A Vida Secreta dos Monroios
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Maria Bastos
FICHA TÉCNICA
título: A Vida Secreta dos Monrois
autora: Maria Bastos
edição: edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro)
ilustrações de capa: Inês Pereira
grafismo de capa: Ângela Espinha
paginação: Alda Teixeira
1.a Edição
Lisboa, abril 2023
isbn: 978-989-8986-69-6
depósito legal: 513869/23
© Maria Bastos
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Dedico este livro:
Ao meu filho Rui que ajudou na revisão do texto. À minha neta Inês que fez a ilustração da capa.
Francisco Monroio chegou a casa eram quase três horas da manhã dum sábado quente de setembro de 2014. A porta estava aberta. A mesinha do hall de entrada estava derrubada e a jarra que a mulher fazia questão que estivesse sempre florida, e que era uma lindíssima peça Vista Alegre em biscuit, estava no chão, estilhaçada, em bocados.
Pelos degraus da escada havia peças de roupa feminina: uma blusa, uma saia e um soutien que Francisco sabia que eram da mulher.
A princípio aquele cenário não causaria grande admiração a ninguém. Era madrugada de sábado e ela, às sextas à noite, costumava frequentar algum bar ou algum pub com os amigos.
Pensar-se-ia que teria bebido demais, não teria acendido a luz, e teria tropeçado na mesa. As roupas também não causariam grande preocupação. Se estivesse alcoolizada seria normal começar a despir-se ao fundo das escadas.
Mas ao cimo das mesmas, à entrada do quarto, estava o corpo dela, envolto em sangue, apenas com as cuecas vestidas.
Tinha sido esfaqueada. A faca estava ao lado do corpo, cheia de sangue e era uma das facas da cozinha deles.
Francisco agarrou-a e abraçou-a deixando que o sangue
lhe sujasse as roupas. Mesmo morta Giselle era linda. Um rosto com grandes e pestanudos olhos negros emoldurado por um cabelo curto castanho claro todo aos caracóis e uns lábios
carnudos mesmo a pedirem para serem beijados.
Conheceu-a no Rio de Janeiro onde foi numa viagem com o irmão. Não foi amor à primeira vista, não se apaixonou por ela embora reconhecesse a sua beleza. Ela tinha acabado o curso de Belas Artes e tinha recebido uma proposta de trabalho numa galeria dum amigo do pai, em Cascais. E sabendo que Francisco também residia em Cascais e era amigo do dono dessa galeria, resolveu vir com eles para Portugal.
Quando chegaram e os amigos dele a conheceram, ela era o centro de todas as atenções, atraía qualquer homem, e ele sentiu-se poderoso. E atendendo ao facto de ela precisar da cidadania portuguesa, acabaram por casar.
Agora, com ela morta nos braços, ele reconhecia que no casamento deles nunca tinha havido amor, mas eram ótimos amigos. Cada um deles faria qualquer coisa pela felicidade do outro, só que essa felicidade não era vivida em comum.
E com estes pensamentos voltou à realidade. Ela estava morta e ele tinha que ligar para o serviço de emergência. Mas não podia apresentar qualquer alibi à polícia ou fosse a quem fosse. Ninguém podia saber onde ele tinha estado antes das três horas da manhã. E quando viu o fato todo sujo de sangue percebeu o que tinha que fazer. Limpou o cabo da faca e pegou-lhe para que as suas impressões digitais fossem percetíveis. Contou as facadas do corpo: cinco. Trouxe as roupas que estavam espalhadas nas escadas e meteu-as na máquina de lavar roupa. Depois limpou o chão do hall deitando fora as flores caídas e os cacos da jarra, e colocou outra peça no sítio onde esta estava. Deu uma volta pela cozinha para deixar pegadas frescas, mexeu no suporte das facas e ligou para o 112, dizendo:
Chame a polícia, por favor. Acabei de matar a minha
mulher. Estou a falar da rua Vasco da Gama n.º 16 em Cascais.
O meu nome é Francisco Monroio.
E desligou.
Rafael da Costa era o agente da P.S.P. de Cascais que atendeu a chamada do 112 naquela madrugada de sábado. A operadora comunicou-lhe que tinha havido um homicídio numa vivenda da rua Vasco da Gama e repetiu exatamente as palavras que Francisco Monroio lhe tinha dito. O agente Costa não queria acreditar no que estava a ouvir. Pediu à operadora:
Não se importa de repetir a informação que acabou de me dar?
Claro. – E a operadora voltou a referir a comunicação, tal e qual como a tinha recebido.
O agente Costa, ainda incrédulo, perguntou: – Tem a certeza que o indivíduo que lhe ligou não estava a ser pressionado por alguém para dizer o que disse?
– Estava nervoso, o que eu considero natural para alguém que acabou de cometer um crime, mas não me pareceu que estivesse a ser coagido – respondeu a operadora.
O agente continuou.
E não estaria drogado ou bêbado?
Drogado não me pareceu, pelo menos pela minha experiência, e olhe que recebo muitas chamadas de pessoas que ingeriram psicotrópicos. E também não me parece que um indivíduo bêbado conseguisse articular as frases que me disse com aquela precisão e coerência. Só não entendo por que motivo me está a fazer todas estas perguntas. Não acha que já devia estar na vivenda a verificar tudo isso “in loco”? É que eu tenho mais que fazer.
E despediu-se com um “boa noite e bom trabalho”.
Rafael da Costa conhecia bem Francisco Monroio. Aliás eram grandes amigos. Foram criados juntos na aldeia de Azoia, fizeram juntos a primária, o secundário e foram juntos para a faculdade de direito. Rafael desistiu no 2.º ano. O pai faleceu e
ele deixou a faculdade para ingressar na Escola Prática de Polícia. Francisco acabou por desistir também antes de terminar o curso e foi trabalhar para a imobiliária dos pais de que hoje ainda é dono. Porém nunca se afastaram e Rafael não conseguia acreditar que o amigo fosse capaz de matar algo, além dum simples inseto, e mesmo assim com alguma relutância.
Rafael lembrava-se bem do tempo em que Francisco levava para casa os gatinhos que encontrava desprotegidos, para desespero da mãe, alegando que tinha que os salvar porque eram pequeninos e iam morrer na rua sozinhos. Lembrava-se que ele roubava comida em casa para levar aos sem-abrigo que dormiam na rua da escola. Lembrava-se que ele não podia ver uma criança a chorar sem se aproximar dela para tentar ajudar. Lembrava-se até de ele ter salvo um cão que caiu a um poço unindo escadas umas às outras, com risco da própria vida.
Ele próprio foi várias vezes ajudado pelo amigo. Quando lhe faltava material escolar, que os pais dele tinham dificuldade em comprar, ou quando lhe ofereceu o equipamento para jogarem juntos na turma de basquete.
Não era possível que aquele miúdo se tivesse transformado num assassino, fossem quais fossem as razões.
Porém, embora lhe custasse muito, Rafael tinha que fazer o seu trabalho.
Telefonou ao chefe da esquadra a informá-lo do que se passava. O chefe ordenou-lhe que fosse com o colega Abreu para o local que lhe foi indicado pela operadora do 112. O chefe avisaria a equipa forense para ir lá ter com o médico legista e também a Polícia Judiciária da comarca de Lisboa à qual pertencia o concelho de Cascais.
Rafael chegou e tanto o portão como a porta de casa estavam abertos. Francisco estava sentado no chão da cozinha com um copo de whisky à frente, coberto de sangue.
Olá Francisco, já falamos – disse Rafael – onde está ela?
Lá em cima no quarto logo ao cimo das escadas – respondeu.
Rafael pediu ao colega que fosse para junto da vítima, calçasse luvas e inspecionasse o quarto enquanto esperava pela equipa forense. Visse se as janelas tinham sido arrombadas e visse se o cofre e a caixa das joias tinham sido abertos e mexidos. Ele ficaria junto do suspeito a recolher informações.
Assim que ficou sozinho com o amigo, perguntou:
O que é que te deu? Achas que eu acredito que tu a mataste? O que estás a fazer? Quem é que queres proteger?
Não quero proteger ninguém porque fui eu mesmo que a matei.
Porquê? – quis saber Rafael.
Porque ela me traiu.
Traiu-te com outra pessoa, queres tu dizer?
Sim. E eu passei-me, peguei numa faca da cozinha e esfaqueei-a com toda a força.
– Não me mintas Francisco. Eu sei que a Giselle já te traía há muito tempo e não acredito que tu não soubesses. Se tivesses que a matar por esse motivo, já o terias feito.
– Que disparates estás para aí a dizer? – perguntou Francisco tentando fingir-se admirado.
– Tu sabias tão bem como eu que a Giselle frequentava, entre outros, o bar “Fortune” às sextas-feiras à noite. Ela e os amiguinhos dela. Eu também lá fui várias vezes e vi como ela se divertia. É um bar onde os estudantes universitários, rapazes e raparigas, se transformam em prostitutos de luxo e acompa-
nham homens e mulheres sofisticadas como a tua para conseguirem pagar os estudos. Eu compreendo que tu sentisses ciúmes, mas também sei que a perdoavas sempre, não percebo é porquê.
– Também sei que vocês são aquilo a que se chama um casal moderno e parece que, nesse tipo de casais, a infidelidade os aproxima quando estão juntos. Mas isso não é da minha conta. Da minha conta é tu fingires que não sabias. Além disso, encontrei-a imensas vezes com o Antoine Darrieux em restaurantes e em pubs, e a atitude deles não era só de bons amigos. Sucediam-se os toques e os beijos na boca. Toda a gente via. Cascais não é assim tão grande.
– Ele é o filho do patrão, do dono da galeria onde ela trabalhava. Da amizade deles não vinha nenhum mal ao mundo – disse Francisco, e continuou – claro que nós tínhamos um relacionamento aberto, mas era muito sincero. E esse relacionamento tem regras. Eu também tinha as minhas aventuras, mas nunca quebrei as regras. Mas sobre isso falo-te noutra altura. Por agora basta que saibas que ela não foi sincera, traiu-me e eu matei-a, ponto final. Só estou à espera que me prendas. Já confessei, leva-me para o calabouço e acabou a história.
– Não é assim tão simples – disse o agente – vais para o calabouço da P.J., mas ainda tens que ser ouvido por várias pessoas antes de chegares a um julgamento.
– Porquê? Para quê tanto trabalho e desperdício de dinheiros públicos? Confessei, não confessei? Então julguem-me e mandem-me para a cadeia. E se tu não tens autoridade para fazer mais, então chama um detetive ou um procurador ou quem quer que seja para me ouvir.
Tudo isso era problema da P.J., mas duma coisa Rafael tinha a certeza: moveria céus e terra para defender o amigo da prisão por muito interessado que ele estivesse em ir para lá. Rafael estava abismado. Porquê aquela reação tão disparatada por parte do Francisco? De certeza que estava a proteger alguém. Mas quem? Rafael conhecia a família toda dele. O pai morreu de acidente. O irmão mais velho levou a mãe para os Estados Unidos, onde vivem. Primos tinha alguns, mas demasiado afastados para merecerem um sacrifício daquela envergadura.
Não conhecia a família de Giselle. Sabia que ela era brasileira e era filha de mãe brasileira e pai francês, mas que continuavam a viver no Rio de Janeiro. Não sabia se ela tinha irmãos, mas se tinha, não tinham sequer vindo ao casamento deles.
Seria alguém da imobiliária? Alguma amante que Francisco achou capaz de lhe matar a mulher?
Entretanto perguntou-lhe: – Tens advogado? Devias telefonar-lhe para ir ter contigo à P.J.
– Não preciso de advogado para nada – respondeu Francisco.
– Precisas sim, não podes ir a julgamento sem advogado.
– Ah isso é que posso. Eu posso representar-me e ser o meu próprio advogado de defesa ou melhor… de acusação.
“Porquê tanto disparate?” – pensou Rafael – “tudo bem, eu vou tratar de arranjar o advogado, quer ele queira quer não. Só espero que, depois de falar com o detetive da P.J. e com o procurador do Ministério Público, aquela cabeça maluca mude de ideias! Para já, vou mesmo ter de algemá-lo e ler-lhe os direitos.”
Entretanto, a equipa forense tinha acabado de chegar acompanhada pelo médico legista. Rafael subiu com eles até ao quarto no andar superior.
Abreu comunicou-lhe que não parecia faltar nada no quarto. Joias e documentos pareciam estar todos nos respetivos lugares. As janelas não foram forçadas e o quarto não tinha cofre.
Rafael deixou o médico trabalhar e, algum tempo depois, perguntou-lhe se tinha alguma ideia da hora da morte. O médico respondeu que só depois da autópsia podia ser mais rigoroso, mas calculava que a morte tinha ocorrido entre as onze e meia e a uma hora da manhã.
Rafael perguntou ao médico se a equipa forense ia procurar impressões digitais no quarto todo. – Claro – respondeu o médico – na casa, no corpo, embora seja difícil encontrar impressões na pele, e nas cuecas que são a única peça de roupa que temos.
Mas vão ser guardadas, não vão? – perguntou Rafael.
Tudo vai ser catalogado e guardado meu amigo. Já agora – perguntou o médico – qual é o seu interesse nas cuecas?
– Desculpe doutor, eu não sou um qualquer perturbado obcecado por fetiches. Apenas não acredito que o marido seja o criminoso porque o conheço desde criança e espero ardentemente que ele se retrate. E nessa altura, é preciso que haja provas para descobrir o verdadeiro assassino.
– Todas as provas vão constar, desde já, do relatório do chefe de perícia forense, porque são necessárias para o juiz determinar se a confissão do marido é real ou não. Eu farei o relatório da autópsia.
Agora percebi e desculpe a minha ignorância de agente policial, mas é o primeiro assassinato a que eu assisto e logo
com a confissão do meu melhor amigo. Muito obrigado, doutor.
De nada. Mas para já os peritos vão processar o seu amigo. Ele terá de mudar de roupa para nós levarmos a que ele tem vestida. Só depois é que pode tratar dele.
O telemóvel de Rafael tocou. Era o chefe. Depois de perguntar como estavam as diligências a correr, comunicou que o inspetor da P.J. que ficaria encarregue do caso tinha acordado que o suspeito fosse levado para a esquadra de Cascais, devido ao facto dele se ter dado como culpado e devido ao adiantado da hora. Rafael deveria proceder a essa diligência, mas teria que esperar que a perícia saísse para selar a vivenda.
Rafael assim fez. Algemou Francisco, deu-lhe ordem de prisão, leu-lhe os direitos, pediu a Abreu que selasse o local do crime, meteu o suspeito no carro e dirigiu-se para a esquadra. Eram 5 horas e 38 minutos da madrugada.
Pelo caminho, Francisco perguntou:
O que é que vai acontecer agora?
Rafael não respondeu. Ao chegar à porta da esquadra abriu a porta do carro a Francisco e conduziu-o até à sala de interrogatório. Depois de lhe tirar as algemas, disse:
– Agora ficas aqui quietinho, sozinho, pode ser que essa cabeça comece a funcionar com normalidade. Mas primeiro o meu colega Abreu vai dar-te um cestinho onde vais colocar tudo o que tens nos bolsos.
– E tu vais para onde?
– Eu vou à minha vida. Tenho mais que fazer, ou julgavas que eu ia ficar aqui a fazer sala contigo?
Ao sair, Rafael disse ao colega:
Não te esqueças de lhe tirar o cinto, relógio, pulseiras, tudo o que possa ser perigoso. Daquela cabeça, neste momento, pode esperar-se tudo.
Marcos Rodrigues, inspetor da P.J., entrou na esquadra de Cascais às 10 horas e 25 minutos. Rafael foi recebê-lo e ia começar a falar quando o inspetor se antecipou:
– Já estou a par de tudo o que se está a passar. O seu chefe pôs-me ao corrente. Vou só cumprimentá-lo e já falamos. A propósito, onde é que está o homem? Vou já dar-lhe que fazer.
Está na sala de interrogatórios, ao fundo do corredor à esquerda.
O inspetor agradeceu e dirigiu-se ao gabinete do chefe. Ao sair, procurou a sala onde estava Francisco.
O inspetor Marcos apresentou-se, mas Francisco nem sequer deu tempo para lhe apertar a mão. Começou logo a falar:
– Não valia a pena ter cá vindo. O que eu tenho a dizer já o disse montes de vezes. O senhor só vem ouvir o mesmo, “matei a minha mulher”.
– Meu amigo – retorquiu o inspetor – uma confissão não é só blá, blá, blá. Precisa de ser escrita e assinada. O senhor tem aqui um bloco e uma caneta e vai escrever tudo o que aconteceu na sua casa, começando pela hora a que o senhor chegou, onde estava a sua mulher, tudo o que aconteceu a seguir, até à morte dela. E tudo bem explicadinho, porque eu sou um bocado bronco e preciso de perceber bem tudo o que se passou, ou melhor, tudo o que o senhor confessar. Estamos entendidos?
E saiu da sala deixando Francisco a olhar para o bloco com cara de espanto.
Cá fora, o Dr. Rodrigues dirigiu-se à secretária de Rafael Costa. Puxou duma cadeira e sentou-se.
Agora nós – exclamou – o que é que me queria dizer que eu não vá ler no seu relatório?
Rafael respondeu:
– Não posso escrever no relatório que não acredito numa única palavra do que aquele homem me disse. Também não posso dizer que já o conheço há quase trinta anos, desde que entrámos para a escola primária, e que tenho a certeza que ele não mataria ninguém. Só não sei por que motivo está a mentir, mas que há um segredo por trás disto tudo, não tenho dúvidas.
– Então você acha que ele está a defender alguém, o que significa que ele sabe ou pelo menos acha que sabe quem matou a mulher. Esta é a razão mais lógica para se incriminar, mas não é a única. O problema é que, se isso for verdade, ele irá continuar a mentir até ao fim. Esperemos que a polícia científica nos diga algo mais. Para já, você tem que escrever no seu relatório exatamente aquilo que ele confessou, com as mesmas palavras que ele utilizou, se possível. Não sei se você sabe, mas uma única confissão não é suficiente para a condenação. Ele vai ter que contar o que se passou a várias pessoas. Já o contou a si, está a escrever a confissão para eu ler, vai ter que contar ao procurador do Ministério Público e, se ainda houver dúvidas sobre a culpa dele, vai ter que contar ao juiz. Ora todas estas confissões vão ter que ser coerentes umas com as outras. Caso contrário, prova-se logo que ele está a mentir.
E se isso acontecer… – observou Rafael
Temos que ir à procura do verdadeiro assassino. Só que todos já percebemos que o seu amigo, mesmo que tenha a certeza de quem é, não vai dizer. Isto se for essa a razão da mentira…pode não ser. E aí o caso ainda fica mais difícil de
resolver, porque eu tenho que ir à procura dum motivo que desconheço completamente.
Tudo isto é tão estranho – disse Rafael – eu sempre o conheci como um sujeito tão certinho! Acho que nem uma multa de trânsito ele deve ter!
Agora por trânsito, a vivenda dele tem câmaras de vídeo?
A dele não tem. Procurámos a toda a volta e não encontrámos nenhuma. Mas pareceu-me que a vivenda em frente tem uma câmara para o jardim que deve apanhar a estrada e talvez a entrada do portão dele. Posso lá ir pedir se me dão as cassetes desde a manhã de sexta-feira.
– Se não lhas facultarem eu arranjo-lhe um mandado. Precisamos delas sem falta. Se as conseguir hoje, leve-mas na 2.ª feira.
E o Francisco, vai consigo para a P.J. de Lisboa?
Leu-lhe os direitos quando o prendeu?
Tudo como manda o protocolo – respondeu Rafael, sorrindo.
Então deixe-o dormir aqui na esquadra durante o fim-de-semana que vai fazer-lhe bem. Eu levo a confissão escrita, vou ainda hoje falar com o procurador e leve-me o homem na 2.ª feira juntamente com o seu relatório. Agora vou ver se ele já confessou tudo e vou despedir-me do seu chefe. Gostei muito de o conhecer e até segunda.
– Ah, é verdade – referiu Rafael – os pais da vítima vivem no Rio de Janeiro e eu não sei a morada, mas é preciso avisá-los, não é verdade?
Se ainda vivem no Brasil, não se preocupe com isso. Eu encarrego-me de os avisar através da Polícia Federal. Dê-me só o nome completo da filha.
Rafael gostou daquele homem e gostou principalmente da função dele. Ainda tinha mais uns anitos de serviço pela frente e teria de subir na carreira. Depois, iria tentar realizar o seu sonho: concorrer à Polícia Judiciária.