obra ouvem-se várias vozes sociais, vários sons e tons de realidade, vários azares e valores, mas, apesar de tudo isso, apela-nos à bondade e à superação como remate final da vida. 12
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A cada capítulo que é lido, uma lição se aprende, uma transformação surge, uma influência positiva acontece, um motivo para olharmos a vida de outra forma, com novos rumos e pensamentos. Certamente, que quem ler este livro, terá a consciência da pele que vestimos no nosso bairro, na nossa rua, no nosso musseque. Bel Neto & Pedro Bélgio
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Luanda, Agosto de 2021
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Aqui dizem que a vida dá muitas voltas, e que por um estalar de dedos a nossa vida pode mudar para melhor ou para pior. Também dizem que filho de peixe é peixe, ou peixinho é. Apesar de muita gente não acreditar nisso, simplesmente acontece. Aqui é o lugar onde rico casa com pobre, pobre casa com rico e vivem felizes para sempre. E também dizem que dinheiro nem sempre traz felicidade. Dinheiro é dinheiro e dizem que ele fala muitas línguas. Compra casa bonita no Mussulo, e às vezes nos dá a sensação de que somos melhores do que os outros pelo facto de termos muito dinheiro. Meus kambas, dinheiro é dinheiro! Mas, talvez, numa outra conversa falaremos sobre ele. Estou mbora aqui mesmo para contar-vos a história de Morena. Não tenho a certeza se é o nome dela verdadeiro, mas é assim que ela dizia que se chamava ou chamavam-na. Não sei bem dizer qual é o termo correcto. Caso possam investigar depois digam, por favor, meus kambas. 15
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Já dizia Sócrates: “quanto mais sei, mais sei que nada sei.” “Estamos já aqui nós todos, ewé, ai…!” “Ninguém é melhor que ninguém”. Como dizia o kudurista “Se Bem” numa das suas músicas que gosto de apreciar. Se bem que a música “Felicidade” é a que mais aprecio. Quem sabe um dia desses falaremos também da “Felicidade”. Estava eu sentado naquele belo jardim de Viana, queria espairecer um pouco, ou relaxar do estresse da nossa cidade de Luanda, com as suas makas de engarrafamento e outros dikulos que acontecem aqui na nossa banda, que vos contando acho que nem vão acreditar. Só mesmo vendo. Apesar de estarmos no mês do herói nacional, que é a nossa época quente, ainda sentia um pouco de frio mesmo usando um casaco. Já estava a escurecer, apenas víamos o despedir da tarde e o iniciar de uma noite. O acender de alguns postos de iluminação pública a darem o ar da sua graça naquele lindo jardim. Estava a apreciar as estrelas que iam aparecendo no céu quase escuro. Por uns minutos, esqueci que estava ali sentado naquele banco feito de pedra, onde os casais apaixonados do outro lado trocavam carinhos e alguns beijos como símbolo do amor que sentiam um pelo outro. Após aquele instante, olhei a escassos metros e reparei que havia uma 16
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menina, moça, senhora (não sei se assim posso descrevê-la) bem a minha frente. Ela estava sentada sozinha. E como bom cavalheiro fui ter com ela, e perguntei se podia sentar-me ao seu lado. Ela levantou a cabeça e reparei que chorava. — Posso ajudar em alguma coisa? — Não! Gostaria de estar sozinha. — Só irei sentar e não direi nada. – Insisti. Depois de muita insistência, ela concordou. Naquele silêncio ouviam-se os seus soluços e gentilmente ofereci um lenço de bolso para que ela limpasse as lágrimas. Enquanto ela limpava as suas lágrimas, de repente lembrei-me de um trecho da canção de Bob Marley
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“No Woman no Cry ”, “No, woman, no cry No, woman, no cry No, woman, no cry”
que significa “mulher não chores”. Não sei se estava a ficar maluco naquele instante, mas simplesmente cantei, mesmo não cantando tão bem como canta o Rei Marley… mas cantei. — Oi moça, não sei que problemas estás a passar na tua vida, mas se quiseres desabafar estou aqui. Não nos 17
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conhecemos. Faz de conta que tem aqui uma parede e estás a desabafar no teu quarto. Apenas se quiseres. – Continuei – Garanto-te que vai ser bom conversares ou falares um pouco. Passaram quase cinco minutos, e ela não dizia nada. Ao me levantar para ir embora, ela disse: — Já há alguns meses perdi o meu marido num acidente de viação. — Os meus pêsames. E qual foi a origem do acidente? O silêncio tomou conta daquele lugar por alguns instantes. — Ele era motoqueiro, ou seja, fazia serviços de moto-táxi, lá no nosso bairro, no Papá Simão. Em horário de serviço, parado à espera de passageiros surgiu um carro que havia perdido os travões e embateu contra ele e morreu na hora. — Ai! Ngana Nzambi! – Exclamei. — E desde aquela data a minha vida já não é a mesma. Mal consigo dormir só de pensar. Deixou-me com três filhos, dois rapazes de dez e seis anos, e uma rapariga e dois anos de idade. — Que tristeza! — Para aumentar no pesadelo e sofrimento ao mesmo tempo, assim que ele morreu, cinco dias depois a família dele veio buscar tudo em casa. 18
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— Não diga isso, Mana. —É verdade, meu irmão! Vou ganhar o quê mentindo!? Levaram tudo, até a moto que ele usava para fazer táxi, também receberam. Ainda me disseram: “Você é menina pode se virar sozinha. Na nossa família, quando o marido
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morre nós recebemos tudo, é a nossa tradição.” — E os filhos? Não levaram?
— Disseram: “Na nossa tradição, nossa família são os
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filhos da menina. Do rapaz ninguém pode nos dar a certeza, se é mesmo do nosso irmão ou não. Por isso, pode ficar com os teus filhos.”
— Que maldade, Mana. Disseram isso mesmo, Mana!?
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— É, Mano. Desde aquele dia fiquei sem norte, sul, este
e oeste.
— Tens mbora toda razão de estar mesmo triste e a
chorar. Se bem que tristezas não pagam dívidas, minha Mana. Isso que estás a passar nem desejaria que acontecesse
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à minha mulher que me abandonou com os dois filhos e foi com outro porque eu não tenho dinheiro! Mas estas são outras conversas estou só a tentar desabafar também. Às vezes tento chorar, mas como dizem que homem não chora, fico só mesmo a lamentar. Deixou-me com os meus dois filhos, uma menina de doze anos e um rapaz de dez anos. Mas deixa lá! Vou criá-los mesmo assim. 19