DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA UMA SOLUÇÃO PARA PORTUGAL: COMO ACABAR COM OS DEFICES E RECUPERAR A INDEPENDÊNCIA
edição: Edições
Parténon® e Soberania – Uma solução para Portugal: Como acabar com os défices e recuperar a independência autor: Rogério Barros Costa título: Dívida, Mercados
capa:
Patrícia Andrade Paulo S. Resende
paginação:
1.ª edição Lisboa, março 2017 isbn:
978‑989-8845-10-8 420714/17
depósito legal:
© Rogério Barros Costa
publicação:
www.sitiodolivro.pt
ROGÉRIO BARROS COSTA
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA UMA SOLUÇÃO PARA PORTUGAL: COMO ACABAR COM OS DÉFICES E RECUPERAR A INDEPENDÊNCIA
Dedico este livro a Portugal e a todos aqueles que, de forma honesta e responsável, têm contribuído de forma positiva, entre nós e pelo mundo fora, para este meu país que amo.
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 9
Agradecimentos Nunca é fácil colocar no papel e distinguir para consumo público as diferenças existentes entre ideias sustentadas na realidade e conversas de café, em que se debatem de forma mais ou menos solta o tema corrente do dia. Nem muito menos as dúvidas que nos impulsionam e animam à descoberta e ao esclarecimento não teórico das questões relevantes. Como economista e amante das formas ideológicas que dão expressão à economia, é-me impossível pensar nesta jovem ciência social sem pensar nas filosofias que lhe são subjacentes e que, desde sempre, pretendem organizar racionalmente a sociedade humana, desde a Antiguidade Clássica, ou mesmo antes, até aos nossos dias. Neste meu pequeno e individual combate contra o pensamento único que, a meu ver, e pelas razões acima, se opõe a uma sociedade livre e que insiste em fazer erradamente, a meu ver, de Kant o seu Deus, de Marx o seu profeta e de Rousseau o seu alibi, chegou-se ao ponto de vilipendiar Keynes, usando-o para justificações de comportamentos que ele nunca aprovaria (Lord Keynes e o Factor C, Rogério Barros Costa, Ed. Armazém, 2010). Pedi a amigos o favor de reverem criteriosamente o que aqui deixo, mesmo discordando eventualmente com o meu pensamento, no todo
10 | ROGÉRIO BARROS COSTA
ou em parte, embora sabendo que me alertariam para algumas ideias muito polémicas que pudessem ressaltar na exposição de estratégias económicas que têm por fim reduzir o peso do Estado no nosso PIB, ou seja, no nosso bolso, ou seja, no esbulho dos frutos do trabalho que nós, ex-cidadãos e agora contribuintes, cada um na sua realidade profissional e pessoal, realizamos na criação de riqueza. Os meus agradecimentos pela sua contribuição, pelas suas correcções e sugestões. Rogério Barros Costa, Lisboa, 2016
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 11
Introdução Se, entre pessoas e empresas de um país, jovens e velhos, pobres e ricos, todos perdessem com os deficits orçamentais do Estado, é claro e sabido que, em condições normais, eles já teriam sido corrigidos e os superavits fariam parte das obrigações primeiras dos governantes eleitos. Ocasionais eventos naturais ou investimentos excepcionais podem, sem dúvida, exigir um esforço maior e um saldo negativo financiado por empréstimos num determinado exercício, como pode acontecer em nossas casas, embora não possa nem deva ser prática habitual todos os anos. Porém, 40 anos seguidos de deficits, acumulando dívida… é obra. Faz então sentido perguntar: Quem beneficia ou quem perde com os deficits do Estado? Ter deficits orçamentais significa que, no final do dia, teremos que pedir dinheiro emprestado para pagar as dívidas contraídas. Teremos quem? O Estado? Então porque não gasta o Estado menos e evita pedir emprestado e aumentar a dívida? Quem tem interesse em que a dívida persista e aumente? Começando pela segunda pergunta, a resposta é óbvia: são os contribuintes quem perde com os deficits, porque acabam por serem chamados a pagá-los pela via dos impostos, mesmo se ignorando a razão
12 | ROGÉRIO BARROS COSTA
dos gastos que cumpre cobrir. Em consequência, os impostos não param de serem aumentados, aumentando a carga fiscal, reduzindo a liquidez das empresas e das famílias, coartando poupanças, investimento e crescimento económico. No que respeita à primeira questão, exceptuando cataclismos naturais imprevistos, a decisão de termos ou não um deficit orçamental, pode ser técnica ou política. Quem beneficia da existência de deficits, ou seja, dos governos gastarem mais do que devem? Sem margem para dúvidas, os “mercados” e os seus intermediários financeiros. Se, em teoria, deixássemos de pedir dinheiro emprestado e fossemos pagando o que devemos, a partir da geração de superavits internos, os mercados reduziriam as taxas de juros sobre esses empréstimos, embora mais altas que as cobradas à Alemanha, por exemplo, onde chegam a ser negativas. Enquanto o Banco Central Europeu nos der cobertura e for comprando a nossa dívida, somos um bom negócio para os “mercados”. Cobram-nos mais e com garantia superior. Mas se o BCE não nos der cobertura e vier um novo resgate, continuaremos a ser um óptimo negócio para os “mercados”. Portugal é um país rico no cômputo mundial. O nosso comportamento deficitário interessa portanto aos “mercados”, convenientemente assessorados nestas matérias pelas empresas de rating. Encontramos a justificação técnica dos deficits na estrutura estatal que temos, onde a austeridade das contas e o rigor da aplicação dos fundos recebidos dos contribuintes é tornada inelástica, ou seja, torna-se difícil corrigir ou reduzir as despesas estatais, sem prejuízo para os contribuintes. Quanto à justificação política, não existe. Os governos e o Estado em geral não se rebaixam a tal. Os seus responsáveis deixaram de ser
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 13
servidores do Estado, eleitos pelos cidadãos, ao nosso serviço, para passarem a dispor dos contribuintes a seu belo prazer. Tomam as suas opções, gastam o que, como, onde e quando querem e pronto. Umas mentiras aqui e outras ali e a impunidade faz o resto. Se partirem a loiça, vêm os outros e apanham os cacos. Ou como diz o povo: o que não custa a ganhar não custa a gastar. O Prof. João César das Neves (as 10 Questões do Colapso - 2016) refere e a propósito que “Portugal tem um flagrante problema de solvabilidade das suas contas públicas. Aquilo que nos outros parceiros é uma sensação de tentação e fragilidade, entre nós é como um vício. Não vale a pena procurar as causas em quedas cíclicas, incompetências de responsáveis ou problemas pontuais. O problema é profundo e endémico…” . Entre as atitudes que se tornaram vícios do populismo e concorrem para os deficits orçamentais, encontramos decisões políticas que identificamos mais adiante e que se podem resumir em: 1. Gratuidade de certos bens e serviços 2. Concessão de subsídios, isenções e excepções diversas em bases de frágil sustentação 3. Restrita base de incidência tributária 4. Ausência de fiscalização dos beneficiários de auxílios sociais
As justificações políticas acabam por ser servidas em lautos pacotes demagógicos de difícil compreensão para o povo pagante. Visam atingir uma maioria supostamente pobre que por ser maioritária garante eleitoralmente, por inerente interesse, o Partido do Estado no Poder. É evidente que atirar dinheiro para cima dos problemas ou da pobreza politicamente definida, só serve para manter essa pobreza e arranjar-lhe mais aderentes. O essencial está, como o bom senso confirma,
14 | ROGÉRIO BARROS COSTA
em providenciar melhores condições de vida que propiciem rendimentos a posteriori. É o caso, por exemplo, do Rendimento Social de Inserção, ou RSI, uma criação de manutenção de uma certa pobreza e de muitos interesses e que não traz absolutamente nenhuma contrapartida para a sociedade, antes pelo contrário, só aumenta as adesões ao não trabalho, com o passar do tempo, como é o caso da Economia Paralela, onde moram impunemente as fugas aos impostos. Nada é grátis, nada deve ser grátis, tudo tem um custo e todos os cidadãos devem, de forma justa e equitativa, colaborar para o seu pagamento. Todos. A carga fiscal tem que ser reduzida, não aumentada, e a sua progressividade só faz sentido quando contempla todos os cidadãos. É isso que se espera de quem nos governa, e para o alcançar a melhor via é clara e nitidamente a do aumento da base de incidência tributária sobre o maior número de cidadãos, mesmo que simbólica nalguns casos, mas marcando uma atitude. De forma sempre justa e equitativa. Investimentos estatais podem eventualmente provocar deficits que queremos classificar de virtuosos, ou seja, aqueles que gerem um resultado posterior superior ao investimento e se pagam a si próprios, por assim dizer. Mas as opções do Estado não vão normalmente por aí, os investimentos beneficiam outros destinos e redundam em outro tipo de “benefícios”, raramente identificáveis. Entretanto, o contribuinte é chamado a pagar os empréstimos que o Estado contrai. Com mais impostos. Com mais juros. Tudo isto nos leva a concluir que os deficits resultam sempre de opções políticas, expressas nos orçamentos anuais, num teatro de brigas parlamentares partidárias que visa esconder a realidade para que os contribuintes são permanentemente chamados: pagar
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 15
com impostos crescentes, sem qualquer produtividade, o custo de alguns serem Poder e de alguns outros beneficiarem com isso.
Por isso pugnamos neste ensaio por que sejam retiradas do Estado funções que este não deveria nunca ter e dinheiro em que não deveria jamais tocar. Se o Estado não receber dinheiro, via impostos, que não tem que receber, também não o pode gastar. Esta é uma velha questão a que os políticos fogem como o diabo da cruz, com o velho e estafado alibi dos custos da democracia. Necessitamos, porém, de uma forte cidadania que o compreenda, de uma atitude política que o expresse e de eleitores que votem em conformidade. Isso só se consegue quando acabarem as gratuidades e as decisões dos governos passarem a doer ou a beneficiar a todos. Até lá, para quê votar? Nos tempos correntes, ao ritmo das altas tecnologias que permitem a aceleração dos muitos processos de vida que ainda há pouco tempo nos obrigavam a reflectir sobre as coisas em geral que compõem o nosso dia-a-dia, é duro saber que um país possa não ter uma estratégia de médio ou longo prazo. Vive-se cada vez mais de ciclos eleitorais curtos, compostos de iniciativas de curto prazo e que geram propaganda política de igual curto prazo para benefício da elite política e do ciclo eleitoral seguinte. Entretanto, os deficits e as dívidas do Estado, relegados para segundo plano, empurram-nos para as mãos de terceiros e para as estratégias que estes nos quiserem impor.
16 | ROGÉRIO BARROS COSTA
Quadro 0.1 – Administrações Públicas: despesas, receitas, défices/excedentes e em % do PIB (base : 2011) Euro – Milhões
Anos
Despesas das AP
Receitas das AP
Défices/Excedentes Públicos
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
37.951,7 40.711,9 43,448,8 47.559,7 50.909,7 54.783,3 59.917,9 62.356,5 66.242,7 70.188,8 74.054,0 75.213,6 78.059,6 81.092,8 88.116,2 93.237,1 88.112,2 81.718,6 85.032,3 89.597,9 Pro 86.825,4
33.340,7 36.241,9 39.656,8 42.674,0 47.283,9 50.653,2 53.413,9 57.592,2 59.780,2 60.750,1 64.227,4 68.019,1 72.780,2 74.357,0 70.912,6 73.136,9 75.106,1 72.189,5 76.787,1 77.195,6 Pro 79.004,5
Em % do <PIB
-4.610,5 -4.470,1 -3.792,0 -4.885,7 -3.625,8 -4.130,1 -6.504,0 -4.764,3 -6.462,5 -9.438,7 -9.826,6 -7.194,5 -5.279,4 -6.735,7 -17.903,6 -20.100,2 -13.006,1 -9.529,1 -8.245,2 -12.402,3 Pro-7.820,9
Administrações Públicas: Despesas, receitas, e défices/excedentes e em % do PIB (Base 2011) Fontes de dados: INE | MF | BP Fonte: PORDATA Última actualização: 2016-09-26
-5,2 -4,7 -3,7 -4,4 -3,0 -3,2 -4,8 -3,3 -4,4 -6,2 -6,2 -4,3 -3,0 -3,8 -9,8 -11,2 -7,4 -5,7 -4,8 -7,2 Pro -4,4
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 17
Quadro 0.2 – Administrações Públicas: dívida bruta e em % do PIB (Base 2011) Euro – Milhões
Anos 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Dívida Bruta Das Administrações Públicas
Em % do PIB
35.458,0 35.815,0 40.903,0 46.543,0 51.913,1 56.149,2 56.484,8 57.727,9 61.074,7 64.640,5 72.554,2 80.133,6 85.726,1 94.454,1 106.919,5 115.002,2 120.088,5 128.191,4 146.691,3 173.062,5 196.231,4 212.556,0 219.715,0 226.045,7 231.584,2 232.516,1
54,9 49,3 53,8 56,5 58,3 59,5 55,2 51,8 51,9 50,3 53,4 56,2 58,7 62,9 67,4 69,2 68,4 71,7 83,6 96,2 111,1 126,2 129,0 130,6 129,0
(R) (R) (R) Pro F
Fontes/Entidades: DGO/MF | BP | INE, PORDATA Última actualização: 2016-09-23
(R) (R) (R) Pro
18 | ROGÉRIO BARROS COSTA
Vivemos o tempo das opiniões inconsequentes, do dizer por ter ouvido, dos “achismos”, das meias verdades, das meias palavras, das mentiras trocadas por inverdades, das imparidades que substituíram os calotes. Não é mais o que se pensa, porque não se pensa, porque vivemos no reino do pensamento único, em que o pensamento nada vale, excepto o pensamento oficial, normalmente baseado na falta de pensamento e nos interesses vigentes de alguns grupos dominantes que suportam financeiramente determinada expressão de comunicação e de conformação mental pública. E portanto não se pensa, não se reflecte, não se solidifica nem se conformam ou confirmam os pensamentos. Pelo contrário, procura-se fazer da filosofia uma disciplina tão caduca como uma qualquer língua morta, matando o acto saudável do pensamento, da discussão ideológica e da geração de opções. Sem opções, resta a cultura do medo e da subalternidade política. Porque Platão, Aristóteles, Séneca ou Santo Agostinho, entre tantos outros, continuam muito actualizados. A humanidade mudou desde então muito por fora mas por dentro as diferenças são mínimas. No que me diz respeito, à superficialidade do achismo irresponsável continuo a opor os meus pensamentos, justificados por princípios que podem não estar correctos para muitos mas que procuro justificar por via dos princípios que me regem. Daí, as introduções que faço serem por vezes mais exaustivas que o comum das introduções modernas porque as utilizo como pilares justificativos do pensamento escrito seguinte. Foi o que escolhi fazer na primeira parte deste trabalho (nº 1.0 ABERTURA). Quis por esta via honrar a dignificação da pessoa humana através do seu contributo específico para a sociedade, de forma individual ou sob a capa da sua missão gregária empresarial, e não aceito a forma
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 19
actual de reger a sociedade pela demagogia reinante, que nem dignifica a pessoa nem dignifica o seu contributo a nível individual ou colectivo para essa mesma sociedade. No moderno reino do dinheiro, tornado um fim específico e não um instrumento para alcançar um fim, como a enxada que nos ajuda a arar a terra, em que a sua posse se tornou no grande objectivo final e não mais num meio reprodutivo e socialmente digno de criar riqueza, procurei teorizar e mostrar como é possível retirar ao Estado e do Estado a posse do dinheiro que não lhe pertence e devolver a sua gestão aos seus legítimos proprietários, deixando que estes criem os instrumentos necessários para que a sociedade em que nos integramos seja mais justa e mais fértil na criação dos frutos do nosso bem-estar individual e colectivo futuros. Ou seja, pretendi chamar os contribuintes à responsabilidade da Cidadania, pretendi que os contribuintes possam passar de novo a serem cidadãos. Essa procura do dinheiro pelo dinheiro tem, curiosamente, assassinado o capitalismo, o que não deixa de ser um paradoxo que convém analisar e considerar. Necessitamos das virtudes do capitalismo económico, sem dúvida, o sistema que cria, que gera o crescimento, mas não podemos deixar de pugnar fortemente contra os seus defeitos e abusos, nomeadamente nas consequências da acumulação financeira extrema, regulando-o. Não destruindo-o. Em Marx já se adivinhava essa evolução a partir do seu MDM, o Dinheiro que intermedeia a Mercadoria, na crítica do DMD, em que a Mercadoria seria via para a geração de mais dinheiro. Porém, hoje, perdida toda a vergonha que a moral e a ética social puritanas que estão na sua base nos poderiam ajudar a conformar, anulamos a importância da Mercadoria e reduzimo-nos a expressão a DDD, em que o Dinheiro se intermedeia a si próprio e gera mais dinheiro por meio dos casinos denominados
20 | ROGÉRIO BARROS COSTA
eufemisticamente de bolsas de valores, alargando o fosso entre os que têm e os que não têm. Se Marx pugnava contra a acumulação, que diria ele hoje, com a acumulação pela acumulação, que não gera riqueza, nem postos de trabalho, que não valoriza fábricas nem trabalho, apenas a ganância pela ganância? Estaria ao lado de Piketty e da sua análise aos ricos? Que igualdade procuramos? A igualdade na pobreza ou a desigualdade do crescimento estratificado? A redistribuição de tudo por todos ou a acumulação por alguns para o bem de todos? Não merecerá esta análise um minuto da nossa atenção e do nosso pensamento? Nem uma pequena tertúlia nas noites do Nicola? Na briga moderna entre privado e público, esquecemos comummente que o Estado é uma necessidade inegável e como é importante a sua existência. Os servidores públicos existem porque nós escolhemos que existam, porque precisamos que existam, para que providenciem colectivamente o que individualmente não conseguimos fazer, nos campos pilares da educação, da justiça, da defesa e segurança, da assistência social. Acordamos para um problema chamado Estado quando nos retiram as nossas disponibilidades para liquidar gastos desse Estado que não servem as finalidades que esperamos dele e quando sabemos que mais de 60% dos seus gastos se desenrolam dentro dos próprios serviços estatais, qual bola de neve disparada montanha abaixo que estoira em cima do telhado do contribuinte, a quem cabe entregar ao Estado 1000 para receber 400 em serviços prestados, limitando a capacidade do cidadão nas suas escolhas individuais e privadas de poupança. Já Stuart MIll (Collected Works, Toronto Press, 1972) considerava a propriedade, que agora é tão perseguida – desde a 1ª República - uma condição de liberdade. Está na moda perseguir-se a propriedade como se perseguem todos os negócios onde se sonhe que a propriedade privada obtenha rendimentos, castrando investimentos e vontades.
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 21
Perseguir a propriedade é perseguir o mérito, é perseguir o essencial do capitalismo. Mais do que uma necessidade, é um preconceito ideológico que afecta o nosso comportamento e a formação e persecução de objectivos económicos ou financeiros. Acordamos para um problema chamado Estado quando este se autonomiza daqueles que devia servir e passa a servir-se deles. Acordamos para um problema chamado Estado quando, em vez de termos um Estado forte, regulador e justo, temos um Partido do Estado transformado em albergue espanhol. A sociedade moderna criou o monstro e o monstro insiste em devorá-la. Todas estas questões estão em aberto neste trabalho.
A partir do ponto nº 1.1., passo a desenvolver em termos práticos esses pensamentos e essas dúvidas dos dias que correm, em propostas consonantes com a minha visão reformista do papel do Estado na Sociedade que corre e se desenvolve em alta velocidade para o século XXII, sabendo que esse Estado tem por obrigação não a manutenção dos vetustos privilégios que o Poder quer manter (não foi isso que se pretendeu derrubar em 1974?) mas o de preparar o futuro inimaginável que os jovens que nasceram neste século vão ter de defrontar muito em breve. Pretendi, em 2.2. e 2.3., dignificar o Trabalho e a Empresa, bases da criação de riqueza de que todos deveremos beneficiar. Mas quis deixar bem claro que se os frutos da criação de riqueza, por um lado, têm por obrigação o crescimento económico e o bem-estar geral, também devem contribuir para elevar a forma como socialmente tratamos os menos favorecidos, em 2.1. O sistema actual de deitar dinheiro para cima dos problemas está errado, como referi, e parece-se muito
22 | ROGÉRIO BARROS COSTA
com a esmola displicentemente atirada para o regaço dos mendigos, com a qual pensamos lavar a nossa alma. Necessitamos de um sistema preventivo de cuidados de saúde, que defendo no Capítulo 2.4., reformando e transformando o Serviço Nacional de Saúde num verdadeiro Seguro Nacional de Saúde, sério, obrigatório e sem gratuidades ou ideologias parvas, financiado e pago de acordo com as possibilidades de todos e de cada um. O fim dos deficits começa com o fim das coisas grátis e com uma justiça redistributiva para a qual todos contem, de baixo a cima, com princípios, fiscalização e regulação. Uma sociedade não vive de gratuidades, as coisas custam o que custam e devem ser transacionadas considerando pelo menos o seu custo. Isso não impede que se pratique sempre e quando necessário o assistencialismo junto aos mais necessitados, sem o confundir com reformas indevidas. É essa também uma das funções do Estado, sem prejuízo de acções beneméritas da sociedade civil, como sempre vimos ser praticado. Mas sabemos que só o tal Estado firme e justo, fiscalizador e regulador o poderá fazer. Utopia? Certamente, mas possível. A alternativa é o que temos, hoje. As supostas ingenuidades políticas ligadas às habituais e centenárias demagogias que transformaram o Estado num partido de conveniências situado à esquerda do espectro político em oposição à direita monárquica parodiada por Bordalo Pinheiro, cem anos atrás, é a melhor medida de como o Estado não cumpre a função que devia cumprir, dividindo a sociedade e distribuindo privilégios e indulgências. Será que conseguiremos um dia criar uma outra mentalidade entre nós para que possamos todos beneficiar do que é de todos? Para que tenhamos confiança em quem nos dirige e que a palavra solidariedade não esconda negócios duvidosos de empresas municipais, fundações e institutos públicos?
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 23
Deixo ao cuidado das opções de Política Económica muitas interrogações e sugestões. O Orçamento de Estado não se faz apenas pela contabilização de activos e passivos, ou qualquer contabilista júnior o poderia fazer. São as decisões de organização do Estado e as tomadas de certas decisões e opções de política económica, consubstanciadas em mudanças de paradigma legislativo, que podem ganhar as pessoas para uma cidadania de responsabilidade e para a redução do peso do Estado na economia com a inerente redução de carga fiscal e ganhos de liberdade para a sociedade. Estas interrogações poderiam fazer parte de uma revisão de grau zero das estratégias do Estado e da sua reformulação de objectivos e comportamentos, bem como da partilha desses objectivos com a sociedade civil, alargando a capacidade de mudança em todas as áreas. Educação, Saúde, Justiça, Segurança, áreas-chave onde o Estado não deve deixar de manter uma mão forte, firme e socialmente justa, podem ser também partilhadas com o sector privado, desde que a inteligência e a seriedade de propósitos e atitudes substituam com vantagem social e económica a partilha redutora de interesses a que se assiste hoje e as ideologias do século XIX dêem lugar ao futuro. Lembro, como exemplo, que Cultura e Turismo, que gostaria de ver irmanadas em propósitos comuns, são um exemplo de uma visão de abertura urgente que o Estado apenas pode travar se decidir absorver em absoluto a gestão de sectores que não devem ou que podem não estar nas mãos do Estado. Deve, porém, manter uma atitude legislativa e regulamentadora firme e fiscalizadoramente severa na sua gestão e desenvolvimento. Como em outros sectores. Depois da substituição do regime salazarista por um regime dito democrático, nunca mais a palavra estratégia foi utilizada para benefício do país, à la longue. Apenas se insistiu no que não se queria mas
24 | ROGÉRIO BARROS COSTA
o novo Estado democrático não se soube ainda definir no que quer que Portugal seja. Quarenta anos depois. E isso é essencial: quem não sabe para onde vai não chega a lugar nenhum.
FIM AOS DEFICITS NÃO À DÍVIDA E AOS MERCADOS SIM ÀS PESSOAS E À CIDADANIA
1. Pressupostos Sociais e Condicionantes de Organização da Sociedade para o Século XXII
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 29
1.0. Abertura
Não será chegado o tempo de repensar a sociedade, a cidadania e a própria democracia?
O princípio económico base por que me rejo, é simples: o crescimento da nossa sociedade baseia-se no investimento que pessoas e empresas - que essas pessoas constituem - fazem com vista ao seu futuro. As pessoas são, assim, a base de toda a economia, através do trabalho que realizam, das poupanças que constituem com os rendimentos que geram, que viabilizam os investimentos e o crescimento da economia. Para isso, é necessário que as pessoas e as empresas que elas criem detenham as capacidades técnicas individuais e colectivas e as disponibilidades financeiras para o efeito. Tal como nas nossas casas particulares, pessoas e empresas necessitam diariamente de tomar decisões de despesas e formular eventualmente opções de investimento que vão desde a educação dos mais jovens até à inovação e realização de novos projectos pessoais ou profissionais, em qualquer ramo de actividade, nos mais diversos níveis de rendimentos, de constituição ou aplicação de poupanças, de protecção de saúde, etc.
30 | ROGÉRIO BARROS COSTA
As disponibilidades financeiras para a realização dos projectos em que se empenham dependem muito da liquidez que lhes é permitida pelo Estado, a quem cabe cobrar impostos para gerir e realizar funções de interesse comum a todos, pessoas e empresas. Aqui chegados, é neste ponto que encontramos a necessidade de identificar o break even social e institucional que se procura em todos as sociedades: qual o montante absoluto e estritamente necessário que o Estado deve receber, de modo a cumprir o que lhe é exigido pela sociedade, sem prejudicar o crescimento dessa sociedade, sem a secar dos recursos de que esta necessita para o seu desenvolvimento? E é precisamente aqui que encontramos os confrontos ideológicos que hoje têm pouco de ideológico e mais do fanatismo e confrontação de claques desportivas, na ausência de análises sociais claras, francas, honestas e independentes dos interesses que dominam os estados e os subjugam na ânsia da captura do Poder. A gestão do Estado tanto pode ser eficiente gastando 30% como 50% do PIB. Ou mais. Depende do que se gasta, como se gasta e que tipo de serviços devolve o Estado em contrapartida à sociedade que lhe confia as suas poupanças. A gestão do Estado depende de estratégias, depende de consensos, depende de (raras) honestidades políticas. A forma como se se organiza uma sociedade define finalmente um paradigma social que varia em função das opções tomadas pela comunidade empresarial, pelas pessoas singularmente consideradas, dentro de um modelo social determinado que definirá as melhores condições possíveis para um nível de bem-estar aceite e prosseguido por todos. Fará sentido pensar que as pessoas e as empresas que elas decidem constituir deveriam ter condições para gerar rendimentos, em cada período, superiores aquilo que entregam ao Estado nesse mesmo período. Quanto menos o Estado lhes retribuir em bens e serviços
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 31
de interesse comunitário, quanto mais o Estado guardar para si na sua tarefa autofágica de se alimentar sectariamente nos seus circuitos internos com o dinheiro que lhe foi confiado e que não devolve a quem nele confiou ou foi obrigado a confiar, mais esforço requer das pessoas e das empresas e mais prejudica o crescimento económico da sociedade que lhe cabe gerir, reduzindo a liquidez dos agentes económicos (todos nós, consumidores, empregados, investidores, aforradores…). Mas ao fazê-lo, perde a credibilidade e a confiança daqueles por que deve zelar. Nunca como agora os estados tiveram uma importância tão fulcral para os povos que dirigem. Exige-se dos governantes que saibam preservar a paz e que o façam de forma competente e duradoura, sem perder o sentido do desenvolvimento e do bem-estar social, sem aniquilar a cidadania. Ao longo dos tempos, os territórios, as cidades-estados, os países, definiram-se e reestruturaram-se através de conflitos armados que provocaram rupturas, miscigenaram as gentes, mudaram as atitudes, renovaram conceitos e práticas de vivência comum e de vizinhanças, locais e regionais. Nunca nada é estático, nunca nada foi estático, e todos os que caíram na utopia da paz duradoura foram sempre absorvidos e eventualmente esmagados pelos amigos do alheio. Estes acabariam finalmente por vir a perder o conquistado pela violência, após terem destruído o que outros haviam criado anteriormente. Assim se perderam impérios, como os Impérios à volta do Mediterrâneo são prova milenar disso. Prova de que o bem-estar não se conquista, constrói-se. Todos os dias. As supostas estabilidades dos dias de hoje parecem ser contrárias a essas práticas antigas. Serão? As guerras têm hoje taxas de mortalidade elevadíssimas, abrangem ou abrangeram recentemente todos os continentes e ameaçam cair na globalização, dando os braços aos
32 | ROGÉRIO BARROS COSTA
conflitos económicos que substituíram os soldados no terreno. Mas nada disto é novidade para quem acompanha a História e segue a ciência económica. A guerra prossegue implacável entre os seres humanos, apenas mudou de players e de forma. E as nações, mudaram? Tal como acontece com as empresas, os países necessitam de se interrogar todos os dias sobre as suas carências, corrigindo e adaptando para melhor o que há a corrigir e a adaptar para melhor, sem prejuízo de manterem um equilíbrio próprio a que possam chamar independência. Mas nunca foi independente quem é dominado ou quem domina, cada um esperando o momento final da absorção ou da vitória que, na verdade, nunca acontece. A ilusão disso, sim. E cada nova geração alimenta sempre novas ilusões que mais não serão do que as velhas ilusões e ambições travestidas com novas roupagens para alcançarem os mesmos fins milenários. Para atingir essa independência, a liberdade de poder tomar as suas próprias decisões, é necessário, contudo, querer e ser capaz de identificar o que está mal e corrigi-lo. Em vez de certas confissões políticas ficarem simplesmente satisfeitas com a conquista espúria de um poder que lhes enche o ego e lhes infla o umbigo, é fundamental que estratégias novas e constituições adequadas trilhem permanentemente o caminho da modernidade, sem medo dos votos do populismo barato que acicatam os medos das mudanças e que sejam capazes de congregar os melhores de todos nós para a verdadeira independência que consiste na liberdade de mudar para melhor, todos os dias. Ou mudamos ou somos mudados, correcto? Economicamente falando, mas estendendo o conceito às áreas sociais, devemos ter a consciência de, periodicamente, fazermos o reset da nossa estratégia, construirmos orçamentos sociais e económicos de base zero em que se relevem os factos positivos e se eliminem
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 33
os negativos. Difícil será, porém, acreditarmos que, nos quadros políticos construídos nas últimas décadas, consigamos a inteligência, o pensamento e a bravura de enfrentar os elementos da estatização social para criar o dinamismo necessário às nossas verdadeiras necessidades, satisfazendo-as sem mendigarmos nem emigrarmos. Mudarmos por motu próprio estará, politica e aparentemente, sempre fora de causa. Porque os políticos, depois de atingido o poder, dificilmente mudam alguma coisa. E se o fizerem, é para adaptar essa mudança à não mudança dos seus interesses. É preciso que tudo mude para ficar tudo na mesma, dizia Lampedusa no seu “Gattopardo”, cem anos atrás. Nos primeiros anos deste século XXI, parece claro o recuo da democracia representativa. Tendo os povos tomado como um dado a existência de um sistema democrático como a melhor forma de os defender de eternidades políticas inamovíveis, evoluíram porém os cidadãos para um desejo de participação permanente que lhes é exigido pelas mudanças aceleradas que a nossa sociedade regista correntemente. Por outro lado, a disponibilidade dos cidadãos para dar carta-branca a governantes eleitos que não cumprem com as necessidades da sociedade é cada vez menor, o que se denota no aumento constante das abstenções às mesas de votos. O momento ideal para se discutir um país é seguramente à volta da sua Constituição, da sua carta de direitos e de obrigações. Entre nós, foi estipulada a possibilidade de uma revisão constitucional cada cinco anos, embora isso acabe por não ter realização prática na costumeira chantagem parlamentar, que vira costas ao país. A análise dessas revisões ou não revisões será talvez uma prova esclarecedora de vida de uma Nação na rota do desenvolvimento. Mesmo assim, cinco anos tem-se revelado tempo demais para constituições demasiado
34 | ROGÉRIO BARROS COSTA
detalhistas, principalmente quando as mudanças que urgem são sacrificadas no altar das conveniências e dos sectarismos políticos. As leis fundamentais que balizam os nossos princípios maiores estão sujeitas a pressões de mudança da sociedade muito mais céleres do que a velocidade política de adaptação do poder político e o poder político é cada vez mais agente do imobilismo. Nos dias que correm, as mudanças em todos os sectores condicionam muito rapidamente o ambiente em que se desenrola a actividade económica. Se as gerações mais velhas se desactualizam rapidamente, as gerações mais novas necessitam de acompanhar e se adiantar a essas mudanças, gerando vazios inter geracionais de resistência à mudança que minam a coluna vertebral da nossa sociedade e fragilizam a estrutura moral comum, abandonando-nos ao sabor de ventos mais fortes. Muitos dos netos da baby boom generation já nascidos neste século XXI verão a transição para o século XXII, conforme anunciado pelos peritos em demografia. Neste ínterim, a sua actividade será marcada por mudanças que ainda não são conhecidas, mas extrapolando o futuro a partir dos últimos 100 anos, sabemos com segurança que não poderão acontecer no quadro político do século XX. Esse é o desiderato das sugestões deste ensaio, onde pretendemos criar condições de acomodação de um novo mundo que proliferará quando já cá não estivermos. Essa herança, essa mudança, é a nossa obrigação para as novas gerações, não um histórico irresponsável de deficits e dívidas aos “mercados”. Ninguém ganha nesta corrida desenfreada, nem mesmo aqueles que pensam poder estar a ganhar com as não mudanças e o imobilismo que vem com a conquista do poder. As reformas do sistema não devem ser actos excepcionais, pelo contrário, devem ser tomadas como normais, expectáveis e desejáveis por todos, para todos poderem, no final,
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 35
ganhar essa apregoada independência que perdemos em todos os dias do nosso autismo político e económico. Mesmo que se conseguisse vencer o imobilismo militantista que considera que nada deve mudar para que os privilégios existentes se mantenham, em cinco anos decorre uma educação primária; em cinco anos decorre um curso superior, em cinco anos nascem e morrem tecnologias e nada disto pode viver embrulhado em hermetismo político, mesmo porque a política e os políticos que o praticam pretendem exactamente assegurar a inacção necessária para garantia do seu próprio imobilismo, da sua própria desactualização e incapacidade total de reforma do sistema. Segue-se a vitória do pensamento único. As sociedades podem ser eventualmente imortais, porém, quem toma decisões em seu nome, não o é. De modo que não faz sentido que conceitos particulares ligados a momentos societais mais ou menos marcantes sejam impeditivos de permitir o desenvolvimento futuro das sociedades. Se económica ou financeiramente faz sentido falar em orçamentos de base zero, outros valores existem que se constituem como activos e passivos do nosso balanço social, a inscrever como capital social da comunidade. No seu conjunto, definem finalmente os termos em que a cidadania é assumida, não nos seus espaços de direitos efémeros, mas na atitude comum de assumpção e cumprimento das obrigações que sobre todos nós impendem solidariamente. É neste ponto que necessitamos de raciocinar em termos de bem comum, em termos de atitude face ao interesse comum, como cidadãos de uma mesma unidade que deveremos querer tão coesa quanto possível, nos seus objectivos, de modo a que se contrua uma cidadania responsável capaz de combater os imobilismos e criar o desenvolvimento e a riqueza desejados. Temos portanto a necessidade de executar friamente as mudanças que nos permitem não só acompanhar o comboio do desenvolvimento,
36 | ROGÉRIO BARROS COSTA
como de nos manter na frente do processo social internacional, nomeadamente nos espaços económicos a que pertencemos, sob risco de sermos encarados e tratados com a subalternia a que nos candidatamos todos os dias. Não cabendo aqui essa análise, é evidente que, dadas as premissas que serão apontadas seguidamente, o Estado que temos e que deve gerir os destinos internos de cada Nação não pode continuar a ser gerido da forma tradicional e terá que ser englobado em conceitos internacionais mais vastos. Porém, as questões internas obrigam necessariamente que os estados entrem no imediato em curas de emagrecimento e no exercício meritório de privilegiar o trabalho, todas as formas de trabalho, fonte da riqueza que permite a posteriori acudir às funções sociais que o Estado Social defende. Só o conseguiremos com a mudança das atitudes e uma clara defesa da Cidadania, nas suas vertentes de obrigações e direitos, devolvendo-se aos cidadãos as tarefas que lhes compete executar, e que os estados insistem em executar e mal. E é aqui que entra a questão fulcral defendida. A cidadania não consiste em fazer as coisas pelo cidadão mas em criar nos cidadãos a atitude correcta para que o façam eles mesmos pela comunidade a que pertencem, assumindo as suas obrigações individuais e colectivas (ver MAX WEBER, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo). Não é regra de cidadania criar punições para quem não cumprir regras mas promover a mudança de atitude para que os cidadãos cumpram e ajudem a cumprir as regras de que a sociedade deve comungar. Concretamente, não deve o Estado exercer pelos cidadãos, nem em seu nome, os actos de cidadania que obrigam os cidadãos nas sociedades responsáveis. Responsabilizar os cidadãos não consiste em retirar-lhes os seus
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 37
rendimentos pela via dos impostos para o Estado fazer (ou dizer que faz) o que os cidadãos deveriam fazer eles próprios. Educar e responsabilizar os cidadãos para o cumprimento dos seus deveres de cidadania, consiste na realidade numa forma de Privatização da Cidadania. É impensável a existência de Democracia sem Cidadania. Ambas variam no mesmo sentido. Tal como a Liberdade. Tudo o que segue decorre à sombra destes princípios. Daí a sua análise decorrer igualmente ao abrigo de factos que são comuns a toda a humanidade e que as cabeças limitadas dos políticos regionais não conseguem abarcar e, abarcando, são escondidos no profundo dos seus enormes umbigos: a DEMOGRAFIA, com o incontrolável crescimento desigual ao longo do planeta e que provoca enormes desequilíbrios e tensões regionais; a EDUCAÇÃO, com as falhas de acompanhamento da evolução científica mundial que provoca o aumento escandaloso dos hiatos de acumulação de riqueza e a pressão exercida sobre os mais pobres; a CIDADANIA, cujo acesso só pode ser entendido à luz de uma DEMOCRACIA que é negada pelos poderes instituídos em todos os países, mesmo se cinicamente ela é oferecida de vez em quando nas urnas de voto para ratificação dos grupelhos fechados que se instalam nas cadeiras do poder. Finalmente, como a Europa o tem testemunhado recentemente, esta corrida de vasos comunicantes de povos do Médio Oriente e Ásia Menor em busca do ASSISTENCIALISMO que a Europa pratica ainda na sombra do velho e falido Estado Social, é o leit motiv que atrai populações fugidas dos conflitos mundiais que de forma expressa ou tácita inculcaram no mundo ocidental o regresso dos velhos medos adormecidos há 70 anos. Independentemente das medidas bélicas por que tantos anseiam, esse Assistencialismo deverá ser a verdade mais palpável do próximo século. Mas não será possível se a ECONOMIA não voltar a ser a rainha do espectáculo, criando
38 | ROGÉRIO BARROS COSTA
riqueza pelo TRABALHO e dando sentido à vida das populações nos seus locais de origem, fazendo parar as migrações sem sentido aproveitadas pelos mesmos oportunistas de sempre. Por isso optou-se neste ensaio por trazer a dignidade de volta ao mundo das EMPRESAS e do TRABALHO, tão votados ao desprezo nos tempos correntes, sem a qual não é possível a CIDADANIA que permite a construção e a vitória da DEMOCRACIA. No seu enfoque, insistimos em que as equidades de que se fala tão comummente não são possíveis enquanto gratuidades diversas as distorcerem, como arma política e eleitoral, enquanto a vida de todos nós não for gerida sem medos de fazer chegar as regras da nossa sociedade a todos os cidadãos, a absolutamente todos os cidadãos, desde a escola, alargando a base de incidência da Cidadania e das responsabilidades que a Democracia nos traz e fazendo todos participar no esforço comum com que se constrói uma sociedade coesa e justa. A Democracia não se cumpre sem uma forte Cidadania. A Cidadania não se cumpre se não houver Liberdade. A Liberdade não existe enquanto o Estado for elitista, alimentando os seus sequazes internos e externos à custa de cidadãos transformados em contribuintes e insistir em, de forma definitiva e autocrática, ter uma única solução para a resolução dos seus problemas e da sua autofagia: o lançamento de impostos, de costas viradas para a Economia e para a geração de riqueza no país, riqueza que consome despudoradamente, sem complexos mas com muita incompetência. O direito ao lançamento de impostos não compete ao Estado nem aos Governos que o representam junto aos cidadãos mas tão só aos seus eleitores.
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 39
O lançamento de impostos não referendado em eleições ou referendos próprios, não cumpre a democracia, nem respeita a cidadania. Os impostos não podem servir para tapar os buracos da incompetência, dolosa ou não, antes devem obedecer à clarificação de estratégias referendadas pelo voto, à imprescindível austeridade de gestão da coisa pública e ao rigor na sua aplicação. Sem estas condições, temos o Estado que temos hoje: autocrático com vestes democráticas e sorrisos populistas. É assim essencial relançar a Cidadania junto aos cidadãos, reprivatizar a Cidadania, isto é, chamar os cidadãos às suas responsabilidades e reduzir o poder do Estado reforçando o poder da Cidadania. Privatizando a Cidadania. Enquanto essa privatização não for feita, a Liberdade é uma palavra vã e a Democracia vai-se falindo na antecâmara do Estado autocrático de má memória que temos vivido, que vivemos e não queremos repetido todos os Orçamentos nem eternizado para os nossos descendentes.
40 | ROGÉRIO BARROS COSTA
1.0.1. Reorganização da Sociedade 1.0.1.1. O Enfoque Geral Faut-t-il vivre caché? Tudo muda e tudo mudou. Na verdade a mudança é um estado natural das coisas. É esta afirmação um cliché? Sem dúvida, mas que fazemos com ela? Desta vez coube à nossa geração ver e saber que o mundo inteiro mudou num ápice, inusitadamente, num par de gerações, como se uma onda de choque de mudança tivesse varrido o planeta. E varreu. Os vírus desta mudança, demografia e comunicação, atingiram os lugares mais remotos e impensáveis e afectaram-nos a todos das formas mais diversas, requerendo mudanças internas em cada país, não respeitando idades ou tradições, línguas ou geografias, princípios ou morais. Para o bem e para o mal, a mudança tornou-se viralmente global e irreversível. Ninguém está fora das suas consequências, sejam elas quais forem. Mas porque mudam as coisas? Por diversos factores, o mais importante dos quais será certamente a permanente necessidade de se alcançar o equilíbrio natural que nos foge e perseguimos tão avidamente. A Natureza é sinónimo de equilíbrio e requer equilíbrio. As rupturas geram desequilíbrios que procuram novos pontos de equilíbrio. O crescimento económico, por muito agradável que seja, é sempre um factor de desequilíbrio dentro de um determinado status comunitário, tal como o é um qualquer retrocesso causado por fenómenos naturais ou humanos. Um período que chamamos de estabilização vem seguida e tradicionalmente retomar o equilíbrio, mesmo que isso aconteça a um nível diferente do período anterior. O povo diz, sabiamente, que
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 41
depois da tempestade vem a bonança. Podíamos dizer também que após a bonança virá uma nova tempestade, seja quando for e assim sucessivamente. São os ciclos económicos, antes ditos naturais, identificados também em termos económicos desde José, na imagem da sucessão de períodos alternados de vacas gordas e de vacas magras. O homem utiliza o desequilíbrio para se deslocar, um pé à frente do outro, senão cai. Em alternativa, pode ficar quieto, em equilíbrio, à disposição dos ventos que o fustigam. O mesmo se passa com a nossa sociedade, pode optar por ficar estática e não sair do mesmo lugar, mas se optar por se deslocar deve estar preparada para o desequilíbrio virtuoso que se segue. Se não o fizer, acaba por ceder aos ventos que a assolem. O mesmo se passa em Economia, que pretende explicar a realidade e contribuir para o seu melhor entendimento. Dois países com graus de desenvolvimento distintos, por exemplo, corrigem financeiramente as suas relações pelos mecanismos cambiais, como é sabido, procurando um novo ponto de equilíbrio nas relações entre ambos. A introdução do euro, na Europa, destruindo essas regras tradicionais de reequilíbrio, criou desajustamentos que não soube corrigir, acabou com esse mecanismo clássico e criou os problemas conhecidos nos dias que correm. Há que procurar novos mecanismos de correcção, novos pontos de equilíbrio que nos trarão certamente os desequilíbrios seguintes (Rogério Barros Costa, “A Europa a 28”). Com a introdução do euro, vários foram os países que se quedaram estáticos, à disposição dos ventos da Europa. Como Portugal. Os ciclos económicos eram classicamente identificados com os ciclos produtivos naturais e é efectivamente grande a correlação entre ambos, como se sabe. Ou seja, a regra é o desequilíbrio e a procura do ponto de equilíbrio o grande segredo da teoria que raramente o consegue pôr em prática. O Poder reside na capacidade de influenciar
42 | ROGÉRIO BARROS COSTA
as escolhas que nos indiquem o caminho que devemos trilhar. Porém, no Poder residem também os vírus de desequilíbrios que ultrapassam o mero desafio da Natureza em si e entram na mais complicada mecânica do Homem, enquanto factor de desequilíbrio anormal. Podemos estender esta permanente necessidade de equilíbrio às relações profissionais, nomeadamente às remunerações do trabalho, aos encargos suportados para financiar o Estado, etc. Quando a sociedade se estrutura para entregar a 1% da população 80% da riqueza produzida, vivem-se desequilíbrios baseados na injustiça sentida pelos de baixo em relação ao percebido pelos de cima. Contudo, a forma como são aplicados esses 80% marca a diferença entre as sociedades. Como se sabe, esses desequilíbrios foram sempre corrigidos de alguma forma em diversos momentos ao longo da História, na tentativa natural da reposição do equilíbrio da distribuição de rendimentos entre os homens nas suas relações profissionais, leia-se, na reposição do que é visto como uma injustiça. A violência espreita os exageros e a História não é parca em demonstrá-lo. Equidade é um termo que entrou no léxico moderno de políticos e comentadores. Mas a equidade não significa igualdade, significa justiça redistributiva numa proporcionalidade adequada ao cumprimento das obrigações que decorrem da nossa participação na sociedade. Equidade enquanto direito de acesso à educação, à justiça, à segurança, à saúde, encontramo-la expressa nas condições básicas de criação de um Estado Social que seja a raiz de uma sociedade mais equilibrada. Mas compete ao Estado zelar por que a equidade redistributiva cumpra as regras do mérito e que os direitos sejam proporcionais e subsequentes ao cumprimento das obrigações. A paz social em qualquer comunidade exige sempre regras estreitas que evitem as injustiças e promovam o equilíbrio das
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 43
relações inter-pessoais bem como da correcta e justa remuneração pela contribuição de cada um para o bem comum e na justa redistribuição da riqueza em função dessa contribuição. No fundo, o equilíbrio social, o bem-estar social, traduzem-se no sentimento individual e colectivo da justa remuneração e redistribuição dos factores de produção e de criação de riqueza na sociedade, isto é, no reconhecimento e dignificação do esforço individual para o colectivo, no justo equilíbrio entre o que se dá e o que se recebe. É dessa percepção de justiça social que advém mais adiante a proposta de definição de uma dada estrutura de condições de remuneração do trabalho. A equidade social não se manifesta pela distribuição igual entre todos dos mesmos bens sociais, isto é, todos têm a noção de que a estrada que percorrem está aberta para todos de igual forma mas que à margem dessa estrada foram construídas ou são construídas casas diferentes em função das posses de cada um. Por outro lado, ninguém critica, em princípio, que os proventos que uns têm sejam superiores a outros, o que decorre dos mais diversos factores que o sistema capitalista assume como um prémio ao resultado das iniciativas dos diversos agentes económicos, reflectidos na expressão final da aplicação desses proventos. Excepto se forem demasiados e injustos. Ou seja, a equidade aceita a percepção da diferença em função das capacidades de cada um, como o próprio Lenine reconheceu um século atrás, mas rejeita que se ultrapasse uma linha de razoabilidade que aproxima os resultados do sentimento da injustiça ou do roubo dos interesses comuns. Nas últimas seis décadas, a mudança foi liderada pela revolução das comunicações que transformou o globo num novo conceito acessível e compreensível a todos os cidadãos do mundo, unindo-os no conhecimento de outros mundos e outras gentes, outros costumes e outras
44 | ROGÉRIO BARROS COSTA
necessidades, outros direitos e outras opções de vida. Desde a televisão, que permitiu a visualização de outros países e outras gentes, ao correio electrónico que discretamente começou a fazer os seus caminhos na década de 60, novos factores de contacto entre os povos transformaram conceitos que não estiveram presentes nas reuniões de 1944 e 1945 de John Keynes e Harry White, no rescaldo da última Grande Guerra, nem na visão de construção do novo mundo que entrou pelas nossas casas, derrubando fronteiras que pensávamos impossível existirem fora da visão de Víctor Hugo. As mudanças incidiram principalmente na alteração de comportamentos entre os continentes, entre os países do mesmo continente ou de continentes distintos, eventualmente dentro de cada país, como Catalunha e Escócia no-lo demonstraram à saciedade, e, last but not least, entre as pessoas com que nos cruzamos na rua. A facilidade actual de movimentação de qualquer pessoa ao redor do mundo, dentro e fora de todas as civilizações e culturas existentes, o maior conhecimento do que se passa à nossa volta e o desenvolvimento do espírito e sentido críticos às mudanças internas e externas ao nosso enquadramento de raiz, fazem o resto. Não foram contudo estas mudanças resultado de evoluções com as necessárias revoluções no enquadramento político, demográfico, económico ou social, antes pelo contrário, muitas destas mudanças provocaram retrocessos que fecharam certas sociedades dentro de si mesmas, aproximando-nos paradoxalmente de perigos já vividos de que a História recente nos fala tão proficuamente. O optimismo evolutivo do homem não chegará para os combater, mas os tambores de guerra já soam em muitos locais, há muito tempo, e salpicam de sangue fresco os caminhos. Nunca deixaram de soar, em boa verdade, e os caminhos nunca deixaram de sangrar.
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 45
Pelo mundo fora, existem muitas gerações de homens e mulheres que nunca conheceram do mundo mais do que o medo do matar para não morrer, do fugir para sobreviver, do esconder para não existir. Para muitos, para cada vez mais, il faut vivre caché. Como reorganizar a demografia mundial, agora que as portas se abriram para todos e que do outro lado tão pouco existe para tantos? QUADRO 1.1. – Crescimento da população Mundial (106) Valores absolutos Total 1950 1987 1999 2009
2,6 5,0 6 7
Variação do crescimento
Anos
Anual
%
37 12 10
0,65 0,83 1,0
1,3 1,3
Fonte: ONU; cálculos do autor
As mudanças requerem reformas e as reformas requerem-se preventivas. Só que o mundo se dividiu ou se reuniu em blocos, e os blocos tendem sempre a fechar-se dentro das suas verdades e cores ideológicas que, como sabemos, escondem na generalidade as oligarquias de interesses de todas as cores em que o homem disfarça as suas tendências suicidas colectivas. Os blocos procuram fechar-se para viver a sua equidade, não para a internacionalizar ou globalizar. Cada macaco em seu ramo, diriam os brasileiros. Por outro lado, as mudanças históricas que levavam várias gerações a se consolidarem pretendem-se agora rápidas, quase imediatas, não se esperando construir um futuro mas cumprir egoisticamente esse futuro no presente, sem qualquer respeito pelas gerações vindouras.
46 | ROGÉRIO BARROS COSTA
Saímos na política económica das discussões teóricas sobre micro e macroeconomia que fizeram a fronteira entre os séculos XIX e XX para encontrarmos a poderosa força da urgência demográfica que ninguém tem coragem de colocar dentro dos modelos matemáticos na sua verdadeira dimensão - a avançar como onda de choque avassaladora contra as barreiras e muros que o Homem constrói de forma naïf, esperando parar o mar com sacos de areia e esconder o sol com a peneira. Com medo de si mesma, a velha Europa, ex-colonizadora, ex-proprietária e ex-senhora-rica das riquezas alheias, tenta fechar-se na idílica paz desenhada e desejada da União Europeia, mas não aceita ser solidária entre si nem realizar as reformas supranacionais por que urge. Entretanto, esta nova Europa, sem que tivesse recursos para isso, acenou ao mundo com uma abertura Schengen que lhe permitiu ser invadida como não se via desde os tempos do recuo muçulmano de Poitiers ou dos otomanos das portas de Viena, negando-se um processo gradual de mudança. Parece que todos pensaram que poderiam manter os velhos muros dentro das novas realidades, eternizar as suas formas de vida dentro das não equidades dos seus antepassados. Os franceses acreditaram nisso até que os alemães rodearam e reduziram a zero a importância da inexpugnável linha Maginot. Ninguém cuidou da nova construção política, social, demográfica, económica e social, por esta ou outra ordem, que o novo espaço e contexto requeriam. Excepto os sonhadores de uma Europa Unida, em que a forma como foi feita a introdução do euro foi a cereja em cima do bolo com que eles nunca sonharam. A China, imersa na homérica tarefa de manter equilíbrios estratégicos externos e internos, entre prática económica e teoria política, também parece não ter sintetizado bem as consequências do novo mundo que (ainda) domina financeiramente, enquanto o sistema
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 47
de vasos comunicantes que assola permanentemente a nossa vida não a transporte para equidades que importa todos os dias. Até lá, podia ir olhando para o que aconteceu ao vizinho Japão na década de 90. Até 2020 teremos certamente novidades bem marcantes. O mundo árabe não consegue definir-se de todo dentro das suas incongruências internas, imerso na total iniquidade social em que vive, tal como os Estados Unidos ainda não abandonaram a convicção de que as políticas da canhoneira que herdaram dos ingleses estão em definitivo subalternizadas a outras realidades. QUADRO 1.2 – Esperança média de vida na Europa Anos 1650 1850 1960 2100
Esperança média de vida 25 41 71 120*
*Dados não oficiais divulgados por demógrafos
Assim, acima da macroeconomia e da microeconomia teremos que construir, para sobreviver, uma base política de entendimento universalista geracional que, não servindo por igual a todos, dê ao mundo elos de conexão que lhe permitam encontrar novas evoluções por novos caminhos dentro de decisões universais antes discutidas e resolvidas local ou regionalmente. A equidade social passa resultantemente por aceitar novos pontos de equilíbrio que só são alcançáveis mediante desequilíbrios aceites por todos desde que saibam qual o preço e o endereço do novo ponto de equilíbrio que se pretende alcançar. Cada ponto de equidade constrói-se com inequidades diversas e pontuais,
48 | ROGÉRIO BARROS COSTA
com pontos de ruptura, com soluções de continuidade, não com laissez faire nem cabeças enterradas na areia. E dá muito trabalho. Para chegar ao âmago das propostas que atravessam este texto, foi necessário assumir do modo o mais humilde possível que o mundo mudou, que a nossa casa que vivia das nossas decisões já não nos pertence na sua totalidade mas que necessitamos de a gerir dentro das nossas realidades próprias e específicas que apenas nós conseguiremos e deveremos considerar para nosso bem futuro. Mais do que nunca, os países necessitam de criar estratégias e desígnios próprios que sigam com rigor, principalmente, os mais pequenos países que correm o maior risco de cair na voragem dos altos interesses internacionais. A nossa inclusão em espaços económicos maiores apenas reforça a necessidade de proclamarmos a cidadania como o elo identificador da nossa identidade. Outras catalunhas, outras escócias, serão acordadas em contrapartida do risco da perda de nacionalidade para espaços heterogéneos onde a perda de uns factores implica inevitavelmente o reforço de outros, no atendimento do equilíbrio que julgamos ser-nos racionalmente próprio e emotivamente adequado. A equidade social, a cidadania, começam em nossas casas mas não devemos aliená-las a favor de nenhum Estado. Nem mesmo o nosso.
DÍVIDA, MERCADOS E SOBERANIA | 49
1.0.1.2. As Reformas e a Demografia
A Universalidade do Assistencialismo
A este primeiro nível de consciência universal, qualquer nível de raciocínio deve considerar o elemento preponderante que é, mais do que nunca, a questão demográfica e as suas implicações - o crescimento da população e a sua distribuição geográfica, a qualificação das novas gerações e a capacidade de fixação das populações nos seus territórios de origem, a par das diferenças na apropriação das riquezas naturais – em que a Universalidade do Assistencialismo deixou de ser uma questão de ONG’s e de bons serviços humanitários por gente altruísta e bem intencionada para passar a ser parte integrante da vida comum de todos os cidadãos do globo e um campo económico de actuação efectiva. Aos blocos mundiais caberá dar vida real à organização das Nações Unidas para que não acabe como a inútil Sociedade das Nações que perorou entre grandes guerras sem qualquer efeito na sua tarefa de evitar novos conflitos. A ONU tem que ser reformulada e transformada no organismo liderante e pensante deste processo. É imprescindível a existência de um órgão internacional que coordene este processo universal, quando tudo aponta para mais um conflito de grandes dimensões que se avizinha e que parece inevitável. Cabe à ONU fazer entender e funcionar a universalidade activa e que seja, nos dias de hoje, fortemente preventiva daquilo que todos os sinais indicam: que estamos na edge de profundos movimentos de choque de massas. O governo mundial deixou de ser uma peça teórica para se tornar numa necessidade real e urgente. Mas como, se nem a Europa dos 28 (agora 27?) o consegue levar adiante? Trata-se sem