Gente (con)fina(da) é outra coisa

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GENTE CONFINADA É OUTRA COISA

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FICHA TÉCNICA GENTE (CON)FINA(DA) É OUTRA COISA José Pestana EDIÇÃO: edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro) AUTOR (ilustrações e textos):

ARRANJO GRÁFICO CAPA:

Filipa Câmara Pestana Alda Teixeira

1.a Edição Lisboa, novembro 2020 ISBN:

978-989-9028-08-1 474834/20

DEPÓSITO LEGAL:

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© JOSÉ PESTANA

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PAGINAÇÃO:

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TÍTULO:

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei. Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao(s) seu(s) autor(es), a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, textual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total. Assim mesmo, quaisquer afirmações, declarações, conjeturas, relatos, eventuais inexatidões, conotações, interpretações, associações ou implicações constantes ou inerentes àquele conteúdo ou dele decorrentes são da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).

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PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500

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Aos meus bisnetos, se os houver, em jeito de Conta-me como foi...

Não é esse o tema deste livrinho. Nem podia ser. Galhofar com o sofrimento e a tragédia seria, mais do que uma desfaçatez e uma afronta, uma verdadeira obscenidade. Nas páginas que se seguem, é outra – e essa sim, risível – a realidade comentada: a forma como o cidadão comum, felizmente não infectado, reagiu às contrariedades e aos condicionamentos impostos pela necessária higienização da sociedade: o confinamento, o uso de máscara, o distanciamento social… Confesso que hesitei em levar por diante esta edição, não isenta de melindre.

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O SARS-CoV-2 (coronavírus para os amigos) terá surgido em finais de 2019 nos fundos sombrios duma gruta chinesa, frequentada por morcegos. Tão depressa como Phileas Fogg e o seu criado Passepartout, o vírus deu a volta ao mundo em cerca de oitenta dias. A doença por ele causada, designada COVID19, deixou marcas devastadoras em todos os conƟnentes, na saúde pública e na economia. Ceifou a vida de centenas de milhar de pessoas, arrastou outras tantas para o desemprego e a pobreza, e levou à falência um número incalculável de empresas.

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«… É preciso infiltrar nas fissuras a alegria. Como se a alegria fosse um material médico. Quase um material de salvação.»

Só por isso me permi seguir as pisadas do grande Rafael Bordalo Pinheiro – salvaguardadas obviamente as abissais diferenças de talento –, que em 1881 editou um pequeno livrinho, com caricaturas por si desenhadas, referentes ao seu próprio confinamento temporário no lazareto de Lisboa, depois de ter regressado do Brasil, onde então grassava uma medonha epidemia de febre amarela. Se mais for preciso para jus ficar este meu atrevimento, valer-me-ão, parafraseados, os versos de Manuel Alegre:

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Até que li, no pico da crise, o apelo do escritor Gonçalo M. Tavares:

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De facto, reconhece-se ao sorriso um incontestável potencial terapêu co. Trata-se de uma ferramenta fundamental no nosso sistema imunitário de resposta às crises. Essencial à superação das adversidades, à manutenção da sanidade mental e à própria sobrevivência, cons tui um eficaz an doto contra o pânico. A catarse que provoca alivia tensões e receios, mantém a esperança e restaura o ânimo, condimentos tão necessários nos dias que correm. Como notou Bernard Shaw, «a vida não deixa de ser engraçada, mesmo quando as pessoas morrem, do mesmo modo que não deixa de ser séria, mesmo quando as pessoas riem.»

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Mesmo na noite mais triste     Diz um poema que eu li   Há sempre alguém que resiste Há sempre alguém que sorri. O autor

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A CORRIDA AO PAPEL HIGIÉNICO

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Ainda a epidemia dava entre nós os primeiros passos e já os portugueses, pressenƟndo o anunciado apocalipse, tomavam de assalto os supermercados, acautelando as ânsias do tubo digesƟvo em toda a sua extensão, desde a boca – acumulando latas de salsichas e de atum – até à estação terminal, açambarcando incontáveis rolos de papel higiénico.

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O desenvolvimento da higiene, cabe notar, é um dos eixos de progresso da humanidade. Cientes desse facto, e sabendo que, como modernamente se vai ouvindo, «shit happens», os cidadãos esgotaram os estoques numa penada: branco ou colorido, inodoro ou perfumado, de folha dupla ou tripla, ultra-suave ou abrasivo, espesso ou fino, barato ou caro, nacional ou importado, tudo sumiu num piscar de olhos, não fosse a porca torcer o rabo. Enfim: pode faltar o papel para os boleƟns de voto. Pode faltar o papel para imprimir o Diário da República. Mas nunca para a higiene ínƟma. Os portugueses, paladinos do asseio, mostraram-se indisponíveis para regressar aos hábitos trogloditas da folha de couve e da espiga de milho.

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Em Portugal, convém lembrar, são consumidos em cada ano mais de 300 milhões de rolos de papel higiénico. Se fosse possível desenrolá-los e ligá-los, o papel assim unido estender-se-ia por nove mil milhões de quilómetros, equivalentes a 225 mil voltas ao mundo. Só isto chega para explicar o imprescindível papel que este papel ocupa na lista das nossas prioridades. E jusƟfica a desenfreada corrida às prateleiras das grandes superİcies, no receio de iminente penúria ou de súbito racionamento. A expressão papel higiénico, até então impronunciável em contexto social, de par com outras palavras causadoras de embaraço (bidé, piaçaba, supositório), assumiu relevo, ganhou polimento e serviu, dias a fio, como grave tema de abertura de muitos telejornais. Nas redes sociais, mulƟplicaram-se apelos desta natureza: “Senhora com gel hidroalcoólico procura cavalheiro com rolo de papel higiénico para quarentena séria”.

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O CONFINAMENTO

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No dia 18 de Março de 2020, foi declarado em Portugal o estado de emergência. O país fechou para balanço e correu os taipais. Foram impostas restrições drásƟcas à circulação e decretado um rigoroso recolher obrigatório. As ruas, desertas, foram deixadas aos polícias, bombeiros e paramédicos. Apenas permaneceram abertos os comércios essenciais. O país entrevou, mergulhado numa total paralisia. Restaurantes aferrolhados. Estaminés sem clientes. Baiucas sem fregueses. CompeƟções interrompidas e estádios despidos de adeptos. Igrejas vazias de fiéis. Serviços públicos devolutos. Barbeiros às moscas. Museus despovoados. Livrarias ao abandono. Romarias suspensas e arraiais cancelados. Cinemas desertos. Músicos emudecidos. Navios ancorados. Aviões em pousio. Turistas em debandada…

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