Flores de Cardo António A.
Moreira Carneiro
FLORES DE CARDO
título: Flores de Cardo
autor: António A. Moreira Carneiro
edição gráfica: Edições Vírgula® (Chancela Sítio do Livro)
paginação: Paulo Resende arranjo de capa: Ângela Espinha
1.ª edição Lisboa, julho 2024
isbn: 978 989 8986 90 0
depósito legal: 534027/24
© António A. MoreirA CArneiro
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António A. Moreira Carneiro
FLORES DE CARDO
poemas
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Sei que um pressentimento de Outono fez cair todas as folhas, deixando à vista o horizonte seco como esse espelho…»
NuNo Júdice
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PREFÁCIO
Alguns dos poemas mostrados neste livro, foram escritos num tempo em que eu já acreditava – como poderei negá-lo? - ser possível alertar-me para a necessidade de redesenhar lugares perto de mim através da auscultação dos meus próprios silêncios.
Na verdade, hoje, nada mais faço que obrigar-me a retomar a minha direcção a perscrutar o mundo – preocupação bem egoísta, pois não evito dar por mim a garimpar nos modos como o mundo gosta de dizer-se - sem ter de adivinhar que, afinal, não é inútil ser nada.
Ora, se calhar, essa é a principal razão da minha aversão à forma como me dou matéria-prima para que seja eu próprio a assomar-me ao esquecimento.
Em vez disso, prefiro prevenir-me da impaciência por regressos aos pequenos quadros pintados com as minhas cores.
Afinal, se a intenção de apaziguamento não surtir efeito, posso sempre responsabilizar a minha inocência e inocentar todo o resto.
A. MoreirA cArNeiro Preview
ANtóNio
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FLORES DE CARDO
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Não Sei
Não sei se sou a pessoa mais indicada para me denunciar mas já me aconteceu intervir em meu favor ainda que não me tenha interpelado directamente
É por essas e por outras que costumo acusar-me de às vezes as minhas intenções serem desirmanadas embora saiba muito bem que é desse modo que quase sempre se altera o rumo das coisas
Não me importo de permanecer ao meu lado mesmo sabendo existirem fortes probabilidades de não dar certo
A verdade é que nunca me achei suficientemente velhaco para me atraiçoar
Ainda assim surpreendo-me quando sinto passar-me maquinalmente o braço em torno do pescoço.
Delírios Indistintos
O teu olhar incendeia-se em silêncios desiguais imergido nos diligentes disfarces. Distingues-te a contornar os rebordos do temor espúrio que o cuidado acautela.
Subtilmente, suprimes as verdades nevrálgicas que tu própria incendeias para não permaneceres algemada à ilusão… O orgulho transfigura-te; mas a fadiga ostenta a ondulação que só a súplica afeiçoa.
Se calhar não devias bracejar, nos nós inebriantes da indiferença, quando queres desaguar sons cardinais que o sentimento partilha - nem abolir os delírios indistintos dos gestos audazes que a cada passo inquietas.
Vigílias Nocturnas
Há qualquer coisa de muito peculiar no que diz respeito à vontade de nos trocarmos pelos nossos próprios silêncios para nos deixarmos ficar um pouco mais na nossa companhia.
Vistos daqui, podemos ser facilmente tomados por nós. Procuramo-nos noutras perdas… Não é invulgar querermos provar-nos que somos nuvens recentes.
Quanto mais nos lembramos disso mais nos esforçamos para nos mantermos à vista; para nos darmos uma ajuda nas nossas vigílias nocturnas.
Descontinuamente, a janela uiva; talvez um cão perdido.
O que é espantoso, é que os nossos corpos patrulhem a cama a anunciar movimentos inseguros de agonia…
Não está certo. Há muito que os mortos fazem a recolha dos mortos.
(viajando pelo Marão)
Se de repente regressasse à realidade, precisaria de algum estímulo para não me exterminar - não é que não acredite em mim mas disperso-me vezes de mais a fazer de conta que me suporto o sonho impuro. Espero que ao amanhecer algo me seja mostrado.
Agora incluo-me no meu olhar desgracioso e pergunto a mim próprio em que condição me aceitaria se os meus segredos mentissem embora saiba muito bem que isso não é um fenómeno raro. É tão difícil aceitar que nem sequer tenho interesse em me entretecer na ilusão de me louvar os desvarios fulcrais.
Tenho fé que isso se esclareça graças à astúcia de me escutar gravemente - enquanto for saudável ouvir-me no desesperado barulho de asfalto. Mas não posso deixar de pensar em mim como vulto estranho intuitivamente atirado para dentro do meu corpo a estalar de frio - dir-se-á que às vezes dissimulo a minha presença.
Acontece que é precisamente essa a ideia que me ocorre nos momentos em que me deixo flagelar pelo ranger da incerteza e me forço a expiar sensações de extrema angústia e me confundo na necessidade de gestos flagrantes de apaziguamento que só a condescendência confirma e avanço na minha direcção condicionado por memórias demasiado infiéis - e disfarço-me embriagado de esconjuros terrivelmente possíveis. Preview
Outono
Só há pouco me dei conta que o meu olhar se reflecte longamente na ondulação da chuva. Tudo me parece tão distante. O parque obriga-se a guardar a caminhada que eu gostaria de fazer esta manhã, se a chuva se pusesse em fuga. Neste instante exacto, descubro-me desvairadamente a correr vento adentro: finjo dar por mim a querer saber com quem me vou espantar…
A manhã irregular alonga-se num soluço abafado. Nuvens negras adivinham-se a esconder o dia a toda a volta. A luz quase não se faz ouvir - desligou-se da nitidez da paisagem -, o tempo não está evidentemente bom para se salgar a duração; embora isso possa não parecer coisa excitante.
Consagro-me à memória de outros Outonos.
O único problema agora é saber como soltar-me um desprezo delicado, que consiga transcender-me; e traçar-me indistintas rotas alternativas mais proporcionais ao modo como escarneço de mim.
É por isso que, geralmente, a maneira como concorro comigo dá azo a suspeitas. Claro que me preocupo. Em todo o caso não gosto que ressoem desculpas imberbes por entre as fendas transversais aos meus desaires.
Provavelmente deveria ter-me dado ouvidos…Não sei ao certo porque às vezes me pergunto se uma boa gargalhada me faria bem.
Se calhar é isso que faz com que eu tenha de refutar a ideia de que a existência podia ser interessante sem relação nenhuma com a fugacidade das coisas que às vezes me perturbam.
A verdade é que sempre quis acreditar no alívio de não viver para sempre – talvez por não ter como saber se estou pronto para me arrojar ao infinito.
A chuva parece agora mais calma. Está um calor pouco habitual para uma manhã de Outono.
De súbito, sem nenhuma instigação da minha parte, recomeçou a chover forte.
Frias Celebrações
No colorido das impressões que os néones adivinham velhos rancores exorcizam a tua necessidade de auxílio.
O crepúsculo irrompe fluvial e silencioso a remexer-se hostil. Estás prestes a redimir certas lembranças – o temor desce em declive, a marcar o teu lugar nos recantos onde as sombras da memória não se movem. O inverno acontece com relances de dentes de sabre por causa do frio.
É difícil admitires que pode ser isso que te leva a ignorar-te mentalmente quando outras memórias adquirem formas de radiosa refracção.
A verdade é que continuas entretido a acenar-te ao esquecimento; embora já te tenhas obrigado a escolher diferentes formas de lisonjear o inesquecível.
O fim das coisas entrelaça-se nas coisas que podem atrair-te e converter-te em humano - se te negares a coincidir com as imprevistas alterações que te subjugam o pensamento.
Além disso sabes de cor que há pensamentos que se empilham irregularmente, sem ser necessário que tu te precedas… Ah, tens vontade de te mandar procurar para saberes um pouco mais da sensação de que o tempo te corrói!
Mais cedo ou mais tarde te obrigarás a trazer-te à tua presença.
É claro que há alturas em que experimentas a sensação de te oprimir o cordão da espera - e fazes-te isolar da serenidade que quase sempre a espera fulmina.
Mas nunca soubeste de outro remédio senão ancorar-te na alvíssima vontade de te arrastares para lá dos sítios onde se ouvem os sons de dores nos teus flancos a sulcar a pele. As tuas mãos desprendem-se em sussurros dolentes – e a imaginação estimula-te a leitura de outras causas – e a sensação de redenção persiste.
Devias prestar atenção a ruídos que não são teus para não te surpreenderes se te deparas com silhuetas tremulantes arrancadas ao vento – iguais às que se vêem agora no lado de fora da janela.
Talvez seja apenas o mundo a chamar-te em voz alta por te achar tão só quando anoitece – e não te dês conta que é assim que te apareces a escalar outra vez a escuridade deserta; ou te abrigas no esplêndido desânimo, ancorado na tristeza…
Imprudentemente aprendeste que às vezes a tristeza rasga-se nos sítios hostis onde o teu olhar se desencontra atulhado de genuínas promessas.
Nessas alturas grafitas-te húmidos sorrisos… e brotas gestos de orvalho e rejeitas as frias celebrações do desconsolo que a ilusão celebra nos teus olhos e na tua boca.
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Ar Nocturno
Agora as estrelas parecem dar-se uma ideia falsa de si para esconderem a sensação de que se ocultam algo.
O céu arrasta-as em direcção aos lugares cuja aparência elas próprias não conseguem imaginar.
Há estrelas que precisam fazer-se acreditar no céu quase sempre para parecer que se são úteis. Mas às vezes ficam tão desabrigadas à vista da noite que ampliam os seus olhares de lua.
Parece-me estranho que as estrelas se preocupem com saber porque há noites que se infundem desvario…
A verdade é que não há nenhuma razão particular que as proíba de expurgar o aquoso ar nocturno…
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