MAMBOS DA BANDA
Volume II
Mário Moniz Preview
FICHA TÉCNICA
título: Mambos da Banda – Volume II
autor: Mário Moniz
edição: Edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro)
revisão: Patrícia Espinha, Bel Neto
ilustrações: Raimundo da Costa Gaspar (Edmundo)
grafismo de capa: Ângela Espinha
paginação: Alda Teixeira
1.ª Edição
Lisboa, dezembro 2023
isbn: 978-989-8986-78-8
depósito legal: 522951/23
© Mário Moniz
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Esta é uma obra de ficção, pelo que, nomes, personagens, lugares ou situações constantes no seu conteúdo são ficcionados pelo seu/sua autor/a e qualquer eventual semelhança com, ou alusão a pessoas reais, vivas ou mortas, designações comerciais ou outras, bem como acontecimentos ou situações reais serão mera coincidência.
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Antes de insultar o jacaré, atravessa primeiro o rio.
Provérbio angolano
Todas as manhã em África, a gazela acorda. Ela sabe que precisa de correr mais rápido do que o mais rápido dos leões para sobreviver. Todas as manhãs, um leão acorda em África. Ele sabe que precisa de correr mais rápido do que a mais lenta das gazelas, se não morre de fome. Não importa se você é um leão ou uma gazela. Quando o sol nascer, comece a correr para sobreviver.
Anónimo
Quando a sua árvore começar a dar frutos, prepare-se também para as pedras. Porque pessoas só atiram pedras às árvores que estão a dar frutos, por isso, meus kambas, quanto mais frutos a vossa árvore der, mais serão as pedras que vão lhe vão atirar. Há razões pelas quais o facto de a árvore do vizinho dar frutos é um incómodo para o outro.
Adaptação das palavras de Gustavo Aschar
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus pela vida.
Gostaria de agradecer a Bel Neto pela correção e por ter dado a ideia de colocar as ilustrações antes de cada história e o Pedro Bélgio pelo prefácio.
Ao Raimundo da Costa Gaspar (Edmundo) por ter feito as ilustrações.
Ao Reverendo Agostinho Cipriano por ter ajudado na tradução dos termos da língua em Kimbundo.
Um agradecimento muito especial à minha equipa de trabalho: Euclid Moniz Gonçalves, Natália Coutinho Gonçalves, Pedro Bélgio, Bel Neto, Gonçalves Moniz Domingos, Edivaldo Balsa, Carolina Gonçalves, Pedro (Mariquinha), Arieth da Costa, Luzia Silvestre, Marisa Elias (TiTi), Ana Miguel Simão (Baixinha), Abel Guto.
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PREFÁCIO
Mambos da Banda II
Este livro foi escrito de forma a prender a atenção de todos os leitores e pesquisadores. Mário Moniz apanhou-nos de surpresa ao dar continuidade a esta série de contos, com a subtil forma de escrita onde o tradicional e o moderno se cruzam num abraço perfeito.
Em Tambi há um ralhete geral para aqueles que só voltam para apoiar nos óbitos, pois enquanto estamos vivos é que precisamos da verdadeira ajuda, porque aqui vizinho é família. Ele volta a chamar o mais velho Uanhenga Xitu, desde o texto “Bombó molhou” ao “Velha Rosa”. A técnica usada nas narrativas onde durante os diálogos surge o bilinguismo é recorrente e mostra que a passagem de testemunho foi feita de forma exímia.
Um detalhado relatório de denúncias, um manual de instruções para a boa convivência em Luanda, um referencial físico e prático para filantropia e bússola para a solidariedade comunitária. Aqui, Mário Moniz partiu o mealheiro da boa convivência social e deixou em cada porta uma moeda mágica, para que não se repitam os erros do passado. Logo no primeiro conto, vemos o que há de normal em Luanda no quesito desabafo, o que seria uma consulta ao tera-
MAMBOS DA BANDA
peuta de casais é transformada numa conversa informal, levando o paciente a revelar-se de todas as formas possíveis e fazendo com que receba a ajuda de que realmente precisa. Há, neste livro, uma gritante denúncia à fuga à paternidade e uma pedra basilar é aqui colocada correctamente numa chamada de atenção à desagregação das famílias; também a questão da mulher viúva ou separada é aqui incluída na preocupação com o futuro das crianças.
Mário Moniz coloca-nos em xeque ao obrigar o leitor a reflectir sobre a injustiça dos novos casais, em que o homem se nega a cuidar de crianças da mulher que já vem com filhos de outra relação. Os perigos nas estradas de Luanda são chamados e expostos aqui, desde as pedonais retiradas da Via Expressa ao pula-pula da Robaldina em Viana, onde morrem dezenas de pessoas na busca de água potável.
Boa viagem. Deixe-se perder na leitura e no final do livro volte para contar o que encontrou. Mário Moniz tem por mérito e competência as chaves do mundo literário, recebe aqui liberdade para continuar e a proibição de parar.
Pedro Bélgio
(poeta e dramaturgo)
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O bombó molhou
“A ruína de uma nação começa na casa do seu povo . ”
Provérbio africano
Bom dia, meus kambas. Estou de volta. Mas, como já sabem, não estou aqui para vos contar sobre as conversas que agora falam nos táxis e nos autocarros, “dos disse e não disse”, “dos que estão a bazar por que os mambos aqui na banda não estão a pipocar”, “que agora não seremos mais 18”, e outros mambos mais daqui da banda... Estou mbora aqui para vos contar a história do motoqueiro “Bombó molhou”.
Era sábado de manhã, após eu bumbar bwé toda semana, decidi ir comer uns peixes cacussos na zona do Panguila. E mesmo sendo sábado para apanhar o táxi para a Vila de Cacuaco, chichilei bwé na paragem, mas como queria mesmo comer o meu peixe cacusso, não desisti e consegui chegar até ao meu destino. Enquanto ainda estava na paragem, apareceu na minha cabeça a lição “A Comuna”, que falava da Ana e do Viti, que viviam em Cacuaco. Antigamente, para pronunciar a palavra “Cacuaco” me custava bwé, mas hoje já consigo. Era uma lição daquele livro da reforma dos reformados, tipo eu, que já não estuda mais. Após aquela lembrança, apanhei o táxi para o Panguila. Chegando à paragem para ir até à zona onde Preview
vendem o peixe, tive de apanhar um motoqueiro que fazia serviço de táxi. Minutos depois, o motoqueiro disse-me:
Desculpa lá pelo incómodo, mó kota, posso lhe fazer uma pergunta e pode me dar também algumas ideias?
Está bem. Pergunta!
O kota tem mboa?
Sim, tenho. Vivo com a minha garina no kubico.
Então, assim é mais fácil o kota entender toda a maka que está a acontecer no meu kubico. Olha, mó kota, eu também vivo com a minha mboa no kubico. Antes eu vivia com uma garina, não deu certo. Nos separámos e cada um foi para a sua vida, tivemos apenas um monami. Depois da separação eu é que fiquei com o kandengue. Estás a entender a historia, mó kota?
Sim, meu irmão, estou a entender. Pode continuar.
A mboa que está a viver comigo também já teve um barão, e da relação com aquele ex dela tiveram também um monami. Continuas a entender a história, mó kota?
Sim, meu irmão, estou a entender. Pode continuar.
Então... eu e ela nos unimos com os monami que cada um trouxe da ex- relação. A minha mboa trabalha na casa de alguém como doméstica e joga kixiquila com a colega dela de serviço. Disse-me que estava a juntar dinheiro para comprar uma batedeira para fazer bolo. Estás a entender mesmo a história, mó kota?
Sim, estou a entender. Pode continuar.
Há uns dias atrás, eu apanhei um paludismo, e como sou motoqueiro, fiquei uns dias sem bumbar e o dinheiro todo acabou na medicação. Então falei com a minha mboa, para me emprestar um pouco do dinheiro que juntava para comprar a tal batedeira, mas ela não aceitou. Disse que já estava a guardar há um bom Preview
tempo. Eu ainda lhe disse: “estou doente” e mesmo mal diante dos olhos dela... não aceitou dar o dinheiro. Mesmo doente, bumbei com a minha moto, consegui o meu dinheiro e paguei o dinheiro que faltava.
Depois de uns dias, ela comprou a tal batedeira. Eu até quando vejo aquela batedeira fico bwé zangado, mó kota, quer dizer que a batedeira vale mais do que eu. Até gosto bwé mesmo dos bolos dela, mas já não estou a lhe olhar bem com os dois olhos, mó kota. Meu bombó mesmo já molhou. Estás a entender, mó kota?
Sim, estou a entender tudo.
Como dizem que “o esperto só almoça não janta”, e que “o feitiço volta contra o feiticeiro”, o filho dela que vive comigo ontem estava a sentir muita febre, ela pegou nele, levou-o ao hospital e lá no hospital deram a receita para comprar medicamentos. Ela veio me pedir o meu dinheiro para comprar os medicamentos, eu disse que “não vou dar o dinheiro”. Será que fiz mal, meu kota?
Meus kambas, esperem só um pouco. A esta hora da manhã, deixa-me só tomar um chá de caxinde com batata-doce. Daqui a pouco, vou ferver a minha mandioca para comer com ginguba fervida. Se bem que aqui agora na banda chamam de recarga. Mas estas também são histórias para outro dia.
Estou de volta, meus kambas. Continuando:
Diz lá, mó kota, será que fiz mal?
Olha, meu irmão, normalmente, quando nos é transmitido um problema, é bom saber ouvir os dois lados da história. Mas se for como o meu irmão me transmitiu a conversa, do meu ponto de vista, a tua mboa esteve mal. Porque quando nos unimos a alguém é para cuidarmos uns dos outros. E tu estavas doente, o mais correcto Preview
era ela tirar o dinheiro que estava a guardar para comprar os medicamentos que necessitavas. Agora, quanto ao filho dela que está doente, o mais correcto era dares o dinheiro para o medicamento, porque a partir do momento que vive contigo também é teu filho e está sob a tua responsabilidade, independemente do problema que você e a mãe dele têm. Afinal, de acordo com aquilo que nos foi ensinado, “pai é aquele que cria” e neste momento aquele também é teu filho, meu irmão. E como diz um provérbio africano: “A ruína de uma nação começa na casa do seu povo” . Cuida da tua família fazendo sempre o que é melhor para ela.
Pensando dessa forma, o kota mesmo tem razão. O bolo dela mesmo cuia bwé! Ela tem mãos de fada. Mas quando lembro que me trocaram pela batedeira, meu bombó ficou mesmo bwé molhado.
Mas me diga algo: o kota para ir no Panguila comer peixe, é preciso se aprumar assim!?
Se quê?
Se aprumar é vestir à pipi ou se engravatar com esse fato, kota. Ainda mais aqui que aquece bwé. Xé, mó kota, tens muita coragem!
Ya, meu irmão, eu gosto muito de vestir assim. Mesmo quando era mais novo, gostava bwé de vestir fato e gravata ao ir comprar kibeu aí na padaria Kaxikane, ia de fato e gravata.
Eh, meu kota. Esses nomes de kibeu e Kaxikane, significa o quê?
Olha, meu irmão, no meu tempo chamávamos pão de kibeu ou breda. E havia uma padaria muito famosa, era o pão da Kaxikane, você comia um pão daquele, podias ficar mesmo todo dia sem comer. E cuiava bwé, meu irmão. Você podia estar bwé ua zebele comia só um pão daqueles ficavas bwé nice. Preview
Mesmo na minha casa, mó kota, faziam pão também e íamos comprar a farinha de trigo no mercado do Asa Branca, uma que na embalagem vinha o desenho de uma águia... e tínhamos até forno! Mas agora nem sei porquê é que nas casas já ninguém faz mais pão, meu kota!
Agora aqui os tempos são outros, muitos desses termos, nós já não utilizamos. Agora estamos a utilizar “vou tirar um banzelo”, “está no limão”, “tirar o pé das botas” ou “sai dessa”, “vou se mimar “, “bungle bung” e outros termos...
Mas outro dia, quando o kota vir comer mais peixe aqui no Panguila, vamos falar desses termos. E também, talvez vamos trazer na conversa alguns dos nossos kotas que estudaram bwé, para nos esclarecerem por que nas nossas casas que antigamente faziam pão, já não fazem mais. Mas voltando então no assunto lá do meu kubico, eu então tinha bwé de love por esta mboa, eu até, como estava lhe amar bwé, escrevi uns mambos para ela. Eu até queria lhe mostrar o que escrevi, mas não lhe mostrei. Olha, meu kota, escrevi assim este mambo para ela:
Com Você
Durante estes últimos tempos, A minha vida tem sentido, Sei para onde ir, E onde vou chegar.
Com Você, A minha vida tem sido uma alegria.
Com Você, A paciência tornou-se a minha melhor amiga.
Com Você, Tenho voado no círculo do amor.
Com Você, O tempo parece que passa depressa.
Com Você, Não tenho medo de tropeçar, Porque me vais levantar.
Acho que aprendi com o meu velho. Porque ele, naquele tempo bwé antigo, como não lhe víamos muito, escreveu um quadro que está na casa da minha velha, assim: Preview
Com Você, Consigo as estrelas do céu contar
E me entregar nas profundezas do amor.
Com Você, Somos apenas Um.
Xé, meu irmão. Escreveste isto mesmo para ela, e não vais lhe mostrar!? Deixa já o teu bombó secar e mostra à tua mboa o que escreveste para ela, quando chegares em casa.
Eu vou pensar se lhe mostro ou não, meu kota.Talvez se eu mostrar, vai querer ainda me apanhar mais a pata.
E quem te ensinou a escrever assim, meu irmão?
Poema para o meu filho
Por essa Angola que eu amo, filho
Encontro-me distante de ti
A Pátria aos seus filhos não implora, ordena!
Por isso, encontro-me aqui na fronteira do Massabi
Mas é por essa Angola que amo
Onde os mosquitos
O sol e a chuva
Mas é por essa Angola que eu amo . Preview
Tornaram-se os nossos amigos
Mas é por essa Angola que eu amo
Gostaria de todos os dias levar-te à escola
E ver-te jogar à bola
Mas por essa Angola que eu amo, aqui estou
Espero que um dia possas entender
O porquê de não passar o Natal
E o Ano Novo em casa
Mas é por essa Angola que eu amo
Na defesa da minha pátria
Chamada Angola
Um abraço do teu velho
Nunca me esqueci de ti, meu filho
Eh! Meu irmão, quando me lembro desses tempos, quase que fico a lagrimar.
Deixa-me só ir se mimar com meu peixe, depois outro dia vamos falar disso. Senão vou ficar aqui a chorar contigo, e como dizem os nossos ventos: “um homem nunca chora, por mais forte que seja a dor”.
Ya, meu kota, eu também vou já em casa comprar os medicamentos para o kandengue no kubico.
Okay, meu irmão, vemo-nos por aí.
Ya, meu kota, está fixe. Estou contigo e não te largo. E muito obrigado pelo conselho.Ya, não estragou nada, mó kota.
Meus kambas, vocês então que leram a história, qualquer coisa que ouvirem parecida com isso é pura coincidência.
Eu mbora é que criei da minha cabeça. E não se esqueçam de virar a página para lerem a história do tambi…
Mungueno!
Chaleno Kyambote!
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