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Nas Asas de uma Borboleta VirgĂlio Saraiva
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FICHA TÉCNICA edição: Edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro) título: Nas Asas de uma Borboleta autor: Virgílio Saraiva capa: Patrícia Andrade paginação: Alda Teixeira 1.ª Edição Lisboa, Fevereiro 2017 isbn: 978-989-8821-42-3 depósito legal: 420712/17 © Virgílio Saraiva
publicação e comercialização:
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A poesia é um embrião da existência, sem ela seria dificílimo entender a vida. (Virgílio Saraiva – 2016)
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A Rua Há uma rua onde desagua a virgem lua, doce e nua. Mas essa rua que mingua e se atenua não é tua. Olhas a rua… onde flutua o corpo que sua e a paixão se insinua. Ah… a rua! Que amua… mas se apazigua em subtileza crua. Esta minha rua onde a atenção recua numa forma seminua, quero que seja tua. Vem ver a rua que se acentua no sonho que atua pelo bailado da lua. Talvez da rua teu olhar usufrua da alma que jejua em nada que possua. É bela a rua e ainda continua sem que se dilua onde se situa!
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Emprestado Ouve, tu que pedes emprestado sem conheceres qual o préstimo do paraíso que te é anunciado e ficas alegre com o empréstimo. Ora se porventura é bancário, o dito empréstimo apelidado, radiante, hipotecaste o salário sem saber que foste enganado. Se não pagares no prazo, ao agiota, vais sofrer o peso bárbaro do juro num crescente sufoco batoteiro, Pois a arte do Banco é a batota, não te empresta, fica seguro, o seu negócio é vender dinheiro.
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Velho Corajoso Olhaste-me de olhar doce com um sorriso a rasgar as lágrimas escorregando sem pressa pela infantil face. Os pés cansados de andar ao descanso iam sonegando o prazer voraz do desengano que não te conseguia alimentar. Trazias fome na palma das mãos olhos benzidos de profunda dor lábios ávidos de silêncios órfãos corpo perdido para o amor. Um olhar cândido profundo a compasso de sofrimento que vil se tem agigantado e que atormenta este mundo. Num esgar perverso e lento calando o grito desesperado geme um corpo dilacerado sofrendo desumano tormento. Tombará, vencido, moribundo, perdendo os sonhos audaciosos durante o julgamento imundo entre sequazes monstruosos.
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Olhos tristes e persistentes abrindo veredas escarpadas em terra fecunda florida, vale de odores inexistentes, no rumo de viagens ignoradas, sem destinos em fim de vida. Alma sem significado, ferida, ilusões há muito abandonadas. Passaram por ti, indiferentes, anos de jovial, candura, como dói!... Tu, és o último dos sobreviventes, a preciosa dimensão de um herói.
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Explorador Ouve-me apenas um instante num sussurro sufocado que te soprarei ao ouvido. Eu sou deveras ignorante, desse tormento apregoado, de que o mundo está perdido. Se me ofereceres uma maneira de poder explicar o sucedido sem filosofias, muito direto, mostro na tua própria carteira como talvez tenhas enriquecido, a roubar, o que não está correto! Certamente o teu ego se consola, estimulado por infinita convicção que para fazeres bem a alguém bastará dares uma vistosa esmola e nunca mais ligares a ninguém. Quantas famílias deixaste sem pão? Quantas crianças sem um teto? Quanto trabalhador sem salário? Sabes, não te quero chamar ladrão! Pois além de poder ser incorreto, todos o sabem, não é necessário!
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E Mortal Olhar côncavo de saudades, arestas polidas de horizontes numa mão-cheia de adeuses como beijos a florir audazes embalados em berços fugazes. Sorriso doirado matinal, ao ritmo irregular e mortal de um sonho marginal, vadiando numa rua imoral perdido do tempo natural. Corpo desleixado encardido navegando-se no desconhecido sem bússola, nem sentido em mar de Adamastor perdido qual Desejado arrependido. Tateando aziaga a sorte ergue-se em honrado porte da fraqueza se fazendo forte e mesmo que nada o conforte desafia, temerário, a morte. Saboreia as lágrimas com prazer de um paladar doce de sofrer nessa amargura feliz de viver na eterna promessa de saber que um dia mortal se vai perder.
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Querer-se Corpo desprovido de agasalho, adocicado raio de sol singelo, nos olhos, gotículas de orvalho, nos lábios, sorriso triste e belo. Vai-se perdido perdendo na distância da existência de tão sofrido sofrendo sem sinais de clemência. É culpado de ter nascido, de existir por mero acaso mas do futuro merecido nunca a vida lhe deu azo. Tem-se por utopia feito de uma gente que é nada em cada sonho desfeito, de uma voz silenciada. Havia um sonho corajoso que realidade queria ser mas desfazia-se ansioso, vencido por esse querer.
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Fico-te Amanhã quando partires acena-me com carinho. Eu fico… fico-te a olhar. Amanhã quando falares fala-me com verdade Eu fico… fico-te a admirar. Amanhã quando sorrires sorri-me com sinceridade Eu fico… fico-te a respeitar. Amanhã quando beijares beija-me devagarinho Eu fico… fico-te a amar.
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Sensibilidades Há uma confusão humanitária nos conceitos e preconceitos. A sensação da irrealidade na estupidez de uma ciência da existência. Um grande alarido poético de convenções e reflexões. O indomável sentido do homem ser a raça da sua desgraça. O endeusamento atroz da matemática previsível e insensível. Um pedestal à química do amor… e o coração? e a paixão?
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Mãe Dá-me o teu carinho e consolo, Mãe! Deixa-me dormir no teu colo, Mãe! Porquê este infalível destino, Mãe? Porque deixei de ser menino, Mãe? Porque te destes a tantos trabalhos, Mãe? Porquê os teus cabelos grisalhos, Mãe? Deixa-me contar-te um segredo, Mãe! Ah, eu ainda tenho muito medo, Mãe! Tu que me aguavas o rosto de beijos, Mãe! Tu que adivinhavas meus desejos, Mãe! Tu que me alimentaste em teus seios, Mãe! Tu que conhecias todos meus receios, Mãe! Mãe… eu nem sei o que fazer, Mãe! Tenho tanto medo de te perder, Mãe!
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Marítima Paixão Estava o mar de acalmia e uma leve brisa moderada, a nívea espuma se desfazia na praia a ouro bordada. Narra-se pois nesta história De ouvir-se sereno lamuriar Que então ficara na memória Tratar-se de adocicado cantar. Mas uma onda cristalina veio cochichar pela areia, na sua voz doce e fina, a história de uma sereia. Uma concha a escutou, uma alga se pôs atenta, e até um búzio parou, e a maré ficou mais lenta. E as gaivotas, curiosas, vinham a pique escutar, e ouvindo, impiedosas, punham-se logo a gritar. E na sua viagem celestial o vento, distraído, levava a história com sabor a sal onde a sua força chegava.
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Dizia-se que a sereia cantava porém, percebeu-se que não, tal ser, comovido, chorava destroçado por uma paixão. Certo barco aventureiro, por seus mares navegou e vendo um belo marinheiro de imediato se apaixonou. Vivia iludida pelo amor numa sedutora melodia, sofria vencida pela dor, afinal não cantava, gemia.
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Transparente Olha-se e não se vê nada! Nada do que se quer ver apenas a alma esvaziada da vã existência do ser. Quanta vontade perdida e a coragem desperdiçada pelos trilhos de uma vida em longa e árdua caminhada! Olha-se e não se vê nada! O tempo é já um passado de uma memória fatigada de um corpo despedaçado. Mesmo nas horas serenas, nos momentos de pureza, o presente é vazio apenas, o futuro, a pura incerteza. Olha-se e não se vê nada! O vão espaço da realidade é o turvo da voz interrogada sobre a mentira ou a verdade. E mesmo na claridade do dia há restos mortais do escuro que se ocultam na sombria delinquência do olhar impuro.
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Olhares Cruzados Ela passou! E eu olhei para ela… ela para mim olhou! Não sei quem é ela e quem eu sou… também não sabe ela! Desses olhares, pois, um sorriso se cruzou entre nós os dois. E cada qual continuou seu caminho depois tal como o começou. Ambos, apenas por passar ficaram então ignorando o que haviam de pensar e o outro ficou pensando daquele sorriso a brilhar quando foram passando. Decerto não sabe ela Quem eu sou …. e eu não sei quem é ela! Ela para mim olhou! E eu olhei para ela… quando ela passou!
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Florbela, Amante Florbela em soneto desespera de um poema dorido de vida, tal como se estivesse à espera de uma tristeza desaparecida. Florbela sabe que ama… se ama! e naquele amar-sagrado profundo há mais que uma cintilante chama, há a luz de todo o amor do mundo. Persiste Florbela na ansiedade que nunca poderá ser realidade de ter rendido a vida ao coração. Deliciava-se em soneto sofrendo de uma ilusão que foi crescendo. Florbela é a quimera da sua paixão!
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Cunha & C.ª Ando triste e descontente por ambição ou estupidez(?) numa mágoa permanente, que me retira muita lucidez. Eu sei o que fiz e o que sou e onde me deixam chegar outros a quem nada custou vejo que não param de trepar. A cunha essa arma malvada, corta o futuro com gume frio – negando a carreira sonhada – com o cúmplice, o compadrio. Tanta ignorância mandando cada qual com a sua ordem não admira que se vá andando para a mais completa desordem. Tanta besta com ar de mandão simples “franganotes” de aviário já ganhando perto de um milhão só lhes falta o título de “bestonário”.
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Criador Sublimes labirintos de cores e perfumes na policromia da natureza. Só uma certeza… a perfeita harmonia de faces e gumes, idênticos e distintos. Uma confusão poética de enigmas reais em sons e movimentos de danças serenas. Só isto apenas… compassos lentos, diferentes e iguais, sem ordem estética. Melodias desafinadas no infinito de sombras vãs fugindo do chão.
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Só uma razão… despertar de manhãs do sono bendito em noites inventadas. Um frio acolhedor que veio com o luar, persiste agradável quase adocicado. Só um significado… tudo é questionável e pode-se perguntar: quem é o criador?
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Mentira Ouve bem o que te vou dizer, espero que não o leves a mal, pois tu também o deves saber que nem tudo o que vês é real! De certeza só a dúvida persiste nesta desordem de opiniões em que tudo aquilo que existe se resume em complexas ilusões. Tomamos por fabulosa verdade as infindas mentiras quotidianas mas quando olhamos a realidade, descobrimos inúmeras patranhas. A vil mentira não se compadece com os malefícios do sofrimento insensível, por vezes até parece que tem prazer nesse tormento. Se em verdade sempre falares mas que a não possas provar para ti é melhor a voz calares pois nem sabes o que vais passar, há de ser a mentira mais eficaz que a triste figura que fizeres pois será o embuste mais audaz que todas as verdades que disseres.
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Muitas vezes a verdade dói tanto que para a dor se tornar menor uma hábil mentira tem o encanto de mudar a desventura para melhor. Existe uma ilusão de felicidade em cada mentira bem contada ouçamo-la então como verdade para não ficar de alma destroçada. Ficamo-nos assim com essa conclusão, pois outra coisa não se pode concluir, que grande importância tem o aldrabão e quão dignificante é a arte de mentir. Dizer apenas a verdade de nada servirá nem sequer de alívio à tua consciência a cada verdade tua, toda a gente se rirá e mordaz, provocará a tua inteligência.
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Queimando Senti qualquer coisa ardendo no meu interior Incenso purificando caminhos desconhecidos Ou a praga infernal de uma paixão sem amor Sentimentos vadiando-se por trilhos perdidos. Há um fogo de querer Entre estas entranhas Onde me sinto arder Em fúteis artimanhas. E como lume devora-me, nos fracos alicerces que sustentam este esboço de cadáver andante e nem que crente fosse dedicado a muitas preces o sentiria dominado, calmo, menos flamejante. É apenas um arder de chama pequena e mesmo sem querer arde, arde, arde serena. Talvez este arder seja já o inferno que me devora sem piedade, a cada pormenor do ser, lentamente e como eu o sinto insensível, queimando-me agora gozando o prazer oculto de me queimar em gente. Uma centelha de lume que arde sem razão! Fugaz fogo do ciúme que se esfuma na paixão.
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Palavras Maligna, feroz, agre, cada palavra um sentido a promessa de um milagre de um sonho escondido. Um grito que alerte a noite e a cidade uma estátua inerte em vozes de saudade. As palavras que ferem ou as que acariciam aqueles que as querem e os que as queriam! Palavras loucas em ecos de revolta que gargantas roucas colocam à solta. Com elas se diz amor as palavras adocicadas a guerra, o medo e o terror com palavras silenciadas. Com palavras se difama e com elas se pede perdão, com as palavras se ama e nelas se mendiga o pão. As palavras sabem brincar, também saltam vedações, e já aprenderam a trepar às mais íngremes elevações. Sorriem com manha ao comentário atrevido. 28
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Escalam cada montanha pelo tesouro escondido. Também pode ser a paga de um favor facilitado e mesmo sendo muito vaga tem sempre um significado. Podem ser de despedida ou de simples saudação são o fundamento da vida o suporte de cada ilusão.
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