ONDINA VIEIRA
O poder do tempo e a riqueza da vida
Sonhando ser a estrela mais brilhante que via no céu da sua comunidade, o menino sonhador escutava todos os conselhos da avó e fazia deles uma grande sabedoria. Os tios, primos e vizinhos bem-sucedidos eram a sua fonte de inspiração. Mesmo com tanto sofrimento, nunca deixou de sonhar. Continuou a observar as estrelas da sua comunidade, a escalar as montanhas, a subir as escadas da vida, degrau a degrau, até atingir o seu objectivo. O que é ser a estrela mais brilhante num país em vias de desenvolvimento?
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O p o d e r d o t e mp o e a riqueza da vida ONDINA VIEIRA
Ondina Vieira é funcionária dos Correios de Moçambique. A autora é licenciada em Ciências Jurídicas e Público pelo Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande; é bacharel em Ciências da Comunicação, pela Universidade Católica de Moçambique; e tem vasta experiência em projectos de pesquisa comunitária das ONG credenciadas, em Moçambique, como inquiridora.
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título: Promessa
– O poder do tempo e a riqueza da vida
autora: Ondina Vieira
edição: Edições Vírgula ®
(Chancela Sítio do Livro)
Liliana Simões Ângela Espinha paginação: Paulo Resende revisão:
1.ª edição Lisboa, janeiro 2021 isbn:
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capa:
978-989-8986-35-1 476830/20
depósito legal:
© Ondina Vieira
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Esta é uma obra de ficção, pelo que, nomes, personagens, lugares ou situações constantes no seu conteúdo são ficcionados pelo seu/sua autor/a e qualquer eventual semelhança com, ou alusão a pessoas reais, vivas ou mortas, designações comerciais ou outras, bem como acontecimentos ou situações reais serão mera coincidência. Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao(s) seu(s) autor(es), a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, textual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total.
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DIÁLOGO DA PROSTITUTA COM DEUS
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Uma menina de uma família muito pobre que vivia numa aldeia recôndita, ou melhor, «onde Judas perdeu as botas», sonhava com uma vida melhor. Desde muito cedo, ela apreendeu que o único caminho para o sucesso era duro e perverso. Para além de estudar, ela tinha o dever de ajudar os pais na machamba e no mercado da aldeia, a vender produtos alimentares básicos. Nos finais de semana, participava nos cultos alternados de veneração dos antepassados e de profecia da sua fé cristã. Foi assim que a menina cresceu com a educação dos padres e irmãs da sua congregação religiosa. O tempo passou, e esta menina tornou-se numa mulher e profissional de mérito, casada com alguém com o mesmo perfil educacional. O casal, que vivia na fé religiosa, não podia ter filhos, contudo, a mulher decidiu acolher os seus sobrinhos e criá-los como seus filhos, sem aprovação do seu marido. Passaram-se alguns anos e, um certo dia, a mulher descobre que foi DEUS que abençoou o seu lar
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ao dar-lhes um filho, depois até vieram mais seis. A vida estava a correr as mil maravilhas, e foi quando o casal decidiu mudar da aldeia onde viviam para a vila onde tinham vários amigos do seu nível social, pois já faziam parte da classe média alta, conforme a estratificação da sociedade. Passavam a vida entre trabalho, igreja, viagens e festas. Precisamente nesta época, em que estava tudo a correr bem, o casal passou a priorizar os prazeres da vida em convívios de amigos e vizinhos e culto de bruxarias, em detrimento do cultivo da sua fé em Deus. A desgraça bateu à porta, o marido perdeu emprego e foi preso. A mulher teve de recomeçar a vida numa cidade vizinha, batalhando para sustentar os sete filhos e buscando recursos para sobrevivência da sua família. Foi assim, que ela conseguiu um emprego e começou a caminhada para sua liberdade financeira. Cedo, o marido ganhou liberdade e junto com a mulher procuraram novas oportunidades de emprego para ele. Rapidamente, ele encontrou trabalho, na mesma empresa onde a mulher havia a pouco tempo conseguido trabalho, tendo este se tornado chefe da sua própria esposa. Juntaram os pedaços do amor, e a felicidade voltou ao lar. O DIABO não gostou, veio em forma de adultério. O casamento foi novamente abalado, de tal forma que veio a separação.
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Cada um foi para seu lado, o homem, de posses, logo encontrou uma “catorzinha” termo utilizado para designar uma mulher muito mais nova. A mulher passou a ser discriminada por amigos, familiares e colegas. Perdeu o poder de sustentar os seus filhos e por pouco perdia o seu emprego e respeito que granjeava da sociedade. Como uma mãe separada poderia sobreviver dessa maneira? Negócios? Os negócios levaram-na ao caminho da prostituição e bebedeira. Mas a mãe separada não se deixou abater, continuou a ser uma mulher viva, alegre, trabalhadora, com temor a DEUS e lutadora. A sua luta tornou-se a vida e o bem-estar dos seus próprios filhos. Mas a prostituição veio e ficou presente na sua vida. Por ser culta e letrada, atraía Reis e Príncipes para o seu leito. Eles contactavam-na não só para o prazer, mas também para interpretar os sonhos e conduzi-los a grandes negócios. A vida foi seguindo, e a mulher nunca mais foi feliz. Reconheceu que foi culpada na destruição do seu matrimónio. Rezou a vida toda, consultou todos os bruxos para saber o que tinha de fazer para reatar o seu amor, mas nada lhe valeu. Finalmente, pediu perdão a DEUS e voltou para este, confessou os seus pecados, recebeu o sacramento da santa unção e morreu de doença.
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Onde estava a sua família? Restaram os sete filhos. Quem teve coragem de assumir esses órfãos? Sete órfãos “ao- deus-dará!” Mas a mãe separada educou os seus filhos com o seguinte lema: Estudar; rezar; louvar a DEUS; e ter temor a DEUS. No leito da morte, despediu-se dos seus filhos, dizendo que não queria que chorassem por ela no dia da sua morte porque teriam a vida inteira para chorar. A melhor forma de honrar a sua memória seria estudar e orar. A mãe separada, ora chamada de prostituta, tinha uma amiga muito rica, com um lar estável. Elas encontravam-se às escondidas sempre que era possível. A amiga era a fada madrinha dos seus filhos. Quando em vida, a mãe separada ajudava a sua amiga com conselhos e a amiga ajudava-a a educar os seus filhos, mesmo distantes. Os sete filhos foram acolhidos por essa fada madrinha, discretamente. De longe, ela olhava por eles, chorava com eles, gritava para eles as palavras mágicas. Estudar, estudar, estudar. Rezar, louvar a DEUS e ter temor a DEUS. A fada madrinha gritava no seu íntimo: — Meu DEUS, como farei para sustentar sete filhos adoptivos, uma vez que já tenho milhares e milhares?
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Cada um com os seus sonhos e desejos, mais sete filhos? Oh, meu DEUS! O que farei para sustentá-los? E DEUS respondeu-lhe: — Escolhe um dos sete filhos! A fada madrinha assim o fez e disse a DEUS: — Escolhi a rapariga. DEUS voltou e perguntou: — Porque escolheste a rapariga? A fada madrinha respondeu: — O senhor ensinou-me que quem educa uma rapariga, educa uma nação. DEUS disse novamente: — Dá o anel mágico à tua afilhada. Ela passará a comunicar-se secretamente, e acrescenta nas palavras mágicas: «Estudar, estudar, estudar; rezar; louvor a DEUS; temor a DEUS; falange, falanginha e falangeta». Assim, a fada madrinha obedeceu a DEUS. — Oh, rapariga! Sempre que precisares de mim diz as palavras mágicas, usando este anel que também é mágico. Acrescenta os teus desejos e sonhos, todos serão realizados. Podes começar agora! A rapariga, sem pensar, ainda com ira e dor da perda da sua mãe, gritou: — Eu peço a DEUS tudo o que tiraram da minha mãe, todos os seus sapatos limpos, toda a felicidade, tudo o que DEUS lhe tirou e tudo o que DEUS tinha para lhe dar.
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A prostituição é de DEUS? O primeiro desejo a ser realizado foi a prostituição. — Meu DEUS, prostituição? Porquê, meu SENHOR? De repente, a rapariga ouve uma voz incomum: — Para que entendas o que tua mãe passou para te criar, assim terás melhores ferramentas para a julgares. Agora, viverás do suor da prostituição, mas não te esqueças do lema da tua mãe. Continua a usar o anel mágico, chama-me quantas vezes forem necessárias. A rapariga suplicou: — Oh, SENHOR, minha mãe teve essa vida, agora eu também?! Se com ela não deu certo porque me punes? DEUS somente repetiu as palavras mágicas, e a voz desapareceu. A rapariga chorou ainda mais, gemeu, suplicou, mas a prostituição perseguia-a. Alguns dias eram bons, outros péssimos, mas ela nunca se esqueceu da fada madrinha e da voz misteriosa. O diploma universitário chegou, e agora? Pegou no seu anel e gritou as palavras mágicas. Logo em seguida, a voz misteriosa voltou: — O que desejas, minha pobre rapariga, porque tanto choras? — Meu SENHOR, porque desapareces? Eu já nem para a prostituição sirvo, todos os homens já usaram e abusaram de mim. Eu suplico-te, preciso de um emprego digno
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e honesto para me sustentar. Não conheço o amor do homem para uma mulher, somente humilhações. Aonde está o Amor, SENHOR? Onde estão os alimentos para saciar a minha fome? O SENHOR escutou em silêncio e desapareceu, sem que ela ouvisse outra vez a voz misteriosa. Em seguida, a rapariga teve o seu primeiro emprego digno. Na altura da sua formação académica, abandonou a vida da prostituição e passou a organizar o seu pé-de-meia, sem esperança de que o amor iria bater a sua porta. A fada madrinha observava os passos da rapariga, cautelosamente, até chegar a hora do amor aparecer e decide fazer uma visita ao pequeno aconchego da afilhada. A afilhada, ao aperceber-se da presença da madrinha, procurou o seu anel e disse as palavras mágicas com vergonha. — Fada madrinha, eu já estudei, já tenho o meu pão e estou muito grata pela tua presença e de DEUS na minha vida. Estou feliz e acredito na existência do SENHOR DEUS. Estou satisfeita com aquilo que Deus me deu. Não sou rica, mas só pelo facto de saber que não tenho de me prostituir e passar humilhações por um prato de comida ou pelo pagamento dos meus estudos, eu sinto-me uma heroína. Obrigada, Senhor. Obrigada, fada madrinha.
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A fada madrinha disse à sua afilhada: — Eu é que estou feliz, por acreditares em mim e no SENHOR DEUS TODO-PODEROSO, CRIADOR DE TODAS COISAS DO MUNDO, VISIVÉIS E INVISIVÉIS. Só por isso, trouxe um presente para ti — o amor. Aqui tens seis panelas de barro, podes escolher uma delas e terás o que mereces. Lembra-te de que nem tudo o que reluz é ouro. Assim, a rapariga escolheu uma das panelas, a mais feia e suja que existia na fila. A fada madrinha perguntou à rapariga: — Porque escolheste essa panela? A rapariga respondeu: — Parece-me justa, forte e de bastante equilíbrio. A fada pediu: — Tira a tampa da panela! A rapariga destapou a panela e de lá saiu um monstro bem feio que, numa fracção de segundos, se transformou num “sheik“, coberto de diamantes por lapidar. Um homem que toda a mulher gostaria de ter. A rapariga, assustada, tentou fugir, mas o “sheik” foi muito rápido, segurou-a pelo braço e deu-lhe as condições contratuais para ela ser o seu amor. — Eu sou um sheik, não sou rico, mas sei o que fazer para ser rico. Posso dar-te amor, só preciso que sejas somente minha, uses “burca” e vivas na terra que eu
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desejar. Conheço a tua vida, a tua história. O teu passado não me interessa. Escolheste-me, e eu sou o homem que pediste a Deus. Todos os passos que deste foram necessários para te fazer uma bela mulher, em todos momentos da tua vida nunca esqueceste do SENHOR DEUS TODOPODEROSO, e eu estou aqui para honrar o seu nome. A rapariga gritou: — Senhor, mais uma cadeia? Porquê, Senhor? O Senhor respondeu-lhe com uma pergunta: — Qual é a maior prisão: a prostituição ou as condições contratuais do sheik? A rapariga caiu de joelhos e agradeceu o presente que Deus lhe deu. E passou a viver o amor do monstro que virou um sheik. Um amor secreto no meio de tantas mulheres, que o ambicionavam e ao mesmo tempo a desprezavam pela sua escolha. O sheik virou famoso, andava de cidade em cidade, de vila em vila, de aldeia em aldeia, efectuando trocas comerciais, e em cada ponto tinha várias mulheres e filhas. Mas uma coisa deixava-o infeliz, a falta de um herdeiro. Procurou o herdeiro em todos os lugares e não achou, até que decidiu fazer uma campanha em todas as regiões. «A mulher que me der um filho homem será a mais feliz do mundo», gritava ele por todos os lugares por onde andava. A rapariga ao ver o desespero do sheik, o seu amor secreto que só a visitava nas madrugadas, decidiu
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