MWENENI, o Testemunho Geracional

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M W E N E N I

O TESTEMUNHO GERACIONAL

MACEAMUNO
CONTOS

MWENENI O TESTEMUNHO GERACIONAL CONTOS

MACEAMUNO
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FICHA TÉCNICA

título: MWENENI, o testemunho geracional

autor: Maceamuno

edição: edições Vírgula ® (Chancela do Sítio do Livro)

revisão: Susana Malagueiro

arranjo de capa: Ângela Espinha

paginação: Alda Teixeira

1.ª Edição

Lisboa, julho 2023

isbn: 978-989-8986-73-3

depósito legal: 515757/23

© Maceamuno

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Esta é uma obra de ficção, pelo que, nomes, personagens, lugares ou situações constantes no seu conteúdo são ficcionados pelo seu/sua autor/a e qualquer eventual semelhança com, ou alusão a pessoas reais, vivas ou mortas, designações comerciais ou outras, bem como acontecimentos ou situações reais serão mera coincidência. publicação e

(+351) 211 932 500

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ÍNDICE Dedicando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Agradecendo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 (Um) Cabala a) Cap . I, A árvore da vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 b) Cap . II, Khayia, a boneca de farrapos . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 c) Cap . III, O pânico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 d) Cap . IV, A quarentena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 (Dois) A lenda da travessia a) Cap . I, Mucumbia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 b) Cap . II, A tormenta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 c) Cap . III, A cabana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 d) Cap . IV, A soneca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 e) Cap . V, Na casa grande . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 (Três) O-mwene a) Cap . I, Wazoe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 b) Cap . II, 1962 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 c) Cap . III, A coroação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 d) Cap . IV, Rata-blá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 Preview
(Quatro) Nlugha a) Cap . I, Na margem do rio Mulodhe . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 b) Cap . II, Ambalani . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 c) Cap III, A Circuncisão 93 d) Cap . IV, Lodrigui . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 e) Cap . V, Armirinda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 f) Cap . VI, Biguihar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 (Cinco) Hora H a) Cap . I, Mafende . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 b) Cap . II, O Boletim de Nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 c) Cap . III, Zezinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 d) Cap IV, A Escola do Vuruka 129 Depoimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 Preview

aos meus netos, todos eles, estejam onde estiverem, em cada uma destas narrativas reluzem marcas da nossa identidade sócio-histórica e cultural, há tatuadas indelevelmente marcas biográficas e vivenciais de quem quer que seja o moçambicano, sendo que qualquer semelhança é pura coincidência;

às famílias moçambicanas, em especial aquelas que ainda sonham com sonhos do tempo em que eram crianças .

Viajem, então, comigo para aquele recanto inesquecível de um passado antigo que não está assim tão distante, contudo, melhor na boleia do MWENENI . O

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DEDICANDO Dedico
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AGRADECENDO

Obrigado a todos aqueles que me honraram com a leitura destes textos à medida que os ia escrevendo, em especial à Antónia, minha mulher, minha eterna musa .

Obrigado à minha mãe e ao meu pai (tenham o eterno e merecido descanso) pelos ensinamentos, carinho e amor que deles recebi .

Obrigado, ó meu Deus misericordioso, que mantendes vivas algumas memórias do meu passado colectivo, um testemunho . Oxalá, um legado!

Obrigado!

O Autor

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A vida é uma escada curta ou longa que seja enquanto mais um degrau houver mais escalada também há-de haver com certeza!

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VIDA
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1 MaceaMuno, Versos dispersos.
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(Um) Cabala Preview

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CAPÍTULO I

A árvore da vida

Não se sabe qual foi a sorte da pobre toutinegra…

Cabala era apenas um adolescente muito alegre e cheio de mimos dos seus parentes e querido pelos seus amigos . Quando esses amigos quisessem caçoar dele, chamavam-lhe muzugu a mukhokholani (branco do mato), devido à clareza da sua pele e ao ténue colorido dos seus cabelos meio ruivos .

Apesar disso, era Cabala que reunia outras crianças, liderava as mais absurdas travessuras mas também as mais incríveis acções de respeito e obediência aos mais velhos .

Os anciãos costumavam dizer: «esta criança não vai dar trabalho ao seu moolé (padrinho nos ritos de iniciação) .»

Cabala vivia ora com os seus pais, na aldeia de Gubia, ora com os seus avós, no regulado de Mugumela . Diga-se de passagem, se dependesse dele, ficaria definitivamente em Mugumela, junto dos seus avós…

Para os pais, Cabala era simplesmente o bebé . Bebé para aqui, bebé para acolá . «Não faz isso, Bebé, traz aquilo, Bebé…» Todo o momento, todos os instantes, enquanto não

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se escapulia para as brincadeiras com outras crianças da redondeza .

A avó Mulugalodha e o avô Amudhaga carinhosamente chamavam-lhe mweneni (principezinho). Era: «Mweneni, toma lá! Mweneni, como estás!» Mweneni para aqui, Mweneni para acolá . Todas as atenções e honrarias .

Certa vez, Cabala e os amigos habituais estavam a tomar banho no rio Ligonha . Era frequente, os vários grupos de adolescentes daquela aldeia irem tomar banho naquele local do rio . Era área de banho reservada para rapazes tal como havia local só para raparigas . Tomar banho daquele modo chamava-se muhlookho (mergulho) ou okhubuwa (mergulhar) .

O primeiro grupo de rapazes que estava lá a banhar-se resolveu ir-se embora . Ao retirar-se, um dos rapazes exclamou: Ei páh, deixei minha fisga aqui no meu bolso. Já não está!

Foi um total alvoroço, pois teimava em dizer que a fisga dele estava ali onde estava a sua roupa: Estes que chegaram agora são larápios, juro, alma d’avó .

Tens certeza, Mootha, que tinhas a fisga aí no teu bolso? — Perguntou aquele que pareceu o líder do grupo dele .

Tenho certeza, Mwaangula . Estes que acabaram de chegar sabem alguma coisa . Temos de lhes fazer vistoria .

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Os dois grupos concordaram em fazer revistas nas coisas de todos os elementos . O grupo do Cabala interrompeu o banho e foi submeter-se ao referido procedimento .

A vasculha feita, localizou a fisga nas coisas do pequeno Wahala, um inofensivo adolescente do grupo de Cabala .

Todos, excepto o acusador, estavam certos de que havia alguma coisa errada . Wahala não era capaz de tal acto . Mas o incidente manchava a reputação de Cabala que decidiu esclarecer o imbróglio de qualquer jeito .

Depois de uma rápida reflexão, Cabala falou: Amigos, eu sei como descobrirmos quem colocou a fisga nas coisas de Wahala, pois acreditamos todos que ele é incapaz disso e por isso é inocente .

Havia ali perto uma grande árvore chamada Mwadhi (árvore da verdade). Todos sabiam que aquela árvore era usada como um infalível oráculo . Com ela faziam-se vários truques para encontrar a verdade . Todos sabiam disto .

Cabala ordenou que se dirigissem para a árvore . Estando todos junto da árvore, ele, muito compenetrado e pausadamente, explicou:

Estamos diante do grande Mwadhi, a árvore da verdade . Todos nós aqui presentes, vamos esbofetear esta árvore, cada um por sua vez. Aquele que colocou a fisga do Mootha nas coisas do Wahala, há-de ter a mão e o braço inchados, a ponto de os perder para sempre .

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Muitos ficaram chocados com a medida recomendada por Cabala, estremeceram de medo e, finalmente, acharam-na necessária de acordo com as circunstâncias . A ninguém havia ocorrido aquela solução extrema . De seguida, Cabala ordenou:

Tu, Mootha, que és quem acusa, serás o primeiro, e Wahala, o acusado, será o último, mas todos nós havemos de fazer o mesmo .

Os elementos do grupo de Cabala ovacionaram aquela decisão, enquanto do lado de Mootha, ouviu-se um silêncio ensurdecedor . Cabala, sem dar tempo a nenhuma contestação, prosseguiu:

Atenção! Eu vou formular a intenção, após o que Mootha baterá na árvore, mesmo que levemente:

Em voz alta e repleta de atitude e convicção, Cabala disse: Oh, g rande Mwadhi, tu és a árvore da verdade . Incha sem piedade a mão e o braço do infeliz que colocou esta fisga nas coisas do Wahala. Assim que o desgraçado tocar em ti, oh grande Mwadhi, enche de dor a mão e o braço do culpado e deixa-os apodrecerem devagar . Não importa que seja o próprio Mootha ou o acusado Wahala. Não haja piedade, oh, grande Mwadhi.

Cabala fez uma estudada pausa e concluiu o pedido dizendo:

Que a verdade seja revelada como a luz dissipa as trevas . Tenho dito .

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Os presentes estavam sensibilizados, e Cabala ordenou, então:

Mootha, vai bater na árvore, já! !…

Todos os olhares circundaram o espaço em redor como se fosse uma câmara de filmar e, ao mesmo tempo, poisaram demoradamente ali onde devia estar o Mootha . O Mootha, o acusador, não se viu em parte alguma . Todos deram conta de que ele havia simplesmente sumido, aproveitando o momento em que estavam concentrados no acto . …

Cabala estava em casa dos avós . Preferia desfrutar das mordomias reservadas para o neto do único filho varão a ouvir as broncas dos seus pais que o queriam transformar em rapagão cordeirinho e trabalhador, embora teimassem em chamar-lhe bebé .

Em casa dos pais, ele acompanhava-os à lavoura sempre . Lá cuidava da sua irmã mais nova, Malavi, enquanto a mãe amanhava a terra com aquela enxada de cabo curto e lâmina gasta que parecia dentadura de um cuacuana (velhote), e o pai derrubava as árvores, removia os arbustos e outros obstáculos . Quando a nené, a irmãzinha Malavi, resolvesse chorar, era chegada a vez de ele pegar na enxada da mãe . Para instigá-lo a pegar na enxada, a mãe dizia: «Homem não fica molenga. Pega na enxada e capina, meu homem…» E, para consigo

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mesmo, ele questionava-se se, afinal de contas, ele era um bebé ou um homem .

Por este e por vários outros motivos, Cabala preferia permanecer com os avós a ser tratado por bebé ou por homem, conforme fosse conveniente . Aqui ele tinha todo o dia para brincar, nadar e pescar no rio Ligonha na companhia dos seus amiguinhos. Caçava ratazanas, fisgava passarinhos e era chamado somente mweneni, com todas as regalias que o título impunha .

Cabala sentia-se como se estivesse a frequentar duas escolas diferentes, com dois mestres distintos e dois programas de ensino igualmente desiguais .

Pois, é! Não é que aqui ele se sentia mesmo um principezinho?!

Mweneni!…

Avó!

Mweneni!…

Avô!

Às vezes, não carecia responder, bastava simplesmente fazer-se presente . Sim, ele gostava desta escola, deste mestre e destes conteúdos programáticos .

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CAPÍTULO II

Kahyia, a boneca de farrapos

Uma das vezes, Cabala estava debaixo das frondosas mangueiras atrás da palhota grande dos seus avós . Chana, sua grande amiga desde a criancice, juntara-se a ele, como habitualmente acontecia quando ele não estava com os seus amigos da pândega .

Chana e Cabala estavam a brincar de pai e mãe de uma boneca muito engraçada . Era uma bonequinha feita de farrapos e folhas secas de bananeira costuradas com cordas de sisal . Isto de brincar de pai e mãe constituía o número preferido nas brincadeiras inocentes entre ambos .

Aquela boneca não crescia, não .

Algumas vezes aparecia mais linda . Era quando ganhava nova roupagem . Outras vezes, meio andrajosa, e nestas ocasiões parecia mais velha e menos linda .

Naquele dia, a bonequinha Khayia, que era como lhe chamavam, estava especialmente formosa . E, como que a representar, Chana, a mãe dela, perguntou:

Khayia, o teu pai acabou de regressar do Jhoueni (Joanesburgo, referência às minas da África do Sul), não é?

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Sim, mamãe — respondeu por ela Cabala, o pai da Khayia, imitando a voz de uma garotinha franzina .

E ele prendou-te com este lindo vestido?

Sim! Sim, mãe! Ele chegou esta noite e trouxe para mim mais vestidos lindos e um pente para arrumar os meus cabelos .

Realmente, Khayia e a mãe, Chana, estavam especialmente esplendorosas . Khayia parecia mais feliz e brincalhona, e Chana, mais radiante, cuja graciosidade se reflectia na sua pele tímida mas atrevida e provocante . Por sua vez, Cabala representava perfeitamente o pai amoroso, acabado de regressar das minas da África do Sul . Estava particularmente elegante nos seus calções da cor que já tinha sido preta e camisola às riscas amarelas desbotadas mas limpa .

Cabala não resistiu mais e, resolutamente, fez a pergunta que não queria calar .

Queres casar comigo, Chana?

A pergunta veio como se ela tivesse sido devidamente memorizada durante muito tempo com o receio de que viesse a ser esquecida sem querer .

Como? Se já és o pai de Khayia, Cabala! — replicou Chana sem pensar muito, com aquele sorriso acabrunhado que denunciava uma inocência em decadência…

Sim!… Não! Quer dizer, casar de verdade — gaguejando, Cabala tentou explicar-se como se estivesse em prova oral . Preview

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Embalando nos braços a sua filhinha, perdida nos seus pensamentos ilegíveis, Chana abriu um longo e enigmático sorriso como se estivesse à espera deste pedido desde que se conheceu como gente . Por longos instantes, ninguém disse mais nada .

Cabala, Chana e Khayia, cada um a seu modo, pareciam mergulhados nos seus inconfessáveis pensamentos .

O TESTEMUNHO GERACIONAL 23 !…
MWENENI,
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