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PEDRO RIBEIRO DA CUNHA

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FICHA TÉCNICA edição: edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro) título: Uma Vida Intensa autor: Pedro Ribeiro da Cunha capa: Patrícia Andrade paginação: Alda Teixeira revisão: Patrícia Espinha 1.ª Edição Lisboa, setembro 2016 isbn: 978-989-8714-82-4 depósito legal: 412743/16 © Pedro Ribeiro da Cunha

publicação:

www.sitiodolivro.pt

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Para o meu amor, a Clara, que preenche grande parte da minha vida; Para a Pureza, Alice, Clara e Pedro as minhas adoradas Filhas e Filho; Para o Caetano e Luísa, o meu adorado outro Filho e a minha adorada outra Filha; Para os meus queridos Netos, Tomás, Luz, António e Benjamim e para os que irão nascer; Para a Ana Bela, querida amiga, que me acompanha com lealdade e amizade há 30 anos; Em memória dos meus Pais, Alice e Alexandre, a quem tudo devo; Em memória do meu Irmão António que está sempre comigo; Em memória da Luz parte importantíssima da minha vida; Em memória da Adélia e do Joaquim e para o António Pedro e Ana Margarida, os meus “segundos” Pais, Irmão e Irmã; Em memória do meu Primo Miguel sem o qual a minha vida teria sido menos gratificante.

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As coisas que não escolhemos são as que definem quem somos. A cidade e o bairro onde nascemos, a família que nos criou, o ambiente que, nos primeiros anos, nos rodeou e as escolas que nos formaram determinaram grande parte do que viemos a ser. Os meus antepassados protegem os meus passos, sei de onde vim e que sou o que já fui.

A vida pode ser difícil e perigosa. Contaram-me que, certa vez, alguém perguntou a um padre: “Como é que se chega ao céu e, mesmo assim, proteger-me da maldade que há no Mundo?” Ao que este respondeu: “Sois ovelhas no meio dos lobos: Sede prudentes como as serpentes e inocentes como as pombas.”

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INTRODUÇÃO

Há muito que tinha decidido escrever este livro dedicado aos que me são mais próximos para lhes dar a conhecer, mais em pormenor, o que foi a minha vida até aqui. É claro que este livro não será posto à venda, até porque seria ridículo pensar que alguém quereria pagar para o ler. Nele, para além de factos e relatos de acontecimentos que me tocaram de perto, procurei exprimir alguns pensamentos que me acompanham. Como verificarão, nele não se fala daquilo que os sentidos foram apreendendo e de algumas memórias sensoriais que nos acompanham toda a vida, como é o caso dos cheiros do campo que sentimos em pequenos, da alegria de assistirmos ao nascimento de um frango a partir o ovo, do gosto de umas uvas colhidas nas videiras, da sensação da água gelada de um mergulho num rio, do gosto de pão quente com manteiga e açúcar à chegada das aulas, da adrenalina que nos esmaga ao caçarmos a primeira perdiz ou ao marcarmos um golo no nosso campeonato, do som da primeira sinfonia de violinos ou do primeiro fado castiço que ouvimos, do contentamento de andar numa carroça puxada por uma junta de bois, dos olhares trocados nos namoros, do carinho dos Pais e dos Avós, das cumplicidades com os irmãos e amigos, etc., etc. 9

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E estas sensações, que se colam a nós também para sempre, marcam muito daquilo em que nos tornamos. E, curiosamente, fiquei sempre com a recordação das boas sensações. Alguma má que tenha tido, felizmente, já não me acompanha.

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Capítulo I Aos 70 anos de idade comecei, em Maio, o meu percurso no chamado Caminho Francês de Santiago que liga, durante cerca de 800 quilómetros, Saint-Jean-Pied-de-Port, na base dos Pirinéus em França, a Santiago de Compostela. Em oito dias percorri os primeiros 190 quilómetros deste Caminho terminando em Logroño na região da La Rioja em Espanha. Em Outubro e já com 71 anos, andei mais 140 quilómetros ligando Logroño a Burgos. Neste ano farei o percurso que liga Burgos a León e, finalmente, no ano que vem chegarei a Santiago. Está a ser a realização de um desejo que há mais de 20 anos me acompanhou. Esta caminhada foi um dos melhores momentos da minha vida e voltarei ao assunto lá mais para a frente. Mas, de facto, a minha vida começou em 20 de Julho de 1944, quando nasci numa família da alta burguesia, em Lisboa, e baptizado com o nome Pedro Infante de la Cerda Ribeiro da Cunha, com a particularidade de Pedro Infante ser o meu nome próprio. Isto porque, naquela época, não era permitido ter mais do que três apelidos, podendo, no entanto, ter dois nomes próprios. Aproveitando-se desse facto, os meus Pais convenceram o Registo Civil de que Infante era um nome próprio, pois havia um famoso cantor mexicano cujo nome artístico era Pedro Infante. 11

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José Pedro Infante Cruz (18 de Novembro de 1917-15 de Abril de 1957), mais conhecido como Pedro Infante, é talvez o mais famoso actor e cantor do chamado anos dourados do cinema mexicano e foi ídolo do povo Mexicano, juntamente com Jorge Negrete e Javier Solís, que eram chamados de Tres Gallos Mexicanos (Os Três Galos Mexicanos). Nasceu em Mazatlán, Sinaloa, México e viveu em Guamúchil. Morreu em 15 de Abril de 1957, em Mérida, Yucatán, num desastre aéreo durante um voo em que ele mesmo pilotava, a caminho da Cidade do México.

Fui o segundo filho dos meus Pais (tive uma Irmã mais velha que morreu à nascença) e o meu único Irmão, António, era 22 meses mais velho do que eu. O meu Pai, Alexandre José Ferreira Pinto Ribeiro da Cunha (nascido em 1915), era filho de José Castel Branco Ribeiro da Cunha e de Vera Maria Jervis de Athouguia Ferreira Pinto Basto. Provinha de uma família bem integrada na alta sociedade portuguesa, sócio de clubes privados de elite, ligado ao mundo dos negócios, formou-se em Direito e, nunca exercendo Advocacia, optou por dedicar-se ao serviço público. Pela mão do seu Cunhado (casado com a minha Tia Lúcia, única irmã da minha Mãe), Armindo Rodrigues de Sttau Monteiro, 19 anos mais velho, Professor Catedrático de Direito pela Faculdade Direito da Universidade de Lisboa (foi o primeiro aluno desta Faculdade a entrar no seu corpo docente), amigo íntimo de Salazar, seu Ministro das Colónias e dos Negócios Estrangeiros e, posteriormente, Embaixador em Londres (durante a Guerra), começou a trabalhar, durante dez anos, como secretário do Presidente do Conselho de Ministros, passando posteriormente a trabalhar no então Ministério das Corporações e, 12

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mais tarde, no Ministério do Ultramar (antigo Ministério das Colónias), onde acabou a carreira como Inspector Superior dos Negócios Políticos Ultramarinos. Foi um dedicado funcionário público ocupando cargos de prestígio, representando Portugal em muitos organismos internacionais e um verdadeiro Homem do Mundo. Irradiava simpatia e tinha uma enorme quantidade de amigos, entre os quais os meus futuros Sogros. Até morrer, em 1983 aos 68 anos, vítima de um forte AVC, foi um fiel seguidor de Salazar e seu admirador constante. A família do meu Pai tinha considerável fortuna, quer do lado do meu Avô José oriunda da Madeira e ostentando o título de Barão de S. Pedro, foi proprietária do hoje chamado Palacete Ribeiro da Cunha, de inspiração árabe, situado na Praça do Príncipe Real em Lisboa, mais tarde vendido à família Caroça (com quem o meu Avô trabalhou) e que muito frequentei em festas dadas pelas minhas amigas Guida e Isabel Lopo de Carvalho –, quer do lado da minha Avó Vera, sócia dos Agentes de Navegação Pinto Basto, empresa da qual vim a ser Presidente em 1986. O meu Bisavô paterno, também José Ribeiro da Cunha, foi um dos fundadores, em 1982, do Club Tauromáquico Português que hoje se chama Real Club Tauromáquico Português de que falarei mais à frente. O Pai da minha Avó Vera era o Comandante António Aloísio Jervis de Athouguia Ferreira Pinto Basto e foi grande amigo e oficial às ordens do Rei Dom Carlos e Comandante do iate real D. Amélia. Além de um notável Oficial da Marinha Portuguesa, era um aguarelista importante. Ele e o Rei estudaram técnicas de pintura com o mesmo Pintor espanhol Enrique Casanova. Sempre que o Rei viajava fazia-se acompanhar pelo meu Bisavô (Nico, como lhe chamavam os amigos) e pelo seu médico Thomaz de Mello Breyner, Conde de Mafra. Por um acaso curioso, a 13

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minha futura Sogra, Maria da Pureza, era Neta deste Conde de Mafra e, portanto, aquela que viria a ser a minha primeira Mulher era sua Bisneta. A Mãe da minha Avó Vera, Alice Ferreira Pinto Basto, era prima do seu marido e juntamente com os três irmãos, Guilherme, Eduardo e Frederico, fundaram a Pinto Basto Comercial que já referi. Por um feliz acaso, após a morte da minha Avó Vera, veio ter às minhas mãos um pequeno diário, manuscrito pelo meu Bisavô António, com o relato de 10 anos de viagens por terra com o Rei. Em 1996, decidi publicar, numa muito bonita edição da Chaves Ferreira – Publicações e prefaciado por Luiz Forjaz Trigueiros, este diário sob o título “Viagens por terra com El-Rei D. Carlos 1895-1905”. O lançamento foi seguido de cocktail na Sociedade Olissiponense em Lisboa e contou com a presença de S.A.R. Dom Duarte Pio, Duque de Bragança, e além de numerosos assistentes foram convidados todos os descendentes deste meu Bisavô, os quais ofereci um exemplar e também a um representante/descendente de todos os mencionados no diário. Este meu Bisavô também foi sócio, a partir de 1898, do Club Tauromáquico Português. A minha Mãe, Alice Cancela Infante de la Cerda (nascida em 1915), tinha 29 anos quando eu nasci e era Filha do abastado empresário Camilo Magalhães Coutinho Infante de la Cerda, oriundo de uma família tradicional com origens em Cantanhede e descendente de uma das mais importantes famílias de Espanha. Este meu Avô foi um dos fundadores da Sociedade Central de Cervejas, era proprietário de roças em São Tomé, herdades no Alentejo e um grande aficionado da Tauromaquia. A Tauromaquia era uma das suas conversas preferidas e, mesmo em família, tinha sempre este assunto, até porque um dos seus irmãos (Amadeu) tinha casado com Laura Pereira Palha, filha do famoso ganadero José Palha Blanco. 14

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O meu Avô foi também sócio do Club Tauromáquico Português, que frequentava muito. A sua Mulher, a minha Avó, Laura Rebelo Cancela, era oriunda de uma importante e prestigiada família da região de Anadia e de Famalicão na Bairrada. O seu Pai, meu Bisavô, José Paulo Cancela, proprietário da zona de Anadia, era licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi Juiz Desembargador, Procurador junto do Tribunal da Relação em Lisboa, Deputado às Cortes, fundador da revista Caça e um dos primeiros sócios do Club Tauromáquico Português (1897), e a sua Mãe, minha Bisavó, Maria José Rebelo Coutinho, era prima de José Adriano Pequito Rebelo, um dos fundadores do movimento político conhecido como Integralismo Lusitano. Também estes meus Avós frequentavam os melhores ambientes de Lisboa. Um apontamento curioso é o facto de três dos meus Bisavôs terem sido sócios do mesmo Club, o que ilustra bem as características de uma sociedade elitista e fechada, o que ainda mais se nota quando refiro que também João Pinto da Fonseca, 3.º Visconde da Várzea, 7.º Marquês de Castelo Melhor, Bisavô da minha Mulher, também era sócio (1863) deste mesmo clube. Os netos e bisnetos de sócios casavam entre si! Nasci, assim, rodeado de luxo e facilidades. Logo que nasci, além da educação que os meus Pais me davam, à minha volta tive a constante presença da Adélia – uma segunda Mãe que eu sempre adorei – e uma nanny irlandesa, a Mrs. Carmel Nolan, que viveu em nossa casa durante doze anos. A Mrs. Nolan, talvez por o seu falecido marido também se chamar Pedro (Peter), fez de mim o seu favorito e, como já estava em minha casa quando nasci, foi quem me ensinou a falar. A minha primeira palavra (como consta no meu livro do bebé) foi duck e cresci verda15

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deiramente bilingue. Em casa com o meu Irmão só brincava e falava em inglês e ainda conservo postais endereçados ao meu Pai, quando tinha cinco/seis anos, “My dearest Papa”.

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Capítulo 2 A primeira casa onde vivi era na Rua S. João da Mata, quase na esquina com a Rua das Praças no Bairro da Lapa e muito perto, a cerca de 300 m, da casa dos meus Avós maternos. Deste andar, a única recordação que conservo (já que era muito novo e só lá vivi até aos sete anos) deve-se ao génio do meu Primo mais velho, o Luís de Sttau Monteiro, que pintou no que chamávamos o quarto de brinquedos todas as paredes com um fabuloso Jardim Zoológico, retratando dezenas de animais selvagens. O Luís tornou-se um grande escritor português (cujas obras são de leitura obrigatória nas escolas) e um grande cozinheiro, em casa de quem tive muitos anos mais tarde o prazer de ter refeições memoráveis. Por essas alturas também íamos todos os anos para a Quinta do Capitão Mor, a pequena quinta destes meus Avós em Anadia. Passávamos lá uns dias muito divertidos numa casa linda com um jardim enorme e, pelo menos, quatro quartos de hóspedes absolutamente deslumbrantes com as paredes forradas de seda adamascada e de cores diferentes, azul, amarelo, verde e encarnado. Ali brincávamos com os primos Vinhais (Teresa, Cristina (Tinita) Francisco e João) e Emygdio da Silva (Fernando e Isabel), netos da tia Maria, irmã da minha Avó e filhos da tia Maria Cristina, Condessa de Vinhais, e do tio Manuel que eram primos direitos muito amigos da minha Mãe. 17

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Esta tia Maria era casada com Fernando Emygdio da Silva, ilustre Professor Catedrático de Direito da Universidade de Coimbra, que foi o patrono do meu Tio Armindo e o apresentou à minha Tia Lúcia. Esta casa que tinha pertencido à família da minha Avó Laura que era natural de Famalicão ali ao lado onde a família Rebelo (do lado materno desta minha Avó) tinha outra casa linda, veio a ser vendida em finais dos anos 70. Rodeado de carinho, fui crescendo, começando por estudar em casa e mais tarde na então 3.ª classe frequentei o Colégio Champagnat (Maristas) perto do aeroporto de Lisboa em regime semi-interno. Fiz lá também a 4.ª classe e quando entrei era o aluno mais novo. Ali fiz também amigos de entre os quais destaco o Tomás Mayer e os irmãos Francisco e Pedro Castro Caldas. O meu Irmão também frequentou, durante dois anos, o Queen Elizabeth School, então instalado na Rua da Quintinha, perto do edifício da Assembleia da República de que era fundadora e directora a severa Miss Denise Lester – a melhor amiga da minha Tia Lúcia (irmã da minha Mãe), casada, como referi, com Armindo Monteiro. A amizade entre as duas nasceu do facto de, sendo o meu Tio Armindo Ministro dos Negócios Estrangeiros, ter incentivado Miss Lester que conhecera durante uma viagem a Londres a abrir um colégio inglês em Portugal para crianças portuguesas. Merece dizer que nasci numa época em que a chamada Sociedade de Consumo ainda não existia. Na nossa casa praticamente não existiam produtos de marca. O leite era fornecido diariamente por uma leiteira, o pão era entregue à porta de casa, no Natal havia bandos de perus conduzidos no meio de duas varas pelas ruas de Lisboa, havia galegos com carrinhos de mão e cordas para transportar coisas mais pesadas de uma 18

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morada para outra, comer um chocolate era um luxo, o gelo (os frigoríficos – quase todos da marca Frigidaire que passou a ser o nome dado aos frigoríficos – eram poucos) era entregue pelas fábricas e colocado em arca de estanho, compotas e doces eram feitos em casa e comer pão com manteiga e açúcar era um luxo. Também, quando ainda crianças, éramos obrigados a comer diariamente uma colher de um extracto de carne Bovril e uma colher de óleo de fígado de bacalhau, o que era uma verdadeira tortura. Como o meu Avô Camilo era accionista da Central de Cervejas, tínhamos por vezes garrafas de cerveja e refrigerantes, o que era um luxo aos olhos dos nossos amigos. Os fatos que usávamos eram muitas vezes aproveitamentos de fatos do meu Pai e do meu Avô, que eram virados de avesso, ficando o bolso do casaco do lado direito. Um luxo ambicionado era ter uma samarra e chique era ter o forro em azul ou, mais ousadamente, em encarnado. Era de facto uma vida relativamente espartana. Mais tarde, com nove anos, ingressei no Liceu de Pedro Nunes, que frequentei durante sete anos até entrar na Faculdade. No Pedro Nunes, um dos melhores do País, onde fui um aluno regular, fiz muitos amigos alguns dos quais para toda a vida como o João Roque de Pinho, de quem vim a ser Padrinho do seu casamento, o Mani (Manuel) Mendes Barbosa, que veio a trabalhar comigo, e que infelizmente morreu enquanto escrevo estas linhas deixando-me muita saudade, e os gémeos João e Mané Baptista da Silva. Ali reforcei a amizade com o Nuno Ulrich, meu vizinho em Cascais, e com o António (Tó) Barreto, meu vizinho em Lisboa. O Pedro Nunes era um liceu com Professores extraordinários e aproveito para mencionar alguns: Palma 19

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Fernandes (autor do compêndio de Matemática) e Calado (pai de Jorge Calado, meu professor anos mais tarde no Instituto Superior Técnico), Rómulo de Carvalho, nome verdadeiro do Poeta António Gedeão, autor do famoso poema Pedra Filosofal, Figanier, Gilot, etc., etc. Foram Mestres que nos marcaram para toda a vida. Vivi em Lisboa até casar primeiro, como disse, na Rua S. João da Mata – o bairro da Lapa foi sempre um dos bairros onde a alta burguesia fixava residência – e, mais tarde, com a morte do meu Avô Camilo (tinha eu sete anos) e da minha Avó Laura (dois anos antes em Anadia), na sua casa da Rua Borges Carneiro no mesmo bairro e que após a sua morte tinha ficado em partilhas para a minha Mãe. Nessa altura, o meu Pai era secretário de Salazar e a nossa casa distava 200 metros da residência e escritórios da Presidência do Conselho de Ministros e, assim, o meu Pai só tinha de percorrer esta curta distância diariamente. O meu Irmão e eu brincámos muitas vezes dentro dos jardins da residência de Salazar e quando fiz a 4.ª classe este ofereceu-me uma caneta Parker 51, cor de vinho, que era o sonho de todos os adolescentes naquela época. Também vivemos dois anos na praça do Areeiro, um dos bairros novos da cidade. Ao abrirem estes bairros, “as avenidas novas”, Salazar fazia gosto de que alguns dos seus colaboradores neles vivessem e, claro, que o meu Pai obedeceu, tendo transferido os filhos para o colégio dos Maristas perto do aeroporto. Deste andar lembro-me de que era muito bom e grande, e pouco mais. Aí brincávamos nos campos, onde hoje são as Olaias, e ficámos amigos do José Maria e do Nuno Parreira, primos do meu grande amigo 20

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Ricardo Jorge (Xinca), filhos de amigos dos meus Pais e vizinhos no mesmo prédio. Com eles e com o Xinca íamos muitas vezes, de graça, ao São Luís cinema que pertencia à sua família Ramos. A Maria Isabel (Bábá) Ramos, avó e tia-avó destes amigos, era a maior amiga do meu Avô José – tinham tido a mesma ama – que tinha a excentricidade, porque tinha bilhetes de graça para o mencionado cinema, de ir a uma das sessões de um novo filme e reservar para si quatro lugares: numa fila reservava três lugares contíguos e à frente do lugar do meio, onde se sentava, reservava também esse lugar assegurando, assim, que não tinha vizinhos ao mesmo tempo que ninguém lhe tirava a visão do filme. Outros tempos! Todos os anos, durante o Verão, mudávamos para Cascais, primeiro para a casa alugada pelos Avós Ribeiro da Cunha na Rua Fernandes Tomás, mesmo em cima do mar na baía de Cascais e onde hoje vive a minha Tia Maria da Conceição Vilhena de Sousa Rego, viúva do único irmão do meu Pai, o Tio José António, a quem tratávamos carinhosamente por Zuzu, e mais tarde para a casa mandada fazer pela minha Mãe (projectada pelo Arquitecto Alberto Cruz), no Alto do Moinho Velho, num dos novos bairros à entrada de Cascais com uma vista deslumbrante e onde eramos vizinhos do Almirante Américo Tomás, que veio a ser o último Presidente da República do regime salazarista. Esta casa era muito moderna para a época e foi ali que tivemos muitas festas e convívio com amigos. No intervalo e durante as obras vivemos em mais duas casas alugadas para o Verão.

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Capítulo 3 Quando eu tinha 12 anos, os meus Pais, que tinham casado em 1939, separaram-se, o que, naturalmente, foi um choque para o meu Irmão e para mim. Naquela época, raros eram os casais que se separavam, embora muitos já levassem uma vida dupla que, no entanto, os filhos desconheciam. A partir de então, o meu Pai foi viver em casa dos meus Avós Ribeiro da Cunha, na Travessa da Conceição da Glória, perto da Praça do Príncipe Real em Lisboa. Nessa casa já viviam, num andar por cima do dos meus Avós e, agora, do meu Pai, os meus Tios José e Maria com os seus sete Filhos para quem o meu Pai era como um segundo pai. Tenho a certeza de que todos o adoravam e relembro um pequeno episódio: a determinada altura o meu Pai comprou um grande cão, da raça Boxer, com a particularidade de ser albino e a quem pôs o nome Samek. Este cão era o terror dos meus Primos que fugiam dele “a sete pés”, e o cão em correria desenfreada pelos corredores encerados da casa derrapava e embatia, para gáudio geral, nas paredes. Quando fiz 13 anos, a minha Mãe deu-me de presente de anos um cão da raça Caniche, a que dei o nome de Cognac e que, desde o primeiro dia, nunca mais me largou até morrer 10 anos depois em conse23

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quência de uma infecção que contraiu numa ferida motivada por uma luta com o cão de um vizinho em Cascais. Tive, na ocasião, um grande desgosto: este cão era sem dúvida o meu grande amigo! Um episódio que definia bem o carácter da minha Mãe deu-se quando eu deveria ter 14 anos e o António 16. Numa determinada noite, a minha Mãe, que ia jantar fora, proibiu-nos de sair à noite porque uma feira popular ambulante tinha “invadido” Cascais e trazido consigo muita gente de fora. Não resistimos ao “chamamento da farra” e logo telefonámos a dois ou três amigos e lá saímos à aventura. Ao andar “à pendura” no carrocel da feira caí e parti a cabeça, tendo de ir ao hospital. Ao ligarem para nossa casa e não encontrando lá ninguém, conseguiram encontrar, não sei por que artes, o meu Primo Luís de Sttau Monteiro, que nos levou para casa com a minha cabeça entrapada. Esse Primo descobriu a minha Mãe, que jantava num restaurante, que logo voltou para casa e encontrou-nos a fingir que estávamos a dormir e apenas disse na escuridão do quarto “Amanhã conversamos” e saiu. Escusado será dizer que, nessa noite, mal dormimos. No dia seguinte chamou-nos e, com espírito prático, estipulou que o nosso castigo seria não sairmos de casa até apanharmos as largas centenas de pinhas que os pinheiros do jardim carregavam. Nessa tarde, o meu Irmão e eu avaliámos a situação e percebemos que sozinhos teríamos três a quatro dias de intenso trabalho, o que seria uma tortura insustentável com os nossos amigos a divertirem-se na Parada. Logo ali gizámos um plano: telefonámos a uns 10 amigos que respondendo à chamada acorreram a nossa casa para ajudar e passada uma tarde estava tudo feito. A minha Mãe ao voltar para casa deparou24

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-se com tal eficiência e agradecida convidou todos a ficarem para jantar. O castigo tinha-se tornado um divertimento e fez da minha Mãe uma Senhora ainda mais popular do que já era junto dos meus amigos. Convém notar que a minha Mãe já tinha herdado e era muito mais abastada do que o meu Pai, já que o meu Avô grande empreendedor era sócio de muitas empresas além de proprietário de roças em S. Tomé – numa delas tinha como sócio o Professor António Egas Moniz –, de herdades no Alentejo, de terrenos em Tróia e em Lisboa, onde é hoje a Cidade Universitária. Nota: António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz GCSE • GCB (Estarreja, Avanca, 29 de novembro de 1874; Lisboa, 13 de dezembro de 1955) foi um médico, neurologista, investigador, professor, político e escritor português. Foi galardoado com o Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1949, partilhado com Walter Rudolf Hess.

Em particular era sócio em partes iguais da Companhia de Cervejas Jansen com dois grandes amigos Francisco Avillez e Eduardo Perestrelo de Vasconcelos. Em certa altura, adquiriu o Palácio do Sobralinho, perto de Vialonga, que emprestou à sua filha (e minha Tia) Lúcia quando esta e o seu marido Armindo regressaram a Lisboa, depois de este ter sido afastado da embaixada em Londres em confronto com Salazar. Tinha sido lá Embaixador entre 1937 e 1943. Poucos dias antes da inauguração de uma nova decoração deste belíssimo Palácio, agora recheado de móveis lindos comprados em Londres durante a guerra, quer pelo meu Avô quer pelos meus Tios, um atentado político ateou fogo ao edifício e destruiu grande parte deste, fazendo 25

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desaparecer muito do seu recheio. O meu Avô desgostado pelo sucedido vendeu-o a Ricardo Espírito Santo, e pela morte deste passou para a sua filha Rita, casada com Rodrigo Leite de Faria que integrou, como voluntário, as tropas de Franco durante a Guerra Civil em Espanha. Mas, voltando ao Verão, as “férias grandes” eram de quase três meses (e por vezes quatro) e eram passadas de manhã na praia da Conceição em Cascais, onde se juntava um grupo enorme de amigos e à tarde no Sporting Club de Cascais, conhecido por Parada clube que se sentia elitista com cerca de 250 sócios e cujo acesso era muito difícil, pois dependia de se conseguir proponentes prestigiados que, através de votação por bolas brancas e pretas, introduzidas pelos sócios em urnas, eram aceites ou não os novos sócios. A dificuldade de acesso residia no facto de bastarem três bolas pretas para o proposto ver recusada a sua candidatura. Era conhecido por Parada por estar instalado nos antigos terrenos da parada militar do quartel de Cascais a 150 metros de distância. Nestes terrenos existia um magnífico edifício onde os sócios desfrutavam de um bar, restaurante, sala de jogos e um grande salão de baile. Havia também um grande anexo a que chamávamos “o Pavilhão”, onde os mais novos faziam ginástica, jogavam ping-pong e conviviam, existia um estupendo campo de mini-golfe, um campo de patinagem e de futebol de salão, diversos campos de ténis e uma grande pista onde se realizaram algumas corridas de automóveis e de bicicleta. Anos mais tarde foi feita uma boa piscina no espaço do court de ténis central. Éramos, nós e os nossos amigos, conhecidos por “meninos da Parada” e naquela altura “era-se da Parada” ou “não se era da Parada” e isso, distinguia um grupo social com os seus tiques e códigos de conduta especiais. Evidentemente que fora do clube convivíamos com muitos outros amigos que a ele não tinham acesso, muitos dos quais nem pretendiam 26

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ter acesso porque os Pais passavam, com eles, férias longe de Lisboa como, por exemplo, em São Martinho do Porto. O Algarve como destino de férias não existia. Foi aí que fiz grandes, grandes amigos que perduram até hoje: o Nuno Ulrich, meu vizinho em Cascais, o Ricardo, a Mary, a Ana e o Tó Salgado, o Manuel e João Salgado, o Francisco (Quico) e o António Alvim, o Manuel e a Petica (Margarida) Ferrão de Castelo Branco (Ponte), o Manuel de Castro (Fu), infelizmente já morreu, o Francisco Avillez, filho do “tio” Domingos, sócio da minha Mãe, o João Roque de Pinho e a Teresa d’Orey com quem se casou, a Maria João Avillez, o José Felipe e a Ana Nobre Guedes, o Jaime e a Mariazinha Anahory, o Riques (Henrique) e a Missanga (Leonor) Paço d’Arcos, infelizmente também já desaparecida, que veio a casar com o Luís Matos Chaves, meu vizinho em Lisboa, a Teresa Roquette, a Bébé (Maria do Carmo Arnoso), a Teresa e a Lela Nobre Guedes que vieram a casar com dois grandes amigos, o João Freitas e o Ricardo Jorge (Xinca), a Clarinha Zagury que veio a casar com o meu primo António Telles da Silva (Tarouca) e, claro, os meus Primos direitos: a Tucas (Maria da Conceição), quase minha irmã, e o José Maria, o Ico (Francisco), o Luís – de quem tenho saudades – e as irmãs mais novas Madalena, Vera e Teresa, e muitos outros. Tínhamos, o meu Irmão e eu, muitos outros amigos que se juntavam em grupos em Lisboa, embora não frequentassem a Parada, como os meus primos Telles da Silva (António, João, Manuel e José Luís), os primos Pinto Basto, Eduardo e José Luís, o Pedro Alves do Rio, o Rodrigo Castro Pereira, os gémeos Poppe, António e João, também já desaparecidos, o Pedro Vaz Pinto, o José Correia de Barros, o Vasco Balsemão, o Eduardo van Zeller (que veio a ser meu sócio e juntamente com o Nuno Ulrich aparece, registado pela minha Mãe no meu livro do bebé, como os meus primei27

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ros amigos), o Manuel (Mani) Mendes Barbosa, que veio a trabalhar 30 anos comigo, a Marta Leitão, a Sum Alves do Rio, a Conceição Pinto Basto, a Carmo Arouca, a Isabel Macedo dos Santos, a Helena Barros, a Carlota Fiúza e muitas outras. Outros grandes amigos que no Verão passavam temporadas em nossa casa em Cascais eram o Rodrigo Chaves de Sousa (Guigas), o Pedro Almeida e, muitas vezes, o Zé Filipe Nobre Guedes quando os seus Pais passavam dias em Sintra. Também era na Parada que disputámos durante anos renhidos campeonatos de ténis e principalmente de futebol de salão, jogando com grande rivalidade contra a equipa de S. João do Estoril (Azarujinha), onde se destacavam os irmãos Paes de Vasconcelos, o Palotas (João Paulo) Simões e o José Maria Matos. Em 1951, na sequência da morte do meu Avô, mudámos para casa da Rua Borges Carneiro, em Lisboa, que era enorme com um grande jardim onde para além de três garagens, existia a casa do chauffeur do meu Avô, o Zé Mendes, que lá vivia com a sua Mulher, a Bitai, e com o seu filho Manuel. A Bitai esteve lá desde o nascimento da minha Mãe até morrer, com mais de oitenta anos, vindo a ser a porteira do prédio que lá viria a ser construído. Este Zé Mendes tinha sido o cocheiro dos meus Avós, na época em que estes se deslocavam de charrete, e foi reconvertido em chauffeur mas continuou sempre a guiar com tiques de cocheiro, empurrando com o corpo os automóveis quando subia a calçada da Estrela! Até morrer, tratou sempre a minha Mãe por menina Alicinha e era como uma pessoa da nossa família. Nos jardins também existiam dois grandes canis onde o meu Avô tinha cães de caça e, mais tarde, transformados em capoeiras com galinhas e às vezes cabritos e ovelhas que trazíamos da herdade do Alentejo. 28

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Nessa mesma casa, a Adélia que, como referi atrás, foi para mim uma segunda Mãe, casou com o Joaquim Lopes Vieira que ficou a viver connosco numa dependência da casa, e lá nasceram o António Pedro e a Ana Margarida, meus “irmãos” afectivos e de que gosto muito. Claro que o António, apenas cinco anos mais novo do que eu, acompanhou-me sempre, bem como ao meu Irmão, de muito perto. Foi ao longo da minha vida uma presença constante, firme e leal em todos os momentos. Nos bons e nos maus. Sempre pude, e ainda hoje posso, contar com ele. A Ana mais nova foi também sempre uma grande amiga. A infância passada naquela casa foi fantástica. O jardim era enorme, os nossos quartos muito bons e as salas (quatro) óptimas. Vivemos lá uma época dourada. Lembro-me bem de lá ir ainda com a minha Avó Laura viva, para ela nos dar um quadrado de marmelada. Não havia frigorífico com congelador e os meus Avós recebiam o gelo em barras (fornecidas pela Sociedade Central de Cervejas de que meu Avô era sócio), que eram colocadas em caixas de estanho para as conservar. Lembro-me bem de achar fantástico comer um chocolate da Regina da marca Comacompão numa carcaça com manteiga e de, muitas vezes, comer pão com manteiga e açúcar. Outras recordações da época em que a sociedade consumista praticamente não existia era irmos à garagem na casa da Rua Borges Carneiro buscar tigelas com marmelada feita em casa e que ali estavam a secar cobertas com papel celofane. Desta casa tenho uma recordação curiosa: o meu Avô Camilo era um aficionado fanático pelas corridas de touros que acompanhava, passando grandes temporadas em Madrid com o seu grande amigo Victor Ribeiro, também grande aficionado, de quem vim a ser amigo das netas, Rosarinho e Leonor, que casaram respectivamente com o João Felipe Vasconcelos Abreu, meu amigo que, por ser um renomado Fisio29

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terapeuta, muitas vezes me tratou, e com o José Salgado Sarmento de Matos, distinto Historiador Olissipógrafo meu amigo e que trabalhou com a Clara, minha actual Mulher, em eventos culturais na cidade de Lisboa. Em Madrid, o meu Avô conheceu o grande toureiro Luis Miguel Dominguin, cunhado do também famoso António Ordóñez, provavelmente o toureiro mais famoso depois da morte, em 1947, de Manolete com quem repartiu o cartel na famosa corrida de Linares juntamente com “Gitanillo de Gitana”, e até ao aparecimento de El Cordobés nos anos 60. Foi uma figura de relevo nos anos 40 e 50, protagonizando grandes romances amorosos com Ava Gardner e Lúcia Bosé, tendo casado com ambas, e grande amigo de Ernest Hemingway, que imortalizou no romance The Dangerous Summer a rivalidade entre Dominguin e Ordóñez, seu cunhado. O meu Avô era seguidor e grande admirador de Luis Miguel e mandou pintar numa parede (escondida por uma porta falsa que emparelhava com outra porta que dava para o átrio das salas) da casa de jantar da sua casa, em Lisboa, o quadro do toureiro em pé e vestido com o “traje de luces”. Numa oportunidade convidou Luis Miguel para jantar com a minha Mãe e, levantando-se da mesa, encaminhou-o para a porta falsa e, ao abrir a porta, o toureiro deparou-se com esta simpática homenagem. Ficou sempre amigo do meu Avô e da minha Mãe, e eu tive a oportunidade de, nos anos 60, estando a jantar com a minha Mãe no famoso Valentin em Madrid, o ver entrar e vir sentar-se, por uns momentos, na nossa mesa. A minha afición pelas corridas de touros em Espanha talvez venha destes tempos. 30

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Era ali, na casa da Borges Carneiro, que nos reuníamos com os nossos amigos, quando ainda éramos crianças (talvez dos 10 aos 13 anos) e onde fundámos um Clube conhecido por Tigres da Estrela do qual o meu Irmão era o Presidente e eu o Tesoureiro, e neste Clube instalado no nosso jardim reuníamos “a malta” para jogarmos futebol, bilhar, carica, etc. Tinha uma quota simbólica para podermos comprar material e foram anos muito divertidos. Também naquela época pratiquei judo no Largo do Intendente, em Lisboa, onde o suíço Antony Striker, em 1955, instalou um ginásio. O curioso é que esse ginásio que eu frequentava com o meu Irmão e os nossos primos Telles da Silva, também era frequentado pelo Comandante da TAP, Afonso Henriques Maia de Loureiro (que era também professor), e os seus filhos Afonso Henrique, Benjamim, João Pedro e Hugo que, para além de ficarem meus amigos (também frequentavam o Liceu Pedro Nunes), eram Pai e Irmãos da Luísa, que veio a ser a minha segunda Mulher! A vida, num País pequeno, de facto é muito curiosa e talvez previsível. Um outro episódio de que me lembro bem foi o de, em 1955, ter ajudado à missa do casamento, na quinta dos meus Tios Lúcia e Armindo em Loures, da minha Prima e Madrinha Ana Maria (Manita) com o Bartolomeu (Batu) Perestrelo de Vasconcelos, neto de um dos sócios do nosso Avô Camilo na Jansen. Quem também ajudou à missa foi o João Lino de quem sempre fui amigo e que era primo do Batu. Para poder estar bem preparado “treinei” diariamente no Verão, em Cascais, ajudando à missa na Igreja Paroquial. Esta minha Prima Manita (que com o Luís, o Miguel e a Isabel eram nossos Primos direitos) tal como o Batu morreram muito novos, em 1977, deixando em toda a família muita saudade. 31

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Outros grandes momentos dessa época foram as aventuras vividas todos os fins-de-semana com os primos António e João Telles da Silva (Tarouca) que eram da nossa idade: o António da idade do meu Irmão e o João da minha. Éramos grandes, grandes amigos e viviam na Rua Almeida Brandão, a 200 metros da nossa casa da Rua Borges Carneiro, em casa dos avós, Maria Madalena (Bábá) Sottomayor e Eduardo Luís Pinto Basto, primo direito da minha Avó Vera. Com eles e outros que se juntavam a nós, como, por exemplo, os gémeos António e João Poppe, divertíamo-nos a jogar futebol e outros jogos. Nós os seis passámos uma semana memorável na nossa herdade no Couço (que ficou famoso pelas grandes ocupações revolucionárias – tal como nos aconteceu – anos depois com a Revolução de 1974), no Alentejo. Teríamos 12-14 anos e a minha Mãe deixou-nos lá e só voltou uma semana depois para nos buscar. Cozinhávamos e abríamos latas de salsichas e sardinhas para comer. Todas as manhãs, muito cedo, íamos pescar achigãs nas barragens, matando-os com pauladas quando vinham à superfície junto às margens. À noite ouvíamos os discos da moda como o “Only You” dos Platters. Eram de facto outros tempos, em que era possível deixar seis miúdos sozinhos com uns caseiros já velhotes num monte alentejano sem telefone! Uma nota triste: destes seis amigos só estão vivos o meu primo e amigo António e eu e ainda hoje, passados 60 anos, uma vez ou outra falamos, com saudade, destes dias passados na herdade do Montinho. No ano seguinte voltámos lá para mais uma semana com os dois irmãos Tarouca, o Manuel Salgado e o Manuel (Fu) de Castro.

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Capítulo 4 Outras recordações que tenho da época do Liceu referem-se aos campeonatos de carica (cápsulas de cerveja) que treinava em casa e aos jogos de Andebol onde cheguei a jogar na equipa do Liceu. Um dos nossos ídolos quando frequentávamos os primeiros anos de jogos era o João de Sousa Macedo, Conde de Estarreja, mais velho do que eu cinco ou seis anos e que era um grande jogador de quem vim a ser amigo. Todos estes, salvo os já desaparecidos, acredito que tenham boas recordações destes tempos e ainda hoje, passados 60 anos, encontro-me regularmente com muitos deles. Refiro aqui estes porque são os amigos de infância mas falarei de outros mais adiante. Saliento a amizade e idolatria que sempre tive pelos meus Primos direitos Infante de la Cerda Sttau Monteiro, o Luís, o Miguel, a Ana Maria (Manita) e a Isabel. O Miguel veio a ser uma das pessoas mais importantes da minha vida e quase um irmão mais velho. Disto falarei mais adiante. Aos 14 anos e para cumprir a promessa da passagem do 5.º ano, o Manuel Ponte, o Nuno Ulrich, o Manuel Salgado e eu fomos, em pleno Verão, a pé a Fátima. 33

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Através da minha Mãe, muito amiga da família Palha, combinamos passar a noite na Quinta das Areias a alguns quilómetros de Vila Franca de Xira, saindo, depois de almoçarmos em casa dos meus Avós Ribeiro da Cunha, com o meu Pai que nos levou até ao aeroporto de onde partimos. A minha Mãe tinha recomendado que ao chegarmos falássemos a todas as “tias” que lá estivessem. E assim fizemos: ao chegarmos, mandaram-nos entrar para uma sala grande onde estavam umas oito Senhoras a costurar, e mal as vimos beijámos as mãos a todas, deixando atónitas as “tias”, já que algumas delas eram as empregadas da casa! Na segunda noite dormimos na Quinta dos Gaios, na terceira em Pernes e, finalmente, num convento já em Fátima. No dia seguinte, o meu Pai foi-nos buscar e a caminho de Lisboa levou-nos a almoçar à Nazaré, onde comemos hors d’oeuvre que ainda hoje recordo. Uma outra aventura desse tempo: com 15 anos numa das férias grandes fui passar um mês a Montpellier, França, com o Manuel Salgado. Partimos à boleia do aeroporto, onde o meu Pai nos deixou e com uma pequena mochila e apenas dois lençóis cozidos um no outro a fazer de sacos-cama, fizemo-nos à estrada, dormindo em tendas de desconhecidos que encontrávamos no caminho e, muitas vezes, ao ar livre. Mesmo sem telemóveis e sem GPS lá encontramos, passados dias, Montpellier onde ficamos três semanas a trabalhar num campo de férias, construindo um campo polidesportivo com talvez 40 outros estudantes de várias nacionalidades. Os que mais produziam eram os Alemães (!), e o Manuel e eu, por trabalharmos pouco, fomos afastados destes trabalhos e passámos a ser os Jardineiros do complexo desportivo onde estávamos, que para além de bons dormitórios tinha campos de futebol, pistas de atletismo e piscinas que faziam as nossas delícias. Foi um mês fantástico 34

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e regressámos a Cascais de comboio. Ao contrário dos tempos de hoje, era possível os pais não se preocuparem demasiado com duas crianças sem darem notícias durante um mês! Também realço aquelas que eram as minhas melhores férias e que eram os dias passados a caçar no Vale Feitoso, grande herdade perto de Penha Garcia que pertencia à família dos meus grandes amigos Manuel, Petica, Diogo e Chico Ferrão de Castelo Branco (Ponte). As idas para Vale Feitoso eram sempre memoráveis. Na noite da chegada, ao jantar era servido frango do campo corado, o gosto deste prato ficou para sempre entranhado na minha memória e era melhor do que o melhor prato de um restaurante com estrelas Michelin, os quartos aquecidos por lareiras eram ocupados por dois de nós, e não se falava do perigo de intoxicação pelo fumo, os cobertores eram de papa, o que fazia o sono pesado e retemperador, e o pequeno-almoço do dia seguinte era fabuloso, com pão e queques caseiros feitos pela empregada Ti Isabel, com queijo e leite de cabra. Foi lá que, aos 12 anos, comecei a caçar matando um coelho perto de casa com uma Verney Caron de calibre 12 que “herdei” do meu avô Camilo que era um grande caçador. Deste Avô também “herdei” duas espingardas automáticas de cinco tiros que usava na caça aos patos bravos e aos pombos. Anos mais tarde, e já com dinheiro meu, comprei um par de espingardas de canos sobrepostos da marca FN, com as quais aprimorei os meus dotes de tiro. A partir desse momento fiquei viciado na caça e todos os anos em Outubro lá íamos fazer a “abertura” às perdizes, em memoráveis caçadas de salto em que, para além dos irmãos Ponte, participavam muitas vezes o Ricardo e o Tó Salgado, o Zé Correia de Barros, o Eduardo Mendia, o Manuel Festas, os irmãos Luís e António (Nini) Ricciardi e alguns outros mais esporadicamente. Durante a “época” até ao fim de 35

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Dezembro voltávamos lá várias vezes. Também no Verão a 15 de Agosto nunca faltávamos à “abertura” das rolas e na Páscoa íamos também lá caçar os milhafres com ajuda de negaças com mochos (bufos) embalsamados. Na Páscoa iam também meninas amigas da Petica, como a Mary Salgado, a Mariazinha Anahory e a Missanga, e o meu Pai e os “tios” João Salgado e Mimon Anahory. Foi numa dessas idas que conheci a Lucrécia Sarabia, uma argentina amiga da Petica muito gira que mais tarde veio a ser uma das maiores amigas da Luz (que viria a ser a minha primeira Mulher) e namorada do meu amigo Rodrigo Castro Pereira. Foi sempre muito divertido e essas memórias acompanharam-me toda a vida tendo ficado sempre grande amigo de todos os que ali conviviam. Os Pais do Manuel Ponte os “tios” Alvarinho e Manani (Maria Augusta) foram quase uns segundos Pais para mim. Algumas das histórias que lá vivi ficaram gravadas na memória de todos e cito uma delas: uma tarde a caçar de salto junto a uns eucaliptos e já com sete perdizes mortas à cintura, atirei a outra que se levantou longe e caiu ferida de asa começando logo a correr. Como caçávamos sem cães comecei a correr para apanhar a perdiz ferida e ao perceber que não conseguia correr com o peso das perdizes tirei o cinto e deixei-as no chão e fui, com a espingarda, procurar a perdiz ferida que acabei por encontrar uns 60 metros à frente, no meio do mato. Entretanto a “linha” tinha parado à minha espera mas ao voltar para trás para apanhar as restantes não conseguia localizar o local onde tinha deixado o cinto e gritei a frase memorável: “Perdi sete!”. Esta frase é-me referida muitas vezes ainda hoje por aqueles que assistiram. Numa outra caçada, o Manuel eu, acompanhados de mais oito caçadores profissionais, fomos caçar à Serra da Monrracha (ou Murracha)

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perto de Penha Garcia, que tinha estado fechada à caça durante anos e que tinha aberto nesse ano. Fomos em linha e logo verificamos que havia muitas perdizes mas também muito mato, o que tornava o tiro difícil. Logo ao princípio da manhã avistamos dois javalis – o que nesses anos era uma raridade – e uma ou duas raposas. Estava em dia inspirado e a atirar bem, e o resultado via-se, pois na hora do almoço já tinha morto oito perdizes. Logo a seguir ao almoço, combinámos que além de continuarmos a caçar de salto nalguns matos maiores faríamos um cerco e alguns de nós (entre os quais o Manuel e eu) ficariam fora do mato enquanto outros bateriam. Numa dessas improvisadas “portas” matei duas raposas e três perdizes, o que foi um feito. Logo a seguir, numa outra “porta” em mato semelhante, matei outra raposa e ao continuar de salto mais três perdizes. No fim do dia, numa caçada de salto memorável, tinha morto 14 perdizes e três raposas, o que era raríssimo acontecer. O mais extraordinário é que, logo que matei as raposas, os caçadores que nos acompanhavam – como nem eu nem o Manuel o sabíamos fazer – tiraram a pele às raposas, deixando para trás as carcaças. E carreguei com as três peles ensanguentadas e nauseabundas atadas à cintura durante a tarde, o que não me custou dada a euforia que sentia por tamanho feito! Apenas mais um comentário: naquela época as estradas eram menos boas e as viagens eram sempre épicas e muito demoradas, já que Penha Garcia era na fronteira com Espanha. Entretanto, a minha Mãe decidiu fazer um prédio de seis andares, onde, na Rua Borges Carneiro estava a casa que tinha sido dos meus Avós e onde vivíamos. Convidou para Arquitecto o António Lino, pai de muitos amigos (tinha 16 filhos) especialmente o Luís, o João, o António, a Rosário, o 37

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Nuno e a Conceição. A construção foi feita pelo “tio” Zé Galveias e levou cerca de dois anos a concluir. Nesse tempo – dos últimos anos do Liceu – fomos viver num pequeno andar alugado na Rua de S. Bernardo que era muito perto da obra e do Liceu. Os andares ficaram muito bons e nós ficamos a viver num duplex nos dois últimos andares sendo os restantes alugados. O desgosto que tivemos com a demolição da casa foi “compensado” pelo óptimo andar que passámos a ter. Este andar, que é hoje do Luís Champallimaud, era estupendo, com áreas enormes, duas salas muito grandes, casa de jantar, e quartos para a minha Mãe, para o António, para mim e outro para hóspedes e ainda dois quartos para empregadas, quarto de costura, copa e cozinha. Tinha também um “bar”, uma pequena divisão com um balcão e estantes com bebidas, onde especialmente o meu Irmão recebia e divertia-se com os seus grandes amigos, dos quais relembro: os irmãos Saldanha (Rio Maior), filhos do meu Professor de Mineralogia no Instituto Superior Técnico, João Mário, José Pedro e Licas (infelizmente os dois últimos falecidos muito novos) e tios do meu actual amigo Pedro Alvim, o António Lavradio, o João Boneville Franco, o António Beja, o Joaquim Pedro Monteiro, os gémeos Luís e Zé Roquette e muitos outros que ali se tornaram também meus grandes amigos. Em 1960 fiz 16 anos e como tinha juntado, dos presentes de anos, Natal e passagem de anos lectivos, o dinheiro suficiente (5.900 escudos) para comprar uma bicicleta a motor, com licença da minha Mãe fui à Rua Jacinta Marto (Arroios) comprar uma Sinal Pachancho (produzidas na Anadia). Como ainda não sabia guiar, o vendedor seguia na mota o carro onde eu ia a olhar para trás até à Rua Borges Carneiro. Estava a chover e em frente da residência de Salazar, e portanto já mesmo a 38

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chegar a casa, a mota derrapou e caiu ficando muito amolgada. Foi uma sensação de enorme desilusão, já que tive de esperar uma semana para me entregarem outra O Ricardo Salgado comprou também uma bicicleta a motor igual à minha e muitos fins-de-semana íamos na carrinha Volkswagen (tipo pão de forma) para Cascais com os nossos “bólides”, fazer corridas na pista da Parada.

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