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Globe Trotter
título: Diários de um Globe Trotter – Califórnia e Viagem Num Meridiano Europeu autor: José Lucena Gaia
arranjo de capa: Ângela Espinha
design de capa: José Lucena Gaia
1.ª edição Lisboa, outubro 2023
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paginação: Paulo Resende
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edição: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro)
isbn: 978‑989-9028-87-6
depósito legal: 518928/23
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© José Gaia
direitos de autor: Registo IGAC nr. 1088/2023
Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.
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Viagem num Meridiano Europeu
JOSÉ LUCENA GAIA
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Au dessus des Capitales Des idées fatales Regardent l’Ocean Voyage, Voyage … Plus loin que la Nuit et le Jour …
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Lá fora, a chuva miudinha, prevista desde a antevéspera da nossa partida, a mesma chuvinha teimosa permanecia reticente em se retirar. A temperatura não seria muito acima dos 17ºC mencionados na mesma previsão e que à aproximação da chegada, em final do longo voo de 12 horas, o piloto nos confirmara… O quarto era a excelente solução, a habitualmente confortável e já esperada desde que eu fizera a reserva em Janeiro passado. Espaçoso, com área de estar junto à janela panorâmica e com a opção pela habitual cama king-size, onde Maria se estendera, passando em revista mensagens recebidas no telemóvel desde a nossa partida de Lisboa. Sobre a longa secretária, o ecrã de parede e televisão era ultra panorâmico, para os habituais cafés e chás à escolha nos convidarem a saborear algumas imagens de uma nitidez e detalhes notáveis em alta definição. No exterior do “Hilton Airport Bayfront Hotel”, de todo o ambiente envolvente até ao horizonte do lado de lá da Baía de San Francisco, numa miragem vaga talvez ainda de Oakland, a imagem era de um cinzento acentuado numa falsa borrasca a que só faltava alguma ventania e que a chuva engrossasse para atingir um postal de Inverno!
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Ainda não eram 5 da tarde, quase 1 da manhã em Lisboa, quando gravei uma imagem dessa “borrasca” que enviei por “WhatsApp” a um amigo. Com pena minha, o Zé Eduardo não pudera vir com a mulher juntar-se a nós. O texto da imagem que lhe enviei não podia ser mais irónico: «Zé: Cá estamos chegados à Costa do Pacífico… And, as the “Old Blue Eyes” sang: … She hates California… It’s cold and is damp…» A resposta não tarda a chegar, vinda do outro lado dos Estados Unidos, onde o Zé vive há longos anos, depois de outros mais largos na área de Albuquerque, no Arizona. O texto tem o bom humor habitual deste Amigo e o seu espírito imbativelmente crítico, que reconheço e aprecio desde a nossa época Africana, de há séculos atrás: «Bem vindos!… Mark Twain escreveu um dia que o Inverno mais duro que alguma vez viveu, foi um Verão em San Francisco!» Esse céu cinzento que nos recebera às 14 horas de ontem, no Aeroporto de San Francisco (SFO), algum tempo depois, após suportarmos uma invulgarmente lenta e demorada espera pela passagem da “U.S. Customs and Border Protection”, quase 2 horas depois, durante o trajecto no “shuttle” negro e lustroso da Hilton para o hotel, esse céu carregado em cor de Inverno acabara por se soltar num drizzle não mais que ligeiro mas constante, convidando-nos a algum tempo de repouso no quarto do Hotel, para saborear o nosso primeiro café da Colômbia e esquecer os chás com gosto a cartão, que no longo voo em A-330/900 a TAP tinha servido. Pousei o telemóvel na secretária, ao lado do ecrã sintonizado para a CNN, no conforto espaçoso do quarto king27, no 11º andar do Hilton. Lá fora, na chuvinha cinzenta e persistente, a larga janela panorâmica mostra-nos quão enganosa pode ser uma imagem do “Google Earth”: 10
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O vasto jardim que supostamente se estenderia verdejante e abrangente a toda a frente do hotel, até à beira de água da baía, esse vasto espaço “ajardinado” era afinal pouco mais que um descampado onde, para o lado direito, se dispersavam uns 3 ou 4 edifícios de serviços, razoavelmente esticados a “tira-linhas” e não ultrapassando os 3 ou 4 andares em altura. Em torno deles, dos seus arruamentos largos e parques de estacionamento, a vegetação era deixada num abandono gritante a uma imprescindível valorização e constituição em “espaço verde” de toda a área de “Bayfront”, pendente da intervenção municipal e administração… Das autoridades do Aeroporto de San Francisco?
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Seja qual for a entidade responsável, estamos no final de dois anos e alguns meses de suspensão da vida da Humanidade, como a conhecíamos antes do regime da China Comunista ter “exportado” para o Mundo, em Novembro de 2019, a mais mortífera pandemia dos últimos séculos. E a vida de todos nós manteve-se desde então em suspenso, bem como a maioria das actividades mais diversas, em particular aquelas ligadas à cultura e ao turismo: Hotelaria, Museus, Festivais de Música e Concertos, Cinema, Transportes Aéreos ou Marítimos… Seguramente a imagem-satélite que a Google dá da área do Bayfront, tal como da grande generalidade de regiões, é anterior a esse desastre. Talvez em 2023, ou no ano depois, a área em “Bayfront” seja devidamente ajardinada, e a Hilton decida também investir alguns Dólares na revitalização deste seu Hotel, aparentemente a precisar de novas roupagens e côres, sem a patine do tempo que já vai apresentando nas suas áreas públicas, carentes de renovação. 11
Com nova partida para o dia seguinte, isto é para o percurso de hoje de cento e algumas milhas, ontem e após saborear o café, nem chegáramos a desfazer as malas, limitando-se Maria a retirar uma toilette fresca para depois do duche substituir a que vestira às 05h00 da manhã na nossa casa em Carcavelos, para o longo vôo de 12 horas, directamente de Lisboa a San Francisco.
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Penso que desde a viagem de 2019 por Capri, pela maravilhosa Costa Italiana em latitude de Positano e Amalfi, e após a subida à fulgurante Berlin, penso que não voltara a ver na Globe Trotter o prazer que lhe iluminara o semblante e entusiasmo numa viagem como a que estamos agora a viver em início… A outra longa viagem, programada de há muito, como conclusão à travessia terrestre do vasto território Canadiano, que iniciei no Verão de 2018, breves semanas antes do Lançamento do Livro “Japão-As 3 Capitais Imperiais”, que iniciei, dizia, na viagem e aventura recheadas de peripécias pela Nova Scotia, essa 2ª parte da travessia TransCanadiana, no troço mais longo de Toronto a Vancouver, e com epítome na travessia em Jeep das Montanhas Rochosas Canadianas, essa Viagem, que a pandemia (Covid-19) nos foi obrigando a protelar sucessivamente, neste ano de 2022 e graças a algum atraso das Autoridades Canadianas, foi para mim definitivamente ultrapassada por outro destino que me fora inversamente ganhando mais entusiasmo. A mesma vontade de voltar a sentir, inspirar e viver o Oceano na contra-costa do Continente Norte Americano, voltou de facto mais forte, mas agora já não na latitude da fabulosa Vancouver e fantástica Colúmbia Britânica, mas sim, ao longo da espantosa Costa da Califórnia! Mesmo o apelo da aventura em travessia das Canadian Rockies até à costa do Pacífico, fora-se reduzindo durante os 12
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anos mais graves da pandemia, 2020-2021, até que, finalmente em Janeiro de 2022 e já com todas as reservas feitas, bilhetes da Air Canada comprados para os troços aéreos da Viagem (Toronto-Calgary e Vancouver-Chicago), visas e vistos confirmados, descubro nos restos dos protocolos, papelada e burocracia Canadiana, descubro uma pequena armadilha, esquecida em “desconvite” a viajantes: A nomeação obrigatória do Hotel à chegada a solo Canadiano, é em simultâneo, para o definir como alojamento para a quarentena de uma semana a que o viajante ficará obrigado, aguardando (e sublinho o aguardando…) o resultado ao teste de imunidade para que poderá ser aleatoriamente selecionado à chegada a território Canadiano. Medida correcta sem dúvida, só que já obsoleta em termos do calendário da pandemia, e que por essa mesma razão, de há meses já não impera nos países mais avançados em termos de detecção/contenção da pandemia (Covid-19). «Não!… Não tenho mais pachorra para os meninos e meninas do sr. Trudeau!» Exclamei, desligando o telefone de uma nova chamada para a Embaixada do Canadá em Lisboa, que novamente tardavam em atender. Já antes, muito antes, eu tentara falar com alguém responsável pela área de Turismo e Informação, e tinham sido sucessivas passagens de “aquela para o outro” e quanto a resultados… Nada!… Debalde!… Infrutíferas!… Nickles… Nem batatas! «Zé!… Zangaste-te com o 1º ministro do Canadá?» Gozou Maria divertida com a cena. «… Acabou!… Não há mais pachorra para isto… Lembras-te quando fomos a San Francisco, em 2009?… Quando não chegámos a fazer a Costa da Califórnia?…» «… Sim?…» Responde Maria cautelosamente, antes de: «… Queres ir agora… Em vez das Montanhas Rochosas…?» Iluminou-se-lhe de alguma maneira o rosto, talvez esbatendo mesmo a sua habitual preocupação com gastos. 13
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«Nessa altura eu estava com a “pancada” de fazer o percurso pela auto-estrada costeira do Pacífico num Chevrolet Corvette, lembras-te?… Imagina que ainda em Outubro de 2008, e mesmo na Namíbia com o nosso Pedro, depois de esgotadas as empresas de “Rent a Car” eu ainda trocava mails com o “Hyatt Embarcadero” de San Francisco, para me arranjarem o “Corvette”!» (Págs 47 e 257 de “Diários de Um GlobeTrotter- Namibia, Chicago”, Edição da “Sítio do Livro”, em Setembro de 2013) «… Mas não vais fazer isso agora, se formos, não Zé?» Regressa algum peso e a preocupação ao semblante da Globe Trotter. «… Está descansada … Muito melhor: Já reservei um “Mustang” de 450 cavalos!» Confesso-lhe, contendo algum riso. Batia então mais forte, desde há poucas semanas, o apelo, a chamada, a “imagem” do Oceano Pacífico, o mesmo que navegáramos depois de Cape Hoorn para Norte pelas costas Chilenas, até entrarmos no Estreito de Magalhães, rumo ao Glaciar Águilla e depois Punta Arenas. O mesmo que de Seattle “voáramos” sobre as vagas tranquilas num poderoso catamaran a turbina, rumo à Ilha de Vancouver. Era o apelo pela mesma vastidão do Oceano, das vagas batendo a sua força massiva contra as escarpas da magnífica Costa da Califórnia, dos ventos do mais vasto Oceano espraiando e submergindo nas suas brumas e nevoeiro as cores íngremes das encostas que o enfrentam: Um sonho, uma vontade, um querer meu desde os tempos da juventude, quando mesmo ainda em África. Quantos outros tive?… …Desde sempre!
Desde jovem, tão jovem quanto esses anos se me vão mergulhando mais e mais profundamente em mim, em 14
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ligação absoluta aos Mares, à liberdade que só atinjo plena no Oceano. Recordo longos momentos de reflexão, de reencontro com a minha identidade, liberdade e aventura mais profundas do meu EU, e neles o reencontro frente ao Atlântico nas costas da Nova Scotia (Págs 134 a 140 de “Diários de Um Globe Trotter – Nova Scotia”, Edição Chiado Books de Outubro 2019). Se ainda rapazito de calções, aos 8, 9 e dez anos de idade e na restinga do Lobito, ou na costa de Benguela, ou ainda mais a Sul-Sudoeste, frente ao azul luminoso do Atlântico na Baía Azul, onde maravilhei a contemplar uma jamanta de uns 2 metros de envergadura, pousada pacificamente sobre o fundo de areia, gozando os raios do sol uns 5 metros abaixo de mim, ou ainda mais a Norte, muito antes da foz do rio Quanza, antes de Cabo Ledo, se nessa época de rapaz pré adolescente era a vogar no azul luminoso do Oceano que os sonhos e a serenidade me transportavam para além Mar, foi aos 15 anos, também em Angola, que iniciei a aventura ao estar e diluir-me nas suas ondas, na aventura da sua exploração, das suas profundidades e cores salgadas. Foi nesses Mares Atlânticos de Angola, que me iniciei no azul profundo do mundo submarino, submerso na tranquilidade sempre diferente das suas cores e correntes, explorando os seus fundos de rocha fria ou de areia funda mas ainda banhada pelos raios do Sol, admirando o ondular silencioso dos jardins de algas, penteados pelas correntes submarinas, atento na busca em caça submarina, com a “Champion” armada para um sargo, um choco, talvez um linguado para grelhar?… E sorriem-me as horas em aventura e maravilha no mundo subaquático, com um “estojo” de caça que sempre preferí: As barbatanas negras da “Simotal” (Não há melhores para a caça junto à costa! Uma pena que a fábrica tenha 15
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fechado…), o fato de neoprene que me deixava as pernas livres e o cinto de chumbos ligeiro de 3 kgs, não mais, uma máscara da “Champion” com um qualquer “tubo-respiradouro”, a faca de aço inox na perneira e a mesma arma “Champion” com que me iniciara em Angola aos 15 anos, mas que depois enrobusteci com cabeça quádrupla para 4 grossos elásticos “Tarzan” da “Beauchat”, para um tiro fulminante. O prazer das horas de submersão, muitas vezes a 100 ou mais metros da costa, durante marés plenas, seguindo nos fundos de areia a 4 ou 5 metros de profundidade, seguindo serenamente as marcas ténues, os traços ligeiros, as “pegadas” deixadas na areia por linguados ou pregados, nos seus voos planados sobre o fundo marinho que lhes dá a camuflagem, até… Até que as “pegadas” ténues terminavam, e a caça estava portanto alí!… Ali mesmo! Uma subida à superfície para mais ar, subida breve mas dócil para não espantar a caça, e de novo o mergulho profundo de volta ao local, resoluto, para observar atentamente a mesma areia, até que um movimento escasso de abrir e fechar da guelra em pequena meia-lua, os olhos proeminentes quase globulares, denunciavam a presença do peixe absolutamente camuflado em conjunto com o fundo de areia. Recordo em igual aventura outra caça submarina, também a essas profundidades, mas com uma “Nykonos Calypso”, na busca permanente “daquela” fotografia para superar a anterior e atingir o “pleno” profundo do Oceano. Sempre magnífico em todos os seus azuis e esmeraldas, na tranquilidade que sempre procurei e encontro… Sempre Fabuloso!
Quantas vezes, quantos anos e anos submergi fundo em caça e fotografia submarinas nos Atlânticos Sul e Norte, no 16
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Mar do Caribe e no Índico, ou em que na vela grande e estais “caçados” de um barco recebi ainda a força plena dos seus ventos nas costas de Sagres, ou ainda antes nas de Angola, onde tudo começou! Só a idade com a redução de equilíbrio de pressão nos tímpanos me fez subir dos fundos submarinos… Tantos anos passados e sorrio-me recordando com imensa ternura, no mar frente à Praia do Zavial, na costa de Sagres, vogando sobre os fundos de areia sempre propícios a alguma caça, a perseguir as marcas espaçadas deixadas por linguados ou pregados para fazer uso ao arpão e ganhar um bom almoço grelhado, recordo com ternura, quando durante várias descompressões a que me obriguei para tentar manter-me a uns escassos metros de profundidade, recordo as figuras fantásticas, escorreitas e ágeis, nadando “colados” a esse mesmo fundo arenoso, quase uns 2 metros abaixo do nível onde eu planava, recordo essa imagem fantástica do meu Pedro e a irmã Mariana, ambos submersos no meu Mundo, que tanto quis que eles conhecessem e tomassem também para eles! Recordo os mergulhos de adolescentes, com máscara e respiradouro, até com a irmã mais nova, a Vera, tão novinha ainda então. Iniciaram-se os três na Isla Peraza, no mergulho em brincadeiras ainda pueris, nas águas mornas do Mar de Caribe, em Morocoy na Venezuela, começando a adaptação ao equipamento mais sumário do mergulho: a máscara e tubo. Depois, sucederam aqueles breves mergulhos, sublimes de maravilha, que fizemos nas lagoas do recife “Dianni Reef ”, ao Sul de Mombaça e em Abril de 1998, perante o espectáculo natural e fabuloso de uma miríade multicolor de peixes das águas do Índico. Nessa manhã, a Vera, com 8 anos festejados em pleno safari, no Keekorok Lodge em Masai Mara, a Vera ficara com 17
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Maria, na praia do Hotel, a uns 300 metros do longo recife de coral onde mergulhávamos, com algum respeito e muita atenção da minha parte pela potencial presença de tubarões de recife, que desaconselhavam o mergulho na orla em falésia submarina da borda da gigantesca manta submersa de coral… Mas, poucos anos passados, no mar do Zavial, poucos kilómetros antes de Sagres, fui finalmente ultrapassado naquela imagem da ligeireza da Mariana e do Pedro, ambos absolutamente ambientados no fundo do mar!… Subi á superfície, sem qualquer peixe, mas pleno de uma enorme e maravilhosa satisfação: …O Pedro e a Mariana, em mergulho junto ao fundo e abaixo de mim!… Ainda no sabor dessa maravilha, apertando o nariz, forcei os tímpanos a recuperar, reconhecendo essa “fotografia” de um fabuloso absoluto:
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«O Pedro e a Mariana, submarinos!…» «…Magnífico!… É hora de eu “arrumar o estojo”!» Decidi…
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Ou melhor: Decidi pensar, porque, a chamada e a aventura pelo Mar não têm fim l… Recordo eu e o Pedro, depois e já em caça submarina, mergulhados sobre as rochas que se vestem com algas na ponta Oeste da pequena baía do Burgau, no Barlavento Algarvio, procurando, por chocos no seu local privilegiado de “pastagem”… Debalde, nem um choco, dessa vez!… Deixando os fundos de rocha, fomos pairando no mar tranquilo para Este da baía, sem desvio para irmos ao batelão afundado (*) fora da baía do Burgau, tal era a sua profun(*) Nota do Autor: O batelão afundado ao largo do Burgau foi local de visita submarina frequente. Fora um dos batelões que carregavam pedra da pedreira costeira a barlavento do Burgau, na área
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didade em maré-cheia, e onde quer o Pedro, quer a Mariana já tinham mergulhado para uma experiência de barco afundado (…o velho e ícone batelão afundado ao largo do Burgau!) Passámos pois as traineiras ancoradas, procurando no fundo deserto em areia, pelas marcas, pelas “pegadas” deixadas por algum linguado, algum pregado, talvez um peixe aranha, para arpoarmos? Peixe-aranha?… Experimentem!… Tão bom ou melhor que o linguado. Uma especialidade na grelha, com manteiga e meio limão! A única cautela é no retirar da vesícula do veneno, na base dos 3 espinhos dorsais. Única cautela?… Bem, partindo do princípio que não falhamos o “tiro”, como me sucedeu uma vez com um senhor peixão aranha, um bem raro, corpulento e apetitoso exemplar com mais de 20 centímetros, que tive a sorte de surpreender entre os 2 e 3 metros de profundidade: Falhei o tiro e de imediato eriçado, o peixão voltou-se contra mim, com os espinhos que nem seringas, bem erguidas! Foi um verdadeiro duelo em cena de “capa e espada” entre espadachins a 3 metros de profundidade! Dartagnan contra Aramis: O peixão com a sua “adaga tripla” a investir contra a minha máscara e eu tendo largado a arma, com o arpão à “espadeirada” procurando afastá-lo…
de Cabanas Velhas, destinada á construção dos molhes do Porto de Portimão. Em mau tempo, e carregado aos limites, rezam as histórias dos pescadores locais, que, já a meter água e tentando a salvação, largaram toda a carga de pedras gigantes em mar aberto, para rumarem ao abrigo da baía do Burgau, debalde… Essas pedras no fundo deserto em areia do mar aberto constituem um “falso-oásis” rochoso e abrigo de passagem a um e outro cardume de sargos, 300 metros para “fora” do promontório Oeste do Burgau, local de algumas visitas em mergulho. O batelão, acabou por ir ao fundo a cerca de 100 metros a Nordeste dos enormes pedregulhos que largara antes.
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Portanto… Cuidado quando caçarem essa maravilha para grelhar: Não falhem o tiro! Nessa manhã de caça submarina com o Pedro, manhã que se prolongou pelo início da tarde, já na zona da “Cama da Vaca”, logo a Este do Burgau, o longo tempo de caça em mergulho revelava-se infrutífero… Nem peixe-aranha se vía! Sem peixe, tomámos a opção possível: Nos fundos, em buracos entre a areia e as plataformas de rochas… Fomos caçar polvos. E durante alguns dias seguidos, a dieta da família na nossa casa do Burgau foi ao almoço e jantar: Salada de polvo, polvo cozido ou assado, polvo grelhado, croquetes de polvo, polvo “à la qualquer coisa”, tentáculos de polvo frito, ainda mais polvo e uma especialidade da culinária anglo-saxónica… “Polvo free style”! Recordo-me ainda com o Pedro, mas no Sotavento Algarvio, para além de Tavira, quando o iniciei na técnica de procura submarina em caça aos linguados e pregados, sobre os fundos de areia, mostrando-lhe como reconhecer os traços, as marcas deixadas por linguados nas linhas em dunas de areia que penteiam o fundo do mares, ensinando-o a seguir as “pegadas” deixadas por um deles. E foi nesse mergulho que o Pedro coroou a aventura arpoando o seu primeiro linguado em troféu! Em mim mantenho sempre a aventura do Mar, a liberdade do imenso azul para o qual, sozinho ou às vezes com a ajuda ligeira de Maria, fincando bem os pés nas areias de praias do Barlavento Algarvio e cerrando os dentes em esforço, eu empurrava para a água o largo e pesado, mas sempre fiável “Orca”, o nosso resistente dinghie de 9 pés e um mastro, com que sempre me afoitei mar adentro até ao horizonte, até a terra não ser mais que um traço Algarvio à popa da aventura e dos ventos! É sempre no Oceano, nesses Mares em que vivo e me reencontro, no vigor em que se renovam na frescura e cavado das vagas em que mergulho sempre, em que o Pedro e a Vera hoje 20
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gozam as vagas para nelas deslizarem em “surf ”, é sempre no Oceano que me reencontro em Liberdade. Tantos Verões, tantos anos também navegando as ondas do mar com a escota do estai bem apertada a morder o punho cerrado e na esquerda o timão do leme, na maravilha fantástica de aproar certo e rijo, cerrar a uma bolina forte rumo ao horizonte!… Orça!… Orça!… Cerrar rijo, com a musica do mar batendo sem fim em chapadas contra o casco pela amura de estibordo! Depois o aliviar a bolina e rodar em vento, enquanto pés e pernas bem fincados na caixa do patilhão e base do mastro, esticado em “trapézio” e balanço fora de borda, recebo nas costas, na cara e nos braços a frescura salgada desses ventos e do mar que me encharcam em aventura!… É o mais sublime da magia, enquanto sentimos mastro e vela grande vibrando com os ventos em desafio ao sabor a Mar e velocidade, com os brandais em cabo de aço protestando, zunindo em tensão, enquanto as adriças, esticadas em cânhamo entrançado e já “queimado” pelo sol e sal de muitos anos de mar, as adriças esticadas desde o topo do mastro batem num nervoso rápido, rapidinho contra o castanho do mastro de mogno envernizado!
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É a magia da Vela!… É a Aventura!…
«… bem esticado em “trapézio”?» Despertou-me Maria do sonho em que viajava acordado, não mais na aventura da Vela, mas frente à imagem de um “inverno” que ia escorrendo em persistentes pingos de chuva, pela larga janela panorâmica sobre a Baía de São Francisco!… Voltei-me para a Globe Trotter alargando o sorriso em desculpa: «Hah!… Sorry, estava a reviver os bons anos a velejar no “Orca”… Esticado fora de borda, ao vento e ao largo, a levar uma encharcadela fresca cheia de vento e de Mar!» 21
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Maria lançou-me um sorriso encorajador, enquanto eu saboreava mais uma golada do café escaldante em comentário… «… No caso do “Orca” nunca era “trapézio” que fazia contrabalanço ao vento: Era um triângulo de forças. Muita pancada aguentou comigo em alto Mar!… O “Orca” foi um dinghie fabuloso!… Fiável, robusto!» «… Sonhar acordado …» Sorriu a Globe Trotter, afinal também ela recordando: «… Nunca ficava muito à vontade na praia, com a nossa filha mais velha e o Pedro ainda bebé, quando saías sozinho no barco…» É por esse apelo constante, intemporal, e agora de novo pelo Oceano do lado de lá do Mundo (porque não?), que não pelas latitudes bem a Norte, em que mar, penínsulas e angras se interpenetram no vasto bordado que são as costas da Colúmbia Britânica, mas o apelo desta vez pelas costas banhadas na cor e Sol da Califórnia. É por esse apelo constante, que voámos 12 ininterruptas horas até ao Aeroporto de San Francisco. Só um querer longínquo ficará por realizar: O mergulho livre, em apneia no Pacífico profundo, entre as “florestas” submarinas de “Kelp”, onde focas e leões marinhos caçam os seus peixes e se escondem à voracidade dos tubarões… Como sempre, a Meteorologia não faz grandes promessas, mas… Caramba!… Tal como é meu hábito de Verão no Mar e vagas do Guincho, pelo menos um bom mergulho nas águas da Baía de Monterey, para estender umas braçadas vigorosas debaixo de água, talvez mesmo até aos 2 metros em profundidade, que os tímpanos não aguentam mais… Foi a antecipação do tremendo gozo desta nova viagem, de um novo encontro com a magia de um outro Oceano, 22
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mas agora na fantástica costa californiana, foi esse gostar que voltou a animar o rosto da minha Globe Trotter! Mas claro… Só após lhe conseguir garantir que os 450 cavalos, que iríamos buscar ao Aeroporto de San Francisco, afinal até nem eram muito caros! «… E também não vou descer as ruas de San Francisco no “Mustang”, tipo Steve McQueen como “Frank Bullitt” em perseguição a um “Dodge Charger”!…» Prometi ainda, e agora sim, numa gargalhada, recordando o icónico filme policial (de 1968?… 1969?), com o fantástico ex-piloto de corridas automóveis Steve McQueen e a lindíssima Jacqueline Bisset. Pois foi já ao fim da tarde de ontem, três da manhã para o nosso relógio biológico, que descemos para jantar no restaurante do hotel, de frente a uma Baía de San Francisco cuja novidade num cinzento encharcado, ia já escurecendo, diluída nas nuvens e chuvinha resistente. Foi um jantar ligeiro em que saboreámos ambos um esplêndido “Clam Schouder”, mas num creme particularmente saboroso, e depois unicamente uma fatia de “American Cheesecake”, que repartimos. Quanto a uma boa cerveja “Sam Adams-Bostonian Laeger”, que da Europa eu vinha sequioso, o empregado disse não a terem, com a expressão de quem até ignorava esse rótulo e tipo. No exterior, o dia fora escurecendo, num crepúsculo cinzentão, que se dissolvia nas nuvens e chuvinha continuada. Já a tarde da nossa chegada fora também o contraste em absoluto para com o azul luminoso da fantástica primavera antecipada com que San Francisco nos recebera em 16 de Janeiro de 2009. Na véspera dessa primeira viagem a San Francisco, com escala em Newark, onde pernoitámos no Sheraton Newark (não recordo se então a Hilton já tinha comprado o Hotel) e quando os nossos passaportes e visas eram verificados, soubemos nesse preciso instante 23
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que um A 321 da “US Airways”, tinha acabado de amarar de emergência no rio Hudson, devido a um duplo “bird strike” à descolagem do aeroporto de “La Guardia”, para um voo regional. Mas voltando ao dia de hoje, o tempo cinzentão e molhado, que ontem encharcara toda a paisagem visível da larga panorâmica do nosso quarto bem alto no hotel, prosseguira durante a noite e esgotara-se nela. Só regressaria no final da manhã de hoje e já a meio do percurso entre o Aeroporto Internacional de San Francisco e a cidade de Santa Cruz, quando circulávamos, com os 450 cavalos num confortável trote tranquilo, já na excelente estrada quase florestal (Itinerário 17), atravessando o dorso montanhoso e florestado que enrobustece a base da península de San Francisco. Mas finalmente eu tinha o “Ford Mustang” nas mãos!… Desta vez, a “cereja” que eu reservara três meses antes, e talvez graças ao telefonema para a “Dollar Rent a Car” em San Francisco feito há 2 semanas, essa magnífica “cereja” não fora substituída por uma “ginja”, como já sucedera antes em Boston, quando do nosso tour por Cape Cod, em 2010…. Ou terão tentado a “ginja”? Mas, caramba, que “cerejão” em letra maiúscula!… Elegante e robusto, num perfil único para um ícone e poderoso carro de desporto de um cinzento escuro antracite fabuloso, possante e confortabilíssimo, com um motor de 5 litros nos 8 cilindros em V e debitando até 450 cavalos, seguimos rumo ao Sul pela Aulo Estrada 101, sempre num meio dia soalheiro e de um céu azul que só para Sul apresentava uma grossa linha contínua em que se encastelavam alguns cinzentos. A larga “101” permitiu-nos voar manso e baixinho a uma velocidade moderada entre os 100 e os 140 Km/h, para contornarmos depois a periferia Oeste da 24
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grande mancha urbana de San José pela estrada 85, geograficamente e sempre na grande bacia quase plana da Baía de San Francisco, até apanharmos o itinerário 17, Sul-Sudoeste. Maria não parece poder estar mais agradada que neste conforto e “galope” ligeiro do Mustang. Do saco puxa de uma das garrafas de água que trouxemos do quarto do Hilton, para dar uns goles… «Água da Nestlé!…» Observa a Globe Trotter engraçando com o detalhe invulgar do rótulo azul da garrafa: “Nestlé Pure Life-Purified Water”. Passámos então a um percurso algo sinuoso e de acentuado relevo, numa boa estrada com muitas sombras e quase florestal, que atravessa em largura o relevo dorsal que entronca a larguíssima península de San Francisco para Norte. Foi então que as nuvens que uma hora antes pudéramos ver numa linha de cinzentos, sobre o horizonte ao Sul da Baía de San Francisco, foi já nesta parte do percurso, que sobre nós a linha foi engrossando e cobrindo o céu. A chuva miudinha reapareceu então e não mais nos abandonou, até chegarmos ao “stop-over” estrategicamente pretendido: O mercado “Safeway” na Mission St na cidade de Santa Cruz, para umas compras ligeiras de alguns snacks a levar para o nosso quarto no hotel em Monterey, destino final para esta 5ª feira, dia 14 de Abril de 2022. «ÚÚiiiiiii!… Os preços estão de doer!… Mas ainda mais do que esperava!» Comento para Maria, quando após umas voltas que cada um dá aos expositores e bancadas do vasto mercado, nos reencontramos frente à “ilha” de refeições feitas, prontas a consumir. «Está tudo muito, mas muito caro!…» Confirma a Globe Trotter. «E com o dólar quase igual ao euro, isto está mesmo apertado!» 25
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