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PEDROGUENSES EM LISBOA
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fragmentos de uma identidade
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Titulo: Pedroguenses em Lisboa - fragmentos de uma identidade Autora: Maria Teresa Denis da Silva Edição: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro) Prefácio: Nuno Medeiros Revisão de texto: Fernanda David Grafismo de capa e paginação: Rita Patacas e Gil Nunes 1ª Edição Lisboa, outubro 2021
ISBN: 978-989-9028-38-8 Depósito Legal: 489578/21
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Pedroguenses em Lisboa fragmentos de uma identidade
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Maria Teresa Denis da Silva
Prefácio de Nuno Medeiros
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A Casa de Pedrógão Grande dedica este livro a todos os pedroguenses e em particular aqueles que tendo sido obrigados a saírem da sua terra continuam a sentir em si a identidade ser pedroguense com a alegria e o furor de um amor incondicional.
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Agradecimento
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A Casa de Pedrógão Grande congratula-se com a publicação deste pequeno livro, contributo para a caracterização da identidade ser pedroguense através dos pedroguenses em Lisboa para que prevaleça para a memória coletiva dos pedroguenses de hoje e de amanhã.
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Ao Instituto Português da Juventude por ter acreditado e aprovado o nosso projeto Clube Intergeracional, aos jovens voluntários por o terem escolhido e abraçado esta ideia e aos seniores pedroguenses residentes em Lisboa por terem aberto a porta da sua casa para nos receberem e bridarem com as suas memórias/recordações de um tempo longínquo em que o sonho e a esperança alimentavam o futuro da então partida para Lisboa com a saudade da terra e das suas gentes a pulsar dentro do peito.
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Prefácio
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O livro «Pedroguenses em Lisboa - fragmentos de uma identidade» é possuidor de um conjunto de particularidades que o tornam num objecto publicado, a um tempo interessante e necessário. Este livro surge como resultado de uma das múltiplas iniciativas culturais de âmbito artístico, cívico e científico que a Casa de Pedrógão Grande, em Lisboa, tem gizado e materializado nos últimos anos, num exemplo de recuperação de uma das tradições mais relevantes deste tipo de agremiações de base territorial. Uma dessas venturas originou o trabalho que se apresenta agora em volume, pela experiente e conhecedora mão da professora doutora Teresa Denis.
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O texto, apresentado numa configuração extensa e pormenorizada, com uma estrutura de matérias clara e consequente, oferece a quem o leia um panorama aprofundado e amplo que resulta de um projeto intergeracional (envolvendo uma geração de jovens descendentes de pedroguenses residentes na região da Grande Lisboa e uma geração sénior, que nasceu e cresceu no concelho de Pedrógão Grande) de discussão e recolha de memória, filmado (o que acrescenta valor ao projeto e ao objeto publicado em que se transmutou, contendo a promessa de usos futuros de tipo variado) e transcrito. Pedroguenses em Lisboa organiza-se em torno de um cortejo temático que delineia os eixos considerados fundamentais para a compreensão da memória identitária dos pedroguenses, desde as questões de temperamento e saudade às dos símbolos, tradição e valores, passando ainda pelos aspetos vinculados ao 11
trabalho, à gastronomia, às festividades, aos mitos e lendas, à estética e ao território. Estes eixos são abordados numa perspetiva que, debruçando-se num discurso de memória na primeira pessoa, consegue em larga medida evitar alguns dos excessos de um essencialismo, alçapão em que o livro inteligentemente não cai.
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Partindo de um leque vasto de temas, que suporta um esquema de exploração da memória e da sua interligação com a construção sócio-histórica da identidade de base territorial (nas suas dinâmicas de desterritorialização cultural, emergindo e reformulando-se em territórios diaspóricos), o texto aspira a – e logra – um equilíbrio narrativo entre uma dimensão de celebração implicada numa espécie de revisitação de timbre ego-histórico e uma incursão de teor mais reflexivo, na qual se detecta uma diligência de enquadramento analítico e um esforço teórico (ainda que moderado), que não deixa de ser útil à navegação do leitor pelas facetas metodológicas e conceptuais de exploração do objecto, que conjugam elementos etnográficos, literários e de produção de informação em grupo, convergindo numa interpelação de natureza sociológica. Este equilíbrio dota o texto de uma natureza híbrida que funciona bem, articulando num diálogo interessante a celebração cultural e uma matizada, mas presente, ambição de enquadramento mais sistemático e operando um foco científico capaz de um distanciamento interpretativo suficiente. Este livro não corresponde, então, nem a um exercício comemorativo e de exaltação, nem a um objecto puramente académico, incorporando os ingredientes indispensáveis à sua fruição por grupos com competências e expectativas bastante diferenciadas, apelando, por isso, a uma gama ampla de públicos. A pertinência deste volume é indiscutível em planos diversos. Primeiro, pela oportunidade de fixação e preservação escrita e posta a circular para o(s) público(s) de uma memória em risco de se perder, sobretudo por emergir de um contexto de diálogo intergeracional e interpelação enquadrada interpretativamente, num exemplo de edificação de conhecimento provindo do encontro entre a preocupação de índole científica e a motivação implicada cultural e civicamente. Depois, pela possibilidade material de compreender as lógicas de sobrevivência discursiva e identitária num quadro de desertificação populacional e esvaziamento cultural do interior do país, contribuindo de modo sereno, embora comprometido, para o sempre necessário alerta relativamente ao que está em jogo e à perda patrimonial a que 12
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nos arriscamos como comunidade. Finalmente, pelo ensejo de um regresso não fatalista ao tema do interior nem reduzido à relevante dimensão do abandono de territórios como o de Pedrógão Grande (de valor simbólico e representativo inquestionável) e das chagas que cíclica ou permanentemente o assolam. Pedrógão Grande não pode nem deve persistir nas percepções mais gerais da população portuguesa somente como um lugar martirizado pelos fogos e pela desertificação. Espaço-sede de gentes, mundividências e práticas culturais e identitárias marcadas e marcantes, o território de origem dos pedroguenses carrega o lastro e a dinâmica dos saberes e da ocupação simbólica cujo conhecimento é imperioso para a revalorização e revitalização da região, que está, aliás, em marcha, num processo de transformação social e cultural que seguramente o enriquecerá e o heterogeneizará, numa tradução prática de que o elemento identitário não é estático nem puro (ou perecerá), mas também não é indistinto nem diluído. Por isso, o livro que o leitor tem em mãos significa também a concretização de uma oportunidade.
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Nuno Medeiros
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Apresentação
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Este trabalho, que a Casa de Pedrógão Grande (CPG) apresenta, foi realizado no âmbito do programa «Geração Z» promovido pelo Instituto Português da Juventude (IPDJ), ao qual a CPG se candidatou com o projeto denominado «Clube Intergeracional» que foi pensado e concebido com o propósito de promover o convívio entre jovens e seniores naturais de Pedrógão Grande, residentes em Lisboa e sócios da CPG, enquanto resposta social e cultural, visou reposicionar o idoso no sistema de relações sociais, combater a solidão, o envelhecimento social, a desvalorização do saber e conhecimento dos seniores sobre a cultura tradicional pedroguense e as suas vivências, bem como, o respeito e a solidariedade por parte dos jovens.
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Assim, no âmbito da aprendizagem informal, numa relação de troca de saberes, experiências e conhecimento, o projeto situa-se na linha dum trabalho de investigação, com orientação da professora doutora Teresa Denis, e tem como objetivo genérico caracterizar a identidade ser pedroguense através da narrativa das histórias de vida dos seniores oriundos de Pedrógão Grande, que aí passaram a fase da socialização primária, frequentaram a escola e aí começaram a vida de trabalho mas, quase sempre, devido à falta de oportunidades para um futuro melhor, vieram para Lisboa e aí ficaram a residir até aos dias de hoje. Procuramos, através do reconhecimento e valorização do conhecimento e das vivências centradas na cultura tradicional pedroguense recolher informação através dos relatos das histórias de vida dos seniores, das representações sociais por eles apresentadas e partilhadas 15
com os jovens como aspetos caracterizadores da cultura, tradição, etnografia, gastronomia, situação geográfica, atividade produtiva que os jovens ouviram e registaram em áudio e depois de transcritas, classificadas e sistematizadas foram compiladas neste documento intitulado Pedroguenses em Lisboa – fragmentos de uma identidade. Foi ainda, realizado um vídeo/documentário com base no material gravado durante as sessões, e que se apresenta gravado em CD colocado na contracapa do livro, como anexo.
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Este documento escrito inicia-se com esta apresentação introdutória seguida da exposição conceptual sobre identidade, socialização e cultura. Num segundo momento, são apresentadas as narrativas dos seniores que conjugamos com outras fontes de natureza documental, fundamentadora dos discursos e, assim, duma forma mais ou menos estruturada, vamos introduzindo as narrativas mais representativas e caracterizadoras da identidade pedroguense. Expondo de modo descritivo, analítico ou reflexivo as perceções destes seniores sobre a sua identidade pedroguense, quer ao nível da identidade da região territorial ou geográfica quer ao nível da identidade regional enquanto sentimento, apego ou laços particulares que os prendem aquela terra e aquela cultura etnográfica.
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Aspetos típicos ou caracterizadores do concelho de Pedrógão Grande, bem como, a importância das relações e vivências para a construção da identidade coletiva dum grupo que se apresenta como pedroguense, integrando aspetos sobre a geografia com aspetos de natureza simbólica, da consciência emocional ou do sentimento e responsabilidade que estes seniores apresentam quanto à sua naturalidade e pertença identitária. Consideramos ainda, o valor heurístico implícito neste trabalho para o seu desenvolvimento territorial e endógeno em torno da identidade sócio cultural apresentada pelos nossos seniores pedroguenses pois, como sabemos, o desenvolvimento não se faz numa fuga para a frente, atropelando o passado, mas antes olhando para o ontem perspetivando o amanhã, procurando o sentido da mudança na regressão às ori16
gens, na restituição ou renovação do passado na busca duma autenticidade genuína. Pois, como nos diz Moisés Espirito Santo (1989), na ânsia de fazer algo de novo e diferente, muitas vezes, destrói-se o que existe sem se vislumbrar o futuro. Ou seja, nas palavras do autor «destruam-se as comunidades e as identidades locais, matraqueiem-se as populações com a indústria audiovisual ou virtual e não se obterá o que se pretendia. Mas, antes, o deserto cultural, a apatia e a desintegração social» (Santos, 1989).
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Efetivamente, como refere Edgar Morin (1982), «é o conhecimento vivo que conduz a grande aventura da descoberta do universo».
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Tomamos as palavras de Morin como lema deste trabalho que se apresenta como uma investigação construída com base na partilha de saberes vivos, experienciados e observados, conhecimentos, histórias de vida, recordações e memórias que vêm à lembrança dos nossos seniores que residem em Lisboa, mas que carregam a saudade da sua terra e das suas gentes. Este revisitar do passado transporta e faz do património cultural, como nos diz José Tolentino Mendonça (2021), «um motor indiscutível do presente e só com ele podemos pensar que há futuro. Este pensamento liga-se ao tesouro da memória, à pluralidade das tradições e raízes que, através das gerações, alicerçam uma identidade e um quadro de valores onde nos reconhecemos e desafia-nos a não fechar o património cultural no passado» pois, como nos diz o poeta:
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Ter um destino é não caber no berço Onde o corpo nasceu É transportar as fronteiras uma a uma E morrer sem nenhuma (...) Sem ver se foi vencido ou venceu.
Neves (2006)
Com este trecho iniciamos a exposição das narrativas dos nossos conterrâneos de idade madura que se assumem como pedroguenses de alma e coração quando salientam que «Lisboa é a minha cidade, mas Pedrógão é a minha terra, é lá que tenho as minhas raízes» (S2). É este 17
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espírito identitário que buscamos apresentar neste trabalho, através das memórias destes pedroguenses e das representações sociais que apresentam dos factos, vivências, sentimentos, relações, tradições, acontecimentos, recordações, estados de alma, compilados neste documento que se apresenta como uma manta de retalhos caracterizadora da identidade pedroguense pela voz e saudade dos nossos seniores residentes em Lisboa.
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I - Ser Pedroguense
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a construção de uma identidade
Ortega y Gasset
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Eu sou eu e a minha circunstância.
A identidade que carregamos é uma construção constante entre o individual e o social, entre o passado e o presente; como salienta Morujão, ninguém pode ter a utópica vanglória de afirmar que se define por si mesmo - que nada ou ninguém faz parte da sua identidade física, cultural ou social. Ou seja, ninguém vive numa independência total, ou é a permanente raiz de si mesmo ou é pedra sem pedreira ou é pura forma sem molde.
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Não, pelo contrário, temos que aceitar e entender que, sem ninguém nos consultar nascemos numa determinada terra que nos confere uma naturalidade e uma nacionalidade, que nos confere uma cidadania e nos atribui uma pátria, temos uma família, um pai e uma mãe que não escolhemos mas, que nos deram o nosso ADN. O contexto sociocultural que nos envolveu, com os respetivos agentes socioculturais, sem nos perguntarem a nossa opinião, ensinaram-nos as suas boas maneiras, as regras de civilidade, a ler e a escrever, embeberam-nos numa cultura como se fosse a coisa mais natural do mundo. De facto, como salienta Paul Ricoeur «eu pertenço à história antes mesmo de me pertencer», eu sou, antes de mais, aquilo que fizeram de mim, sou um produto, um ser biopsicossocial.
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Deste modo, enquanto pedroguenses, podemos afirmar que, antes de nascer já éramos pedroguenses e portugueses. Ou seja, quando se nasce a nossa história não parte do zero, para além dos milénios do universo humano, já carregamos mais de 800 anos da nossa portugalidade, de mitos e lendas de heróis e aventureiros, de sebastianismo e peraltas, de fado, tradição, sonhos e esperança.
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Efetivamente, ninguém é alguém sem uma matriz sociocultural, sem possuir uma história como alicerce ou fundação. Sem passado ou circunstância que embora não sendo um determinismo que nos prive da liberdade ou do livre arbítrio exerce, é bom reconhecer, alguns condicionalismos com os quais temos de lidar. Somos fruto e produto de diferentes dimensões e socializações.
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Desta forma, a identidade subjacente ao ser pedroguense apresenta-se ao nível da identidade individual, social ou coletiva e vai-se construindo através da interação e da comunicação com ou outros. A identidade é fruto da socialização – processo pelo qual a pessoa ao longo da sua vida apreende e interioriza elementos socioculturais do seu meio - é um processo sempre em construção e reconstrução onde a comunicação assume um papel ímpar no cimentar do processo.
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A socialização comunitária ocorre e é perpassada pelo contexto social e territorial envolvente e é transferida pelos agentes e pelas esferas culturais. Mead (1933) enfatiza a socialização enquanto processo de construção de uma identidade social através da relação, interação e comunicação com os outros. Tanto Weber como Mead consideram que o ponto central remete para o ato social que implica a interação de diferentes fatores: comunicação, estatutos, ação, prática, sentimentos, símbolos, tais como símbolos significativos que têm um sentido definido pela comunidade, como por exemplo a espiga colhida no dia da espiga, o ramo do dia de ramos ou a água benta, factos que são reconhecidos por quem os realiza e por aqueles a quem se destinam, observando a mesma leitura, o mesmo valor simbólico ou o mesmo significado. Como nos diz Weber «a ação humana é social na medida em que em função da significação subjetiva que o indivíduo ou os indivíduos que agem lhes atribuem, toma em consideração o comportamento dos outros e é por ele afetada no seu curso». Assim, a concretização positiva desse processo culmina com a consonância de uma reciprocidade 20
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que obriga a uma atitude apropriada e em conformidade com a expectativa por parte dos outros.
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Onde o outro assume uma relevância significativa não é um outro qualquer, é um de nós na medida em que ambos estão comprometidos num mesmo processo social de grupo ou de comunidade que confere ao indivíduo a unidade do eu e do outro, generalizado em nós. De modo que o indivíduo reconhece-se como membro dessa comunidade. Este reconhecimento é recíproco na medida em que é não só do eu enquanto ser mas implica uma ação em harmonia com o sentir e o agir. Na qualidade de membro da comunidade há como que um desdobramento entre o eu identificado pelo outro e reconhecido por aquele como membro.
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Eu sou, apresento-me e reconheço-me como este ou aquele e é desta sintonia ou equilíbrio do eu - o eu que interiorizou o espírito do grupo e o eu que permite afirmar-se positivamente no grupo ou na comunidade como ser individual e social. Ou seja, a identidade social comporta a ideia do indivíduo pertencer a certas categorias às quais se associa a componente afetiva, um sentimento de pertença. Cada indivíduo tem uma variedade de identidades sociais que se apresentam de modo estruturado num processo de reelaboração contínua, onde quanto maior for o sentimento de ser do próprio eu, melhor este se integra no grupo em causa.
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Segundo Mead (1933) o que importa neste processo é o duplo movimento pelo qual os indivíduos se apropriam subjetivamente do mundo social a que pertencem e ao mesmo tempo se identificam, tornando sua a agência, agindo e recriando num processo constante ao longo da vida, pois este nunca é total nem fica terminado ou acabado. Sendo a socialização um processo constante ao longo de toda a vida, há momentos na vida adulta que por circunstâncias várias ficam sujeitos a uma socialização bastante intensa, denominados de socialização secundária para assinalar que já sofremos uma socialização de base, socialização primária, e dadas as circunstâncias estamos a sofrer uma socialização originada por mudanças ocorridas na nossa vida, mudar de lugar de residência, deixar de residir em Pedrógão Grande e vir vi21
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ver para Lisboa - o que obriga a mudanças profundas. Contudo, se mudar de país, será mais profunda ainda essa mudança.
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A socialização secundária pode acontecer de modo genérico, de acordo com novos contextos de vida sociais ou territoriais ou ser provocada pelo exercício de novos papéis sociais, como familiares ou profissionais fornecendo novos saberes e exigindo novas condutas ou procedimentos em consonância, com a nova função ou com o novo programa de ação, formalizado num verdadeiro «universo simbólico» veiculando uma conceção do mundo que de modo diferente ao da socialização primária são definidos e construídos sob a socialização anterior, podendo até colocar, segundo Mead (1933), um problema de consistência entre as interiorizações originais e as novas. Claro que há diferentes caminhos desde o simples prolongamento da socialização primária na socialização secundária, cujos conteúdos concordam com o mundo vivido e interiorizado pela socialização primária; ou por outro lado, levando até à transformação da realidade subjetiva construída anteriormente e que pode culminar na ruptura com a socialização primária. Por exemplo, quando a criança mais tarde acaba por reconhecer que o mundo representado pelos seus pais ou pelo contexto da socialização primária, esse mundo que considerou anteriormente como pré-dado é de facto um mundo de pessoas sem educação, sem elaboração intelectual, simplório, fechado em crenças e tradições, como é por vezes exemplo o mundo rural, o que pode conduzir a um processo de mudança de mundo e de desestruturação/reestruturação da identidade é claro que isto só acontece em situações de grande distanciamento ou conflito.
Sendo a identidade fruto da socialização podemos visualizar dois níveis de construção neste processo: a identidade a nível individual entendida como sentimento de si próprio, enquanto indivíduo dotado de certas características e potencialidades capacitárias da prática de diferentes papéis sociais; e a identidade social, ou identidade coletiva, entendida como o sentido de si próprio enquanto membro de um grupo social, profissional, coletividade ou comunidade, trata-se do sentido de pertença, do nós, da noção de fazer parte dum coletivo, da vivência de uma cultura particular, dum certo estilo de vida, de um habitus integrador.
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Ambos, quer o sentido de si próprio quer o sentido de pertença ao grupo, são moldados pelos valores, crenças e padrões de comportamento tradicionalmente transmitidos. Mas serão também influenciados pelos materiais simbólicos transmitidos pelos pares na construção de uma cumplicidade e de um imaginário coletivo. Sendo um processo decorrente da socialização está sempre em aberto, receptivo a novas inculcações. É sempre um processo inacabado, o que a nível individual é compreensível, a nível coletivo ou de comunidades é mais difícil de entender devido à estruturação em que estas se mantêm alicerçadas. As regras, os procedimentos morais, os valores, as tradições, as crenças, os factos passados de modo vertical, de cima para baixo, como dogmas que os indivíduos devem aceitar sem questionar. Contudo, o papel de agente inerente ao indivíduo não renega a sua capacidade de inovar e mudar. Por consequência também todo o resto está continuamente a ser modificado pelo processo de redefinir ou reconstruir a própria agência. A questão que se pode e deve colocar é saber, ou reconhecer, o estatuto social ou simbólico de quem diz, especialmente no caso das comunidades. O peso ou o reconhecimento da entidade, apresenta-se como sentimento ou significância semelhante ao de uma família alargada, com a carga de ADN, do sentir, da emoção, do sentimento e representação individual e coletiva, no processo de construção de significado ou de criação de um certo consenso coletivo. De facto, a identidade é uma fonte de significado e de sensibilidade a nível individual e de partilha coletiva.
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Assim, tão importante como a história em si, é a história que a comunidade é capaz de transmitir aos seus membros. A história de mitos e crenças, criada como fatores de coesão de um discurso comum e de uma representação coletiva. Pois o processo da construção da identidade ou o projeto identitário é constituído não tanto na base da diferença mas sobretudo na base de valores e crenças partilhados pela comunidade e/ou territorialidade. A construção da identidade é iniciada pelo processo de identização, onde a criança, de acordo com a sua pertença social, o seu contexto social ou territorial, o seu sexo, a sua idade, a cultura em que participa e que a acolhe e íntegra, se vai identificando com as normas que a 23