Diários de um Globe Trotter

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FICHA TÉCNICA edição:

Ex-Libris ® (chancela Sítio do Livro) título: Diários de um Globe Trotter – Argentina, Chile - Terra do Fogo autor: José Lucena Gaia paginação:

Sítio do Livro design de capa: José Lucena Gaia arranjo gráfico de capa: Patrícia Andrade fotografia de capa: Cruceros Australis 1.ª edição Lisboa, Fevereiro de 2015 isbn:

978-989-8714-43-5 depósito legal: 389354/15 © José Lucena Gaia publicação e comercialização

Sítio do Livro, Lda. Rua da Assunção, n.º 42, 5.º Piso, Sala 35 1100-044 Lisboa www.sitiodolivro.pt Por vontade expressa do seu Autor, o presente texto não se rege pelo mais recente Acordo Ortográfico para a língua portuguesa.


diรกrios de um

globe trotter ARGENTINA Chile - Terra do Fogo



ARGENTINA



PARTE 1:

Buenos Aires


5 de Junho : «Bolas, já passa das 5 horas!» Olho eu para o relógio, enfadado, enquanto à minha frente o casalinho de jovens brasileiros “back-packer” continua a ocupar a única funcionária da GOL, no Atendimento da companhia, ocupando-a com hipóteses da treta e tentativas cretinas para ludibriar o sistema. O nosso A-340 da TAP tocara a pista do Aeroporto de Garulhos (GRU), pontualmente às 15h35, e portanto garantindo-nos tempo só quanto baste para o embarque no vôo imediatamente sequente. Da Companhia Brasileira GOL, o vôo G3-7684 terá partida para Buenos Aires às 18h25, para rumar não ao Aeroporto Intercontinental, para onde há mais vôos de GRU mas que está 40 km distante da capital da Argentina, mas com destino sim no Aeroporto Jorge Newbery, localizado em plena Buenos Aires, junto à costa . Contudo, há um pequenérrimo pormenor a cumprir no Aeroporto de Garulhos: Não é mais que pagar os míseros $60 Reais pela marcação dos lugares no espaço confortável garantido numa das saídas de emergência do B.737-800 que nos levará a Buenos Aires. Inexplicávelmente tal não fora possível via o site da GOL. Por mais estranho que pareça, quando da compra dos tckts on-line, só me fora aceite a referida reserva de lugares para o vôo de regresso! E mais surpreendente ainda fora essa reserva, não aceite através do site da Companhia implicar que os tcts de ida GRU-AEP passassem à menção de não confirma-

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dos, embora a GOL tenha debitado o custo respectivo à minha conta Visa!… Contactado o Call Center da GOL em Espanha (?), o pagtº em cash dos $60, no Aeroporto de Garulhos, fora-me apresentado como a única saída. Enfim… Este pequeníssimo detalhe começa a ameaçar o fluir tranquilo da viagem de 2 Globe Trotters com destino final a 4 dias de distância no Glaciar Perito Moreno, a 2.350 km para Sul-Oeste da capital da Argentina. Mas, para já em Garulhos, temos algum tempo perdido pelo laxismo da única funcionária da GOL, presente ao balcão de Atendimento. E se para além do pressing em tempo a que somos obrigados pela partida já próxima do vôo para o Aeroporto Jorge Newbery, logo as 1ªs impressões do Aeroporto Garulhos não tinham sido muito simpáticas… Trata-se de uma edificação já muito “consumida” por razoáveis decénios de trânsito e de sobre uso por passageiros e não só, edificação simbólica de quanto a novidade dos anos 60 e 70 pelas soluções edificadas em “betão à vista”, fácilmente se converte num espaço incómodo à vista e “bem estar”, sempre que, e quando, não é conferida às superfícies de betão o tratamento adequado, posterior manutenção e limpeza. Aqui, no aeroporto de Garulhos, uma patine de sujidade já bem impregnada no betão, confere ao edifício e gare um ainda mais premente convite a que o abandonemos rápidamente. «Está a precisar de uma boa “granalhagem”…» É o veredicto com que rectifico a ideia que uma simples lavagem a jacto de H2O em alta pressão pudesse resolver o problema, bem deprimente das superfícies de um be-

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tão escurecido pelos anos, pela gordura e sujidades aderentes. Já impaciente, quase soprando da falta de pachorra para com a incompetência da Brasileira que continua a preencher o seu tempo na conversa com o casalinho, dou uma mirada para a Globe Trotter que me aguarda… Patente na expressão de Maria: A mesma falta de paciência para com a funcionária do Atendimento da GOL, perante uma falta de profissionalismo bem notória, mesmo à distância. No balcão de check in, frente à Globe Trotter: Tudo mais que pronto para a viagem seguir. Ao lado da hospedeira do check in da GOL, estão já ambas as nossas malas, pesados os 17kg e 13kg de cada uma e portanto bem abaixo da limitação de 23kg. As malas aguardam, tal como a hospedeira e a minha Globe Trotter, aguardam que eu possa resolver o tal ínfimo pormenor que já ameaça o nosso timing para o vôo com destino no Aeroporto Internacional e Urbano de Jorge Newbery… Quando da preparação desta viagem, claro que me surgiu uma razoável diversidade de vôos do Aeroporto de Garulhos para Buenos Aires, mas a maior parte para o “Aeroporto Intercontinental Ministro Pistarini”(EZE). Porque optámos então pelo Newbery (AEP) ?… Pelas razões mais imediatas : Tempo e alguma contenção de gastos… O Aeroporto Pistarini localiza-se em Ezeiza, a 40 e tais km de distância do centro de Buenos Aires, pelo que o recurso a taxi equivale a um dispêndio normalmente superior a $60,00(USD), ou bem menos, para além de mais seguro, através da agência oficial com o site www.taxiezeiza.com.ar.

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De qualquer das maneiras, equivale sempre ao dispêndio de mais uma boa ½ hora em taxi, o que não é nada aliciante, após 15 horas consecutivas de vôos e aeroportos. Portanto… Olho de novo Maria, frente ao balcão de check-in para o nosso vôo rumo ao Newbery, vulgo “Aeroparque”… No semblante da minha Globe Trotter manifesta-se já o aborrecimento perante o atraso em conseguirmos cumprir o brevíssimo detalhe, a que a incapacidade da fulaninha do Atendimento GOL em sacudir o casal que a empata, me retarda há 15 minutos. «”Jumentude” empancando o sistema!» É a expressão de absoluto desagrado que me contenho in extremis de lançar a Maria. Tal não é necessário, pois a GêTê dirige-se de imediato à sua interlocutora em check in, chamando a atenção para o que se está a passar no meu balcão, onde supostamente deveria ser atendido ao minuto. Sem sacudir o jovem casalinho de Brasileiros, a não menos ingénua funcionária da GOL, em atendimento e “atraso de vida”, lá vai (cor)respondendo a cada uma das suas hipóteses, qual delas a menos inteligente e mais parva, regressando sempre do back-office com a negativa por parte de alguém menos idiota. «Tenho que pagar nesse balcão!… Este entupiu!» É afinal o desabafo que lanço alto a Maria e à funcionária da GOL que nos recebeu em check-in há 20 minutos. A GêTê acresce ao que eu disse mais algo à sua interlocutora e hospedeira Brasileira, o que desta vez a faz sair do lugar para vencer rápidamente os 20 metros que nos separam, e entrar decidida no back office do “Atendimento GOL”, de onde sai em 2 minutos para se dirigir a mim:

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«O senhor não ligue mais a eles…» Refere-se bem alto a Brasileira à colega e ao casalinho de “pombos” que entupiram o Atendimento da Companhia. «Deixe sair o casal que lá está dentro, e vá entrando de seguida naquela porta que é atendido logo no balcão interior!…» «O.K. !» «… Lá, já estão esperando o senhor!» Acrescenta ainda a hospedeira, para regressar ao seu posto de trabalho e balcão, frente à Globe Trotter. É 5 minutos depois, que me junto a Maria para o nosso check in ser concluido, com a entrega dos cartões de embarque para o nosso vôo, e os recibos das 2 malas. O Gol 7684 parte já a menos de 30 minutos. Razoávelmente bem instalados na Turística do Boeing 737-800, e razoávelmente dada a confortável distância das nossas poltronas para com as seguintes, para deixar espaço livre a 2 das saídas consecutivas de emergência, e ainda bem longe da aterragem prevista no “Aeroparque”, a Globe Trotter prossegue a leitura do Livro 3 do “1Q84” de Murakami, enquanto eu observo pelas vigias do outro lado da nossa fila o crepúsculo de um sol em ocaso a um Oeste de laranjas a violetas que o Inverno já próximo reduz a uma estreita faixa de cor, acima do horizonte. Não tendo tido tempo em Garulhos para uma única cachimbada, após 9 horas de Executiva no Tap de Lisboa a São Paulo, e das correspondentes Águas Tónicas com que as hospedeiras simpáticamente me mantiveram reabastecido, estou agora ansioso por chegar à mega metrópole que é Buenos Aires, para um primeiro trago da noite Porteña acompanhada por um excelente tabaco.

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O vôo de São Paulo a Buenos Aires tem a duração prevista de 2 horas e 50 minutos. Para classe Turística, a magra refeição de um fast-food plastificado que a GOL oferece, até nem é tão má quanto esperado!… É só mediocre . Tento ainda melhorar estes momentos… «Preferia uma Água Tónica…!» Respondo com um sorriso à hospedeira que me estende à escolha os eternos: Sumo de laranja, Coca-Cola ou cerveja, para acompanhar a magra fast-food que constitue o jantar. Tentativa fracassada: «Tónica não temos… Mas posso arranjar Guaraná para você?…» Convida-me a hospedeira com um sorriso agradável, mas que não obsta ao arrepio que a sua comparação fácil me causa. «Só podes estar a gozar !» É o olhar que lhe endereço. Mas não: É nítido que para o “nacionaleirismo brazuka”, ambas as bebidas são a mesma coisa!… «… Pode ser.» Desisto, aceitando o copo servido e a lata ainda com o sobrante de Guaraná, e que não faço intenção de consumir. Não preciso de olhar a Globe Trotter, para adivinhar o olhar de gozo que me dirige… «Não te estou a conhecer !…»Provoca-me Maria, após o meu primeiro gole ao sabor ultra doce do refrigerante brasileiro. «Não estou a perder qualidades, querida. Estou só a abrir uma excepção!…» Gozo eu por minha vez. (Bem… Bem… Só para manter a compustura requerida a um veterano da única bebida que tem “montes de absolutamente”, é claro!…) Na parte final de um vôo tranquilo, já só a 300 e alguns nós de velocidade e a 10.000 pés de altitude, vejo a Sul da

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minha janela de saída de emergência bem como da seguinte, a imensa mancha amarelada com que a profusão de luz de Buenos Aires clareia o negro nocturno, 35º ao Sul do Equador. São ainda uns bons 20 minutos de vôo, primeiro na direcção desse clarão, depois já a menor altitude e com a velocidade reduzida a uns meros 300 e poucos km por hora, que o vôo G3-7684 faz a aproximação à pista do “Newbery”. Passamos sobre a vasta largura tranquila do Rio de Plata, para: Apanhando a cor laranja com o logo da GOL, iluminado na ailette da asa de bombordo, em contraste com as luzes profusas das avenidas e auto-pistas da metrópole de 13 milhões de habitantes que sobrevoamos, eu clikar 2 ou 3 vezes a Lumix, para as primeiras imagens que recolho da Argentina… Já passa das 22h00 locais, quando completamos os trâmites habituais de desembarque, fronteiras e bagagens, para descermos ao piso térreo da aerogare, onde alguém nos encaminhará ao “sedan” pedido ao Hotel. À descida das escadas, procuro por um sinal desse alguém que nos espera… Mas cadê esse alguém?… Ambos os Globe Trotters procuram pelo átrio o seu sobrenome, em algum dos variados dísticos com nomes exibidos por não menos funcionários de Agências, mas… Debalde ! Maria percebe quanto eu estou “acelerado”… Já passaram muitas horas desde a última Tónica no vôo da TAP, e ainda mais desde a última cachimbada, antes de entrarmos no Aeroporto da Portela…

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«Zé, não queres ir lá fora fumar, enquanto eu espero que apareça alguém?» Propõe a Globe Trotter, para o meu sorriso imediato: «Não te importas?…» No exterior da entrada, a noite está cálida, e as luzes amarelas da arcada do Aeroporto contrastam com o branco ofuscante dos faróis dos automóveis que passam na Marginal imediatamente adjacente ao Aeroporto, bem como dos que entram na longa arcada de seu acesso, param e seguem após a largada ou tomada de passageiros. Tudo isto sucede numa regularidade e noite tranquilas. Depois de acalmar a sede pelo sabor do “Burley & Cavendish”, inspirado na 1ª noite Argentina, regresso à companhia de Maria, que espera pelo tal alguém… A certa altura decido dirigir-me ao balcão de informações, para em bom portunhol saber de alguma informação sobre o transporte do “Dazzler Tower”… Dada a fraca qualidade do meu portunhol, e a óptima qualidade do castelhano na Argentina, acho melhor que os diálogos neste relato sejam transcritos em bom Português, quando os intervenientes são Argentinos, ou no que lhe é parecido dada a fonética oralizada por Brasileiro(a)s… E claro: Sempre sem o menor respeito pelo Novo “Acordo” Ortográfico da República Portuguesa, que tanto Angola como o Brasil recusaram… «…Como disse ?» Inquire-me um fulano nas Informações, no átrio das chegadas. «…Do Hotel Dazzler Tower San Martin !» Repito eu. «Deve estar a chegar. É esperar um pouco…»

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E volto-me para Maria, ao pé da nossa veteraníssima “Black Oyster” e da “American Tourister” castanha, que a Globe Trotter adquirira no velhinho Sears de Chicago em 2007. Os passageiros e outras pessoas rareiam já no espaço em que aguardamos. Maria chama-me a atenção para um fulano sem casaco, mas mantendo a gravata, calvo, em que já antes eu reparara pela irrequietude entre os passageiros que tinham abundado no átrio, mas agora empunhando uma folha A-4 onde está escrito o nome “Gaia”. Dirijo-me a ele: «Somos nós !… Dazzler Tower?» «Mostra-me a identificação, por favor ?» Exibo-lhe o passaporte, para ele se apressar… «O carro já está lá fora, à espera dos senhores…» Responde o Argentino, apontando para um fulano, não melhor nem pior parecido (antes pelo contrário…), que nos aguarda junto às portas de saída. Este, é um tipo nos seus trintas e tais, quarentas e menos, tez morena, calças pretas compridas, camisa branca de punhos dobrados para cima, farto de cabelo negro penteado para trás com o gel ou a brilhantina necessários à inevitável pinta de “conquistador Latino-Americano”. Tem o olhar meloso fixo na minha Globe Trotter… «A lata do bicho, hem ?… Beeem… O engatatão tem bom gosto…» Reconheço, sem achar grande piada à cena. E nesse micro instante, dou por mim a avaliar o poder de encaixe do Argentino pela equação fundamental da Dinâmica: M x j, em que M são os meus 96 kg e j as “ganas” com que estou a ficar. O resultado é imediato: «Estás mesmo a arriscar-te, pázinho…» É o aviso silencioso que lhe endereço num olhar fixo…

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Como se me tivesse ouvido, o fulano tira instantâneamente o olhar da Globe Trotter, para se voltar para mim, tentar disfarçar, e regressar depois à atraente turista recém chegada. «Acho melhor que nem te atrevas !…» É o aviso imediato que agora se me escapa entre dentes para o “engatatão”, enquanto adivinho de Maria um olhar em mim, seguramente para evitar que eu “entorne o caldo” logo à chegada a Buenos Aires… Disfarçando novamente a pose anterior, o “macho-latino” desvia o olhar para a noite exterior, enquanto eu retorno a atenção ao 1º Argentino que também se não oferecera para levar as malas: «Não se preocupe, as malas são roll-on. Levo eu!» Agradeço-lhe abrupta e cínicamente, avançando de seguida para as portas automáticas, de onde e sem cerimónias, empurro o “engatatão” à minha frente e das malas, para lhas largar ao pé do sedan, e ser eu a abrir a porta a Maria. Compreendendo que o melhor é não “fazer ondas”, e assumindo agora o estatuto de motorista, o “fintas” apressa-se a mostrar serviço e a arrumar as malas na bagageira, enquanto eu fecho a porta atrás de mim. Catita, hem ? Cenas de “macho latino”, assim que chegamos ao Aero­ porto ! Hah !… Não estivesse eu avisado por uma “dica” tão inacreditável quanto caricata, por bem expressa no “American Express”, no capitulo exclusivo a Buenos Aires, e talvez o assunto não tivesse ficado por aqui… Recordo o cómico, e bem elucidativo conselho dedicado às senhoras em turismo e Buenos Aires: «Quando im-

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portunada, exiba a aliança e esclareça com firmeza: Soy una mujer casada.» E como eu e a minha Globe Trotter não usamos aliança, desde há talvez 20, ou mesmo mais anos… Fundamentalistas, não somos ?… É verdade ! Para este casal de Globe Trotters a “aliança” está-nos no sangue; e como não as usamos, o engatatão nem imagina a boa cachaporra que esteve por um triz de levar no focinho (Pardon my french…). E em nota do que foi simultâneo, sublinho nenhum dos Argentinos ter feito sequer menção de nos transportar as malas para o sedan… Falamos Português… Chegámos num vôo de São Paulo, numa transportadora Brasileira… Somos Brasileiros, obviamente! Mas ora bem, prossigamos … Se o Argentino do sedan, perdera momentos antes o estatuto de “conquistador Latino-Americano”, agora ao volante, e após um início de viagem aparentemente tranquilo em que deixáramos à nossa direita o “Aeroparque” e depois um longo jardim arborizado, assim que o Argentino entra numa larga auto-estrada urbana de 8 faixas, o mesmo mostra-se bem decidido em nos impressionar, exibindo um virtuosismo tipo Juan Manuel Fangio da Alfa Romeo, e de antes de eu ser nascido… De facto, se ele se saira bem mal no status anterior, o “ex-engatatão” agora até mostra de facto ter algumas unhinhas para o volante e motor de 2 litros do sedan:

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Salvo uma ou outra manobra menos equilibrada e os consequentes encostos a outros carros evitados em último instante, o Fangio lá vai conseguindo ultrapassar uns e outros, pela direita e pela esquerda (não importa…), num trajecto sinuoso quase gincana, tipo corrida de “stock cars” em que por vezes o sedan chega mesmo a atingir mais de 130km/h, em plena Buenos Aires nocturna! Depois de uma brevíssima paragem na portagem, que marca o final da nossa corrida em “stock car”, a auto-estrada descreve uma curva larga para a direita, para, em viaduto, passarmos sobre um vasto terminal ferroviário, que rápidamente deixamos para trás, para passarmos então a uma área já exclusivamente urbana, em que o “Fangio” modera um pouco a velocidade enquanto a auto-estrada, numa ténue inflecção à esquerda, se transforma numa muito larga e longuíssima Avenida, soberbamente iluminada. Com o “Fangio” agora aparentemente convertido num normal e pacífico cumpridor do Código da Estrada, paramos num 1º semáforo… Se deixámos para trás a auto-estrada de 8 faixas e separador de sentidos, a Avenida em que estamos é de uma largura incomensurável, mantendo as 8 faixas de circulação, e para além do que: • O separador central entre os 2 conjuntos de 4 faixas passa a ser constituido por sucessivas e espaçosas áreas de passeio e jardins bem cuidados e ainda melhor arborizados. • Para além destas 8 faixas de rodagem, distingue-se bem a existência de outros 2 “corredores” paralelos à direita de cada conjunto em cada sentido, dispondo ainda cada um desses “corredores” de várias faixas de rodagem.

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• A solução de separação adjacente entre estes e a coluna dorsal da Avenida, a que são paralelos, repete a solução de separação entre os 2 sentidos desta última, cada qual com as 4 faixas, isto é: • Repete a mesma consecutividade de muito largas “ilhas” de espaço público pedonal, magnificamente ajardinadas, com apreciáveis massas de verdes que se afirmam em diversos tons, alturas e grupos, e por onde distingo a distribuição, aqui e além, de alguns equipamentos urbanos e convite a… • Uma vivência em passeio, em estar, em conversa ou só em usufruir do fantástico espaço e áreas, pelas inúmeras pessoas, “Porteños”, em casais ou em grupo, alguns em bicicleta, outros passeando os seus cães. Mas todos vivendo e convivendo saudavelmente nesta noite de Buenos Aires! Já passa bem das 10h30, e atentando a estarmos 35º ao Sul do Equador e no início de Junho (de um Outono já bem adiantado), é de todo aliciante constatar algum bulício e não menor animação disseminada pelos amplos passeios e jardins da fabulosa Avenida… Ambos os Globe Trotters a vão admirando, soberba de uma largura e espaços de passeio absolutamente excepcional em todo o seu conjunto, enquanto o sedan retoma a sua velocidade serena, assim que o semáforo passa a verde. «Uma senhora Avenida !… Tem bem para cima de 100 metros de largo…» Avalio… «Achas ?…» «… Caramba !… Quais Champs Elysées, qual carapuça !» «Lindíssima !…» É também a opinião de Maria, enquanto eu aprecio o ordenamento urbano, a limpeza mais que notória dos espaços públicos e jardins, para além da

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inerente às fachadas do edifícios, bem como o aspecto igualmente sadio das fachadas dos mais antigos (que obviam uma preocupação e esmero na manutenção e conservação dos mesmos). Enfim, factores essenciais e marcantes do tipo de cultura e urbanidade com que a sociedade está organizada, inerentes a uma civilidade exemplar, e que me reconfirma a ideia de há muitos anos, no tocante à Argentina. E aqui, em Buenos Aires: Não estamos numa Metrópole Sul Americana!… «Bem vinda de regresso à Europa !» Celebro eu com um piscar de olho à Globe Trotter, a enorme satisfação que tenho por estar longe, muito longe da realidade das Caracas, dos Rios de Janeiro, das São Paulos e por aí fora. Muito ao longe, no centro da fantástica Avenida, distinguimos um tão inesperado quanto imponente obelisco, como um aríete branco apontado ao céu nocturno da Metrópole. «Que horas são, Zé ?» Pergunta-me a Globe Trotter. «1/4 para as onze …» Olho no relógio, para Maria levantar a questão que é natural, após o breve snack em fast-food que a GOL oferecera mais de 3 horas atrás: «Apetece-te jantar ?» «… Hmmm… Não estou com muita vontade, mas se quizeres, podemos pedir service-room no Hotel, não?» «Não… Também acho que não merece a pena. Quero é lá chegar para descansar… São muitas horas de vôo… Preciso é de um longo banho para relaxar…» No final da 2ª quadra, o motorista aguarda que os sinais lhe permitam atravessar para a esquerda da Avenida, entrando numa rua apertada, de sentido único e onde a certa altura vira novamente à esquerda, por uma outra

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rua aparentemente mais estreita (graças à maior altura dos edifícios),para finalmente imobilizar o sedan frente a umas arcadas de um edifício recente. «Dazzler Tower San Martin !» Leio o nome do nosso destino e base para os 3 dias em Buenos Aires. As suas arcadas antecedem a frente térrea e totalmente vidrada do Hotel, até à altura da sobreloja, ou mezanine como se entender chamar o piso imediatamente superior. O motorista abre a bagageira, para retirar a “American Tourister”, enquanto eu retiro a velha “Black Oyster”, para de seguida agarrar também na 1ª e despedir o motorista: «Boa noite .» «… Obrigado, é muito amável…» Retribue-me o “macho Latino-Americano”, certamente desiludido por não o ter premiado pela sua corrida de stock cars, e enquanto eu me dirijo já para a entrada do Hotel, com Maria insistindo em levar uma das malas. «Não obrigado, nem penses !…» Agradeço-lhe o gesto, enquanto mentalmente dou votos sacaninhas ao “engatatão”, para que tenha melhor pontaria da próxima vez que vá ao Aeroparque. Abrindo-nos a 2ª porta da antecâmara em vidro, o porteiro do Dazzler recebe as malas, que leva para o balcão de Recepção, em frente e do lado direito. Do lado esquerdo da entrada, duas áreas comuns, em que se distribuem alguns sofás e televisões, são separadas por uma solução que enquadra costas com costas os 2 postos de “Office Center” que a Dazzler anuncia no site, através do qual fiz a reserva. Mais à frente, uma tão vasta, quanto pesada e alta cortina, faz a separação para uma bem ampla zona, por onde se estende o pavimento em pedra mármore da entrada e lobby.

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Num intervalo dessa cortina, é fácil detectar os arranjos de mesas do longo Restaurante que lhe fica a seguir… «Para os nossos “bacon & eggs” de amanhã !» Sorrio à Globe Trotter, após retribuir as boas vindas dos Recepcionistas que nos aguardam. Do lado direito do Hotel, e antes do hall dos ascensores, uma escada de largura simpática dá acesso directo ao piso em mezanine. Uma tabuleta indica-nos serem aí as salas de conferência e reuniões. «Sejam bem vindos ao Dazzler San Martin !» Cumprimenta-nos o primeiro Recepcionista a adiantar-se . «Obrigado, o nosso nome é Gaia . Avisámos do nosso late check in para hoje…» «Já estávamos à vossa espera senhor Gaia, e tenho o prazer de o informar que o nosso Hotel fez-vos o up-grade para uma das suites executivas no 10º andar!» Sorrí o Recepcionista, para ser ainda mais agradável a nossa chegada ao Dazzler, agora beneficiada com a atribuição de uma suite. Estendo-lhe os nossos passaportes e cartão de crédito, para ele proceder aos trâmites habituais, enquanto a Globe Trotter me surpreende: «Deste gorjeta ao motorista ?…» «… Gorjeta ao motorista?… Era só o que me faltava!» Rio-me com vontade. «Ò Zé !… Estamos na cidade “deles”…» Dá Maria “de barato” a atitude inicial do engatatão. «… Já está com sorte em não lhe ter dado no aeroporto o que estava a “pedir”…» Dou eu o responso. «Estavas muito “acelerado”… E ainda estás !» Acusa-me a Globe Trotter, para logo acrescentar, escondendo nos lábios o sorriso de algum gozo que lhe brilha intenso nos olhos:

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«… Não percebi o que lhe disseste, mas julgas que não vi a maneira como o empurraste à frente das malas?» «O que lhe disse ?…» Rio-me com vontade . «Sim Zé, eu ouvi qualquer coisa… E o tom não pareceu dos melhores…» Insiste a Globe Trotter, para eu voltar a atenção para o Recepcionista que procede ao nosso check in. «Não acredito : Cenas à chegada a Buenos Aires !» Desabafa Maria, em tom só audível para mim, fazendo-me recordar que de facto disse alguma coisa ao “engatatão”: «… Soltei-lhe o imperativo do verbo desaparecer !» Acabo por confessar, para a Globe Trotter me levantar o “cartão amarelo”: «E como se não bastasse quase o atropelavas com as malas!» «E o artista já teve sorte em que eu tenha ficado por aí…» Troço eu. «É !… Cenas à chegada a Buenos Aires !» Finge (?) a Globe Trotter repreender-me, enquanto eu me volto de novo para o Recepcionista que me estende a carteira do Hotel com o nº da suite e os 2 cartões de acesso respectivos: «Só um momento, senhor… Vou chamar alguém para vos acompanhar e levar as malas!» «Obrigado, boa noite .» Imediatamente à esquerda da saida dos ascensores, a suite #1008 do Dazzler Tower revela-se de facto óptima em espaço e arranjo, embora de decoração algo minimalista… Em termos de cor, o espaço é o contraste de um todo em branco, que sobe das paredes ao tecto para abranger portas e armários, com o castanho de uma madeira bem escura em soalho flutuante (solução que eu detesto em qualquer espaço…), e a que os poucos móveis dão continuidade em tom.

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Aparentemente desenquadrados deste contraste em 2 cores, os sofás, duplos e simples, apresentam um design de preocupação excessivamente geométrica, com algum exagero em linhas e ângulos rectos, que lhes não anuncia muito conforto. À esquerda da entrada fica a habitual casa de banho, mas que na suite não é mais que um wash & clean para visitas. Entramos de seguida nos 26,0 m2 da sala em rectângulo, equipada com um jogo de 3 sofás e mesas baixas de apoio, frente ao largo ecrân LCD da televisão. Antes do jogo de sofás, e junto às costas de um deles, fica uma mesa-secretária larga com os habituais consumíveis de leitura e uso em qualquer Hotel. Por trás, cravado na parede fica o 1º armário alto da suite, enquanto para a direita da área frente ao LCD se mantém algum espaço livre. Ao fundo da sala… Um outro sofá duplo, de costas para a grande janela de vista sobre o Este de Buenos Aires, a que a eterna solução de grandes cortinados está por enquanto a encobrir. Atravesso todo o comprimento da sala, para ir ligar o candeeiro de pé alto, à direita da janelona, e afastar algo dos cortinados e cortinas, que permita ver os telhados da cidade e a noite. O “bell-boy” deposita a mala negra sobre o descanso para esse propósito, e deixa a castanha em pé, a seu lado, para eu o despedir com as “boas noites” e 3 notas de Dólar dos Iuésseovei… «Muito obrigado, senhor! Espero que gostem da estadia no Dazzler Tower San Martin…» A Globe Trotter abre a portada dupla para outros 26 m2, mas de quarto de casal, com uma cama de excelente dimensão e bem convidativa.

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À esquerda da portada de entrada, uma secretária onde o habitual “coffee&tea set” aguarda, a seguir a um outro LCD de dimensão idêntica ao da sala. O chão escuro dessa prolonga-se por todo o quarto, que, se é dotado de uma boa janelona em tudo idêntica à da sala, na parede oposta e portanto à direita da entrada em portada dupla oferece dois largos armários embutidos na parede e separados pela porta neles integrada para o quarto de banho, que: É o quarto de banho habitual à solução de Hotéis a que os 2 Globe Trotters dão preferência, salvo no que respeita ao banho… Que é uma promessa bem mais aliciante : À esquerda e a toda a largura, temos ao nosso dispor um jaccuzi “tamanho casal”, para uns excelentes momentos de relax a solo, ou ainda melhor e muito mais propiciador a algumas modalidades de diversão… Mas para já, pelo menos para esta noite, este inesperado dá mais que resposta ao desejo da Globe Trotter por um bom periodo relaxante para início da nossa 1ª noite em Buenos Aires. Enquanto eu regresso à sala, para pendurar no armário o blaser da minha “farda” habitual para viagem, Maria deixa a água bem quente a encher a larga banheira, para depois poder ligar o seu jaccuzi. Ligo a televisão, para de seguida e já acomodado ao sofá duplo em frente, fazer o zapping pelos canais Argentinos à nossa disposição. Sob a mesa do LCD, um pequeno armário faz apelo à minha sede por uma Tónica… Debalde !… O pequeno armário não esconde um mini freezer, mas sim o cofre da suite!

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Regresso ao sofá para prosseguir “a seco” o zapping dos canais… Detenho-me num episódio do C.S.I. New York, que vira há poucas semanas atrás. Mas através da portada dupla aberta para o quarto, o espectáculo de beleza e sensualidade que a Globe Trotter me oferece agora, em preparação para o jaccuzi, é bem mais aliciante!… Distraido já de todo e qualquer interesse em conhecer a realidade televisiva do País, não perco nem mais um segundo a oferecer a ajuda que seja necessária: «…Do you wish for some company in the bath ?» Provoco-a eu, para Maria me olhar com “aquele” seu brilho gozão no verde dourado dos olhos: «… Later, maybe … Quero relaxar algum tempo no jaccuzi !» É o convite que lhe ouço para uma noite não televisiva, bem como o anúncio de uma prévia e longa espera. «Vou descer, para uma cachimbada à entrada do Hotel!» Anuncio por minha vez e enquanto me levanto para abrir a “Black Oyster” e retirar o blusão desportivo. Meu companheiro quase permanente nos Invernos Lusitanos e farda de várias viagens (as ultimas a Cape Cod e depois Chicago), o blusão “Náutica” beije muito claro, sem o forro de Inverno, e os eternos jeans, são mais que obrigatórios, indispensáveis para o nosso raide ao maior Glaciar Andino, já dentro de 3 dias. Já passa bem das 11 da noite, e é a mesmíssima temperatura agradável, constatada à chegada, que Buenos Aires ainda me oferece agora fora do Hotel. Inspirando bem e profundamente cada cachimbada, vou saboreando a noite austral e o tabaco, enquanto engraço com o “dèjá vu” que a rua do Dazzler me propicia:

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A estreiteza da Calle San Martin, a pouca iluminação da mesma, os passeios algo mal tratados, os escassos carros que a esta hora recorrem ao sentido único da rua, passando de vez em quando frente ao Hotel e da direita para a esquerda, os raros passantes apressados que se apertam já nos seus casacos, com o frio de um Inverno já bem próximo… Um ou outro já de cachecol ao pescoço, enquanto que eu: Catita com o blusão aberto sobre a camisa, cachimbando uns bons tragos de sabor e aroma de bom tabaco, não poderia sentir a temperatura deste final de Outono Austral mais amena e agradável… É inacreditável !… Sinto-me como recuando 3 dezenas de anos antes, e regressado a uma qualquer rua interior do Soho Londrino! Se bem que … É isso mesmo : «Falta o cheiro a comida dos restaurantes chineses !» Recordo num sorriso esses Raides que com Maria, e ainda em pleno periodo de juventude e namoro, fazíamos tão frequentemente a Londres, para repetirmos sempre, poucos meses depois! Enquanto sopro para a noite a ultima lufada do Burley & Cavendish bem saboreada, dou passagem no passeio a uma senhora apressada e bem embrulhada no seu casaco já de Inverno, para depois me voltar para a arcada do Hotel, onde um cinzeiro gigante aguarda que lá vá deitar as cinzas do cachimbo. Depois das arcadas exteriores, já no lobby, dirijo-me para a pequena área de Office Center, na zona de estar do Hotel, de que escolho o posto de computador de costas para

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a gigantesca vitrine que me separa do exterior e das memórias de um Soho Londrino. Escolho o mapa de Buenos Aires que a Google me faculta, e puxo a imagem inconfundível da pista do único aeroporto dentro da cidade. Amplio a imagem até confirmar : «Aeropuerto Internacional Jorge Newbery… Cá estou!» E passo a reconstituir o trajecto que o Fangio decidiu para nos trazer ao Dazzler Tower de San Martin… • Do Aeroparque para Sul-Este, a Avenida marginal ao Atlântico Sul (perdão… ao imenso estuário do Rio de la Plata), chama-se “Rafael Obligado Costanero”, de onde o “macho latino” e depois de ultrapassado o parque e jardim públicos, tomou a Avª Jerónimo Salguero… • Passou sob a tal larguíssima auto estrada de 8 faixas: a Avª Presidente Arturo Illia, para… • Imediatamente por um acesso circular à direita, tomar essa auto estrada urbana, que para o Fangio foi uma verdadeira pista de corrida em stock car, e que… • Faz (após passar sobre o enorme terminal ferroviário) a inflexão para a esquerda e interior de Buenos Aires, quando… • Se transforma na fantástica Avenida de 10 faixas principais no seu corpo dorsal, com o nome de Avª 9 de Julho, dispondo de 6 faixas de rodagem para Sul e 4 em sentido inverso. E ainda mais… 1, 2, 3, 4 faixas de cada lado! • Mais quatro faixas de circulação em cada um dos seus complementos adjacentes, com as separações por largos jardins e espaços pedonais! • Fantástico: O principal eixo de circulação automóvel de Buenos Aires, a Avª 9 de Julho, dispõe de 16

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faixas de rodagem! (Se bem que na toponímia, os seus 2 membros adjacentes, de 4 faixas cada, ganhem nomes próprios, que não “9 de Julho”…) • O “engatatão” do Aeroporto, no 2º semáforo virou então à esquerda, para descer a Calle Paraguay, já destituida de uma iluminação sobreabundante como a 9 de Julho, para finalmente virar de novo à esquerda e entrar na Calle San Martin, onde o Dazzler Tower San Martin, aparece no mapa da Google como Dazzler Tower San Telmo! Com o mapa à minha disposição, aproveito agora para recordar a rua mais ícone em comércio para o Turismo… Como se toda esta gigantesca capital “Europeia” pudesse ter só esta zona ícone: A Calle Flórida, vedada a automóveis, onde se abre toda uma diversidade de lojas de qualidade e boas marcas Argentinas (a preços proibitivos, quase…) que nos ocuparão dentro de algumas horas, e que farão seguramente as delícias da Globe Trotter, e… E onde, em plena via pedonal e à hora do chá, num local ou outro, pares de bailarino(a)s de Tango exibem as suas virtuosidades para os Turistas. «Calle Florida… Bem próxima do Hotel…» Sorrío-me a “descer” no mapa a Calle para Sul, onde também as soberbas “Galerias Pacífico”, com os seus “frescos” nos tectos em abóboda, estão implantadas a bem escassos quarteirões de nós! Depois de uma nova, mas desta vez curta cachimbada, reentro no Hotel e subo ao 10º andar. Entro na #1008 para cerrar a porta atrás de mim com o fecho de segurança… «Um bom duche…» É o que preciso para já.

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Abro o armário da sala, onde penduro o blusão e retiro o plástico de laundry do Hotel, destino para já da camisa que visto há quase 18 horas. É quando fecho as portas do armário que ouço, vinda do quarto, a voz de uma Globe Trotter apreensiva… «Quem… Quem está aí ?» É a pergunta em algum receio feminino, que ouço através das portas do quarto. Descalço-me e em silêncio dirijo-me para elas, abrindo-as num rompante súbito, para deparar com o recuo simultâneo e em susto da Globe Trotter para a cabeceira da vasta cama, puxando a protecção do lençol até ao pescoço! Mal contendo o riso, anuncio-lhe em bom Portuñol e pleno gozo : «Soy el chauffer y engatatón del aeropuerto, Siñora !… O seu marido ficou lá em baixo a fumar. Eu vim dar-lhe as boas vindas a Buenos Aires!…» «Parvo !… Idiota !» São os adjectivos que Maria me lança, acompanhando a minha gargalhada.

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