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José António Pereira da Silva
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CORONAVÍRUS
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(Drama em 3 Actos)
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Peça de Teatro
título: CORONAVÍRUS
– Drama em 3 Actos António Pereira da Silva edição: Edições Pártenon ® (Chancela Sítio do Livro) Gráfica Comercial de Loulé Rico Sequeira arranjo de capa: Ângela Espinha paginação:
1.ª edição Lisboa, setembro 2020 isbn:
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ilustração da capa:
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autor: José
978‑989‑8845‑35‑1 469970/20
depósito legal:
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© José António PereirA dA silvA
Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei. Esta é uma obra de ficção, pelo que, nomes, personagens, lugares ou situações constantes no seu conteúdo são ficcionados pelo seu/sua autor/a e qualquer eventual semelhança com, ou alusão a pessoas reais, vivas ou mortas, designações comerciais ou outras, bem como acontecimentos ou situações reais serão mera coincidência.
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Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao(s) seu(s) autor(es), a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, textual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total.
publicação:
www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500
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Agradecimentos: Ao meu Querido Amigo, Rico Sequeira, pela belíssima capa que concebeu para este livro. À Edite e ao Manuel Veloso Gomes pelas revisões que fizeram das provas deste livro. Ao meu amigo, Miguel Corrêa Santos, da Gráfica Comercial de Loulé, pela dedicação que pôs na composição e paginação deste livro.
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Notas do Autor: Esta peça foi escrita durante a Páscoa de 2020, na “Vila Toscana”, num português não adulterado pelo chamado “novo acordo ortográfico”, ao qual o Autor não aderiu.
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Contactos com o Autor: Se pretender contactar com o Autor para comentar a peça, poderá fazê-lo para o seguinte e-mail:japs1@sapo.pt. O Autor não deixará de lhe responder, agradecendo-lhe a sua atenção.
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Outras obras do Autor: “A Roda da Esquina” - Romance editado em Março de 2007; “Jerónimo e Camila” - Romance reeditado em 2018; “Trilogia do Desencontro” - Colectânea - Peça de Teatro, “ O Grilo e Eu” e Contos, editada em 2018; “A Súcia” - Romance reeditado em Setembro de 2020. No Prelo: “Contos e Narrativas” - Colectânea de Contos.
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Para os profissionais de Saúde, que, abnegadamente e correndo risco de vida, lutam contra o vírus pela nossa saúde.
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ACTO I Cena 1
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Cenário: Sala de jantar do “Monte do Chaparro”, onde decorre o almoço das “Bodas de Ouro” de Ana e Manuel Chaparro, no dia 1 de
Abril de 2020. Ouve-se o tilintar de garfos nos copos e vozes que,
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repetidamente, pedem:
Discurso... Discurso... Discurso... Discurso...
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Avô
Primeiro, o Doutor. Só depois dele é que os analfabetos podem botar faladura. Por isso, passo a palavra ao nosso Querido Amigo e Convidado, Dr. Manuel Castelão.
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O Dr. Manuel Castelão, depois de pousar o guardanapo ao lado do prato, levanta-se e, voltando-se para a neta mais nova dos anfitriões, diz:
Dr. Manuel Castelão
As minhas primeiras palavras vou dirigi-las aqui, para esta jovem e Querida Amiga. És a Laura, não és? 9
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Laura Sim, Senhor Doutor Castelão, sou a Laura Chaparro Cotovia. É o meu nome completo. Chaparro, da minha Mãe e Cotovia, do meu Pai.
Dr. Manuel Castelão
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Ah muito bem! Informação completa e até sabes quem sou, pelos vistos!...
Laura
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Sim... é o melhor amigo dos meus Avós...
Dr. Manuel Castelão
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Ah, sim?!...
Laura
É o que eles dizem...
Dr. Manuel Castelão
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Fico muito contente e honrado em sabê-lo. E já agora: sabes o que eu faço?
Laura
Sei. É o Notário cá de Barranches.
Dr. Manuel Castelão
Era Notário e também Conservador do Registo Civil. E, já agora, sabes o que faz um Notário e um Conservador? 10
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Laura O Senhor Conservador regista-nos nos livros dele, quando nascemos, quando casamos e quando morremos...
Dr. Manuel Castelão
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Ena!... O que tu já sabes! Quem te ensinou?
Laura
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O meu Avô.
Dr. Manuel Castelão
E um Notário, o que faz?
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Laura
Isso não sei. Ele não me disse...
Dr. Manuel Castelão
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Então, vou contar-te uma linda história, que, se calhar, não conheces. Queres ouvir? É parte da história dos teus Avós.
Laura
Então, quero...
Dr. Manuel Castelão
Vamos lá, então, com a licença dos demais presentes. Prometo ser breve. Então, ouve: há cerca de cinquenta e um anos, eu fui colocado aqui em 11
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Barranches, poucos meses após me ter formado em Direito, para exercer as funções de Notário e de Conservador do Registo Civil. Os meus dois escritórios eram porta com porta, onde ainda hoje existem, na Praça da República. Trabalhava num, como Notário e noutro, como Conservador. Estávamos em finais de Setembro de 1969, quando os teus
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Avós me apareceram na Conservatória para marcarem o casamento deles. -“E quando querem casar?” - Perguntei-lhes e eles responderam-me que era no dia 1 de Abril do ano seguinte, que era o dia do aniversário de ambos. A
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tua Avó faria nesse dia, vinte e um anos e o teu Avô, vinte e cinco anos.
Laura
Mas esse é o “dia das mentiras!”...
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Dr. Manuel Castelão
Pois é e por isso, eu perguntei-lhes porque queriam marcar com tanta antecedência o casamento e a tua avó respondeu-me que não se poderia casar antes, porque só nesse dia 1 de Abril de 1970, atingiria a maioridade e só então podia casar sem o consentimento do seu tutor, que era contra o
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casamento dela com o teu Avô, porque corria na vila que ele era comunista.
Laura
E que tinha ser comunista?
Dr. Manuel Castelão
Era proibido por lei ser comunista. Quem o fosse, corria sérios riscos de ir parar à prisão ou ainda pior. De ser morto pela polícia política... 12
CORONAVÍRUS
Laura Mas ser comunista não é ser mau. Eu, na minha escola, tenho um coleguinha que diz que é comunista e eu sou muito amiga dele, que ele é um bom companheiro e brinca muito comigo.
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Dr. Manuel Castelão
É claro que os comunistas são como toda a gente. Há uns bons e outros maus e outros ainda, assim, assim...
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Mas pronto. O casamento foi logo marcado para o dia 1 de Abril de 1970 e eles casaram nesse dia, faz hoje cinquenta anos...
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Laura
E é por isso que estamos aqui a celebrar!...
Dr. Manuel Castelão
É claro! Comigo, também, que os casei e os teus Avós quiseram ter a
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gentileza de me convidar.
Laura
Fizeram bem.
Dr. Manuel Castelão
És uma linda menina, por dentro e por fora. Sais aos teus Avós, para além de seres parecida também com os teus Paizinhos. Que idade tens? 13
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Laura Nove e ando no quarto ano, na escola de Beja...
Dr. Manuel Castelão Sim Senhor. Mas eu vou contar-te ainda mais uma coisa: os teus Avós
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casaram de manhã e à tarde, depois de terem ido almoçar com os amigos, para celebrar, foram ao Cartório Notarial para constituir...para fazer a sociedade “Casa Chaparro, Lda” de que eles foram os únicos sócios
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fundadores e que também hoje faz cinquenta anos de existência.
Os teus Avós, no mesmo dia, fizeram duas sociedades. Uma, de pessoas, porque se casaram e outra de bens, porque passaram a ser sócios.
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Laura
Mas a nossa fábrica é tão grande!... Eles, com essa idade, tão novos, já tinham tanto dinheiro?!...
Dr. Manuel Castelão
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Não, minha Querida. O teu Avô foi guardador de porcos entre os dez e os dezanove anos, idade com que foi para a tropa. Tendo regressado da guerra, em 1969, com 24 anos, com o que poupou durante os nove anos em que foi pastor e com o que amealhou, enquanto soldado, quando saiu da tropa, tinha setenta contos de reis.
Laura E quanto é isso em Euros? 14
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Dr. Manuel Castelão Mais ou menos 350 Euros e foi com esse dinheiro que, no final do ano de 1969, comprou o “Montado do Riacho” com cerca de 5 hectares, por sessenta contos e dois “barrascos” e dez porcas para criação, por dez contos de reis.
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Em Abril de 1970, nas vésperas do casamento, já tinha uma “vara” de cinquenta porcos.
Laura
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Mas isso é uma “varinha”, não é uma vara!...
Dr. Manuel Castelão
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Pois era, mas, desde então e até agora, foi sempre a crescer. A família, a empresa e a admiração de todos, a começar pelos Barranchenos, pelos teus Avós e por toda a vossa família.
Laura
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Muito obrigada por me ter contado a história dos meus Avós, que eu não conhecia, porque eles não são vaidosos!...
Dr. Manuel Castelão
De nada, mas, agora, falando para a Ana e para o Manuel Chaparro, quero dizer-lhes que ter contado a vossa história à Laura, vossa neta mais nova, foi a homenagem que escolhi para vos prestar, porque se tratou de um testemunho, dado, por certo, pela pessoa que mais de perto tem 15
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acompanhado a vossa vida. E, divulgá-la aos mais novos, para além de um ensinamento e um estímulo, é apontar um exemplo de trabalho, de solidariedade e de criatividade a seguir. Se acreditasse em Deus, agradecer-lhe-ia o facto de vos ter dado vida. Bemhajam, Ana e Manuel, por tudo quanto têm feito em prol dos outros.
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Saúde e longa vida para vós, na companhia de todos nós.
Terminada a alocução do Dr. Manuel Castelão, levantou-se o Avô que,
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dirigindo-se a todos os que se encontravam à mesa, disse:
Avô
(Manuel Chaparro)
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Meu Querido Amigo, Dr. Manuel Castelão e minha Querida Família, aqui presente.
Neste dia de festa para a Ana e para mim, gostaria de ter reunidos à nossa volta, para além da família, os nossos melhores amigos. Lastimo a falta do meu genro, Ricardo Cotovia, que, por causa dessa malvada
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“Covid-19”, continua retido em Paris, longe da Mercês e da Laura e de todos nós, mas que, já hoje, teve a gentileza de nos telefonar para se associar à nossa celebração.
Mas, nestes tempos, que eu nunca imaginei poderem acontecer e muito menos, viver, nem mesmo depois de ter feito a guerra colonial no pior e mais sanguinário cenário, que foi o da Guiné, eu tenho de reconhecer que o maior acto de amor é não abraçarmos quem amamos, para não 16
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infectar essa pessoa, caso estejamos já “ferrados” pelo “Corona”. A par da alegria que hoje tenho, por vos ter à nossa volta, está também a minha dor por não vos poder abraçar e beijar. Para “descarregar” o meu afecto, de forma palpável, resta-me a minha Ana, porque, se um de nós estiver infectado, só nós resta infectar o outro. É que a nossa vida só faz
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sentido a dois.
Perceberá, por aquilo que acabo de dizer, Dr. Castelão, o quanto é importante para nós. O Senhor foi, de todos os nossos amigos, que,
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felizmente, são muitos, o único que convidámos para, na intimidade da nossa família, connosco celebrar as nossas “Bodas de Ouro”. É que
o Senhor, para além de ter estado na génese da nossa família, registou para a posteridade, nos seus livros, todos os nossos filhos, netos e todos
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os casamentos da família. A sua Conservatória é a “Torre do Tombo” da família “Chaparro” e o seu Cartório Notarial, o memorial da nossa empresa, que recentemente teve o seu último desenvolvimento, pela transformação que sofreu de sociedade por quotas em sociedade anónima, com o aumento do seu capital social, subscrito pelos nossos filhos, genros
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e netos, já de maioridade.
O Senhor está indelevelmente associado à nossa história e, por isso, não faria sentido celebrá-la sem a sua presença, que muito nos honra e que agradeço, penhoradamente.
A terminar, gostaria de fazer votos de que, para o ano, aqui nos possamos reunir, depois de termos sobrevivido a esta “peste”. Para que o consigamos, temos de estar vigilantes, atentos e disciplinados, sem nunca entrarmos em 17
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pânico e nunca esquecendo que, sendo o vírus um “mentiroso”, nós somos mais inteligentes que ele. À nossa e à vossa saúde.
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Tendo brindado, todos aplaudiram o Avô. Quando, já sentados para continuar a degustar o champagne, tocou o telemóvel do genro, António Bensaúde, este pediu licença para se levantar, a fim de o atender.
Avô
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O teu marido ainda regressa hoje a Beja?
Guadalupe
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Provavelmente, Pai. Parece que o hospital está a rebentar pelas costuras.
Avô
E não há quem o possa substituir, por doze ou vinte e quatro horas?
Pr
Guadalupe
Não sei, Pai. Mas acho isso muito improvável. Neste momento, entrou na sala António Bensaúde, que voltando- se para todos, informou:
António Bensaúde
Acabo de falar com o Presidente da Protecção Civil de Beja que me informou que o “Estado de Emergência” foi prorrogado por mais quinze 18
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dias e que foi ordenada a implantação de uma cerca sanitária ao nosso concelho. Há suspeitas da cadeia de transmissão ter origem nos trabalhadores do “Lar” que são espanhóis e que, diariamente, se deslocam da aldeia vizinha do Rosal para virem trabalhar no Lar. Querem isolar Barranches de Espanha e do resto do país...
Avô
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Mas porquê?
António Bensaúde
Não sei, sogro. A conversa foi muito rápida. Acho que nem ele conhece as
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razões.
Avô
Mas o povo tem o direito de conhecer as razões dessa medida tão drástica...
António Bensaúde
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Não digo que não. Logo que as conhecer, eu digo-lhe. Agora, acontece que, é com grande pena minha, que tenho de vos deixar, imediatamente, para ir para o Hospital de Beja, já que sou o único médico pneumologista do seu quadro clínico. Ainda hoje vos darei notícias.
Guadalupe
E onde vais ficar, depois do serviço? Voltas para aqui ou ficas em Beja, em nossa casa? 19
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António Bensaúde Minha Querida: como deves calcular, não sei a que horas sairei do hospital e até, se sairei dele ou quando dele poderei sair para descansar. Estarei em contacto contigo e não deixarei de te ir informando do que suceder.
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Guadalupe
Protege-te meu Querido. Lembra-te de mim e dos nossos filhos.
António Bensaúde
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Ter-vos-ei sempre comigo, mas, como médico, tenho de ir para a “linha da frente”. Fica...fiquem tranquilos...
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Avô
E sempre honrados pela sua abnegação e sentido de dever, meu caro genro.
António Bensaúde
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Não será caso para tanto, sogro.
Avô
Pode crer que é e que a sorte o proteja, que bem precisa dela. Até logo.
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Cena 2 Cenário: Sala de jantar do “Monte do Chaparro”, onde continua a decorrer o almoço das “Bodas de Ouro” de Ana e Manuel Chaparro.
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Cruzando-se com António Bensaúde, que abandona a sala de jantar, entra nela de forma desabrida e afogueado, o Presidente da Câmara.
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Presidente da Câmara
Peço imensa desculpa por interromper o vosso convívio familiar, mas a situação é dramática e eu não sei o que fazer...
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Avô
Mas que foi, homem?!... Você viu lobo?
Presidente da Câmara
Qual lobo, qual quê, senhor Manuel Chaparro!... Ao que eu acabo de assistir,
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foi à evacuação de trinta idosos do Lar da Santa Casa da Misericórdia, em ambulâncias do Exército para o hospital de Beja....
Avô
Mas que aconteceu?
Presidente da Câmara Infectados, senhor Manuel... infectados com o vírus, trinta utentes e cinco 21