HISTÓRIAS
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TÍTULO:
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FICHA TÉCNICA Rio dos Bons Sinais Gabriel António Teixeira Brandão Cavaleiro EDIÇÃO: edições Ex-Libris® (Chancela do Sítio do Livro) AUTOR:
CAPA:
Joäo Pereira (intothebackstudio.com) Liliana Simões; Sónia Marques (it’s a sónia – www.facebook.com/itsasonia) PAGINAÇÃO: Alda Teixeira REVISÃO DE TEXTO:
Lisboa, julho 2020
978-989-8867-82-7 465994/20
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ISBN:
DEPÓSITO LEGAL:
© GABRIEL ANTÓNIO TEIXEIRA BRANDÃO CAVALEIRO
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PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:
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O testemunho de Luís Vaz de Camões
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E foi que, estando já da costa perto, Onde as praias e vales bem se viam, Num rio, que ali sai ao mar aberto, Batéis à vela entravam e saíam. Mui grandemente aqui nos alegrámos Co a gente, e com as novas muito mais. Pelos sinais que neste rio achámos O nome lhe ficou dos Bons Sinais.
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Os meus olhos viajam mais do que as minhas pernas. O meu pensamento mais do que os meus olhos.
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JosĂŠ Eduardo Agualusa, A Vida no CĂŠu
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Biografia 1941 – Nasce a 5 de Julho, em Bissau, Guiné, na “Casa do Bispo”.
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1946 – O Pai é transferido para Moçambique. Seguem de Lisboa para Lourenço Marques e daí para Quelimane, capital da província da Zambézia, Moçambique. Depois de várias horas de carro, chegam à povoação de Maganja da Costa. Aqui, com 5 anos, frequenta a Escola Primária, como assistente (não tinha idade para se matricular na 1ª classe). Aprende a ler nesse mesmo ano numa escola onde era o único “branco”. O próprio Professor não era “branco”. E dele nunca se esqueceu… 1950 – Em Pebane, também na Zambézia, termina a 4.ª Classe. Naquela altura e naquela zona geográfica de Moçambique, este era o nível mais elevado de educação que se podia atingir. 1951/52 – Vai para o “Instituto Portugal” em Lourenço Marques, interno, para frequentar o 1.º e 2.º ano do Liceu.
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1953 – O Pai é transferido para Quelimane onde há o Colégio do Sagrado Coração de Maria, misto, com ensino até ao 5.º ano do Liceu. Junta-se à família em Quelimane.
1953 – Volta para casa, agora em Quelimane, no dia em que fez 12 anos, 5 de Julho de 1953. 1957 – Contra a vontade da Mãe mas com autorização do Pai, tira o brevet de “Piloto Particular de Aviões” num Piper Cub, no Aéro Clube da Zambézia, em Quelimane. Foi o piloto mais novo até então em Moçambique, a voar sozinho. Tinha 16 anos. 1959 – Para prosseguir os estudos (6.º e 7.º anos), viveu na Beira e em Lourenço Marques porque este nível de educação não era leccionado em Quelimane. Fica acomodado numa Pensão. 1960 – Desiste de estudar e inscreve-se num curso de Topógrafo, em Lourenço Marques. Durante 8 meses vive acampado numa tenda militar, com outros colegas já encartados, no mato, perto de Moamba, a poucos quilómetros da fronteira com a República da África do Sul, pela entrada do Kruger Park. 1961 – É convocado para a inspeção militar obrigatória e fica aprovado para todo o serviço. Resolve inscrever-se na Força Aérea. Meses depois é aceite e enviado para Portugal Continental, para a Base Aérea n.º 1, em Sintra. Neste ano começa a guerra contra o terrorismo no norte de Moçambique. O Pai é transferido de Quelimane para Marrupa, no Niassa, bem no Norte de Moçambique.
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1962 – Faz o Curso Básico de Piloto da Força Aérea em Aveiro, Na Base Aérea N.º 7 em S. Jacinto, num avião Chipmunk. 1963 – Convidado a fazer curso de Harvard T6 na Base Aérea de Matacán em Salamanca, Espanha (Real Força Aérea, Ejército del Aire). 1964 – É brevetado pela Força Aérea Portuguesa e inicia, a convite também, o Curso Complementar de Aviões de Caça em aviões a jacto T-33 na Base Aérea N.º 2, na Ota.
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1964/66 – Voa nos F-86 da Base Aérea N.º 5 em Monte Real, Leiria, a casa dos “Falcões” (que hoje voam o F-16) e ultrapassa a barreira de som. 1967 – Oferece-se como voluntário para combater em Moçambique, na Força Aérea. É enviado para Nova Freixo e Vila Cabral, Niassa, norte de Moçambique. 1969 – Regressa a Portugal Continental e concorre à TAP. Faz o curso de piloto da TAP entre Outubro de 1969 e Janeiro de 1971. 1971 – 1.º voo como co-piloto da TAP em Boeing 707.
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1976 – 1.º voo como Co-Piloto da TAP em Boing 747. É também neste ano que se desloca ao Paquistão, numa equipe que integrava pilotos e mecânicos de voo, durante meses, para dar assistência aos pilotos da Pakistan International Airlines (PIA), que tinha comprado 2 Boing 747 à TAP. 1977 – Promovido a Comandante da TAP em Março, em aviões Boeing B-727. 1977 – Promovido em Outubro a Instrutor/Verificador de Simulador e a Verificador de Voo dos pilotos da TAP de Boeing B-727. 1987 – Integra a Air Atlantis, subsidiária da TAP, com centro de actividades no Algarve. 1991 – Passa a voar no Airbus A310.
1994 – Num acordo entre a TAP e as Aerolineas Argentinas desloca-se para Buenos Aires com outros pilotos para assistirem os pilotos argentinos na introdução do Airbus A310 na Companhia. Durante 4 meses. 1995 – Passa à reforma …… GRAÇAS A DEUS!!!.....
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Introdução Rio dos Bons Sinais, é como se chama o rio que corre na cidade de Quelimane, situada em território do povo Macua, capital da Zambézia, Moçambique, agora já muito perto do oceano Índico, o Grande Mar Português.
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Foi Vasco da Gama, no dia 25 de Janeiro, daquele longínquo ano de 1498, à bolina pelo oceano Índico, nas costas de Moçambique, durante a primeira viagem, quem deu o nome de «Bons Sinais» ao rio que o levou a Quelimane. Isto por ter tido ali bons sinais, junto de famílias islâmicas originárias de Angoche, e estar ali perto de poder concluir com sucesso a viagem pelo mar fora até à Índia. O rio ainda se chama assim… (o nome original deste rio era «Quá-Qua»).
Este rio, ou melhor, este livro já vinha sendo adiado há algum tempo mas, agora da ideia da Maria João (Sobrinha) e depois com a ajuda dos «primos Cavaleiro», finalmente o livro é mesmo uma realidade!
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Não é uma história de vida, mas são histórias de uma vida, são memórias desde a infância até à reforma, histórias recheadas de aventuras e desventuras e umas quantas loucuras, mas sempre com final feliz.
São várias histórias de vida que agora ganham uma outra vida e que se perpetuam neste livro. Desde a vida no mato até à velocidade do som, passando ainda por dramas de dimensão nacional e também por outras histórias que só foram possíveis no tempo em que ocorreram. Todas elas foram vividas na primeira pessoa e ao serem transpostas agora para livro poderão passar de geração em geração e deixar que as memórias do passado se possam sempre ligar ao presente e ao futuro. Algumas destas histórias foram já publicadas em revistas militares ou ainda ajudaram a escrever outros livros, como o SOS Angola, o que só per se já justificava editar este conjunto de histórias. Não estão cá todas as histórias do blogue, ficaram de fora histórias como a do Tenente Malaquias e a do acidente da TAP do Funchal, tão-somente porque não cumpriam o desígnio traçado para este livro: somente histórias de índole pessoal. Contudo, todas as outras podem ser sempre lidas no blogue que continua activo e sempre actual. João Pedro Cavaleiro
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Não sabemos se perdemos um Pritzker na arquitectura ou se ganhamos um excelente, seguro e consciencioso piloto de linha aérea.
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Aqui, a certeza que temos é de estar perante um cativante narrador de histórias e contador de estórias ora dramáticas (ex. “Tenente Malaquias”, “Acidente Aéreo no Funchal”, etc.), ora cómicas (ex. “Sargento ‘Ribelo’”, “Peso e Centragem”, etc.), ou simplesmente técnicas ou narrativas. Inclusivamente na estória “Dembo e a Vagabunda”, nunca teremos a certeza se os acontecimentos serão os correctos. O canino nunca foi claro nas respostas às nossas perguntas. Mas inclinamo-nos para que assim tenha acontecido!… Em paz consigo e com o mundo, honesto e sensível são fortes características da sua personalidade.
Uma estrelinha esteve sempre à sua frente. Terá sido premonição por ter nascido na “Casa do Bispo”, na Guiné? Quem sabe se não está aí a resposta à gincana de bicicleta ao Mont’Alto, Arganil, no ido ano de 1955?!
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O grande Comandante e 2.º Vice Rei da Índia, Vasco da Gama (cujos restos mortais dizem repousar no Mosteiro dos Jerónimos (mas há quem garanta que ainda se encontram na vila de Vidigueira, Alentejo, de que foi 1º Conde e que seria sua vontade expressa), está certamente orgulhoso de no Séc. XXI haver um blogue em media informática, homenageando-o e ao nome que deu ao rio onde estava quando soube que navegava na rota correcta que o levaria à Índia – o rio dos Bons Sinais. Por tudo isto, querido mano, terá sido com propriedade que a nossa Mãe tanto gostava de dizer que eras “a jóia da coroa”, referindo-se aos filhos. Maria Teresa Cavaleiro
O meu avô sempre foi um grande contador de histórias, e é com enorme prazer e surpresa que o vi a meter-se no mundo dos blogues. E que excelente ideia foi, pois continua a crescer a olhos vistos. As histórias, todas elas verídicas e com contribuição pessoal, fazem-nos ver como eram as coisas antigamente. De um neto orgulhoso,
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DEDICATÓRIA Ao meu querido Tio Gabriel, por me ouvir sempre que é preciso e por viver no meu coração. Há pessoas que entram na nossa vida para de lá nunca mais saírem. E ainda bem!
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Cada vez que fecho os olhos e me lembro de TI, recordo-me de estar sentada ao TEU lado, ansiosa por ouvir mais uma das tuas magníficas histórias de vida, que contavas sempre de uma tal forma que eu ficava com elas bem presentes na minha memória e ainda conseguia levá-las comigo e imaginava-me a vivê-las contigo! Acabaste finalmente por escrever um blogue com essas mesmas histórias que foram vividas por todos nós, sentados à mesa à Tua volta, e que valem muito a pena serem contadas às próximas gerações, para que fiquem com este testemunho de uma vida colorida, rica, nobre e cheia de alma como a Tua, imortalizado neste Teu tão merecido livro.
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Um grande beijo no Teu coração da tua sobrinha Maria João
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Blog Rio dos Bons Sinais (http://riodosbonssinais.blogspot.com/) Este blogue tem actualmente 157 histórias. Divididas por 12 capítulos.
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Estatísticas da Google, onde este blogue está alojado, sobre quem lê mais as minhas estórias.
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Alguns números são surpreendentes…
A média mensal de leitores do blogue ronda os 2300.
A história sobre o «Resgate do Tenente Malaquias», uma história de vários heroísmos, que marcaram a minha geração, no capítulo «Na Guerra do Ultramar 1967/1969», foi publicada em 10 páginas no número 52 da Revista da Associação da Força Aérea. Outras duas histórias deste blogue foram também publicadas nos últimos números da Revista da Associação da Força Aérea. A saber: «Alferes Rica», no capítulo «A minha Força Aérea», é uma Homenagem a um jovem Camarada prematuramente perdido. Foi em sua memória que a escrevi. E também: Em «De T-33 pela Europa fora até à Bélgica e volta», quisemos dar dois nós aos Yankees. Demos um… no capítulo «A minha Força Aérea». O grupo COFINA, por sua vez, embora não fazendo nenhuma referência a este blogue, publicou no Correio da Manhã e na revista Sábado, num projecto editorial de «Autores e Verso da História» um conjunto de 8 livros sob o lema «Descolonização».
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No sexto volume, dedicado à Ponte Aérea, incluíram parte da minha história «A Ponte Aérea de 1975» sobre os dramáticos dias do início da descolonização portuguesa, no capítulo «Linha Aérea e outros voos». No 60.o aniversário da fundação da Esquadra 201, aquela Unidade da Base Aérea N.o 5 em Monte Real, Leiria, reactivou a publicação da Revista KIAK. E nesse número comemorativo incluíram as seguintes histórias deste blogue:
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Os Cavaleiros Guardiões do Império Alferes Rica Falha de motor à descolagem em F-86 Luz do óleo acesa em F-86 O dia em que voei mais rápido que o som
Todas estas histórias estão incluídas no capítulo «A Minha Força Aérea».
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NOTA: Eu pertenci (pertenço…) àquela Esquadra entre 1964 e 1967. Sou um Falcão!
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Prefácio Prefácio para um Amigo Alguém já escreveu que não existem escolas para formação de amigos. Eles aparecem na nossa vida sem serem anunciados e, pouco a pouco, passam a fazer parte de nós mesmos, da nossa história, das nossas memórias, enfim, das nossas vidas.
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Vivemos com eles, mesmo que a distância física nos separe. E vivemos com eles, pois já não sabemos viver sem eles, porque já se entranharam em nós como amigos e não sabemos, nem aceitamos, pensá-los ou defini-los de outra forma.
O Gabriel é meu Amigo. No passado, no presente, no futuro e na eternidade que ambos desconhecemos mas que, a existir, nos encontrará lá como tal. Sei que se precisar dele, ele fará o necessário para me ajudar. E sei também que farei o mesmo por ele, sem hesitações, sem condições, sem intenções, unicamente e só porque é meu amigo.
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Mesmo sem estar presente por largos períodos, estou próximo dele nesse terreno afectivo onde se cultiva a amizade, um terreno sem memórias más, sem ressentimentos, sem intenções veladas, onde as alegrias e tristezas se partilham. Como disse Kundera «a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu». E o meu Amigo Gabriel, cujas memórias se recordam neste livro, é e será sempre indispensável para mim. A respeito dessas memórias, elas reflectem uma vida cheia de sonhos, princípios e emoções, relatadas com notável colorido e com uma facilidade, ritmo e vivacidade que fazem do Gabriel um excelente contador de estórias. Lê-las, com vagar e com saudade, é para mim, e para todos os seus amigos, uma deliciosa visita ao passado e o receber de um abraço sentido que é trazido pelo Gabriel a todos nós.
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José Alves Pereira
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Recordo que, no final de Maio de 1962, cerca de seis dezenas de jovens candidatos apresentaram-se na Base Aérea N.o7, São Jacinto, para frequentarem o Curso de Pilotos Milicianos, P1/62. O Gabriel Cavaleiro era um desses candidatos.
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Durante cinco meses, aí convivemos, comungando do mesmo entusiasmo pela pilotagem e também, como seria de esperar nessa idade, pela diversão. Foi uma época de grande camaradagem e a origem de amizades que ainda hoje se mantêm. Todos os anos nos reunimos (os que felizmente ainda podem) num almoço de confraternização. A nossa instrução no Chipmunk durou até ao fim desse Verão. O passo seguinte seria fazer o curso de T-6 Harvard na Base Aérea N.o 1, Sintra. Contudo, por essa altura, estavam a ser formados muitos pilotos, e a base de Sintra não pôde aceitar mais instruendos, assim, teríamos de esperar que o curso anterior completasse a formação.
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Estávamos nesse compasso de espera, quando num fim-de-semana, no princípio de Outubro, tivemos uma grande e boa surpresa. Dez de nós receberam ordem para se apresentarem ao oficial de dia com urgência. Motivo: Ordem de Marcha para seguirmos para a base aérea espanhola de Matacan, perto de Salamanca, a fim de frequentar o curso de pilotagem em T-6 Harvard. Era a primeira (e foi a única) vez que tal acontecia, pelo que fomos completamente apanhados de surpresa. Na semana seguinte, não me recordo qual o dia, embarcámos os dez num JU-52, que nos transportou para a base aérea de Matacan, sendo um dos dez o Gabriel.
Éramos um grupo de amigos, mas o facto de sermos poucos e estarmos no estrangeiro, reforçou mais a nossa amizade. O curso em Espanha foi intenso e durou até Junho de 1963. Regressados a Portugal, fomos então colocados na Base Aérea N.o 1, Sintra, onde se encontravam os nossos restantes colegas de São Jacinto a completar o tirocínio. E, mais uma vez, o imprevisto aconteceu. No fim do ano, após termos completado o curso, surgiu um convite a quatro voluntários que quisessem fazer o curso de pilotagem em aviões T-33, na Base Aérea N.o 2, Ota. Claro que houve quatro que aceitaram o convite!
Dos quatro, um desistiu já perto do fim. Os outros três – o Gabriel Cavaleiro, o Gonçalo Leite da Silva e eu – completaram o curso. Após o curso, fomos colocados na Base Aérea N.o 5, em Julho de 1964. Fomos encontrar aí um ambiente bastante diferente daquele que até então tínhamos vivido. A diferença era que já não éramos tratados como aprendizes, mas sim como pilotos!
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Mas a nossa ambição era tornarmo-nos operacionais no caça F-86 Sabre. O nosso entusiasmo, dedicação e estudo deu resultado, tendo finalmente sido admitidos para fazer o curso operacional. Recordo que quando entrámos na sala de convívio de pilotos da esquadra do F-86, o Gabriel comentou em tom de admiração… «Vejam! Estes sim, são verdadeiros pilotaços».
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Recordo com saudade esses tempos, o nosso entusiasmo, e no fim, quando acabámos a formação operacional, o sentimento de realização por termos atingido o nosso objectivo do momento. Seguiram-se dois bons anos, pois o nosso «trabalho» era voar e, para nós, não era um trabalho, mas sim um prazer.
Em Março de 1966, segui para o ultramar, fui colocado na Base Aérea N.o 12, Bissau, em comissão de serviço; o Gabriel seguiu algum tempo depois em comissão de serviço para a Beira, Moçambique; o Gonçalo passou à disponibilidade, e durante algum tempo interrompemos a convivência.
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Anos depois, já na TAP, voltámos a encontrar-nos, pois o Gabriel, tendo acabado a sua comissão, também ingressou na TAP.
O blogue que criou e mantém, demonstra que o seu interesse pela aviação continua forte. Um piloto de eleição, íntegro, curioso e culto. O Gabriel é um daqueles muito raros amigos especiais que fazemos ao longo da vida. Um grande abraço, Gabriel.
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Ary Meca Murraças
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A minha Força Aérea Onde aprendi, entre Escolas em Portugal e Espanha, e na Guerra, no Ultramar, tudo sobre a arte e a ciência de pilotar todo e qualquer avião. E onde a minha formação como Homem se cimentou em tantos exemplos de carácter, capacidade de sofrimento, profissionalismo e heroicidade.
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E onde tantos Amigos deram tudo a uma Pátria que os esqueceu.
Sou um Falcão, KIAK!
Emblema comemorativo dos 60 anos dos Falcões. Eu já tenho 55 anos de Falcão…
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Emblema comemorativo dos 60 anos da Base Aérea N.o 5
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ÍCAROS
(1.o Curso de Pilotos da Força Aérea de 1962) Logótipo do P1/62
VCCs (Velhos Como o Car****)
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(Esta expressão deve-se ao facto de o nosso curso ter sido obrigado a permanecer em São Jacinto, Aveiro, após o fim do curso geral em aviões Chipmunk, em vez de rumar a Sintra para voar o T-6, rumo à Guerra do Ultramar. A Base Aérea N.o 1, Sintra, estava atafulhada de pilotos e não havia lugar para mais nenhum. Só oito meses mais tarde foi possível a transferência, sendo a cerimónia de brevetamento efectuada dois anos após o início do curso. Quase um ano mais do que o normal…).
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Os Antecedentes
Brasão de Lourenço Marques
Como tudo isto começou: Em 1961, em Lourenço Marques. Depois de uma torrada e um iogurte…
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No dia 30 de Janeiro de 1961, morava eu na Pensão Vouga, na Av. Pêro de Alenquer, n.o 8, em Lourenço Marques, fiz a minha participação obrigatória para ser inscrito no recenseamento militar desse ano, na Câmara Municipal da capital de Moçambique. E a 18 de Agosto desse mesmo ano recenseei-me. No dia 14 de Setembro, fui presente à junta de recenseamento, presidida pelo Tenente-Coronel Hintze Ribeiro.
Fiquei apurado para todo o serviço militar, com Cédula de Recenseamento Militar passada e tudo. Só me via a marchar, esquerda, direito, esquerda volver, e eu sem vontade nenhuma de ser somente um número. E as noites na caserna? Selvagem como sempre fui, como é que ia aguentar? Passei meses de «tormento militar» antes de o ser. Uma noite, depois de jantar, na Pastelaria da Cooperativa dos Criadores de Gado, o iogurte e a torrada do costume (como é que eu podia ser gordo?), fui a pé até ao jornal Notícias de Lourenço Marques, onde li, na vitrina onde o expunham, o jornal do dia. Li-o de uma ponta a outra. Sendo que a outra ponta, onde já não havia mais jornal, um quadradinho no canto inferior direito, fazia saber que a Força Aérea estava a recrutar Pilotos. Escusado será dizer o que se passou nessa noite.
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O jornal estava exposto naquela grande vitrina da esquina da rua
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Contactada a Força Aérea, preenchidos os papéis, deram-me uns folhetos mágicos, onde pude ler que ia fazer o curso na «Granja do Marquês», em Sintra. Granja do Marquês! Ganda pinta!
«Granja», não sabia bem o que era… Na minha terra, que eu soubesse, só havia machambas. Mas aquilo soava-me a prados muito verdes, uma grande e centenária mansão, salões enormes, tudo muito limpo, vaquinhas a pastar e aviões pelo meio a elevarem-se graciosamente em direcção ao céu, muito azul. Que maravilha! Que maravilha! É mesmo isto que eu quero!
Passei nos exames médicos e lá fui, finalmente livre da caserna da tropa, para a Metrópole, a requintar na minha imaginação a Granja do Marquês. Meteram-me num avião DC-6 e, no dia seguinte, um dia gelado de Abril, aterro naquele «enorme» Aeroporto em Lisboa.
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Aeroporto da Portela, anos 60
Aterrei cheio de orgulho da minha condição de Piloto Militar que ia ser e chego finalmente à Granja do Marquês, a Base Aérea de Sintra.
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As tais vaquinhas deviam estar nos estábulos……muito quentinhas, àquela hora da minha chegada tão ansiada. Não vi nenhuma. Nem a tal mansão.…
Aquilo tinha muito pouco aspecto de ser uma exploração agrícola…
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A Base de Sintra, hoje
Mas, para compensar deram-me logo um passaporte. Inacreditável!
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Acabava de chegar e davam-me logo um passaporte para voar para todo o lado! Mas que, afinal, não era bem isso.…
O «passaporte» era como chamavam a um documento oficial com carimbos e tudo em papel amarelado que me habilitava a ser recambiado, por via-férrea, em 3.a classe, para a Base Aérea de São Jacinto, Aveiro. Não faz mal, aceitei, ainda e sempre, entusiasmado.
Muitos anos depois, vim a constatar que a Força Aérea é, afinal, isto mesmo. Por amor à camisola, aceitamos tudo. E das circunstâncias nunca nos queixamos.… E lá nos meteram, alguns dos alunos pilotos, num comboio-correio, em 3.a classe, em Santa Apolónia, a «voar» toda a noite e a «aterrar» em todas as paragens e apeadeiros que o maquinista conseguia inventar. Se calhar só não parou onde não teve mesmo vontade. Chegámos, felizmente, já de manhã a Aveiro.
Digo felizmente porque podíamos não ter chegado todos.… O que se passou naquela viagem, toda a noite, com aqueles quase 70 mânfios, tinha dado para chamar a polícia várias vezes e meter tudo dentro.
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Estação da CP, de Aveiro
Entre outras coisas, realojámos alguns passageiros que não tiveram outra coisa a fazer senão mudar de carruagem para o maralhal poder estar todo junto, e assim dar largas, afinal, àquela grande libertação da idade da inocência, que era o que tudo aquilo realmente representava. Deixávamos para trás, definitivamente, em especial aqueles que tinham embarcado no Ultramar e não sabiam quando poderiam voltar a casa, a autoridade e a protecção do Pai, os carinhos da Mãe, a boa comida, as miúdas, os grandes amigos de toda a vida. O nosso mundo nunca mais ia ser o mesmo. Tínhamos consciência de estar a viver dentro da mudança. Nunca conseguiríamos imaginar o quanto a nossa vida ia mudar. E íamos também a caminho da Guerra.…
Meteram-nos em lanchas da Marinha e chegámos finalmente à muito simpática Base Aérea de São Jacinto, numa língua de areia à entrada da ria, frente a Aveiro, com o Atlântico do outro lado.
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Logo da Base Aérea N.o 7 em São Jacinto, Aveiro
A ria de Aveiro
Afinal… o imaginário do quartel da tropa terrestre não era assim tão diferente da «fotografia» exposta. Só tinha a mais, o mar a quase toda a volta; uma praia imensa, de água abaixo de gelada; aviões que eu já conhecia do Aeroclube; e uma enorme alegria em ir fazer o que se gostava.
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E já se começavam a fazer grandes amizades, que só ainda não acabaram porque ainda estamos (alguns, já muito poucos…) vivos. Mais de 50 anos depois.
Vista geral da Base, nos dias de hoje
Aqui começámos aquilo que nos levaria a ser um dos cursos mais badalados da Força Aérea. Embora fossemos os Ícaros, ficámos mais conhecidos como sendo os VCCs, que queria dizer, e todo o Estado-Maior sabia isso, Velhos Como o C… Exactamente isso! E porquê? Na Força Aérea os cursos demoravam cerca de um ano.
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Fomos brevetados ao fim de mais de dois anos, daí o nome, bem aplicado, como se vê. Fruto das contingências do momento: a grande aglomeração de alunos pilotos na Base Aérea de Sintra, o passo seguinte na nossa instrução com vista à guerra no Ultramar. Isto fez com que só tivéssemos lugar em Sintra uns oito meses depois do final do nosso curso em São Jacinto.
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Fomos o curso da Força Aérea com mais Pilotos na TAP. Quase todos chegámos a cargos superiores, como Chefes de Divisão, Chefes de Frota, Instrutores de Voo e Simulador, Verificadores, etc.
Uns quantos andaram por guerras alheias, como a do Biafra. Sim, do Biafra, onde ainda hoje são considerados heróis. Outros optaram por fazer carreira noutras paragens, tais como: a DETA, em Moçambique, a Singapura Air Lines, DHL, Air Macau, etc., com grande destaque. Também chegaram a Instrutores e Verificadores, do outro lado do mundo, nessas mesmas companhias e até ao serviço da Boeing.
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Nenhum VCC desertou.
Dois foram feitos prisioneiros. Um na Nigéria, na guerra do Biafra, durante quatro anos e meio. Jantou em minha casa, em Lisboa, no dia da sua libertação. O outro foi barbaramente assassinado à catanada numa tentativa de fuga, em Angola, após uma aterragem de emergência no mato. Lamentamos e choramos todos os nossos mortos no Ultramar. E não só. A velhice não significa, obrigatoriamente, saber. Neste caso, os VCCs demonstraram que foram «Velhos» antes do tempo e, por isso, mantiveram-se sábios no que sabiam fazer, mas jovens.… Alguns VCCs (os que ainda se conseguem mexer…) juntam-se todos os anos num almoço de confraternização. Alguns bem acompanhados… das respectivas VCCs. Um abraço a todos os VCCs. Estamos todos VCCs…
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