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FICHA TÉCNICA

revisão: Patrícia Espinha capa: Ângela Espinha paginação: Alda Teixeira

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Lisboa, junho 2022

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título: EVA autor: Ricardo Salgueiro Roque edição: Edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro)

isbn: 978-989-8986-57-3 depósito legal: 497283/22

© Ricardo Salgueiro Roque

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao(s) seu(s) autor(es), a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, textual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total. Assim mesmo, quaisquer afirmações, declarações, conjeturas, relatos, eventuais inexatidões, conotações, interpretações, associações ou implicações constantes ou inerentes àquele conteúdo ou dele decorrentes são da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autor(es). Esta é uma obra de ficção, pelo que, nomes, personagens, lugares ou situações constantes no seu conteúdo são ficcionados pelo seu/sua autor/a e qualquer eventual semelhança com, ou alusão a pessoas reais, vivas ou mortas, designações comerciais ou outras, bem como acontecimentos ou situações reais serão mera coincidência.

publicação e comercialização:

www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500

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Introdução É importante aspirar à evolução da alma, das ideias e do mundo. Dos cumes da razão descobriremos a verdade. Estas duas irmãs reve-

lar-nos-ão a paisagem de uma conduta digna de um caminho em

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elevação. O que é o certo e o errado? O Bem e o mal? Elas encarregar-se-ão de trazer luz. A razão, a verdade e o Bem não são dissociáveis, nem tão pouco qualquer um destes o é da nobreza de carácter, da tolerância ou da amplitude intelectual.

Seguiremos pelo caminho justo e são, o caminho de um bem maior. Da fonte do Bem, que brota sem fim, criaremos um mundo melhor. A tarefa em mãos é maior do que nós próprios, vive acima

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de toda a mesquinhez terrena que assombra os maus e que condena e compromete a todos. A injustiça e o mal não agradam a ninguém. São desordenados, sem razão, injustos e incoerentes. Justo é sentir gratidão e bem-estar pela escolha pessoal que faze-

mos ao optarmos por, cada dia, enveredar por um caminho positivo, construtivo e saudável, capaz de incluir tudo e todos em equidade, em paz e amor. Não será isso a plenitude? Só pode ser. Por cada vez que agimos mal, subscrevemos a folha da conduta

negativa. Essa que pesa. Muitos não a vêem, outros preferem não a ver. Há sempre quem a veja, especialmente nós próprios. Afinal, que dignidade tem o mal? Nenhuma. Existe apenas uma dignidade em relação ao mal: a da redenção sincera, a que tenta compensar pelo 5

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exercício do Bem, mas esta redenção já não provém do mal, antes nasce imediatamente do Bem, fazendo renascer inclusive aquele que se rendeu à conveniência da mediocridade. Para que nos serve a violência, a injustiça, a intolerância ou a destruição do nosso mundo? A quem serve a promoção e conservação da ignorância? Não nos serve a nós nem a ninguém. Na consciência

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tudo fica guardado, há que tê-la o mais leve possível, sem o horrível peso do mal. Saibamos ser ligeiros, em relação a nós e aos outros.

Para a travessia destas páginas não precisamos de bagagem, apenas de uma mente e espírito livres.

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Vamos com o tempo até um outro tempo. E que tempo será? Só

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o tempo o dirá.

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I Um silêncio cénico tomava conta do Espaço. Penetrante e ensurdecedor, tudo quanto se ouvia era silêncio... O som, ausente, era tão

agradável como a mais bela das melodias... O tempo e o espaço?

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Qual era o tempo e o espaço? Quem saberá?

Tosse, alguém tosse, com sofreguidão busca uma lufada de ar, procura uma inspiração com a aflição de quem esteve submerso até ao limite das suas forças… Finalmente descobre o fôlego que procurava. A conversão para uma nova atmosfera faz-se com brusquidão, sempre se fez... Nunca nenhuma transição profunda terá sido fácil para ninguém…

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Um salão enorme, colossal, uma janela do tamanho de um prédio

de trezentos andares virada para o infinito… Do exterior chega uma luz branda, suave, doce, delicada como uma carícia celeste. Nem sempre a escuridão surge sombria, a luz penetra em todo o lado e revela-nos as coisas mais belas do Universo... No centro um vulto, nem alto, nem baixo, de costas largas, descontraído, na paz de um lugar distante e belo, belo como nada antes visto... Ali está ele, em bruto, no seu habitat natural, de olhos liquefeitos, postos na eternidade... Como é bela a eternidade, sempre tão recente... A tosse vem detrás, atrás dele ela tosse, luta e busca pelo ar que procura... Imperturbável, decorando o que está à sua frente, ele parece seguro de que é apenas uma questão de tempo até que aquele esforço convulsivo 7

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seja superado. Ele tem a certeza de que será superado... Finalmente, meio confusa e atordoada, ela chama por ele. Ela – Ó tu que tens as costas largas e olhas para longe, quem és tu? Onde é que eu estou? Como te chamas? Ele – Finalmente, chegaste... Custou-te muito? Ela – Sinto-me fraca, não me consigo levantar daqui. Sinto o

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corpo dormente, não faço ideia de onde estou nem tão-pouco sei quem tu és. Posso ainda acrescentar que já fiz viagens mais agradáveis... Mas, afinal, quem és tu que conversas comigo e de quem só vejo os contornos?

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Ele – Sim, compreendo... Desculpa por não me ter apresentado... O meu nome é Máximo, Máximo Veríssimo...

Ela – Máximo Veríssimo?! Pobre coitado. Quem é que dá um nome desses a um filho?

Máximo – Responsabilidade de quem me fez. Quem me enviou aqui deu-me este nome, na verdade até gosto, nunca conheci outro que se chamasse assim. Goste-se ou não, pelo menos é original. Não

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concordas?

Ela – Tu lá sabes, como queiras... Não faz muito o meu género,

confesso, mas se tu gostas é o que importa. Já agora, sei que não me perguntaste, mas o meu nome é Eva, muito prazer. Máximo – Eva... Sim, Eva. Tens cara disso… Eva – Não sabia que se podia ter a cara do nome que se tem?

Estou sempre a aprender...

Máximo – Não, a bem da verdade não. Desculpa, tens razão. Eva – Diz-me, Máximo, levas a sério tudo o que te dizem? Máximo – Nem tudo… Vejo que, embora um pouco combalida,

acordaste enérgica…

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Eva – Mas que idade tens tu? Lá porque acordei toda partida não quer dizer que tenha desligado o cérebro! Estou a meter-me contigo, homem! Se há alguém aqui que parece ter estado a dormir és tu! Máximo – Uma coisa é certa, ânimo e energia não te faltam. Eva – E ainda não viste nada, ó grande Máximo Veríssimo! Que nome tão foleiro!

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Máximo – Eva, sua excelência não facilita… Eva – Mudando de assunto. Afinal de contas, para onde é que estás a olhar tão fixamente que nem sequer te viras para mim?

Máximo – Estás tão longe que mesmo que o fizesse não me con-

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seguirias ver.

Eva – Desde que acordei há pouco, reconheço sentir a visão turva. Sinto que estive séculos a dormir…

Máximo – Não, nem por isso. Estás num sonho lúcido... Eva – Um sonho lúcido? O que é isso?

Máximo – É um sonho em que estás consciente, onde consegues discernir, pensar, decidir por ti, enfim, agir. Durante um sonho lúcido

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funcionas com a mesma normalidade com que funcionarias se estivesses acordada, a diferença aqui é que o teu corpo está a dormir. Eva – Ai sim? Este tipo deve ser primo do Freud... Não vás ao

médico não… Sonho lúcido? Essa é boa... Máximo – A sério. Neste momento, aqui, comigo, só está a tua

mente e o teu espírito.

Eva – Uma bela peça me saíste... Ok, ok… Aos malucos diz-se

sempre que sim... Então fico muito mais descansada. Já agora, se não for pedir demais, podes-me dizer onde é que está o meu corpo? É que se o vires diz-lhe que amanhã preciso de acordar às sete da manhã para ir trabalhar. A minha vida não é andar a mirar paisagens pela

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janela. Uma mulher tem de pôr comida na mesa! Caso não saibas, já lá vai o tempo em que isso era tarefa exclusiva dos “machos-alfa”. Máximo – Eva, grande artista me saíste... Suponho que agora já consigas ver melhor e, quem sabe até, levantares-te? Aproxima-te de mim, irei mostrar-te onde te encontras. Eva – Isso é que é pior, estou aqui tão bem deitadinha. Diz daí

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que eu acredito, ó Máximo. Afinal se isto é um sonho, deixa-me ao menos desfrutar do descanso, bem preciso! Não te retraias, podes ir dizendo onde estou. Daqui ouço-te muito bem, meu caro... Mas o que tanto contemplas tu lá fora?

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Máximo – Como queiras... Estou a observar a Terra...

Eva – Então? Não me digas que és agricultor? Andas a plantar batatas? Ou serão couves?

Máximo – Até poderia ser o caso, mas não. Estou simplesmente a contemplar o planeta Terra.

Eva – Este tipo é incrível, tem a mania das grandezas... Ai estás “só” a contemplar o planeta Terra? Ok, então está tudo perfeita-

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mente tranquilo e dentro da normalidade... Desculpa interromper-te a contemplação, é que a mim parece-me que não estás a fazer muito sentido. Compraste um globo, foi? Os meus pais ofereceram-me um quando era pequenina, brilhava no escuro e tudo. Gostava de o pôr a girar, fechava os olhos e, à sorte, apontava o dedo para uma parte qualquer.

Máximo – Ai sim? E depois? O que fazias? Eva – Depois? Nada, ia pesquisar na Internet sobre os locais para

onde apontava. Foi também assim que aprendi a conhecer o mundo. Lá em casa não havia dinheiro para grandes viagens. Ou pensavas que era só apontar o dedo e lá ia eu de férias? Ó meu Deus, e depois eu é que estou a sonhar... 10

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Máximo – Adorável, Eva! Como é fácil estar bem-disposto perto de ti. Não imaginas como gosto de te ouvir, até mesmo quando só dizes disparates... Anda lá, larga esses lençóis, levanta o rabo da cama e vem até aqui para o meu lado. Vê com os teus próprios olhos o mesmo que eu estou a ver... Eva – Não é que me apeteça muito, mas ok, convenceste-me, eu

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vou…

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II

Após longo descanso numa espécie de cama no centro de um enorme salão, Eva levanta-se e encaminha-se para perto daquele misterioso companheiro. Rapidamente percebe que Máximo está mais longe do que supunha quando deitada e em conversa com ele. Os seus passos multiplicavam-se e Máximo permanecia longe. Foram precisos alguns minutos para o alcançar. Antes de chegar àquela espé-

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cie de terraço onde Máximo se encontrava, Eva foi atirando alguns piropos pelo caminho…

Eva – Então tu é que és o grande Máximo Veríssimo!? Não és lá

muito grande, não... Pensei que um tipo com um nome desses fosse um bocadinho maior.

Máximo – Lamento desiludir-te. Sabes que, a meu ver, não

somos do tamanho que a natureza nos confere, mas do tamanho daquilo que somos, sendo...

Eva – Alto aí e pára o baile! Desculpa lá, ó Máximo, tu és sempre

assim? É que tens o discurso de uma estátua, homem! Já ninguém fala assim! Actualiza-te!

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Máximo – Actualizo-me? Não me faças rir... Dou-te um desconto, compreendo que não estejas habituada. Rapidamente irás perceber que não é defeito, é feitio! Deixa de ser impertinente e aproxima-te. Eva – Wooooowww!!! Estarei a ver o que estou a ver?! Ok, sim, agora sim, convenceste-me! Isto é mesmo um sonho, sem dúvida! Só

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não sei quanto à parte de estar lúcida... Máximo – Vês? Eu não te disse que valia a pena vires até aqui. O que estás a ver é exactamente o que te passa à frente dos olhos.

Não é maravilhoso? Olha, tu estás ali em baixo, naquele magnífico

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berlinde azul. É ali que todos os dias adormeces e acordas, é ali que vives, e é ali que os teus filhos e os filhos dos teus filhos viverão. Eva – Ufff ! Belisca-me por favor! Que eu me lembre, não sou

dada a drogas, às vezes uns copos, sim, mas nada que me faça ter este tipo de alucinações! Suponho que tenhas razão, só posso estar a sonhar! Se calhar, o melhor é voltar para a cama… Estranho é que seja um sonho tão real...

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Máximo – Querida Eva, nem a dormir te falta o sentido de

humor.

Eva – Quem te ouvir falar até há-de pensar que me conheces de

algum lado… Já que aqui estamos, vou alinhar contigo. Diz-me lá, então, o porquê de tanta introspecção ao observares o meu querido planeta?

Máximo – Diz-me tu, ó Eva, se porventura visses alguém dis-

traído, prestes a resvalar por um precipício abaixo, estender-lhe-ias a mão?

Eva – Logicamente que sim! Máximo – Muito bem, então estamos em sintonia! Eva – Afinal, o que te preocupa tanto? 12

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Máximo – Entende-me, se conseguires: aqui estou eu, desperto e sem dormir. Enquanto aqui estou, observo este planeta excepcional, de tantas formas e perspectivas diferentes, tantas que nem metade delas pareces conseguir compreender. Com muita pena minha, constato que como um pássaro que perdeu o voo, encontro-o doente, ferido, a suplicar por ajuda. Daqui consigo ver mais à frente o que

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hoje, para ti, se te afigura impossível de ser imaginado. É justamente por isso que aqui estou, essencialmente por duas razões: a primeira porque te encontravas esgotada, drenada por tanto te “ligares” a tudo quanto te circundava. A bem da verdade, no mundo tudo nos

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circunda. A segunda: porque te quero transmitir muito daquilo que

te ajudará a salvar a espécie humana e o mundo natural do qual todos dependem irrevogavelmente.

Querida Eva, os desafios do futuro já se fazem presentes e o sonambulismo tomou conta deste mundo.

Eva – É óbvio que, de vez em quando, gostas de tornar tudo demasiado sério... Está bem, suponho que estejas no teu direito.

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Entretanto, se isto é um sonho, lúcido como dizes, que seja! Nesse caso, qual é o propósito de tudo isto? Para onde vamos? E como te deste conta desse cansaço acumulado? O que queres tu dizer com “ligar-me” a tudo?

Máximo – Querida Eva, iremos por partes. Aqui do alto aten-

tamente te observava. Impossível teria sido não reparar no tamanho da tua alma. Para mim é por demais evidente: a tua alma é grande, enorme, sem dúvida! Uma alma assim não é comum. És um evento especial, digno de celebração. Algo assim tão grande, tão profundo, traz consigo os seus reveses. Eva – Obrigado pela moral, ó Máximo! Bem precisava! Mas,

confesso-te, eu própria não acredito nem me revejo nas tuas palavras, 13

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no entanto, estou a gostar de te ouvir! E que reveses são esses de que falas? Máximo – A meu ver, é claro como a água da chuva. Quando a alma é grande demais e não nos cabe no corpo, a tendência é para nos “ligarmos” a demasiadas coisas em simultâneo. Sejam os nossos problemas ou os dos outros, sejam uns e outros, seja o mundo, o Uni-

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verso ou tudo quanto nele existe. Quando a alma é grande, é também irrequieta, cobre todas as distâncias e abraça todo o pensamento,

sentimento e emoção. Isto acontece por ausência de contenção. Sem essa moderação, a alma vagueia e a tudo se permite. É fundamental

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vigiar o espírito e saber abrandá-lo. Caso se lhe permita, ele entregar-se-á livre à hiperactividade. É certo que o fará, e assim, mais dia menos dia, afadigará o corpo até ao esgotamento. Os problemas dos outros serão constantemente sentidos como nossos e os acontecimentos do mundo serão absorvidos por cada poro, por cada fôlego que dermos. Não basta inspirar profundamente o ar que respiramos, é preciso expirar na mesma medida. Este tipo de conexão desgasta

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mais, muito mais. Alguma abstracção torna-se necessária para que tanto o corpo como a alma mantenham uma constância ideal de funcionamento. Como tudo o que é bom na vida, é bom enquanto está equilibrado, ao centro. Uma alma em frenesim obriga a mente a estar constantemente concentrada, sintonizada e focada, seja no bom, no mau ou em ambos. Frequentemente fá-lo-á de manhã à noite e, por vezes, até durante o sono. Se estiveres conectada a tudo e a todos, certamente o corpo não irá suportar tamanha exigência que lhe requeres. É que nem tudo o que a alma pode o corpo suporta. Mal comparado, eu diria que não existe alternador que converta perfeitamente toda a potência da alma. Por isso se tornam tão importantes o descanso e as noites bem dormidas, o contacto com a natureza 14

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e o isolamento, pelo menos sempre que seja necessário. Todos nós precisamos de repouso para nos sentirmos bem. Uma noite bem dormida será provavelmente o melhor investimento que podemos fazer no que toca à saúde física, mental e espiritual. Eva – Embora tudo me soe rebuscado, suponho que algum sentido farás. Só ainda não percebi como te apercebeste tu do meu des-

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gaste? Máximo – Cara Eva, eu e tu temos muito em comum. Uma diferença pertinente entre nós é que eu estou no tempo há mais tempo do que tu.

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Não é raro aqueles que estão a nossa volta e por quem zelamos, por vezes, não se aperceberem da dimensão do nosso cansaço. As

pessoas que nos rodeiam são quase sempre melhores a retirar do que a repor, este é um mal comum à maioria e não é nada que nos deva surpreender. Parece ser sempre assim e em relação a quase tudo e todos. Porque estou atento apercebi-me de que passaram por ti uma vez, duas vezes, três vezes, vezes sem conta e nada... Decidi, então,

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segundo a natureza da minha alma: ora se os outros, a maioria, se fazem indiferentes, eu não faço, pois é esse tipo de postura negligente um dos grandes males do mundo. Trouxe-te até aqui a fim de te recarregar a alma, refrescar-te as ideias, chamar-te à razão e devolver-te à vida na Terra energizada por novas perspectivas. Eva – Muito bem! Irei fazer de conta que tudo aquilo que me

dizes faz todo o sentido...

Máximo – Que assim seja. Agora nunca te esqueças disto: a

mensagem é sempre mais importante do que o mensageiro. De uma forma ou de outra, o que tenho para te oferecer brota da fonte eterna da razão e de nenhuma outra.

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Eva – Espera lá, deixa-me cá ver se percebi bem. Resumindo: o “Doutor” Máximo não só funciona como médico, receitando-me descanso de qualidade para que o corpo e as suas partes recuperem, como ainda opera como meu anjo da guarda, aconselhando-me mais controlo sobre a actividade da alma. Se não me soasse tão surreal diria que fazes todo o sentido!

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Máximo – É precisamente isso. Dá-me, por favor, o benefício da dúvida e mantém-te receptiva. Verás como, a seu tempo, te sentirás melhor.

Eva – Ó Máximo, tu não podes ser deste mundo, caro amigo!

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Afinal, diz-me logo, de uma vez por todas, o que tanto te preocupa na Terra? Não percebeste ainda que o Homem escreve mal a sua história? Não vês que, por este andar, é só uma questão de tempo até

que as suas acções levem à queda da Humanidade? O que pretendes tu de mim? O destino não está nas minhas mãos, os homens já o traçaram!

Máximo – Pretendo o melhor de ti! Pretendo que salves o planeta

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Terra da autodestruição humana. Deposito em ti enorme esperança, de braços cruzados não podemos ficar! É como dizes: sem dúvida que o Homem tem tratado muito mal as páginas da sua história, é também verdade que não as escreve com rectidão, mais parecendo um destro que se esforça por escrever com a mão esquerda, mas também não é mentira que poderá melhorar se não abdicar do sentimento de humanidade que lhe mora no peito! Talvez o mundo tenha ainda a oportunidade de recuperar um futuro brilhante! Se não acreditasse nisto com toda a minha alma, teria declinado este esforço! Eva – Máximo, ó Máximo... Meu caro amigo, onde estacionaste

tu a nave? Não te dás conta de que o mundo está a ser sepultado nas campas da ganância, da corrupção e da maldade? 16

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Máximo – É por demais evidente, ó Eva... No entanto, há esperança! Ainda existe nobreza no coração humano! Estes próximos dez anos serão fundamentais para desviar o planeta de uma rota de destruição maciça. Por isso, e já que falas em naves espaciais, vamos os dois partir até um novo mundo… Eva – Um novo mundo? Bom homem, este sonho não pára de

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me surpreender! O que queres tu dizer com isso? Para te ser sincera, começo a gostar disto. Pensei que estar aqui contigo, não sei bem onde, a observar o planeta Terra, de uma varanda no Espaço, era já

excepcional o suficiente! Mas tu ainda me dás a conhecer que vamos

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até um novo mundo? Do que estás tu à espera? Vamos logo!

Máximo – Eva, Evita, como me apraz a tua irreverência. Prepara-te, minha querida. Eu e tu encaminhar-nos-emos para um mundo longínquo, distante, muito, muito distante! Algures no Espaço profundo, noutro sistema planetário… Mergulhado numa galáxia cheia de vida, existe um mundo diferente, um como nunca viste: enorme, gigante, grandioso, de órbitas lentas, muito lentas, onde os dias não

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têm pressa e correm devagar. Por lá, as noites são claras e quase tão longas quanto os dias, iluminadas ora por luas ora por sóis antigos, não raras vezes por ambos. Nesta terra, que em breve te darei a conhecer, o primeiro raio de luz parece estar sempre iminente, até mesmo quando não está. Do céu espreitam ainda triliões de estrelas que iluminam a superfície como candelabros. Uma infinitude de rotas celestes brilha nas profundezas do páramo. Este é um planeta iluminado por três sóis, vigiado por três luas. Cara Eva, prepara a tua mente e o teu espírito, levar-te-ei a conhe-

cer um dos mais belos, remotos e misteriosos planetas do Universo: a grande Trinitatis!

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Eva – Reconheço que a conversa está a subir de interesse! Já não viajo há tanto tempo e logo agora haveria de quebrar este hiato com uma escapadinha até Trinitatis!? Planeta do qual nunca sequer ouvi falar! Ó meu querido Máximo, por onde andaste tu este tempo todo? Vê lá se apareces mais vezes! E que contigo venham mais sonhos destes!

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Máximo – Caríssima Eva, uma coisa te garanto: voltarás à Terra uma nova mulher, de horizontes alargados e muito mais vastos.

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III

Máximo estendeu a mão a Eva como quem convida uma senhora para dançar. Eva confiou e deu-lhe a mão. Lado a lado, foram caminhando. Percorreram um salão enorme dirigindo-se para o que parecia ser um portal. Uma espécie de vórtice luminoso fazia adivinhar uma porta para algures. Eva, perfeitamente consciente no seu sonho,

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não viria a ser capaz de recordar os momentos entre a entrada no vórtice e a saída deste. Do lado de cá, a Terra viu os dois desaparecerem na tracção daquele portal.

Uma vez chegados ao destino, Eva tinha perdido a noção do

tempo. E, mais uma vez, sentia dificuldade em situar-se. Encontravam-se algures na imensidão do infinito. Tinham desembocado numa lua de vistas avassaladoras. À sua frente, um planeta de proporções titânicas monopolizava todas as atenções. Múltiplas auroras pairavam suspensas no panorama dos seus olhos. Imponente e arrebatadora era a imagem de Trinitatis, um mundo novo para Eva. Dali surgia como uma esfera enorme e flutuante, como se pairasse encostada a um pano de fundo partilhado por sóis e estrelas num horizonte 18

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eterno. Trinitatis era tão agigantada que, apesar da distância para esta lua, ainda assim lhe superava o tamanho em larga escala. O porto em que atracaram, a lua, assemelhava-se a um pequeno mundo. Em tamanho era apenas um pouco menor do que o nosso planeta. A primeira sensação era de que a natureza florescia livremente, remetendo-nos para a ideia de um mundo intocado. Asse-

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melhava-se a um planeta Terra virgem e com espécies diferentes. As cores da vegetação, as árvores, as flores, todas eram distintas, já a sua

lógica era sem dúvida em muito parecida com a do nosso mundo. O que na Terra era verde, ali poderia pintar-se de qualquer cor. A

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vegetação vestia-se de quase todos os tons. A variedade das paisagens, os cheiros e os sons, apresentavam-se como um autêntico festim para

os sentidos. Poluição? Não existia tal coisa. Tudo era semelhante à nossa casa, e tudo era diferente da nossa casa.

Eva e Máximo encontravam-se distantes no Espaço e no berço de uma nova natureza sentiram-se bem e revigorados. A lua sentia-se antiga, remota e reminiscente. Não poderia ser mais evidente que,

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naquele território, a natureza era muito estimada, protegida como uma mãe profundamente amada. As árvores respiravam saúde e cheias de vigor subiam até se esconderem por trás das nuvens. Pequenos oceanos inauguravam milhares de lençóis freáticos que se estendiam um pouco por todo o lado. A água, completamente translúcida ao perto, revelava-se quase sempre púrpura ao longe. As cores do céu em muito influenciavam as da água... Nenhum suporte à respiração era necessário. Para os pulmões de

Eva, o ar sentia-se mais húmido do que o normal, mas fresco e imaculado como nenhum outro. Eva – Que vista incrível, ó Máximo! É caso para se dizer: arreba-

tadora implacável de sentidos é o que és, ó paisagem! De facto, con19

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tinuo sonhando! Até as pernas falham em apoiar-me, sinto-as frágeis. A beleza à minha frente é tudo menos normal. Máximo – Entendes-me agora? Tinha a certeza de que irias gostar. Nunca ninguém se queixou do enlevo deste lugar. Eva – Percebe-se facilmente o porquê. Não há como não nos comovermos, nem mesmo um coração de pedra escaparia incólume.

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Máximo – Por mais vezes que me fascine perante a visão de Trinitatis, das suas luas e sóis, nunca me habituo. Desconfio que tal coisa não seja possível.

Eva – De facto, é tudo tão belo que roça o inimaginável. Bom

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homem, como me surpreendes! Máximo Veríssimo: uma caixinha de surpresas.

E como é possível o ar ser tão límpido? Julguei que noutras luas, assim como noutros planetas, não seria possível respirar, muito menos poderia imaginar deparar-me com ar desta qualidade! Levemente, sinto o sabor das partículas de humidade escorrer da atmosfera. E se o cheiro a terra molhada sempre me agradou, por aqui ele é ainda

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mais intenso!

Máximo – É verdade, cara Eva. Mas sabes que nem sempre o

ar desta lua e, para todos os efeitos, de Trinitatis, foi tão saudável. O ar que se respira em ambos é semelhante, embora em Trinitatis seja substancialmente mais húmido por virtude das suas intermináveis florestas e intensa vegetação. Afinal de contas, Trinitatis é um megaplaneta, dotado de uma natureza exuberante de proporcional grandeza. Contar-te-ei algumas das suas histórias, e, por conseguinte, desta lua. Ambos estão interligados e associados aos mesmos habitantes. Sabes, ó Eva, é que também por aqui houve um pré-colapso ambiental, tal como hoje acontece no nosso querido planeta Terra.

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Eva – Nunca imaginei que outros tivessem passado pelos mesmos tormentos que nós... Parti do princípio que fosse exclusiva dos Humanos a tendência para destruir planetas. Máximo – Na verdade, também em Trinitatis o ADN é humano, logo as diferenças entre o nosso “povo” e o deles não é tão grande como poderíamos supor. Por virtude de fazerem parte de uma civi-

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lização muito mais antiga, a evolução em que hoje se encontram é naturalmente outra. No entanto, aprenderam da pior forma que não ser razoável não compensa, nem tão pouco é bom presságio para a saúde dos planetas.

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Eva – Como assim!? Conta-me tudo!

Máximo – Com todo o gosto. Ora, Eva, fica sabendo que em Trinitatis o início dos tempos não terá sido muito diferente daquele que hoje se vive na Terra. Face à escala do tempo, a evolução no nosso planeta é ainda primária. Aproveito para te informar, desde já, que a espécie humana não tem plena consciência da sua franca imaturidade, encontrando-se ainda na sua infância não se apercebe

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do seu estágio prematuro na escala evolutiva. Nem tão pouco, neste momento, se consegue situar com grande abrangência e perspectiva na relação entre as diferentes épocas e o seu próprio potencial, tanto cognitivo como físico e espiritual. Apenas porque a amostra existencial que tem do seu próprio registo é ainda muito curta no tempo. O futuro, se lá chegarmos em boas condições, é enorme e poderá ser maravilhoso. A espécie humana parece, neste momento, não conhecer ainda toda a sua plena capacidade. O que é normal, porque para isso são necessários milhões e milhões de anos de evolução das espécies enquanto num estado avançado de inteligência. Mas, para se cruzar a longevidade do tempo, é preciso, antes de tudo o resto, que as espécies evoluam ao ponto de se tornarem capazes de gerir a sua 21

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