Execuções de pena última em Portugal

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Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo AntóniodaExecuçõesTorrespenaúltimaemPortugalLuísdeSousaHenriquesSeco

ANTÓNIO LUÍS DE SOUSA HENRIQUES SECO DAEXECUÇÕESPENAÚLTIMAEMPORTUGAL Preview

título: Execuções da pena última em Portugal autor: António Luís de Sousa Henriques Seco (1822-1892) edição: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro) recolha de textos, introdução e notas: Mário Araújo Torres imagem de capa: Execução de Gomes Freire de Andrade (Esplanada do Forte de S. Julião da Barra, 18 de outubro de 1817) imagem de contracapa: Execução dos Távoras (Belém, 13 de janeiro de 1759) capa: Ângela Espinha paginação: Paulo Resende 1.ª edição Lisboa, julho 2022 isbn: 978‑989 9028 62 3 depósito legal: 500696/22 © Mário ArAújo Torres Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei. Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao seu autor, a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, tex tual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total. publicação e comercialização: (+351)publicar@sitiodolivro.ptwww.sitiodolivro.pt211932500

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INTRODUÇÃO

Quando, no ano de 1846, a Revolução popular (Patuleia) triunfou em Coimbra e aí se instalou, em 18 de maio, uma Junta Governativa, Henriques Seco aderiu às hostes populares, tendo sido integrado, com o posto de Tenente, na 2.ª Companhia da Guarda Nacional de Coimbra.Finda a Guerra da Patuleia com a Convenção de Gramido, não cessaram as violências dos cabralistas. Para reagir contra essa

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1. António Luís de Sousa Henriques Seco António Luís de Sousa Henriques Seco nasceu na casa-solar da sua família, em Antuzede (arredores de Coimbra), a 22 de janeiro de 1822, e faleceu em Coimbra, na freguesia de Santa Cruz (Rua da Sofia), em 4 de dezembro de 1892. Depois de frequentar Preparatórios no Colégio das Artes, matri culou-se no 1.º ano jurídico da Universidade a 3 de outubro de 1836, aí se bacharelou a 2 de junho de 1840, se licenciou em 21 de maio de 1841 e se doutorou no dia 29 de janeiro de 1843. Tomou parte ativa nas lutas contra o Governo cabralista, ini ciadas em Coimbra com a Revolução popular, em 8 de março de 1844 1. Depois do malogro desta Revolução, o Partido progressista julgou necessária a criação de um jornal para se opor às prepotências das autoridades. No dia 9 de julho de 1844, com a colaboração de Henriques Seco, saiu à luz o primeiro número do periódico, a que foi posto o nome de A Oposição Nacional 2, cuja direção provinha da loja maçónica Filadélfia, de que Henriques Seco era membro, com o nome simbólico de Viriato. Tentou ainda, em 1845, coadjuvado por alguns amigos, publicar um periódico intitulado O Conimbricense, mas as autoridades impediram arbitrariamente essa publicação, não lhe concedendo a necessária habilitação: “porque a autoridade judi cial a esse tempo indeferia a julgar por sentença a idoneidade do editor e fiador enquanto na repartição competente se não tomassem os respetivos termos, e o Governador civil (...) indeferia a tomar os termos enquanto não estivesse julgada a idoneidade!”

12 MÁRIO ARAÚJO TORRES situação, um grupo de membros do Partido progressista, entre eles António Luís de Sousa Henriques Seco, decidiram fundar um jornal, com o título O Observador 3, saindo o primeiro número em 16 de novembro de 1847. Lê-se no editorial desse número inaugural: “A segurança pública tem sido uma mentira, as vinganças particulares apareceram com todos os horrores desde que houve certeza da impu nidade, os espancamentos e assassinatos a título de opiniões políti cas têm sido presenciados por toda a parte; enfim, e para em tudo se faltar ao programa pomposo, cuja execução se nos afiançara, deu-se -nos há pouco o espetáculo da mais completa prostituição da urna que pode imaginar-se.”

A carreira universitária, após ter regido, no ano letivo de 18481849, a cadeira de Direito Natural e das Gentes, é interrompida pelo exercício, na primeira metade da década de 1850, de funções político-administrativas.

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Em 1851, com a Regeneração 4, foi incum bido da Secretaria-geral do Governo Civil de Santarém (8 de maio de 1851), donde foi transferido, em 9 de junho desse ano, para idên tico cargo no de Coimbra, tendo nos dois anos seguintes exercido por diversos períodos a chefia efetiva do distrito, por falta ou impe dimento dos titulares do cargo. Foi finalmente nomeado Governa dor Civil, em 28 de abril de 1853, cessando essas funções em 21 de março de 1854 5, na sequência do seu pedido de exoneração, forma lizado em 16 desse mês, motivado pelos acontecimentos de fevereiro desse ano (Entrudada académica) 6. Enquanto Governador Civil 7, Henriques Seco adotou uma firme atuação de intransigência

Em 1848, ingressa na Carbonária Lusitana, de Coimbra, com o nome de Cicioso.

Prosseguindo a sua atividade académica, Henriques Seco, na qualidade de doutor adido, publica, em 1848, pela Imprensa da Universidade, a sua primeira obra: Manual Histórico de Direito Romano, distribuído em três partes, e seguido de um capítulo adi cional acerca do seu destino entre nós (X+146+76 páginas). Em 1850, elaborou a obra que viria a publicar, seis anos depois, com o título Novos elogios dos reis de Portugal, ou princípios de história portuguesa para uso das escolas (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1856, X+188 páginas).

INTRODUÇÃO 13

quanto ao fenómeno do banditismo na Beira, sobretudo em Midões (João Brandão) e Lavos (Joaquim da Marinha), frequentemente associado ao caciquismo eleitoral, mesmo que essa sua conduta ocasionasse atritos com o Ministro do Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães.Emfinais de 1853, O Observador publicou diversa correspon dência de Lavos, denunciando os crimes da responsabilidade do Administrador desse concelho, Joaquim Gonçalves Curado, mais conhecido por Joaquim da Marinha, que tinha um grande prote tor no seu compadre Frutuoso José da Silva, abastado proprietário de Coimbra e amigo íntimo de José de Morais Pinto de Almeida, que oficialmente era o editor do jornal, mas que estava ausente em Lisboa, como Deputado, sendo Joaquim Martins de Carvalho o responsável efetivo pela edição do jornal. Em meados de janeiro de 1854, José de Morais Pinto de Almeida escreve para Coimbra, ameaçando interromper a publicação do Observador se prosseguis sem os ataques ao criminoso de Lavos. Indignado, Joaquim Martins de Carvalho procura o então Governador Civil de Coimbra, António Luís de Sousa Henriques Seco, e juntos decidem mudar o nome do periódico para O Conimbricense e passando Joaquim Martins de Carvalho a ser o editor responsável dele 8. No sábado, 21 de janeiro de 1854, saiu o último número (n.º 681) de O Obser vador, e na 3.ª-feira, 24 de janeiro de 1854, apareceu o n.º 1 de O Conimbricense, com Joaquim Martins de Carvalho como respon sável. No editorial desse número inaugural, lê-se: “Um princípio de justiça, um ponto de honra, uma causa de pundonor para a sua redação dão hoje começo a este jornal, cuja origem já se vê que é nobre e se deve esperar que a sua vida o seja igualmente. Adota mos este título porque o nosso jornal, não aspirando à vanglória de representante principal da política liberal progressista, contenta-se apenas com o modesto título que mais quadra à posição que pre tende ocupar na imprensa, a saber: a defesa dos interesses de Coim bra e do seu distrito, e, se tanto for mister, também da província da Beira. Além de que não devíamos agora denegar-lhe o nome que já quisemos pôr no jornal que em 1845 pretendemos publicar nesta cidade e que, a despeito dos nossos esforços, nunca conseguimos

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fez aos diversos concelhos do Distrito resultou a publicação da Memória histórico-corográfica dos diversos con celhos do distrito administrativo de Coimbra (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1853, XVI+143 páginas), complementada pelo Mapa do distrito administrativo de Coimbra, designando, segundo a ordem alfabética dos concelhos, todas as freguesias de que estes se compõem, pela mesma ordem; os oragos das mesmas fregue sias; as distâncias de cada uma destas à cabeça do concelho; todas as povoações, casas e quintas que lhes pertencem, etc. (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1854, 118 páginas). Com a primeira obra pretendeu dar “uma notícia breve do Distrito Administrativo de Coimbra, isto é, da situação e descrição das suas principais povoações, e uma relação resumida dos factos históricos, que lhe dizem respeito”, tendo cedido o proveito da edição em benefício dos Hospitais da LigadaCidade.àsua atividade como Chefe do Distrito está a publica ção de As eleições municipais em Coimbra para o biénio de 1854 a 1855 (Coimbra, Imprensa de Elvira Trovão, 1856, 23 páginas), em que se defende de acusações dos seus adversários políticos de abu siva interferência nessas eleições. Em 1854, ano em que regressa à docência universitária, coube -lhe proferir, em latim, a Oração de Sapiência na abertura solene das aulas: Oratio quam pro annua studiorum instaurationem idibus Octobris anni MDCCCLIV in Conimbricensi Academia ... habuit

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14 MÁRIO ARAÚJO TORRES que prosseguisse, graças ao arbítrio desregrado dos mandões dessa época, os quais, mancomunados, estabeleceram entre si um conflito de jurisdição negativa, para que nos não tomassem conta da habilita ção. Vê-se, pois, ainda que o nome do Conimbricense é também um protesto contra o despotismo. E, por último, tomará a peito, muito principalmente, a causa da ordem e segurança pública; e para este fim defenderá sempre o fraco contra o forte, e pedirá a aplicação das penas convenientes contra os criminosos, aos quais não dará tréguas, porque não tem, e mesmo rejeita, com eles e os seus pro tetores, quaisquer que eles sejam, obscuros ou poderosos, todos os compromissos.”Dasvisitasque

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Antonius Ludovicus de Sousa Henriques Secco (Conimbricae, Typis Academicis, 1856, 10 páginas) 9.

Foi nomeado lente substituto extraordinário em 24 de janeiro de 1855 e substituto ordinário em 22 de agosto do mesmo ano. Asse gurou a regência das cadeiras de História Geral da Jurisprudência (1855-1858), Instituições de Direito Eclesiástico (1855-1857), Enci clopédia Jurídica (1857-1858) e Direito Romano (1858-1860).

Apesar de Henriques Seco ser “dos poucos professores (...) que tinham gosto em escrever e publicar” (Guilherme Braga da Cruz 10), esse projeto não chegou a concretizar-se, tendo, no entanto, utili zado diversas notas na edição do Código Penal Português, prece dido pelo Decreto com força de lei de 10 de dezembro de 1852, seguido de um Apêndice anotado por António Luís de Sousa Henri ques Seco, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1881, 340 páginas, e de ter publicado, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, entre 1871 e 1876, vários capítulos da Parte I (dedicada aos delitos) do seu Compêndio de Direito Criminal, em elaboração 11 .

INTRODUÇÃO 15

Por Decreto de 23 de janeiro de 1861, foi promovido a lente cate drático e encarregado da regência da cadeira de Direito Criminal, inclusive a parte militar, a qual ficara vaga pela jubilação de Basí lio Alberto de Sousa Pinto, e de que seria titular até se jubilar, em 12 de fevereiro de 1885.

Perante este novo desafio, pois, como refere no prólogo do 1.º volume das Memórias do Tempo Passado e Presente para Lição dos Vindouros, de Direito Criminal só sabia a lição, que, no ano letivo de 1839 a 1840, havia recebido do Doutor António Ribeiro de Liz Teixeira, e nem este nem Sousa Pinto, que lhe sucedera, publicaram lições, continuando o compêndio adotado a ser as Institutiones Juris Criminalis Lusitani Liber Singularis, de Pascoal José de Melo Freire dos Reis, de 1794, muito anteriores ao Código Penal de 1852, decidiu Henriques Seco começar a redigir um Compêndio de Direito Criminal Português, dedicando um primeiro volume aos delitos e um segundo às penas, a que acresceria um terceiro “reservado prin cipalmente a assuntos extravagantes de direito criminal, e secunda riamente a outros objetos de diversa índole”.

16 MÁRIO ARAÚJO TORRES

Renunciou à Comenda da Ordem de Nossa Senhora da Con ceição de Vila Viçosa, com que o Ministro do Reino, Rodrigo da

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Nos dois tomos das Memórias trata Henriques Seco diversos assuntos, com relevância para a pena de morte, por cuja total aboli ção (incluindo crimes militares em tempo de guerra) convictamente lutou, descrevendo grande número de factos, sentenças a pena última, execuções, comutações, etc. Insere ainda capítulos sobre episódios da Inquisição (processos e prisões, sentenças contra Frei Diogo da Assunção e o Doutor António Homem, o Praeceptor infe lix), da Guerra Peninsular, da Revolta da Maria da Fonte, da Guerra da Patuleia e da Regeneração, os acontecimentos em Coimbra no Carnaval de 1854, o banditismo na Beira (especialmente Midões e Lavos), reforma da legislação académica sobre concursos, o iné dito Projeto de Código Criminal elaborado pela Comissão criada em Coimbra pela Ordem das Cortes de 23 de novembro de 1821, projetos de obras públicas (estrada de Alva 12), etc.. Reproduz ainda as orações por ele proferidas, na Sala dos Capelos, nas cerimónias de imposição de insígnias doutorais aos Doutores José Frederico Laranjo (em 15 de julho de 1877) e António Cândido Ribeiro da Costa (em 21 de julho de 1878).

Só o planeado terceiro volume viria a ser publicado, com o título de Memórias do Tempo Passado e Presente para Lição dos Vindouros (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1880, VIII+806 páginas), a que seguiria um 2.º volume destas Memórias (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1889, VIII+804 páginas), “não nutrindo por agora grandes esperanças de preencher as lacunas dos volumes que deve riam ser o primeiro e segundo” do anunciado Compêndio de Direito CriminalExerceu. os cargos de Fiscal (1859/1860) e Diretor da Faculdade de Direito, desde 16 de dezembro de 1880 até à jubilação, em 12 de fevereiro de 1885.

Colaborou nos jornais A Oposição Nacional (em 1844), O Observador (de 1847 a 1854), O Conimbricense (em 1854 e 1855), A Época (em 1856), O Constitucional (em 1859), O Progressista (em 1871), e na Revista de Legislação e de Jurisprudência (de 1871 a 1876).

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Fonseca Magalhães, o quis agraciar na sequência dos acontecimen tos da Entrudada académica de 1854. Igualmente recusou aceitar o foro de Fidalgo da Casa Real. Membro do Conselho do Distrito (1846, 1854 e 1864), da Junta Administrativa dos Campos do Mondego (1856), foi Presidente da Câmara Municipal de Coimbra em 1862 e 1863 13 e da Junta Geral do Distrito, em 1863.

Afeto ao Partido Histórico, foi eleito Deputado às Cortes em 1854, 1857, 1858 e 1860. Nas suas intervenções parlamentares 14 , destacam-se chamadas de atenção para a situação em que se encon travam as crianças expostos na roda no Distrito de Coimbra (ses sões de 16 de fevereiro e de 15 de maio de 1855), atribuição de prémios pecuniários aos que contribuíssem para a captura de assassinos que se tivessem evadido à ação da justiça (sessão de 12 de março de 1855), revisão do regime dos morgadios (sessão de 3 de abril de 1855), fiscalização da cobrança de impostos (sessão de 20 de janeiro de 1858), ensino liceal (sessão de 24 de março de 1858), aforamento e arroteação dos baldios dos concelhos (sessão de 25 de fevereiro de 1858), restabelecimento do concelho de Ançã (sessão de 22 de novembro de 1858), reparação da ponte da Cidreira (ses sões de 14 de janeiro de 1859 e 29 de janeiro de 1861), inelegibilidade para Deputado dos funcionários demitidos (sessão de 28 de abril de 1859), segurança pública na Beira e repressão da crimina lidade nessa província (sessão de 20 de maio de 1859), estradas de Coimbra ao Rio Alva e à Figueira da Foz (sessão de 21 de maio de 1859) e ao resto da Beira pela margem direita do Mondego e ponte de Mucela (sessão de 23 de novembro de 1859), estrada entre Lavos e Marinha Pequena (sessão de 15 de fevereiro de 1860), melhora mento do Rio Mondego e campos adjacentes (sessões de 3 de abril e de 26 de junho de 1860), etc. Em 28 de janeiro de 1874, foi eleito sócio efetivo do Instituto de

Coimbra.Foinomeado

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Conselheiro de Estado e Par do Reino vitalício em 7 de janeiro de 1881.

Por Decreto de 10 de fevereiro de 1852, D. Fernando II nomeou-o membro do seu Conselho.

18 MÁRIO ARAÚJO TORRES

Ao noticiar o seu falecimento, O Defensor do Povo (Coimbra, ano I, n.º 41, de 8 de dezembro de 1892) salienta que António Luís de Sousa Henriques Seco “foi um cidadão honesto, um português de lei, revolucionário nos seus tempos, todo liberal, lutando com encarniçamento durante a época cabralina”; “homem de bom cora ção, esmoler”, “serviu o seu País, com dedicação, sem egoísmos nem vaidades”. E, no Conimbricense, n.º 4722, de 6 de dezembro de 1892, o seu companheiro de lutas, Joaquim Martins de Carvalho, recorda-o: “Durante o tempo que foi Secretário-geral deste Distrito e Gover nador Civil, prestou relevantíssimos serviços a favor da segurança pública, contra os assassinos e ladrões desta província. A guerra que o Sr. Henriques Seco fez aos assassinos de Lavos, Midões e de outras localidades desta província, quer como autoridade adminis trativa, quer como jornalista, quer como Deputado, foi extraordiná ria e de um valor incalculável.”

Em 15 de março de 1928, deliberou a Câmara Municipal dar a de Rua Dr. António Henriques Seco à Rua n.º 4 do Bairro da Cumeada (que se estende da Avenida Dias da Silva à Rua Augusto Rocha, cortando obliquamente a Rua Pinheiro Chagas e a Avenida D. Afonso Henriques), “em homenagem ao antigo profes sor universitário e presidente da Câmara, que legou ao Município de Coimbra a sua livraria, com a qual começou, mais tarde, a organizar -se a Biblioteca Municipal”, que, “tendo exercido diversas funções, sem exclusão das legislativas, em todas afirmou o seu alto valor e a elevada nobreza do seu caráter” (José Pinto Loureiro, Toponímia de Coimbra, volume I, Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, 1960, págs. 99-100).

Faleceu em Coimbra, na freguesia de Santa Cruz, a 4 de dezem bro de 1892, aos 70 anos de idade. Esteve depositado na igreja daquela freguesia de 5 a 9 daquele mês, após o que seguiu para o cemitério de Antuzede, de onde era natural. No seu testamento, deixou a quase totalidade da sua livraria à Câmara Municipal de Coimbra, para com ela se criar uma Biblio teca Pública 15.

denominação

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O papel de Henriques Seco no movimento abolicionista em Portugal

INTRODUÇÃO 19 2.

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O primeiro nome a destacar no movimento abolicionista da pena de morte em Portugal ‒ inspirado, como nos restantes países euro peus, pela publicação, em 1764, em Livorno, sob a capa do anoni mato, da obra Dei delitti e delle pene, da autoria de Cesare Bonesana (Milão, 1738 - 1794), depois Marquês de Beccaria ‒ é obviamente o de António Ribeiro dos Santos (Massarelos / Porto, 1745 –Lisboa, 1818), aluno (1763-1771) e lente (1771-1795) da Facul dade de Cânones (que, em 1836, se fundiu com a Faculdade de Leis, dando origem à Faculdade de Direito), jurista, historiador, filólogo e poeta (com o pseudónimo de Elpino Duriense), primeiro Bibliote cário da Universidade (1777), membro da Academia Real das Ciências (1779), fundador da Biblioteca Pública de Lisboa (1796), hoje Biblioteca Nacional de Portugal, que, no Vol. VII, N.º XXXIII, Parte II (1814), do Jornal de Coimbra, publicou o primeiro ensaio a defen der, em Portugal, a abolição total da pena de morte para os crimes civis (“Discurso sobre a pena de morte e reflexões sobre alguns crimes”). Com este precioso estudo, Ribeiro dos Santos “pode com razão considerar-se o primeiro abolicionista, plenamente convicto, do pensamento criminalístico português”. Em segundo lugar, surge José Maria Pereira Forjaz de Sampaio (Coimbra, 1773 - 1858), bacharel formado em Leis em 1/7/1797, que seguiu a carreira judicial, tendo exercido os cargos de juiz-de-fora em Gouveia (1800), juiz-de-fora do Cível em Coim bra (1805), Corregedor nesta comarca (1812) e desembargador da Relação e Casa do Porto (1821). Foi eleito Deputado em 1847 pelo colégio eleitoral do Douro, tendo integrado as comissões das Penitenciárias (1848), Infrações (1848), Legislação (1848-1850), Fazenda (1849) e Administração Pública (1850). Em 1819 foi-lhe conferido o hábito de Cristo. No desempenho dos seus cargos, “que as invasões francesas e as guerras da restauração, e a acumulação de funções judiciais, administrativas, policiais e fiscais tornavam então superiormente delicados e melindrosos, granjeou os maiores

20 MÁRIO ARAÚJO TORRES créditos de inteligência, integridade e incansável atividade, mere cendo por isso repetidos louvores das superiores autoridades civis e militares, e especialmente de Lord Wellington” (Adrião Forjaz de Sampaio, Notícias Biográficas, 1866, p. 20). Durante a guerra civil que opôs liberais e absolutistas, integrou um dos Batalhões Nacio nais das Províncias na qualidade de capitão, defendendo a Carta Constitucional e a Rainha D. Maria II. Foi escolhido para integrar a comissão criada pelas Cortes Cons tituintes para elaborar os projetos de Código de Processo Criminal e de Código de Delitos e Penas (1821). A Comissão chegou a elabo rar duas extensas partes do projeto, constantes de dois manuscritos, num total de 227 artigos, que viriam a ser publicados por Henriques Seco, nas suas Memórias do Tempo Passado e Presente para Lição dos Vindouros (I vol., 1880, pp. 149-180, e II vol., 1889, pp. 1-40). Mas não chegou a dar por terminados os trabalhos e na parte elabo rada ainda mantinha a pena de morte para crimes civis. José Maria Pereira Forjaz de Sampaio, pouco satisfeito com a morosidade dos trabalhos da Comissão e dissentindo confessadamente da opinião dos seus colegas em pontos fundamentais, abalançou-se a publicar, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade, um Extrato de Projeto de Código de delitos e penas, e da ordem do pro cesso criminal, oferecido à censura da opinião pública para emenda e redação do original, e em particular à de seus companheiros na Comissão especial do projeto comum (Coimbra, Imprensa da Uni versidade, 1823). Trata-se do primeiro projeto legislativo que em Portugal propõe a abolição absoluta da pena de morte para os crimes civis, a propósito do qual Joaquim Martins de Carvalho escreveu em O Conimbricense: “é notável e muito digno de ser comemorado que numa época em que ainda entre nós imperava o tenebroso Livro V das Ordenações, o Sr. Pereira Forjaz tivesse o desassombro de no seu projeto votar contra a aplicação da pena de morte, e é de tanto mais peso esta opinião quanto partiu de um magistrado muito res peitável e ilustrado, e que, atenta a sua idade e inteligência, não o podiam taxar de ser levado pelo verdor dos anos a manifestá-la”. As razões, diretamente bebidas em Beccaria, dá-as o seu autor em breves palavras na «prefação» que abre o seu precioso e arrojado Preview

ensaio: O autor … omite a pena de morte natural, já por lhe pare cer que não satisfaz a nenhum dos principais fins das penas, que é a emenda do culpado; já porque muitos escapados à pena por graça do monarca, ou por algum outro meio, chegaram a mudar de vida, e fazer-se bons cidadãos (e a isso deverão encaminhar-se, quanto ser possa, as nossas instituições); e já porque se não pode convencer de que os homens, quando entram em pacto social, transmitam a outro o direito sobre a sua vida, que eles mesmos não têm. Igualmente relevante no movimento abolicionista foi a interven ção de Francisco António Fernandes da Silva Ferrão (Coimbra, 1798 - Lisboa, 1874). Matriculado no 1.º ano jurídico em 1814, for mado (1819) e doutorado (1820) em Cânones, foi perseguido pelas suas ideias progressistas, tendo sido investigado pela Junta Expur gatória criada em 1823 para riscar da Universidade de Coimbra os lentes e estudantes suspeitos de convicções liberais. Combateu no Batalhão de Voluntários Académicos (1826), razão pela qual, em 1828, com a vitória dos absolutistas, teve de emigrar e foi demitido de professor da Faculdade de Cânones. Iniciado na Maçonaria em 1826, pertenceu à mesma loja que Joaquim António de Aguiar. Após a vitória das forças liberais, foi sucessivamente Desembargador da Relação do Porto (1835), Deputado (1836, 1842-1846), Procurador-Geral da Fazenda (1838), Juiz do Supremo Tribunal de Jus tiça (1847), Ministro da Justiça (1847) e da Fazenda (1851), Par do Reino (1851). Em 1857 foi nomeado para a Comissão de Reforma do Código Penal de 1852, onde defendeu firmemente a abolição da pena de morte, vindo a ser o relator do parecer da Câmara dos Pares relativo à proposta de lei de abolição da pena de morte que viria a ser aprovada em 1867. Mas foi sobretudo na sua obra monumental Teoria do Direito Penal aplicada ao Código Penal Português, em 8 volumes (1856-1857), que Silva Ferrão deu um contributo deci sivo para a vitória do movimento abolicionista. “É nessa obra, em comentário ao artigo 29.º do Código ‒ onde a pena de morte figura à cabeça da lista hierárquica das penas aplicáveis ‒, que Silva Ferrão disserta largamente sobre o tema da pena capital, tomando contra ela posição intransigente e implacável. As 37 páginas que consa gra ao tema constituem, sem favor, a dissertação mais completa e

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INTRODUÇÃO 21

22 MÁRIO ARAÚJO TORRES mais séria que até então se publicara em Portugal a respeito da pena última, onde todos os argumentos de ordem filosófica e criminalística acerca da pena de morte são passados em revista, para se con cluir firmemente que tal pena não se justifica nem é já necessária” (Guilherme Braga da Cruz).

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Após, em 1852, o Ato Adicional ter abolido a pena de morte para os crimes políticos e o Código Penal desse ano ter limitado a sua aplicação aos casos, tidos por extremos, de traição à pátria, crime de lesa-majestade e homicídio voluntário qualificado, coube à interven ção persistente e determinada de António Frutuoso Aires de Gouveia Osório (Porto, 1828 - 1916), como professor de Direito e como parlamentar, a arrancada para a última fase do movimento aboli cionista. Aires de Gouveia, que em 1858 se formara em Direito e em Teologia, doutorou-se em 1860, apresentando como dissertação inaugural para o ato de conclusões magnas, A Reforma das Cadeias em Portugal, que trouxe um contributo final para o debate. Perso nalidade controversa, membro da loja maçónica Liberdade, com o nome simbólico de Eurico, seguiu, a par da carreira académica e política (Deputado em 1861, 1864, 1865, 1870, 1871; Presidente da Câmara dos Deputados em 1871; Par do Reino em 1881; Ministro da Justiça em 1865 e 1892 e dos Negócios Estrangeiros em 1892), a eclesiástica, tendo sido nomeado bispo do Algarve (1871) e titu lar de Betsaida (1884) e arcebispo titular de Calcedónia (1864).

Importante também foi o contributo de Levy Maria Jordão de Paiva Manso (Lisboa, 1831 - 1875). Formado (1852) e doutorado

“Mais literato e retórico do que jurista, mais emotivo e idealista do que seco intérprete e crítico das leis, Aires de Gouveia perde pouco tempo a analisar argumentos a favor da pena de morte e procura antes impressionar o leitor com uma vigorosa e quase panfletária diatribe contra a pena última, tirando partido dos erros funestos a que a sua aplicação pode dar lugar e da descrição em cores vivas e quase melodramáticas da figura, do papel e da personalidade do car rasco, a que consagra um capítulo inteiro da sua dissertação, sob a epígrafe, já de si excitante, de acessórios do homicídio legal. Elas foram, verdadeiramente, a sentença de morte ... da pena de morte em Portugal.” (Guilherme Braga da Cruz).

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INTRODUÇÃO 23 (1853) em Direito, seguiu a carreira da advocacia, como repu tado jurisconsulto, para além de autor de obras históricas. Ainda em Coimbra, foi venerável da loja Liberdade (1863), com o nome simbólico de Fabrício. Deputado às Cortes em 1863, 1864, 1865 e 1868, foi um defensor acérrimo da abolição da pena de morte. Foi o mais importante membro da Comissão Revisora do Código Penal, que, na segunda edição do projeto definitivo (1864), riscaria com pletamente a pena de morte da lista hierárquica das penas aplicá veis, afirmando Jordão: “Nesta edição vem suprimida essa pena, que figurava nas anteriores edições, e contra a qual já então me pronun ciara. Fica assim o projeto em harmonia com o princípio do direito de punir e com a natureza e fim das penas; satisfaz ao voto do País, que significativamente se tem pronunciado contra a pena capital, e presta conjuntamente homenagem à memória do Augusto Irmão [D. Pedro V] de Vossa Majestade [D. Luís I], que (...), se não chegou a fazer consignar na lei a abolição da pena capital, pôde, todavia, dei xando essa glória a Vossa Majestade, abolir de facto o homicídio legal, usando do direito de agraciar, único meio ao seu alcance para conciliar a barbaridade da lei com as tendências do seu coração, e com os sentimentos humanitários do povo português”.

As várias publicações comemorativas do centenário (1967) e dos 150 anos (2012) da abolição da pena de morte, têm, a meu ver, sobrevalorizado o papel de Barjona de Freitas, a quem coube, na qualidade de Ministro da Justiça, apresentar e defender o projeto de lei nas Cortes, com injusto detrimento do papel decisivo de Joa quim António de Aguiar, chefe do Governo de Fusão (dos Parti dos Histórico e Regenerador), elemento preponderante na decisão abolicionista.

Finalmente, coube a dois filhos de Coimbra e professores da sua Universidade – os então Presidente do Conselho de Ministros Joa quim António de Aguiar (Coimbra, 1792 - Lavradio 1874) e o Ministro da Justiça Augusto César Barjona de Freitas (Coimbra, 1833 - Lisboa, 1900) – apresentarem às Cortes a proposta de Lei, que, sancionada por D. Luís em 1/7/1867, aboliu definitivamente a pena de morte para crimes civis, abolição que seria estendida a todas as províncias ultramarinas, em 9 de junho de 1870.

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Joaquim António de Aguiar interrompeu os estudos preparatórios necessários à matrícula na Universidade para se juntar, em 1807, ao Batalhão Académico, formado em Coimbra para lutar contra a 1.ª invasão francesa. Terminado o conflito, regressou a Coimbra para cursar a Faculdade de Leis. Licenciado em 1815 com a mais dis tinta classificação, obteve o grau de Doutor em 1816. Devido às suas ideias liberais, foi preterido no preenchimento de um lugar na Uni versidade, injustiça corrigida em 1822. Porém, quando em 1823 se estabeleceu o governo miguelista, teve de abandonar a docência e procurar refúgio na cidade do Porto, donde partiu para o primeiro exílio. Restaurado o regime liberal em 1826, voltou a Coimbra, sendo nomeado lente da cadeira de Analítica de Direito Pátrio. No mesmo ano foi eleito Deputado às Cortes pela província da Beira. Dissolvidas as Cortes por D. Miguel em 1828, regressou a Coimbra, onde recebeu ordem de expulsão imediata da cidade e desterro em Tabuaço. Optou por seguir para o Porto e daí para Inglaterra. Decla rado rebelde pelos miguelistas, foi banido para sempre da Universidade de Coimbra. Participou nas duas tentativas para se juntar aos liberais nos Açores: a primeira, comandada por Saldanha, gorada pelo bloqueio britânico; a segunda, dois anos depois, com sucesso. Integrado no Corpo dos Voluntários da Rainha, foi transferido para o Corpo Académico então estacionado na Vila da Praia, até à trans ferência das forças liberais para a Ilha de São Miguel, de onde partiu para o Desembarque no Mindelo, em 1832, e entrada no Porto. Resistiu ao cerco do Porto, período durante o qual foi nomeado juiz do Tribunal de Guerra. Após a entrada dos liberais em Lisboa, em 1833, foi nomeado Procurador-Geral da Coroa e juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Várias vezes Ministro da Justiça e Presidente do Ministério, com intensa atividade legislativa. Nomeado Par do Reino em 1852, sempre recusou benesses, condecorações ou títu los nobiliárquicos. Viveu honestamente. Dele escreveu um adversá rio político em 1842: “Aguiar é limpo de mãos, virtude apreciável nestes tempos desgraçados”. Faleceu em 26 de maio de 1874, numa pequena quinta que possuía no Lavradio (Barreiro). Por sua mani festa vontade, quis ser enterrado na sua pátria Coimbra, no Cemité rio da Conchada, em modesta sepultura. Como legislador, deveria

24 MÁRIO ARAÚJO TORRES

Pedro IV, em nome do Evangelho, em nome do meu divino Mestre e Salvador, eu o aprovo com toda a minha fé e caridade de cristão, e, inclinado ante o túmulo do grande patriarca liberal, deixai que os meus lábios pronunciem aquelas santas e consoladoras palavras de Jesus: «Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcan çarão misericórdia». (...) Eu não me surpreendo, senhores, eu não me admiro tanto do patriotismo e da coragem do nobre mancebo que pega em armas e as esgrime para desassombrar a sua Pátria das águias da França; não me admiro tanto do vasto talento do distinto catedrático, nem do fervor do crente que sofre resignado as amargu ras e as privações do exílio, nem do ousado, mas feliz Governo do famoso estadista, nem da integridade incorruptível do honrado juiz (...). Elevado aos cargos mais eminentes, (...) não pela ambição, que

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INTRODUÇÃO 25 ser recordado por chefiar o Governo que aboliu a pena de morte. No entanto, a maior injustiça de que tem sido vítima é a sistemática ligação do seu nome como principal responsável pela extinção das Ordens religiosas. Na Oração fúnebre proferida na Igreja de S. Nicolau de Lisboa nas solenes exéquias do eminente estadista Joaquim António de Aguiar (Lisboa, 1874), proclamou o Padre Augusto António Tei xeira: “Sobre dois polos os mais característicos e salientes da nossa história moderna se move toda a vida política do finado Ministro: o decreto de 30 de maio de 1834, pelo qual foram extintas neste Reino e seus domínios as Ordens religiosas, e o Decreto de 1 de julho de 1867, pelo qual o Governo a que ele presidia declarou abolida a pena de morte para os crimes civis. Quanto ao primeiro destes dois decre tos, (...) tinha o finado Ministro a entranhada convicção ‒ se boa, lou vai-a, cristãos, se má lamentai-a, sim, porém não a insulteis (...) ‒ de que a existência das Ordens monásticas neste Reino era irreconciliá vel com a existência da liberdade da sua Pátria, que ele amava sobre tudo ao depois de Deus (...). Quanto, porém, ao segundo decreto, à abolição da pena de morte, que é como o remate da coroa da revolução, que é como a última palavra do seu credo, e que nos mostra até à evidênca qual era o seu espírito, e quão humanitárias eram as suas aspirações; quanto a este decreto, cuja glória estava ainda reser vada ao ilustrado Governo presidido pelo venerando Ministro de D.

26 MÁRIO ARAÚJO TORRES nunca teve morada em seu peito, mas pelos seus distintos méritos, os seus interesses pessoais foram sempre os interesses do seu País, e a prova é que morreu, se não pobre completamente, numa rigorosa e estreita mediania, nessa aurea mediocritas, que é a riqueza dos sábios e dos cristãos, que, como o nosso desapegado Ministro, não põem o coração nos tesouros da terra, que os ladrões podem roubar, e a ferrugem do tempo consumir.”

Tanto ou mais injustiçado que Joaquim António de Aguiar foi-o António Luís de Sousa Henriques Seco, sobre o qual nada se disse nas aludidas comemorações oficiais. E, no entanto, foi Henriques Seco, na cátedra e no Parlamento, um estrénuo defensor da completa abolição da pena de morte para todos os crimes, incluindo os milita res, mesmo em tempo de guerra. Só ele e Aires de Goveia persistiram nessa luta, à qual se opôs, nas Cortes, Barjona de Freitas. A pena de morte para os crimes militares só seria abolida pela Constituição de 1911 (artigo 3.º, n.º 22), mas seria reposta pela Lei n.º 635, de 28 de setembro de 1916, que aditou à Consituição o artigo 59.º-A, permitindo a aplicação da pena de morte no "caso de guerra com país estrangeiro, entanto quanto a aplicação dessa pena seja indispensável, e apenas no teatro de guerra". A sua última aplicação ocorreu durante a I Guerra Mundial, tendo o soldado João Augusto Ferreira de Almeida, do Corpo Expedicionário Português, então com 23 anos, sido condenado à morte, em Tribunal de Guerra, por traição, e executado em 16 de setembro de 1917, no lugar de Picantin, perto de Laventie, na região de Pas-de-Calais.

Finalmente, foi a pena de morte totalmente abolida pela Consti tuição de 1976 (artigo 24.º, n.º 2).

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A Constituição de 1933 (artigo 8.º, n.º 11) manteve a possibi lidade de aplicação da pena de morte “para o caso de beligerância com país estrangeiro, e para ser aplicada no teatro de guerra” (reda ção da Lei n.º 2100, de 29 de agosto de 1959).

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Na elaboração das suas listagens, Henriques Seco tomou por base inicial a Notícia das execuções feitas em Portugal, anterior mente ao ano de 1834, da autoria de António Joaquim Moreira, ofi cial-maior da Academia Real das Ciências de Lisboa, que a facultou a Levy Maria Jordão e a Inocêncio Francisco da Silva, os quais a reproduziram, com aditamentos, no Projeto de Código Penal Português e no Tomo VII do Dicionário Bibliográfico Português. Em persistente trabalho de atualização, Henriques Seco socorreu-se de pesquisas bibliográficas, publicações oficiais (designadamente as Ordens do Exército no tempo da Guerra Peninsular) e de artigos na imprensa, principalmente no Jornal do Comércio (Lisboa) e no Conimbricense, de Joaquim Martins de Carvalho, que igualmente lhe facultou o acesso a diversos opúsculos e manuscritos, com des taque para um manuscrito da Biblioteca Pública de Évora, intitulado Lembrança dos que foram a justiçar, no tempo que fui procurador,

INTRODUÇÃO 27 3. A presente edição No bicentenário do nascimento de António Luís de Sousa Hen riques Seco, lutando contra o esquecimento a que tem sido injusta mente votada a obra desta personalidade marcante em vários setores da vida política e cultural portuguesa do século XIX, procede-se à reedição dos capítulos insertos nos dois volumes das suas Memórias do Tempo Passado e Presente para Lição dos Vindouros (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1880 e 1889), dedicados à execução da pena de morte em Portugal, onde apresenta uma extensa e impressio nante relação dos “assassínios legais”, culminando, no capítulo final, com a defesa da abolição total dessa pena, não apenas para os crimes civis (consagrada em 1867), mas também para os crimes militares, mesmo em tempo de guerra, por ilegítima, desnecessária e inútil.

Reproduzem-se, com atualização de grafia, os capítulos constan tes de págs. 227 a 798 do Tomo I e de págs. 135 a 240 do Tomo II. Os vários aditamentos aos §§ 1.º (Série dos indivíduos supliciados), 2.º (Comutações de pena de morte), 3.º (Execuções em estátua) e 4.º (Condenações capitais não executadas por diversos motivos) foram inseridos nos locais próprios, por ordem cronológica, com renume ração dos registos.

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