O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?

Page 1



ie w

Manuel do Nascimento

Pr ev

O 9 DE ABRIL DE 1918 FOI UM DESASTRE?

O CEP NA FLANDRES FRANCESA DE 1917-1918

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 3

30/01/21 18:33


ew

FICHA TÉCNICA título: O 9 de Abril de 1918 foi um desastre? autor: Manuel do Nascimento edição: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro) revisão: Liliana Simões capa: Ângela Espinha paginação: Alda Teixeira

vi

Lisboa, março 2021 isbn: 978-989-9028-17-3 depósito legal: 479378/21 © Manuel do Nascimento

Pr e

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei. Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao(s) seu(s) autor(es), a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, textual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total. Assim mesmo, quaisquer afirmações, declarações, conjeturas, relatos, eventuais inexatidões, conotações, interpretações, associações ou implicações constantes ou inerentes àquele conteúdo ou dele decorrentes são da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).

publicação e comercialização:

www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 4

15/02/21 13:49


ie w

Do mesmo autor:

Pr ev

• Chronologie Commentée de Napoléon 1769-1821, Paris 2020. • Por Uma Vida Melhor – Memória de Vivências, Lisboa 2020. • Les oubliés de la guerre des Flandres – Les soldats portugais dans la bataille de la Lys (9 avril 1918), Paris, 2018. • Nem Tudo Acontece por Acaso, Colibri, Lisboa, 2017 • Histoire du Portugal – Une chronologie, (versão francesa, 621 páginas), Paris, 2016. • Première Guerre mondial (centenaire 1914-2014): Les por-tugais des tranchèes et la main d’œuvre portugaise à la demande de l’État français, (versão francesa), Paris, 2014. • História de Portugal – Uma cronologia, (versão portuguesa – 3 volumes, 1850 páginas), Lisboa, 2013. • D. Afonso Henriques – Assim Nasceu Portugal, (versão portuguesa), Leiria, 2012. • Troisième Invasion Napoléonienne – Bicentenaire 1810-2010, (versão francesa), Paris, 2010. • Revolução dos Cravos em Portugal – Cronologia de Um Combate Pacífico, (versão bilingue Português/Francês), Paris, 2008. • A Batalha de La Lys – 9 de Abril de 1918 (versão bilingue Português/Francês), Paris, 2008. • Em Luta Contra o Estado salazarista, Norton de Matos – Uma Certa Ideia de Portugal, (versão bilingue Português/Francês), Paris, 2007. • Cronologia da História de Portugal, (versão bilingue Português/Francês), Paris, 2001.

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 5

30/01/21 18:33


ie w

Pr ev O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 6

30/01/21 18:33


ÍNDICE

9

ie w

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

17

1914 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

35

1915 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

39

1916 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

41

1917 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

53

1918 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

65

Manhã do dia 9 de abril – Situação das forças portuguesas . . . . . . . . . .

76

Operação Georgette de 9 de abril de 1918 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

77

Setor de Ferme du Bois. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

77

Setor de Neuve Chapelle. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

78

Setor de Fauquissart . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

79

Reserva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

79

Reduto de La Couture . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

83

Depois do reduto de La Couture . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

93

A cidade de Lille . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

95

Prisioneiros de guerra no dia 9 de abril de 1918 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

97

Pr ev

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Caminho para a paz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 11 de Novembro de 1918 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 Vagão-restaurante na floresta de Compiègne. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Prisioneiros de guerra (Liberdade). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 Quadros de baixas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 Os jornaes de Lisboa publicam este telegramma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 7

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 7

30/01/21 18:33


Manuel do Nascimento

O 9 DE ABRIL DE 1918 FOI UM DESASTRE? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

TESTEMUNHOS DOS QUE FIZERAM A GUERRRA NA FLANDRES FRANCESA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

ie w

Imprensa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 O mito de La Lys nos anos da Ditadura Militar e nos anos iniciais

do Estado Novo salazarista até à Segunda Guerra. . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 Rotunda da Memória (Anneau de la Mémoire) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165

Lugares de memória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 1924 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171

Boulogne-Sur-Mer (44 soldados do CEP) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 Paris (Avenida dos Portugueses) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

Pr ev

Portugal e a Flandres francesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185

Liga dos Combatentes da Grande Guerra (LCGG) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189 Imagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191 Outros lugares em memória ao 9 de Abril . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213 Casamentos Franco-Portugueses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215 A Declaração de Guerra da Alemanha a Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219 Cidades, vilas e aldeias francesas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225 Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233

8

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 8

30/01/21 18:33


ie w

PREFÁCIO PARA UMA LEITURA POSITIVA DA HISTÓRIA

Quando falamos da História de Portugal, falamos de um conjunto de acontecimentos que, ao longo dos tempos e de vivência das suas gen-

tes, marcaram, pela dureza ou mesmo pela tranquilidade, as fases mais significativas da sua vida, como povo livre, independente ou subjugado.

A participação de Portugal na Grande Guerra é um desses acontecimentos parcelares que entrou e marcou a História de Portugal, pela sua

Pr ev

dureza e consequências, tal como o conflito marcou a História Mundial.

A evocação do centenário da Grande Guerra proporcionou pesquisa

e investigação histórica que, por sua vez, deu origem à publicação de importantes obras que ajudam a melhor compreender aquele período, não só da História de Portugal, como da própria Europa. Sem dúvida que as atividades desenvolvidas, quer a nível político,

cultural e militar, durante a evocação do centenário, contribuíram em especial, para conhecer melhor a História de um período que foi esquecido pelo regime político que se lhe seguiu e igualmente ajudaram a conhecer-nos melhor a nós próprios.

Muito se conferenciou, investigou, escreveu e comentou, como

nunca, a Grande Guerra. Quantas vezes dando relevo a um sentido negativista dos acontecimentos. Menos vezes, dando relevo ao sentido positivo da História.

9

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 9

30/01/21 18:33


Manuel do Nascimento

A obra em apreço, de Manuel do Nascimento, é um desses documentos que procura mostrar, com base em factos, o lado positivo do comportamento militar, e não de um desastre ou tragédia militar, mas de uma situação real, resultante de uma derrota militar tática, em que uma unidade militar de nível Divisão, com falta de meios humanos e materiais, esteve diretamente envolvida na principal batalha, quando

ie w

integrada e sob comando do Exército inglês. Mais concretamente, na

Batalha de La Lys, no dia 9 de Abril de 1918, contribuindo para uma vitória estratégica final.

É importante, pois, sublinhar o que se confirma na leitura desta obra.

Quem sofreu a rotura da frente, foi o Exército inglês, quando se encontravam, lado a lado, sob as suas ordens, duas divisões inglesas e uma divisão portuguesa.

Sempre defendemos com a nossa leitura positiva e realista da Histó-

Pr ev

ria que, face ao holocausto que foi a Grande Guerra, não só em termos políticos, sociais e mesmo militares, Portugal, com um Corpo Expedicionário a duas divisões, acaba por ver a 2.ª Divisão sacrificada, esten-

dida, defendendo a anterior frente do CEP pela retirada, dias antes, da 1.ª Divisão, precisamente face a uma ofensiva de oito divisões inimigas, no seu setor (quatro na frente e quatro em reserva imediata), com apoio de poderosa artilharia. O livro descreve como decorreram esses acontecimentos.

Mas quando um Exército decide fazer uma ofensiva, é porque no

seu estudo da situação – análise do terreno, do clima e das condições meteorológicas, das possibilidades do inimigo – concluiu ter a seu favor um potencial relativo de combate que lhe garante, em seu entender, a rotura da frente, sejam quais forem as forças que lhe façam oposição. Caso contrário não deve iniciar o ataque. E, no momento, todas as condições do campo de batalha estavam a favor do atacante. 10

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 10

30/01/21 18:33


O 9 de Abril de 1918 foi um Desastre?

Lógico, pois, em termos militares, que neste acontecimento, o comportamento das duas divisões inglesas, a 40.ª a Norte e a 55.ª a sul do setor português, fosse semelhante ao da 2.ª Divisão Portuguesa. E foi. Resistiram o possível face às circunstâncias, nomeadamente face à brutal diferença de potencial relativo de combate, retardaram o possível, a maior parte das vezes até ao último cartucho, quer das forças de

ie w

infantaria, quer das batarias de artilharia. E retiraram os que puderam, o que é militarmente compreensível, aceitável e recomendável, em tais circunstâncias.

O inimigo, retardado, só veio a ser parado, mais à retaguarda, após

reforços e manobras que a isso conduziram, quando o mesmo perdera o ímpeto do ataque, naturalmente face ao desgaste da rotura da frente. E não conseguiria atingir os objetivos a que se propusera.

De facto, é difícil encontrar algo de positivo num fenómeno que

Pr ev

exige os meios mais violentos e mais sofisticados à disposição de cada

um dos opositores para conduzir à situação de obrigar o outro a perder a vontade de combater e aceitar a derrota.

Não deveremos, pois, enveredar por fáceis análises críticas nega-

tivas dos que se bateram com denodo em circunstâncias dramáticas e, como bem é demonstrado no livro em apreço, foram elogiados pelos comandos das forças aliadas e pelos comandos do próprio inimigo. Não obstante, em termos portugueses, por vezes, mesmo ao mais

alto nível político, ouvimos comparações de La Lys a Alcácer Quibir, quando, nem em termos de consequências políticas, nem militares, essa comparação tem qualquer lógica. Ao fazê-lo, acentua-se, dessa forma, a leitura negativa da História.

Em La Lys, não perdemos a independência, antes pelo contrário, garantimos as nossas colónias. Em La Lys, não perdemos o Exército.

11

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 11

30/01/21 18:33


Manuel do Nascimento

Em La Lys, sentiu-se, sim, a anarquia política da retaguarda e o abandono dos que, longe, se batiam na frente ou eram feitos prisioneiros. Sem recompletamento de pessoal, sem apoio materiais logísticos, sem reforços vindos da área da retaguarda. Se houve desastre ou tragédia, tal aconteceu, não resultante de uma derrota militar tática das nossas forças, a qual contribuiu para uma vitó-

ie w

ria estratégica das forças aliadas e nos permitiu desfilar com as mesmas em Lille e Paris, mas sim resultante da constante instabilidade e convulsão política da área de retaguarda, em Lisboa.

Aliás, a referência a Alcácer Quibir advém da leitura do livro de

Jaime Cortesão, médico do CEP, que no dia 9 de abril refere que um ferido grave, ao aguardar a sua intervenção médica, lhe desabafa refe-

rindo que «isto é pior que Alcácer Quibir». Esta frase é mais tarde atribuída a Jaime Cortesão e chega aos nossos dias!…

Pr ev

Não obstante o divisionismo político, quanto à nossa intervenção na

guerra, não deixámos de avançar para África logo em 1914, na defesa das colónias, e em 1916, na defesa dos interesses portugueses, para a França.

Portugal, com pouco mais de 1 milhão de habitantes, mobilizou-se.

Portugal ainda em convulsão política, com quatro anos de um novo regime político ainda inseguro; umas Forças Armadas a implementarem a Lei de 1911, que definia uma profunda reorganização, após a

queda da Monarquia, decidiu bater-se.

O primeiro grupo de milhares de jovens, mobilizados, sai, em 1914,

do Portugal profundo, a maior parte sem nunca ter saído do seu berço natal, a maior parte analfabetos, atravessam o Atlântico e são confrontados com grandes espaços, gentes diversas, um clima tropical e insalubre, sem os apoios logísticos e de saúde necessários e confrontam-se com dois inimigos: as dificuldades da geografia humana com ambiente 12

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 12

30/01/21 18:33


O 9 de Abril de 1918 foi um Desastre?

hostil e o próprio inimigo. E é o primeiro que lhes causa mais problemas e mais baixas. No final da guerra, mantêm-se as fronteiras do Norte de Moçambique e do Sul da Guiné, as quais por nós defendidas durante a Guerra do Ultramar, e que são hoje as fronteiras de dois países independentes. O segundo grupo de milhares de jovens sai mais tarde, em 1916,

ie w

igualmente vindos do Portugal profundo, sem dele nunca terem saído,

a maior parte iletrados, rumam a norte, pelo mesmo oceano Atlântico, desembarcam num país onde se fala francês, são integrados num exér-

cito onde se fala o inglês, e se têm a desdita de serem feitos prisioneiros, é a língua alemã que se lhe depara. Dificuldades acrescidas da geografia humana à dificuldade natural de uma primeira guerra mundial.

Portugal sentiu depois a morte de muitos dos seus soldados. Portugal sentiu que muitos dos seus filhos foram traumatizados, gasea-

Pr ev

dos ou mutilados e ficaram doentes, física, mental e socialmente. Mas, mesmo assim, a fraca receção proporcionada no seu regresso deixou-os desiludidos.

Marcas profundas que ficaram na sociedade portuguesa. Em contrapartida, não erramos se afirmarmos, com a experiência

que resulta de ter participado noutro tipo de guerra, menos intensa, mas mais prolongada, que os que se bateram e regressaram, se sentiram na generalidade, mais Homens e mais Fortes, o mesmo acontecendo a muitos dos que tiveram a infelicidade de sofrer danos, na difícil travessia do calvário por que passaram e, para alguns, com reflexos durante toda a

vida. A travessia do Inferno deu-lhes alma e a certeza de ultrapassarem outras dificuldades da vida e determinação para lutarem pelos apoios a que se sentiam com direito. Não é, pois, de admirar que após um século surjam obras como a de Manuel do Nascimento, na linha de outras a todos os níveis, homena13

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 13

30/01/21 18:33


Manuel do Nascimento

geando e sublinhando os feitos de muitos soldados anónimos, em termos nacionais, mas bem conhecidos em termos do Portugal profundo, fazendo parte da sua História local e, por sua vez, sendo parte da História comum, da qual são testemunho cem monumentos em sua homenagem, espalhados pelo país. Esta obra, em que o autor apresenta uma fidedigna, idónea e dife-

ie w

renciada quantidade de fontes, com a preocupação bem expressa de,

para além dos acontecimentos, apresentar a análise positiva por parte de Grandes Chefes, do que foi a presença das nossas forças militares na

Grande Guerra, tem como consequência juntar-se a uma Grande Obra

de Conservação das Memórias que resultou da evocação do Centenário da Grande Guerra, quer em termos políticos, quer culturais, quer militares.

Uma referência, pois, muito especial à presença do Presidente da

Pr ev

República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e do Presidente de

França, Emmanuel Macron, nas cerimónias no Arco do Triunfo em Paris e em Richebourg, evocando o 9 de Abril.

Em termos militares, é assinalável a extraordinária e imponente

parada militar realizada em 11 de Novembro – Dia do Armistício – na Avenida da Liberdade, em Lisboa, e presidida pelo Presidente da República, com organização do Estado-Maior General das Forças Armadas e da Liga dos Combatentes.

Este, o reconhecimento, um século depois, da bravura, da coragem,

do sacrifício, do cumprimento do dever em condições extremamente adversas, que o povo português e seus governantes e chefes militares demonstraram em todas as atividades desenvolvidas para assinalar este momento da História recente de Portugal. Respondo à pergunta de Manuel do Nascimento com que intitula o seu livro O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?, dizendo NÃO, tal com 14

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 14

30/01/21 18:33


O 9 de Abril de 1918 foi um Desastre?

respondi à RTP, em pleno cemitério de Richebourg, no dia da evocação do centenário da batalha. O dia 9 de Abril de 1918, o dia mais marcante da participação portuguesa na Grande Guerra, não foi um desastre, nem uma tragédia, foi um episódio dramático de um drama, como dramas são todas e quaisquer guerras.

ie w

Foi tão marcante para os combatentes que a Liga dos Combatentes, nascida como consequência dessa Grande Guerra, não mais deixou de

anualmente evocar o 9 de Abril, como o Dia do Combatente. Essa efeméride, e por proposta da Liga dos Combatentes, acaba de ser reconhe-

cida como tal, no Estatuto do Combatente aprovado pela Assembleia da República, em 2020.

O dia da Batalha de La Lys, dia 9 de Abril, tornou-se assim, com todo o mérito, o Dia de Todos os Combatentes por Portugal.

Pr ev

Esta é mais uma verdadeira leitura positiva da participação portu-

guesa na História da Grande Guerra, sabendo nós que ao longo da nossa História e das vitórias e as derrotas que a integram, muitos portugueses, heróis e mártires, caíram, mas em todos eles nos revemos, no Dia do Combatente, a 9 de Abril de cada ano.

Felicito o Manuel Nascimento por mais esta sua obra e pela aná-

lise positiva, independente e factual, com que nos apresenta os acontecimentos.

Lisboa, 28 de novembro de 2020

GENERAL JOAQUIM CHITO RODRIGUES

Presidente da Liga dos Combatentes

15

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 15

30/01/21 18:33


ie w

Pr ev O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 16

30/01/21 18:33


INTRODUÇÃO

ie w

Mais de 100 anos após a Primeira Grande Guerra Mundial, sabe-se que o ataque alemão no dia 9 de Abril de 1918, no setor de La Lys, não

foi um ataque contra Portugal, nem contra os portugueses, mas uma

estratégia militar das forças alemãs, cujo intuito era o de cruzarem a ribeira Loisne, o canal Aire pelo Sul e o rio Lys na zona mais a Norte. O general alemão Ludendorff1 necessitava de um acesso desimpedido até Calais e Boulogne-sur-Mer, e esta operação abria-lhes esse caminho.

Pr ev

O objetivo das forças alemãs era empurrar as forças inglesas, obri-

gando-as a recuar até ao porto de Boulogne-sur-Mer, e abandonar território francês.

Ao apoderarem-se das localidades de Dunkerque, Calais e Boulog-

ne-sur-Mer, tinham como finalidade encurtarem a sua frente. O setor português encontrava-se a cerca de 120 quilómetros, prati-

camente em linha reta, na direção do porto marítimo francês de Boulogne-sur-Mer, sendo este o caminho de melhor acesso, mais simples e mais célere para lá chegar. Contudo, a 9 de abril, as forças portuguesas do CEP2 permitiam aos alemães avançarem somente 8 quiló-

1

Erich Friedrich Wilhelm Ludendorff foi um general do exército imperial alemão, que ganhou destaque pela sua liderança durante a Primeira Guerra Mundial. 2 CEP – Corpo Expedicionário Português, a principal força militar portuguesa a participar na Primeira Guerra Mundial. 17

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 17

30/01/21 18:33


Manuel do Nascimento

metros. Demonstrando, deste modo, a resistência produzida pelo muro criado pelas tropas portuguesas, dando tempo suficiente aos ingleses para construírem a sua própria barreira defensiva, à retaguarda, e deste

Pr ev

ie w

modo retardar o avanço alemão.

Mapa do setor português, zona de Armentières até Boulogne-sur-Mer Composição do próprio autor, Manuel do Nascimento (MDN)

O general alemão Erich Ludendorff, desagradado com o resultado alcançado pelos seus soldados na Batalha de La Lys, acabaria posteriormente por mostrar a sua insatisfação com a publicação dos números dessa 18

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 18

30/01/21 18:34


O 9 de Abril de 1918 foi um Desastre?

batalha, nos mapas divulgados nos seus Souvenirs de Guerre3 1914-1918, publicados na Suécia, onde se encontrava exilado. Os jornais franceses e ingleses escreveram na altura: «Os soldados, no dia 9 de abril, fizeram tudo o que puderam.» Porém, os jornais portugueses escreveriam que: «O dia 9 de Abril foi um desastre!»

ie w

Em França, o primeiro-oficial a louvar os soldados do CEP foi o general inglês Sir Douglas Haig, que lhes chamou «leais, bons e intrépidos». Só após esse acontecimento é que os generais portugueses louvariam os seus soldados e a sua conduta nesse dia. A Batalha de La Lys não foi um «desastre»!

A Batalha de La Lys foi um marco decisivo para a vitória final dos aliados.

Depois de La Lys, o jornal francês Télégramme, sediado no Norte de

Pr ev

França, escrevia: «L’Histoire parlera un jour d’un bataillon portugais qui s’est battu jusqu’à la dernière cartouche…»4 Contudo, em Portugal, continuava-se a falar de um «desastre!». Nestas páginas relembro o que recordaram os soldados do CEP, dos

seus padecimentos nessa terra de ninguém, mas também da maneira carinhosa com que o povo francês os recebeu: «Les soldats aux yeux

noirs»5.

Ainda aqui, fixarei documentos e testemunhos, dispondo-os de

forma cronológica, para facilitar uma melhor leitura e compreensão dos factos.

3

Memórias de Guerra. «A história contará um dia acerca do batalhão português que lutou até ao seu último cartucho.» 5 «Os soldados dos olhos negros.» 4

19

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 19

30/01/21 18:33


Manuel do Nascimento

Espero que o leitor releve as falhas e inexatidões involuntárias que decerto me terão escapado, não obstante o cuidado feito na busca da verdade histórica, sem cunho pessoal, mantendo a minha total

Pr ev

ie w

imparcialidade.

20

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 20

30/01/21 18:33


ie w

1 Em 1914, Portugal era um país com pouco mais de 6 milhões de

habitantes. Mais de 100 000 combatentes foram mobilizados para as colónias portuguesas e para a frente europeia.

Ainda hoje, não se sabe ao certo as razões da participação de Portugal no conflito de 1914-1918, na frente europeia.

No entanto e sem o afirmar explicitamente, Portugal desejava des-

Pr ev

vincular-se de uma Aliança que o afogava, para entrar numa que o libertaria.

Para um cidadão português entender o que se delineava na época,

tem de conseguir situar todo o passado de relações entre Portugal e a Inglaterra.

A Aliança Luso-Inglesa, assinada a 13 de junho de 1373, é a mais

antiga Aliança diplomática do mundo ainda em vigor. Tendo sido instituída pelo Tratado Anglo-Português, durante a Idade Média. A ajuda inglesa à Casa de Avis6 foi o primeiro patamar de um con-

junto de ações de cooperação entre Portugal e a Inglaterra. A 9 de maio de 1386, os representantes de D. João I, rei de Portugal,

e de Ricardo II, rei de Inglaterra, deram por concluídas as negociações entre as duas coroas com a assinatura do Tratado de Windsor.

6

Segunda dinastia a reinar em Portugal. 21

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 21

30/01/21 18:33


Manuel do Nascimento

Com o Tratado de Windsor renovavam-se os termos do tratado inicial de 1373, de amizade perpétua e mútua assistência entre os dois reinos. Nas suas treze cláusulas constavam obrigações de colaboração, auxílio militar na eventualidade de um ataque, apoio diplomático e

ie w

ainda uma declaração de livre circulação de pessoas e bens entre os territórios das duas coroas.

Inglaterra prestou auxílio a Portugal na Batalha de Aljubarrota, em

1385. Do lado inglês, existia um enorme interesse em apoiar o rei português D. João I, na medida em que o duque de Lencastre era pretendente ao trono de Castela.

Em 1386, e com a ajuda de Portugal, Inglaterra enviava um exército à Corunha para reclamar a coroa de Castela, reivindicação essa que

Pr ev

fracassaria. Para cimentar a Aliança, em 1387, o duque de Lencastre casava a sua filha Filipa de Lencastre com D. João I.

Inglaterra lutaria ao lado de Portugal durante as invasões napoleóni-

cas, de 1807 a 1811.

O Ultimato britânico chegaria a 11 de janeiro de 1890, na forma de

um «memorando», que exigia a Portugal a retirada das forças militares do território compreendido entre as colónias de Moçambique e Angola, atuais Zimbabué, Zâmbia e Malawi. Na Conferência de Berlim7, que decorreu entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885, Portugal reclamava, no famoso Mapa Cor-de-Rosa, a soberania sobre os territórios entre as colónias de Angola e Moçambique.

7

Também conhecida como Conferência da África Ocidental ou Conferência do Congo. Divisão territorial de África pelos países europeus. 22

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 22

30/01/21 18:33


O 9 de Abril de 1918 foi um Desastre?

Em 1891, a aceitação de D. Carlos I, rei de Portugal, às exigências inglesas, foi vista como uma humilhação nacional pelos republicanos portugueses, e considerado pelos historiadores e políticos da época a ação mais escandalosa e infame de Inglaterra contra um dos seus mais antigos aliados.

ie w

Desde 1911, as negociações sobre a divisão das colónias portuguesas do Ultramar entre alemães e ingleses, ainda que informal, continuava a bom ritmo. Nos anos de 1912, 1913 e 1914, teriam existido conversações, acordos secretos entre estes dois países sobre uma partilha efetiva

Pr ev

de Angola e Moçambique.

23

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 23

30/01/21 18:33


Manuel do Nascimento

«As negociações anglo-alemãs para partilha das colónias portuguesas só teriam sido conhecidas depois do fim da guerra 1914-1918, após a publicação dos documentos oficiais alemães, franceses e ingleses.»

ie w

Durante o século XX, a Aliança Luso-Inglesa voltaria a ser invocada por diversas vezes. As tropas portuguesas participariam na campanha de França, na Primeira Grande Guerra Mundial8, após a Inglaterra apelar ao arresto de todos os navios alemães atracados em portos portu-

gueses. Motivo que viria a ser determinante na declaração de guerra da Alemanha a Portugal, no dia 9 de março de 1916.

Durante a Segunda Grande Guerra Mundial e apesar da neutralidade portuguesa, a Aliança voltaria a ser invocada para o estabelecimento de

Pr ev

bases militares nos Açores.

Em 1961, durante a ocupação da Índia Portuguesa, Goa, Damão e

Diu, pela União Indiana, a Inglaterra limitar-se-ia a mediar o conflito,

o que terá levado Salazar a considerar que a Aliança Luso-Inglesa atravessava uma insanável crise.

Durante a Guerra das Malvinas, em 1982, as bases militares nos

Açores eram uma vez mais colocadas à disposição da Marinha Real Britânica.

8

A Primeira Guerra Mundial começou a 28 de julho 1914 e durou até 11 de novembro de 1918. 24

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 24

30/01/21 18:33


ie w

2 Nunca é tarde demais para falar do alento dos soldados portugueses do CEP, que combateram e morreram na Flandres francesa. Nessa terra de ninguém!

Já muito foi dito e escrito, na maioria das vezes injustamente, por estadistas portugueses a quem só interessa o proveito político, e que

nesse sentido se limitam a relembrar ao país «a tragédia que foi o dia 9

Pr ev

de Abril de 1918». Esquecendo-se que nesta altura, o povo português era maioritariamente analfabeto.

A enorme taxa de analfabetismo, em 1911, rondava os 4 500 000

indivíduos que não sabiam ler nem escrever, o que perfazia 75,1% da população total. No caso das mulheres o número era esmagador com 2 500 000, o que perfazia 81,2% da população feminina. A 12 de julho de 1918, os serviços da instrução primária passam

a ser administrados pelo Estado com a aprovação do Decreto-Lei n.º 4594, que põe fim à descentralização do ensino primário. Através do Decreto-Lei n.º 5787-A, de 10 de maio 1919, era refor-

çada a ideia de que o ensino primário «habilitava o homem para a luta da vida e formava a consciência do cidadão», durante os seus três graus: Infantil, Primário Geral e Primário Superior. O ensino primário geral era obrigatório para todas as crianças de ambos os sexos, dos sete aos doze anos de idade. 25

O 9 de Abril de 1918 foi um desastre?.indd 25

30/01/21 18:33


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.