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FICHA TÉCNICA Voando nas Asas de um Sonho Fernando Duarte Fernandes EDIÇÃO: edições Vírgula® (Chancela do Sítio do Livro) AUTOR:
PAGINAÇÃO:
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TÍTULO:
Alda Teixeira Filipa Câmara Pestana IMAGEM DE CAPA: www.agefotostock.com ARRANJO DE CAPA:
2.a Edição Lisboa, março 2020
978-989-8986-06-1 DEPÓSITO LEGAL: 461326/19
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ISBN:
© FERNANDO DUARTE FERNANDES
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hamo-me Fernando Duarte Fernandes e sou um cidadão anónimo com 75 anos de idade. Sou português, mas fui criado no seio de uma família angolana (que é a minha própria família), no distrito de Cuanza Norte, em Angola. Tenho, por isso, cultura angolana, da qual não abdico… Continuo a ser perseguido… por imagens da minha infância: os odores, o luar quente do sertão, os animais selvagens, a flora e, claro, as pessoas, entre outros. Vim para Portugal há cerca de 40 anos e vivo na zona de Leiria, cidade que me acolheu e de que gosto muito.
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Prólogo
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ste romance desenrola-se, numa primeira fase, no interior das Beiras, Serra da Estrela, na localidade designada, ficticiamente, por Pedrulheira, da freguesia de Palheirais, do concelho de Cachupim da Serra. Retrata a vida rural e difícil, dos povos da região, na segunda metade do século XX. Aliás, em tudo semelhante ao interior profundo do resto do país, no que concerne ao modus vivendi, baseado no amanho da terra, de pequena dimensão, e na criação de gado ovino e caprino, dos quais subsistiam ao longo de todo o ano. A população local, de baixíssima escolaridade e maioritariamente católica, vive a sua fé e participa em todos os atos religiosos sob a batuta do pároco local, de seu nome Damião, homem da terra muito respeitado por todos os conterrâneos. A história é pura ficção, como ficou dito, embora tenha alguns pontos de referência a meia dúzia de cidades reais, nomeadamente Lisboa, para onde, mais tarde, se transferiu a personagem principal «Rosalinda Gaspar Dias», em busca de outros horizontes de vida, cortando com a tradição local, ou seja, nascer, crescer, casar e ter filhos para trabalhar a terra. Isso ela não queria. Dispenso-me de tecer mais considerações pelo que convido os leitores a lerem o livro, porque não se irão arrepender, uma vez que a história é curiosa e tem largos momentos de humor disseminados ao longo do texto que tratam de aspetos que poderão encaixar na vida de cada um dos mortais.
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CAPÍTULO 1
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Rosalinda Gaspar Dias nasceu na primavera de 1949, no seio de uma família pobre no Lugar de Pedrulheira, aldeia perdida algures na encosta este da Serra da Estrela, da freguesia de Palheirais, concelho de Cachupim da Serra. Rosalinda era a segunda de quatro filhos do casal Viriato Dias e Maria da Piedade, todos naturais daquela localidade. Tratava-se de gente simples, com pouca instrução, que sobrevivia da exploração agrícola de pequenos socalcos de terra herdados do pai de Viriato, Amílcar Dias, que já não se sentia com forças para os amanhar pelo que passava as tardes sentado numa pedra, muito polida, tão velha quanto o meio físico e ambiental em que se inseria, a contemplar a soberba paisagem em voos rasantes, com os seus olhos azuis, da cor dos céus, não se distinguindo muito bem onde começavam uns e terminavam outros. A mãe de Rosalinda, Maria da Piedade, fazia os trabalhos domésticos; mandava os filhos para a escola primária, logo pela manhã; soltava o pequeno rebanho de cabras que pastava por ali à volta de casa; e ajudava o marido a arrancar as batatas ou a plantar as couves utilizadas na confeção das refeições familiares. Às vezes, Maria da Piedade trabalhava sozinha quando o marido ia agricultar por conta de outrem. Na verdade, era difícil viver no Lugar de Pedrulheira por não existirem fábricas de tecelagem ou de transformação de produtos lácteos, para além do mel dos enxames espalhados, como cogumelos, por todo o lado.
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Certo dia, ao cair da tarde, quando Viriato chegava à porta do quintal, regressado de um dia de trabalho, bateu com os olhos na mulher e balbuciou algumas palavras de comiseração, perguntando: — Piedade, conseguiste plantar as alfaces todas que aí estavam dentro do balde? — Todas não, marido, mas quase todas! Ainda ficaram algumas, com as raízes mergulhadas na água para não murcharem. Amanhã, tratarei de plantar o resto, logo que os garotos vão para a escola e me deixem um pouco de tempo livre. A vida para os habitantes da região era absolutamente rotineira… não acontecia nada de novo, e até as pregações do padre Damião, ao domingo, não passavam de algo repetitivo e enfadonho, porque eram ditas sempre da mesma maneira. O clérigo já se habituara a viver naquela morrinhice, cristalizou, e não havia nada a fazer. Não era de estranhar… pois para além dos anos de seminarista que passou em Braga, fechado dentro das quatro paredes do convento, e talvez por isso, pouco conviveu com o progresso e com a sociedade civil. Era uma pessoa algo reservada, introvertida, muito agarrada à terra natal, onde passava invariavelmente as férias de verão junto da família e de alguns amigos mais próximos, não se importando com o que acontecia em outras paragens algo distantes tais como a Covilhã, Castelo Branco ou, mesmo, Coimbra. Preferiu ficar sempre junto das saias da mãe, onde se sentia como peixe na água, preservando obviamente o seu estatuto de religioso, celibatário, o que era compreensível… dadas as circunstâncias. *****
Viriato Gaspar Dias entretinha-se a plantar as alfaces, que a mulher ainda não conseguira enterrar junto de casa, quando foi surpreendido pela voz de Rosalinda que acabara de chegar da escola: — Boa tarde, pai! — disse a rapariga.
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— Boa tarde, filha — devolveu Viriato, com alegria, suspendendo a enxada no ar para a cumprimentar. — E como foi o dia na escola, lá em Palheirais? — Correu bem, pai, como de costume… Também brincámos às escondidas, no recreio, à apanhada… — Estuda muito, minha filha — aconselhou Viriato —, para não te perderes nestes matagais infestados de lobos e de raposas sempre a verem quando uma pessoa se distrai para abocanharem um cabrito, ou mesmo uma galinha, que nos dão tanto jeito para governar a nossa vidinha nesta terra, que não temos outra melhor. — E a mãe, onde é que ela está? — A mãe está lá para dentro. Diz-lhe que apronte o jantar porque eu estou cá com uma larica dos diabos! Ao chegar à porta de entrada da residência, Rosalinda ouviu a mãe a cantarolar uma cantiga que ouvira à vizinha Júlia, que residia em Lisboa, da última vez que ali esteve, por altura das festas de N. Sr.ª da Luz, no verão passado. — O que é que se passa, mãe, para estares assim tão contente?! — Boa tarde também se usa — repreendeu Piedade. — Às vezes temos de cantar para não andarmos a pensar em coisas piores… — Está bem — respondeu a filha. — Olhe, o pai mandou dizer que está com muita fome! Posto isto, Rosalinda foi para a sala juntar-se aos irmãos que àquela hora tinham o hábito de ver no écran do televisor uma série de desenhos animados, que estava muito em voga naquela altura. O aparelho de TV tinha saído numa rifa de quermesse, no último ano, por altura das festas de N. Sr.ª da Luz, padroeira de Palheirais. Nem tudo era mau neste lugar perdido da serra mais alta de Portugal continental. O irmão mais velho de Rosalinda, Abílio Dias, parecia estar satisfeito com a vida eclesiástica que abraçara, a que não era alheia a mão benta do padre Damião.
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— Puxa! — suspirou fundo Rosalinda. — Este já se livrou desta grande pasmaceira… — disse, querendo referir-se ao irmão que seguiu o sacerdócio. — Será que não há também mulheres padres? Freiras sei que as há… mas como não tenho vocação para andar vestida de pinguim! De vez em quando, Rosalinda era invadida pela recordação que guardava dos vizinhos que, há muitos anos, tinham partido de Pedrulheira para se fixarem em Lisboa. Uns para trabalhar na Carris, outros na siderurgia nacional e outros, ainda, na Quimigal, etc. Por altura das festas anuais, chegavam todos aperaltados… captando as atenções dos locais porque, na verdade, aparentemente, pelo menos por fora, eram diferentes dos que ficaram. Por tudo isto, começava a despontar nela a ideia de um dia lhes seguir as passadas, partindo também para Lisboa. Mas, por enquanto, precisava de conquistar o seu estatuto de rapariga, crescer, ganhar a confiança dos pais e de si própria e, depois, logo se veria. Uma coisa era certa: casar na terra, ter filhos e morrer ali, estava fora dos seus projetos de vida. Isso, para ela, era uma coisa sagrada.
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CAPÍTULO 2
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Encontrava-se o velho Amílcar Dias, pai de Viriato, sentado no seu posto de observação de pedra polida pela erosão, quando a nora, Maria da Piedade, chegou com um feixe de lenha à cabeça, atirando-o para o chão, num gesto rápido, para se libertar do peso e do incómodo que o mesmo lhe causava em cima do corpo. Respirou fundo, olhou em volta e… encarando com Amílcar Dias, dirigiu-lhe a palavra: — Boa tarde, meu sogro! Então… está tudo bem por aqui? — indagou. — E as cabritas… Tem-nas visto? Amílcar Dias pigarreou para responder, enquanto esticava o pescoço para ver se as alcançava ali por perto… — Estão lá ao fundo! Não as vês? Olha para elas! Andam a pastar — respondeu o ancião, orgulhoso do dever cumprido. — E o Farrusco? Anda com elas? — Maria da Piedade referia-se, agora, ao cão de guarda do rebanho, ao famoso serra-da-estrela. — Veja lá… tenha cuidado com os lobos porque, à mínima distração, deitam tudo a perder! Você sabe como é! Bem, tenho de ir apanhar uns grelos de couve para o jantar — prosseguiu Maria Piedade. — Vou cozinhá-los com umas batatas e um chouricito, para enganarmos a fome. Dito isto, suspirou fundo, passou as mãos pela testa e pelos olhos para limpar o suor e dirigiu-se para dentro de casa para pegar uma faca e uma cesta. — Os garotos estão lá para dentro a ver televisão ou, calhando, a fazer alguma maroteira… que é o costume — avisou Amílcar Dias. — Está bem — assentiu a nora com um gesto, entrando em casa imediatamente.
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CAPÍTULO 3
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Viriato Gaspar Dias, achando estranho a demora da família para sair para Palheirais, a fim de assistir à missa dominical, chamou pela mulher: — Maria da Piedade? Piedade?! — Chamaste, marido? — Chamei! Não sabes que hoje é domingo e que não devemos chegar atrasados à missa? — advertiu Viriato, algo impaciente pela demora. — Que horas são? — interrogou-se a mulher, olhando para o relógio de parede dependurado na sala grande. — Ai, meu Deus! Meninos? Vamos depressa que o senhor padre Damião não deixa escapar uma! Levanta logo aquele dedo acusador… e com muita razão! Chegar tarde à missa é um pecado muito grande, para não dizer mortal… E logo a família Dias que traz um filho no seminário de Braga, a caminho de vir a ser padre. É imperdoável! Despachem-se, vá! Rosalinda, onde é que tu estás, rapariga? A gastar o espelho… de certeza! Ai, esta miúda, que está cada vez mais vaidosa. Também não é de estranhar… está sempre a ver na TV aquelas sirigaitas, todas espampanantes, a desfilarem nos concursos de beleza! Qualquer dia ainda me aparece com as unhas pintadas… e sei lá que mais! — Vá, mãe, vamos embora. O pai e os manos, onde é que eles estão? — Já adiantaram caminho — respondeu Maria da Piedade, rosnando algumas palavras de desagrado pela demora da filha à frente do espelho. — E temos de esticar o passo para os apanhar antes de eles
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entrarem na igreja, senão lá fica o padre Damião a remoer algumas palavras de desagrado pelo mau exemplo que damos à comunidade. — Pois… — deixou escapar Rosalinda. — A mãe pensa que ele, o mano, foi para isso… por vocação, mas eu acho que… Cala-te boca, não digas mais… senão temos festa! — Oh, filha! — retorquiu a mãe, escandalizada. — Não digas isso porque cometes um grande pecado, logo agora que vamos ouvir o habitual sermão que nos deixará a todos purificados para o resto da semana. A contragosto de Rosalinda lá foram indo, mãe e filha, já prestes a alcançar os restantes membros da família, calçados de tamancos e de boina enfiada na cabeça até às orelhas, para se protegerem do frio e do vento, de calças curtas, porque a roupa de má qualidade encolhia e não havia dinheiro que chegasse para tudo. Ao entrarem na igreja, não houve ninguém que não voltasse a cabeça para trás para se certificar de onde vinha o matraquear das socas: toc-toc-toc, que se espalhou por todo o espaço sagrado. O próprio pároco, que já tinha começado a missa, fez uma pausa para indagar se o «toc-toc» que chegou aos seus ouvidos não seria de algum rebanho de cabras, foragido da alcateia que, devido ao rigoroso inverno, tivesse descido a serra em busca de alguma presa mais distraída. Posto isto, lá recomeçou com a sua habitual lengalenga: — Pois é… caros irmãos! Cada vez são mais os paroquianos que não cumprem com os horários das missas, não mandam as crianças à catequese e, no que à côngrua diz respeito, pensam que este vosso criado vive de vento, apesar de fazer bastante nesta altura do ano! Nunca é demais relembrar, que o ofertório semanal tem sido uma desgraça! — Apesar de alguma distância… — prosseguiu o clérigo —, e porque o tempo urge, teremos de começar a pensar na nomeação de uma «Comissão de Festas» para organizar o peditório e gerir todos os assuntos que se prendem com as ditas. Não nos podemos esquecer
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que, no próximo verão, seremos visitados pelos nossos compatriotas emigrados e, também, como de costume, por alguns estrangeiros. É necessário manter o brilho desta manifestação cultural, perene de fé, muito enraizada entre a nossa comunidade serrana.
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Rosalinda, ao ouvir o padre Damião falar de festas, lembrou-se logo da visita habitual dos pedrulhenses radicados em Lisboa. Pela sua mente passavam várias interrogações: Como seriam as modas este ano no campo da música, das roupas, os cortes de cabelo, etc. E os rapazes estariam mais atrevidos do que da última vez que ali estiveram? Será escusado dizer que Rosalinda não deixou mais de pensar em tudo o que a sua imaginação fora capaz de alcançar sobre um tema que lhe era tão caro, ao ponto de se esquecer de ouvir o resto dos avisos e recomendações feitas pelo reverendo. — Mãe, acha que os nossos vizinhos de Lisboa virão às festas? — quis saber Rosalinda, já fora da igreja. — Oh… filha, penso que sim! Eles têm vindo todos os anos… Para além do mais, têm cá a família que os espera ansiosamente. Foi sempre assim. — Gostava muito que eles viessem, por causa da Isaura. Ela fala-me de coisas interessantes que por lá acontecem. Depois, é muito cómica, tudo o que diz tem uma graça especial. Fartamo-nos de rir. Desejava também um dia poder viver em Lisboa. Ir ao Coliseu dos Recreios, ao Cinema Monumental e ao São Carlos, assistir a uma ópera… — Oh, rapariga! Não achas que estás a sonhar alto demais?! Foi ela quem te falou dessas coisas todas… do teatro, da ópera, ou lá o que isso é?! Vê o que é que andas a aprender! — Foi, mãe! Ela conhece todas as salas de espetáculos de Lisboa. Aos fins de semana, até vai à revista com os colegas e amigos da escola. É uma vida completamente diferente da nossa, aqui.
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Se por um lado, Rosalinda andava feliz com os relatos de Isaura sobre as coisas de Lisboa, por outro, não esquecia que não tinha roupa à altura para vestir nas festas de N. Sr.ª da Luz, e vai daí… — Mãe? Pai? — Rosalinda convocara a atenção de ambos. — Eu gostaria de estrear um vestido novo, agora, nas festas. Aquele que tenho já me fica apertado e também não gosto muito dele. Está velho e desbotado. Vá lá… comprem-me um vestido novo. Eu queria tanto um… vestido! — Rosalinda, nós não temos dinheiro para luxos! A vida está cada vez mais cara, e tu a ficares muito vaidosa — advertiu a mãe. — Não sei o que é que se passa contigo? — Oh, mulher! — intercedeu Viriato Dias. — Temos lá em casa dois cabritos, podemos vender um e, assim, fazemos a vontade à cachopa. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, percebes? Não se fala mais no assunto. — Estás a esquecer-te de que os ganapos — a mãe referia-se ao Jacinto e à Florinda — também necessitam de roupas… Não sei o que é que eles fazem para dar cabo de tudo tão depressa?! E o nosso padreco? A esse é que não pode faltar nada, porque lá na lavandaria do seminário não aceitam o enxoval em mau estado de conservação. — Deixa isso comigo, mulher — devolveu energicamente Viriato, pois tenho guardados alguns tostões das jornas e… vamos vivendo um dia de cada vez. Não sei se já te contei que o padre Damião convidou-me para cuidar da vinha da casa paroquial e, sendo assim, este já está garantido… percebes? Por isso, vai à feira com a rapariga, e comprem lá o pano para mandar fazer o vestido à Ti Rosa costureira. Quero ver a miúda bonita e contente nas festas de Palheirais. E, já agora, podem, também, escolher um par de sapatos novos. Rosalinda teve uma súbita explosão de alegria e não cabia em si de contente ao ouvir as palavras sábias e acolhedoras do pai que
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sempre se mostrou condescendente para satisfazer as necessidades mais prementes dos filhos, ao contrário de Piedade... — Obrigada, pai, estou tão feliz. É o melhor pai do mundo! — agradeceu Rosalinda, plena de satisfação. — Pois é, enches a garota de vaidade! — desembuchou a mãe. — Ela, assim, ainda arranja por lá algum rapaz, e depois quero ver quem é que lhe dá de comer?! Riram-se todos, em altas gargalhadas, mas Rosalinda, que fora apanhada de surpresa com aquela charada, até corou de vergonha, levando as mãos à cara para que ninguém percebesse o súbito embaraço em que ficara.
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CAPÍTULO 4
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O pároco conferiu posse à Comissão de Festas. Na altura, não se coibiu de fazer recomendações a todos os membros para que não se poupassem em matéria de esforço, água benta e muita simpatia para com os paroquianos, no sentido de conseguirem alguma generosidade nas oferendas por devoção a N. Sr.ª da Luz e por uma certa solidariedade para com a casa paroquial, que tão carenciada andava em termos de fundos. Havia algumas obras de restauro a fazer, que não poderiam ser mais adiadas, pois chovia na cozinha; o autoclismo deixava verter água; a antena de TV precisava de ser substituída… Enfim, uma panóplia de problemas a resolver e sem solução à vista. Se fosse preciso, admitia o eclesiástico, lá para a frente, far-se-ia novo peditório, outro e ainda outro, os que fossem necessários, até tudo ficar completamente solucionado. Palavra de quem manda e quem manda pode. *****
— Ó Palmira? Palmira? — chamou o clérigo pela governanta. — Não estás a ouvir-me, mulher? Onde diacho é que ela se meteu a esta hora? — O Sr. padre chamou? — Chamei, chamei, sim senhor…! — respondeu o pároco. — Diz-me cá uma coisa: como é que vamos de ofertas feitas pela comunidade, em matéria de produtos alimentares? — Não temos de que nos queixar, até agora, senhor padre Damião — respondeu, calmamente, a senhora Palmira, esfregando as mãos
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uma na outra, como se estivesse a marcar um ritmo para as suas próprias palavras. — Muito bem. É que se essas almas — referia-se aos paroquianos — se distraírem, cá estarei eu para lhes lançar alguns avisos do alto do púlpito, para que não se esqueçam de nós. Assim, eles sigam os meus conselhos e ensinamentos para que trilhem o caminho da fé, da humildade e da partilha… E o jantar já está na mesa, Palmira? — perguntou o reverendo, batendo com a mão direita na barriga, como se estivesse a acalmar o apetite. — Pode sentar-se, que já vou levar a travessa — concluiu a senhora, com alguma bonomia.
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CAPÍTULO 5
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Corria o mês de julho, estava-se a pouco mais de trinta dias da data da realização das festas, e o trabalho de preparação das mesmas prosseguia, afanosamente. O peditório feito por cada membro da comissão não poderia ter corrido melhor. Os andores estavam a ser forrados a papel novo, de várias cores, para dar mais brilho e alegria aos festejos. Enfim, o padre Damião desdobrava-se em perguntas e respostas para que tudo corresse na perfeição porque, afinal, viriam os lisboetas e os da emigração sempre dispostos a abrirem, um pouco mais, os cordões à bolsa, deixando transparecer, aos que ficaram na parvónia, que possuíam algum desafogo económico e bem-estar social, sobretudo as mulheres, que eram objeto de maior atenção, porque vestiam de modo diferente das que ficaram na terra. Usavam roupas da última moda, exibiam penteados espampanantes, sapatos altos e, no braço, à tiracolo, a indispensável malinha de mão para guardar o stick do batom e o espelho, para alinhar alguma madeixa de cabelo teimosamente desviada pelo vento da serra, que nunca parava de soprar. Rosalinda, que já há dois ou três anos terminara o ensino primário e não tendo encontrado trabalho diferente, teve de continuar a dedicar-se à terra e à criação de gado na pequena propriedade dos pais, contribuindo para a economia comum da família. Não estranhava aquele modo de sobrevivência porque nasceu e cresceu junto da comunidade serrana, embora soubesse que havia outras formas de vida para além daqueles montes, a avaliar pelo conhecimento que tinha dos lisboetas, seus conterrâneos, nomeadamente através das conversas que mantinha com a amiga Isaura, a residir na capital.
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