Notícia Histórica do Batalhão Académico de 1846-1847

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título: Notícia Histórica do Batalhão Académico de 1846-1847 – Notas por António dos Santos Pereira Jardim, publicadas, com aditamentos, por António João Flores autores: António dos Santos Pereira Jardim (1821-1888) e António João Flores edição: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro) recolha de textos, introdução e notas: Mário Araújo Torres

imagem de capa: Batalha de Torres Vedras (22 de dezembro de 1846), gravura de G. W. Terry

arranjo de capa: Ângela Espinha paginação: Paulo Resende

1.ª edição Lisboa, setembro 2022

isbn: 978‑989 9028 67 8 depósito legal: 503144/22

© Mário ArAújo Torres

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publicação e comercialização: www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500

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NOTÍCIA HISTÓRICA DO BATALHÃO ACADÉMICO

notas por ANTÓNIO DOS SANTOS PEREIRA JARDIM publicadas, com aditamentos, por

JOÃO FLORES Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres

DE 1846-1847
ANTÓNIO
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HOMENAGEM

Em memória dos membros do Batalhão Académico:

Manuel Fialho de Abreu Simões aluno do 5.º ano de Direito, natural de Portimão

José António Carlos Madeira Torres aluno do 2.º ano de Direito, natural de Beja

Aires de Araújo Pereira Negrão aluno do 2.º ano de Direito, natural de Lisboa

Domingos António Ferreira aluno do 2.º ano de Direito, natural de Elvas mortos na sequência da ação do Alto do Viso (Setúbal, 1 de maio de 1847), combatendo pela liberdade de seus concidadãos. Preview

DISCURSO

proferida pelo Visconde de Sá da Bandeira, Comandante do Exército da Junta Provisória do Governo Supremo de Portugal nas Províncias do Sul do Reino, por ocasião do funeral de José António Carlos Madeira Torres (Cemitério de Setúbal, 3 de maio de 1847):

O jovem José António Carlos Madeira Torres, cuja perda deploramos, era um dos alunos dessa Universidade que tantos defensores tem dado à independência nacional e às liberdades da Pátria.

Sempre que soou em Portugal o grito da guerra, fosse contra o estrangeiro ou contra a tirania, a briosa mocidade académica correu às armas, pugnou nos postos mais avança dos e distinguiu-se entre os mais valentes.

Em 1808, levantando-se a Nação em massa contra o jugo estrangeiro, primeiro do que todos, formou-se o Bata lhão Académico, que prestou relevantes serviços à causa portuguesa.

Na guerra cruenta da Restauração Nacional, vimos no Porto os académicos praticarem atos de valor, que causaram admiração aos mais corajosos.

Em outubro de 1846, tremulou novamente o pendão da liberdade, e esta mocidade, esperança da Pátria, seguro penhor de que as instituições liberais serão mantidas em Portugal, reuniu prontamente a sua pequena, mas denodada coorte.

Poucos destes briosos jovens formavam parte das forças do meu comando, e esses mesmos achavam-se servindo a bordo dos navios de guerra. Sabendo eles, no 1.º do corrente mês, que uma sortida contra o inimigo iria ter lugar nesse dia, unanimemente se ofereceram a marchar com as tropas. Foram, e durante o combate todos se portaram com admirá vel valor, ficando, do seu pequeno número, uma grande parte fora do combate. O primeiro ferido que observei no campo de batalha foi um académico.

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A todos aqueles que choram a morte prematura do valente jovem, a cujo funeral aqui assistimos, podemos dizer, para alívio da sua saudade:

Ele morreu com glória, combatendo pela liberdade de seus concidadãos

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Autógrafo de Sá da Bandeira com minuta do discurso de elogio fúnebre de José António Carlos Madeira Torres (Arquivo Histórico Militar / Código de referência: PT/AHM/DIV/3/18/01/06/359)

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Carta do Visconde de Sá da Bandeira para a mãe de José António Carlos Madeira Torres

Setúbal, 14 de maio de 1847. Minha Senhora,

Os académicos, camaradas do digno filho de V. Ex.ª, cuja perda tão prematura todos deploramos, encarregaram-me de transmitir a V. Ex.ª a chave do caixão que encerra os seus restos mortais.

Cumpro este penoso dever e ao mesmo tempo tenho a honra de enviar a V. Ex.ª o pequeno discurso que pronunciei na cerimónia do seu funeral.

Possa V. Ex.ª achar alívio na lembrança de que seu digno filho deixou vivas saudades a quantos o conheceram, Digne-se V. Ex.ª aceitar os protestos do respeito com que sou

De V. Ex.ª mt. att. S. B. Preview

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Autógrafo de Sá da Bandeira contendo carta para a mãe de José António Carlos Madeira Torres (Arquivo Histórico Militar / Código de referência: PT/AHM/DIV/3/18/01/06/359).

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INTRODUÇÃO

1. Ao longo dos séculos, por diversas vezes os estudantes da Universidade de Coimbra pegaram em armas, constituindo Batalhões Académicos, para defesa da independência da Pátria ou da liberdade dos seus concidadãos.

O primeiro de que existe desenvolvia notícia 1 foi constituído, em 1644-1645, no âmbito da Guerra da Restauração, em res posta a solicitação dirigida por D. João IV ao Reitor da Universidade, D. Manuel de Saldanha 2, que pessoalmente comandou os 630 estudantes, enquadrados por alguns professores, que marcharam para o Alentejo, em defesa da praça de Elvas, sitiada pelas tropas espanholas.

1 Cfr. Francisco Carneiro de Figueiroa, Memórias da Universi dade de Coimbra, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1937, págs. 138 e 139; Augusto Mendes Simões de Castro, Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645, Elvas, Tipografia Progresso, 1901; P. M. Laranjo Coelho, Cartas de El-Rei D. João IV para diversas autorida des do Reino, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1940; Manuel Lopes de Almeida, Notícias da Aclamação e de outros sucessos, Coim bra, Tipografia Atlântida, 1940; Lígia Cruz, Alguns contributos para a história da Restauração em Coimbra ‒ Reinado de D. João IV, Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra, 1982.

2 Manuel de Saldanha, filho de João de Saldanha (Comendador de Alcains e de Salvaterra, na Ordem de Cristo) e de Leonor de Mene ses, natural de Lisboa, matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1613 e licenciou-se em Cânones em 24/7/1620. Sendo Inquisidor em Évora, foi, em 8/9/1638, nomeado por D. Filipe III Reitor da Universi dade de Coimbra, lugar de que tomou posse a 3/2/1639, e que exerceu até à sua morte, em 15/8/1659. Convocou, em 12/12/1640, o Claustro Pleno, no qual a Universidade reconheceu e aclamou D. João, Duque de Bragança, como Rei de Portugal. D. João IV confirmou-o no cargo de Reitor em 24/12/1640 e reconfirmou-o por duas vezes, em 14/11/1641 e em 17/5/1642. Foi designado bispo de Viseu (1642) e de Coimbra, não chegando a ser confirmado pela Santa Sé.

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No decurso das invasões francesas 3, por três vezes se organi

Ver: Fernando Barreiros, Notícia histórica do Corpo Militar Académico de Coimbra: 1808-1811, Lisboa, Bertrand e Aillaud, 1918; Maria Ermelinda de Avelar Soares Fernandes Martins, Coimbra e a Guerra Peninsular, 2 volumes, Coimbra, Tipografia da Atlântida, 1944; Relação breve e verdadeira da entrada do Exército francês, chamado de Gironda, em Portugal, em novembro do ano de 1807, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1809; Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, Narração das marchas e feitos do Corpo Militar Académico desde 31 de março, em que saiu de Coimbra, até 12 de maio, sua entrada no Porto, Coim bra, Imprensa da Universidade, 1809. Ver ainda: Rodrigo da Fonseca Magalhães, Ode Pindárica à Feliz Restauração do Nosso Portugal, que ao Il.mo e Ex.mo Senhor Manuel Pais de Aragão Trigoso, etc., etc., etc. O. D. C. Rodrigo da Fonseca Magalhães, Aluno da Academia, e alistado no Corpo dos Voluntários Académicos, Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1808; António Alexandrino Marques, Congratulação à Pátria pela feliz restauração do legítimo Governo de S. A. R., oferecida aos nobres e voluntários académicos, Coimbra, Imprensa da Universi dade, 1809; À Mocidade académica S. e D. constantes votos de grati dão sincera M. T.. Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1808; Emmanuelis de Sousa Moreira Medicinae studiosi ad condiscípulos ceterosque acade micos pro armis adversas communem et patriae et universarum gen tium hostem ferendis Oratio, a claris, viro Francisco de Sousa Loureiro ... in lusitanum sermonem translata, Conimbricae, Typis Academicis, 1808; Canto heróico aos portugueses, que ao Il.mo e Ex.mo Sr. Manuel Pais de Aragão Trigoso, etc., D. O. e C. Manuel Matias Vieira Fialho de Mendonça, etc., Coimbra, 1808; Ode ao Il.mo e Ex.mo Sr. Manuel Pais de Aragão Trigoso, etc., por João António Frederico Ferro, s. d, s. l.; Ode dedicada ao Il.mo e Ex.mo Sr. Manuel Pais de Aragão Trigoso, etc., por José Joaquim de Sá, s. d., s. l.; Ode que ao Corpo Militar de Len tes e Doutores Voluntários, O. Agostinho Albano da Silveira, Dr. em Filosofia, alistado no mesmo corpo, Coimbra, Imprensa da Universi dade, 1808; Ode Pindárica oferecida ao respeitável Corpo Académico da Universidade de Coimbra e dedicada ao Il.mo e Ex.mo Sr. Vice-Rei tor e Governador, pelo seu antigo aluno António José Maria Campelo, s. d., s. l.; A gratidão da Pátria aos distintos serviços do leal e calo roso Corpo dos Voluntários Académicos, na ditosa expulsão do intruso Governo francês. Justificada e proclamada a todos os portugueses, por

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zaram Batalhões Académicos.

Em 26 de junho de 1808, após a conquista do Forte de S. Cata rina, na Figueira da Foz, por um grupo de académicos e populares idos de Coimbra, sob o comando do sargento de Artilharia e estu dante da Universidade, Bernardo António Zagalo, foi, por iniciativa do Vice-Reitor e Governador de Coimbra, Manuel Pais de Aragão Trigoso 4, organizado um Batalhão Académico, tendo por comandante o Doutor Tristão Álvares da Costa Silveira 5. Este Batalhão participou na restauração do legítimo Governo de Portugal em Condeixa, Soure, Ega, Pombal, Leiria e Nazaré. Concen tradas as forças portuguesas, do comando do General Bernardim Freire de Andrade, em Coimbra, uma parte do Batalhão Acadé mico manteve-se na defesa da cidade e outra parte juntou-se às tropas britânicas, desembarcadas em Lavos (Figueira da Foz) nos primeiros dias de agosto, participando nas batalhas da Roliça e do Vimeiro (17 e 21 de agosto), que determinaram a saída do Exér cito de Junot, na sequência da Convenção de Sintra (30 de agosto de 1808).

Em 2 de janeiro de 1809, foram os estudantes da Universidade novamente convocados para se alistarem no Batalhão Acadé mico, perante a iminência de nova invasão francesa. Um Des tacamento de 150 elementos deste Batalhão, comandado pelo

F. F. [Frei Fortunato de S. Boaventura], Coimbra, Imprensa da Univer sidade, 1809.

4 Manuel Pais de Aragão Trigoso [Pereira de Magalhães] (Mata cães / Torres Vedras, ? - ?, 1810), Doutor (1762) e Lente (1779) da Faculdade de Cânones, Vice-Reitor da Universidade (1804-1809). Fidalgo da Casa Real. Cónego e Arcediago da Sé de Viseu. Chefe do Corpo de Voluntários Académicos e Governador de Coimbra (1808-1809).

5 Tristão Álvares da Costa Silveira (Elvas, 11/9/1768 - Coim bra, 1811). Doutor (1795) e Lente (1796) da Faculdade de Matemá tica. Tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros. Sargento-mor de Engenharia do Corpo de Voluntários Académicos. Sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa.

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INTRODUÇÃO 19

Doutor Fernando Saraiva Fragoso de Vasconcelos 6, secundado pelo Doutor José Bonifácio de Andrada e Silva 7, incorporou-se na Divisão do General Trant (encarregado por Beresford, a 27 de março, da defesa de Coimbra), que, a 31 de março, partiu para operar na linha do Rio Vouga. Reunidas as forças de Trant com as de Wellesley em Águeda, a 9 de maio, partiram para o Porto, onde entraram no dia 12. Algumas forças, incluindo o Batalhão Académico, ainda perseguiram Soult até à fronteira de Galiza, após o que se recolheu a Coimbra.

Por edital emitido em Lisboa em 9 de novembro de 1810, pelo seu então Comandante, José Bonifácio de Andrada e Silva, foi o Batalhão novamente convocado, mas, desta feita, compare ceram em menor número, por a Universidade ter estado encerrada no ano de 1810-1811. Limitando-se a marchar até Óbidos, sem nenhuma ação de combate, face à retirada de Massena. Fina mente, foi o Batalhão Académico dissolvido em 15 de abril de 1811.

6 Fernando José Saraiva Fragoso de Vasconcelos (Manteigas, c. 1745 - ?, 1810). Doutor (1770) e Lente (1778) da Faculdade de Câno nes. Colegial do Colégio de S. Paulo. O seu manuscrito Memórias do Corpo Militar Académico foi publicado por Maria Ermelinda Fernan des Martins, Coimbra e a Guerra Peninsular, citado na nota 3.

7 José Bonifácio de Andrada e Silva (Santos, 13/6/1763 - Rio de Janeiro (6/4/1838). Bacharel em Filosofia (1787) e formado em Leis (1788), foi Lente de Metalurgia (1801-1814). Intendente-geral das Minas e Metais do Reino (1800), Intendente da Polícia no Porto (1809), Desembargador da Relação do Porto. Superintendente do Mondego e Obras Públicas do Mondego. Autor de vasta obra. Sócio da Academia Real das Ciências. Major (1808), Tenente-coronel (1809) e Comandante (1810) do Corpo de Voluntários Académicos. Regressou ao Brasil em 1819, onde foi Deputado à Assembleia Geral Constituinte e Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros do Império do Brasil (1822). Autor do Projeto de Constituição para o Império do Brasil (1823), é conside rado o Patriarca da Independência do Brasil. Ver: Henrique de Campos Ferreira Lima, José Bonifácio de Andrada e Silva: major, tenente-coro nel e comandante do Corpo Militar Académico em 1809-1810, Coim bra, Coimbra Editora, 1942.

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A eclosão das lutas liberais abriu nova época para a constitui ção de Batalhões Académicos. Em 1826, foi formado um Batalhão de estudantes liberais, comandado pelo major da Milícia de Ton dela, Júlio César Feio de Figueiredo, composto de 6 companhias e 411 elementos, que, a 26 de dezembro, partiu para a Beira, forçando as tropas miguelistas a refugiar-se em Espanha; o Batalhão regressou a Coimbra a 3 de fevereiro de 1827, tendo suscitado polémica a negação da justificação das faltas dadas durante a cam panha 8. Na sequência da revolta do Porto, de 16 de maio de 1828, contra o Governo de D. Miguel, procedeu-se em Coimbra ao alis tamento em novo Corpo de Voluntários liberais, tendo a Junta de Coimbra, por portaria de 21 de junho, nomeado para seu Coman dante o Doutor Manuel Pedro de Melo 9, e Segundo-Comandante

8 Cf. Relação de todos os indivíduos que compuseram o Batalhão dos Voluntários Académicos, Coimbra, Imprensa de Trovão e Compa nhia, 1827; Relação de todos os indivíduos que compuseram o Bata lhão dos Voluntários Académicos organizado e armado no ano letivo de 1826 para 1827, Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1828; Relação extraída dos mapas originais das três Companhias do Bata lhão Rebelde de Voluntários Académicos, Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1828; Apologia dirigida à Nação Portuguesa para plena justificação do Corpo dos Voluntários Académicos do ano de 1826 contra as falsas e caluniosas imputações forjadas ao mesmo corpo pelos inimigos do Senhor D. Pedro IV e da Carta Constitucional, Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827; Coleção dos documentos que servem de fundamento e prova na apologia do Corpo dos Voluntários Académicos do ano de 1826 contra as falsas e caluniosas imputações forjadas ao mesmo corpo pelos inimigos do Senhor D. Pedro IV e da Carta Constitucional, Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827; Adição à apologia dos Voluntários Académicos ou Pensamentos sobre a Campanha do Batalhão dos Voluntários Académicos, por um soldado, Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827.

9 Manuel Pedro de Melo (Tavira, 6/9/1765 - Mealhada, 13/4/1833). Lente de Matemática (1801). Sócio da Academia Real das Ciências. Perseguido pelas suas ideias liberais, refugiou-se em casa de um amigo em Ventosa do Bairro, em 1828, até à sua morte.

INTRODUÇÃO 21
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o Doutor Joaquim António de Aguiar 10. Após a batalha de Cruz dos Mouroços, de 24 de junho, as tropas liberais retiraram para o Porto e, perseguidas pelos miguelistas, passaram para a Galiza e depois para o exílio em França e Inglaterra. No exílio em Ingla terra, o Batalhão é reorganizado, seguindo depois na frota que transportou as tropas fiéis a D. Pedro para os Açores 11, donde regressam em 1832 e suportam o cerco do Porto. Parte do Batalhão Académico integra a expedição que desembarca no Algarve, participando nas operações realizadas no Alentejo, até à entrada vitoriosa em Lisboa, a 24 de julho de 1833. Após a entrada das forças liberais do Duque da Terceira em Coimbra, a 8 de maio de 1834, e a Convenção de Évora-Monte, este Batalhão Académico é dissolvido, a 20 de outubro desse ano.

Três anos volvidos, face à Revolta dos Marechais (Saldanha e Terceira), de julho de 1837, contra o Governo setembrista e à ameaça de Saldanha tomar Coimbra, o Governo (Sá da Ban deira e Passos Manuel) determina a organização de novo Bata lhão Académico (setembro de 1837), que assegurou a defesa da

10 Joaquim António de Aguiar (Coimbra, 24/8/1792 - Lavradio, 26/5/1874). Doutor (1816) e Lente (1826) na Faculdade de Leis. Fez parte do Corpo de Voluntários Académicos de 1808. Deputado às Cor tes (1826). Segundo-comandante do Batalhão Académico de 1828. Exilado em Inglaterra, tomou parte nas duas expedições liberais aos Açores. Participou no desembarque no Mindelo em 1832. Procurador -Geral da Coroa. Ministro do Reino (1833-1834, 1841-1842 e 18651866) e da Justiça (1834 e 1836) e Presidente do Conselho de Ministros (1841-1842, 1860 e 1865-1868). Chefe do Partido Regenerador, foi várias vezes Deputado.

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Cf. João Paulo Soares Luna, Memórias para servirem à histó ria dos factos de patriotismo e valor praticados pelo distinto e bravo Corpo Académico que fez parte do Exército libertador, Lisboa, Tipo grafia Lisbonense, 1837; José Joaquim de Almeida Moura Coutinho, O ataque da Vila da Praia na Ilha Terceira em 11 de Agosto de 1829 ... e a memória histórica do Coronel Eusébio Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado ou a glória do Batalhão de Voluntários da Rainha a Senhora Dona Maria II, Lisboa, Tipografia do Diretor, 1830.

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cidade, tendo sido rapidamente extinto, dada a cessação dessa ameaça (derrota dos Marechais em Ruivães, a 18 de setembro, e subsequente exílio dos mesmos, na sequência da assinatura, a 7 de outubro, da Convenção de Chaves).

2. A eclosão, em abril de 1846, da Revolta do Minho (Maria da Fonte) 12, que rapidamente se espalhou pelo País, contra o Governo de Costa Cabral, teve pronto eco em Coimbra, com a instituição de uma Junta Governativa, presidida por José Alexandre de Campos 13, que promoveu a organização de um Batalhão de Voluntários Académicos.

12 Cf. Intervenção estrangeira ou documentos históricos sobre a intervenção armada de França, Espanha e Inglaterra nos negócios internos de Portugal, no ano de 1847, Porto, Tipografia Faria Guima rães, 1848; Correspondência entre o Conde das Antas e os Ministros Plenipotenciários e outros Agentes das Potências signatárias do Pro tocolo de 21 de Maio de 1847, acompanhada de vários atos oficiais da Junta Provisória do Governo Supremo do Reino no Porto, e outros documentos, Lisboa, Tipografia do Borges, 1848; Correspondência entre o Visconde de Sá da Bandeira e os Ministros Plenipotenciários e outros Agentes das Potências signatárias do Protocolo de 21 de Maio de 1847, acompanhada de uma carta a Sua Majestade a Rainha e de outros documentos, Lisboa, Tipografia Neriana, 1848; Joaquim Palmi nha da Silva, A Revolução da Maria da Fonte, Porto, Afrontamento, 1978; Maria de Fátima Bonifácio, História da Guerra Civil da Patuleia 1846-47, Lisboa, Editorial Estampa, 1993; José V. Capela e Rogério Borralheiro, A revolução do Minho de 1846: os difíceis anos de implan tação do liberalismo, Braga, Governo Civil, 1997; José V. Capela, A revolução do Minho de 1846, segundo os relatórios de Silva Cabral e Terena José, Porto, Afrontamento, 1999; Teresa Nunes Sousa, Maria da Fonte e Patuleia, Lisboa, Quidnovi, 2008; e Almeida Carvalho, A Bata lha do Viso e a Revolta da Patuleia em Setúbal, organização, prefácio e notas de Álvaro Arranja, Setúbal, Centro de Estudos Bocagianos, 2013.

13 José Alexandre Caetano de Campos e Almeida (Sabugal, 1794 - Vilar Torpim / Figueira de Castelo Rodrigo, 1850). Professor da Faculdade de Leis (1818). Preso no Limoeiro na sequência da Vila-Fran cada (1823), e depois em Almeida durante a usurpação de D. Miguel

INTRODUÇÃO 23
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Numa primeira fase, que decorreu até setembro desse ano, quando a pacificação do País parecia estar assegurada, graças à atuação conciliadora do Governo de Palmela, que em 20 de maio substituíra o de Costa Cabral, e convocara eleições para as Cortes, com poderes de revisão constitucional, o Batalhão Académico não chegou a entrar em combate, limitando-se a fazer mar chas até Redinha e Pombal.

Porém, por força do golpe palaciano da Emboscada de 6 de outubro, que afastou Palmela e instituiu um Governo chefiado por Saldanha, mas dominado pelos cabralistas, que desconvocou as eleições, suspendeu a Constituição e suprimiu a liberdade de imprensa, reacendeu-se, com mais intensidade, a revolta popular. Em Coimbra, o Governador Civil, Marquês (depois Duque) de Loulé 14, determina, a 11 de outubro, a reorganização do Batalhão (1829-1834). Vice-reitor da Universidade (1834), Deputado às Cortes (1834, 1837, 1838, 1840, 1842), foi o promotor da reforma setembrista da Universidade (1836), de que resultou a fusão das Faculdades de Cânones e de Leis numa única Faculdade de Direito, e o inspirador do Decreto de 17 de novembro de 1836 que criou os Liceus. Presidente do Congresso Constituinte (1837). Ministro da Justiça (1837-1839). Volta a ser preso em 1847. Em Lisboa foi membro da Sociedade Patriótica conhecida por Clube dos Camilos (1835) e Venerável da loja Urbiónia (1834-1836). Setembrista radical, fundou o periódico político O Piloto (Coimbra, 1836) e o Grito Nacional (1846). Governador civil de Coimbra (1846). Participa na Guerra da Patuleia (1847), integrando a Junta de Coimbra, sendo preso até à amnistia geral. Publicou, para além de diversos discursos parlamentares proferidos em 1841, o opúsculo Os acontecimentos de Março [de 1838] na capital, considerados nas suas causas e efeitos, memória dedicada aos amigos da Revolução de Setembro (Lisboa, 1838). Ver a sua biografia em A Revolução de Setem bro, n.º 2626, de 21 de dezembro de 1850.

14 Nuno José Severo de Mendoça Rolim de Moura Barreto (Lis boa, 6/11/1804 - 22/5/1874), 9.º Conde de Vale de Reis, 2.º Marquês (1824) e 1.º Duque (1862) de Loulé, casado (1827) com a Infanta D. Ana de Jesus Maria (1806-1857), 9.ª e última filha de D. João VI. Cursou o Colégio Militar. Exilado em Inglaterra (1828), aderiu ao Par tido liberal. Combateu como ajudante-de-campo de D. Pedro no cerco

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Académico. Desta feita, foi mais intensa a atividade do Batalhão, designadamente com integração na Divisão do chefe militar das forças populares, Conde das Antas, que marchou até Santarém. Após o desastre de Torres Vedras (22 de dezembro de 1846), o Batalhão assegura a retirada ordenada até ao Porto. Parte do Batalhão acompanha o Visconde de Sá da Bandeira, em fins de março de 1847, na expedição ao Sul, desembarcando em Lagos e marchando até Setúbal. Três dezenas de voluntários académicos par ticipam na ação do Alto do Viso (1 de maio de 1847), na sequência da qual quatro perdem a vida. Imposto um armistício pelas Potên cias estrangeiras, os sobreviventes regressarão ao Porto em 15 de junho. Entretanto, no Porto, outra parte do Batalhão Académico embarca na Divisão Expedicionária comandada pelo Conde das Antas, que, a 31 de maio, é apresada pela Esquadra inglesa ao sair da barra do Porto e conduzida para Lisboa, sendo os seus elemen tos encarcerados no Forte de S. Julião da Barra. Finalmente, após a assinatura da Convenção de Gramido (29 de junho), as forças da Junta do Porto são desarmadas, e acaba por ser dissolvido o Batalhão Académico de 1846-1847.

3. Um dos mais destacados membros do Batalhão Acadé mico de 1846-1847 foi inquestionavelmente António dos Santos Pereira Jardim.

do Porto (1832). Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Marinha (1833). Ingressou na esquerda liberal. De novo Ministro da Marinha (1835) e dos Estrangeiros (1835-1836). Aderiu à Revolução de Setem bro (1836). Governador civil de Coimbra (1846), participa na Guerra da Patuleia, sendo um dos negociadores da Junta do Porto e subscritor da Convenção de Gramido (28/6/1847). Ministro da Marinha (1851) no 1.º Governo da Regeneração. Torna-se chefe do Partido Histórico (1856), representativo da ala esquerda da Regeneração. Várias vezes Deputado, Ministro e Presidente do Governo. Iniciado na loja Regeneração, com o nome simbólico de Cincinato, pertenceu à loja 5 de Novembro, ascendendo a Grão-Mestre da Confederação Maçónica Por tuguesa (1852-1862).

INTRODUÇÃO 25
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Filho de Francisco dos Santos Pereira Jardim e de Cecília Rosa Alves, nasceu em Coimbra, a 25/12/1821, e aí faleceu, a 27/2/1888. De família de modestos recursos, que com dificuldade conseguira custear os estudos do filho mais velho, Manuel dos Santos Pereira Jardim 15, que se doutorou e foi Lente da Facul dade de Filosofia, António Jardim exerceu o ofício de tanoeiro, na Rua das Solas (atual Rua Adelino Veiga), até que, logrando, com persistente esforço, completar os Preparatórios, se matricu lou, a 31/12/1845, no 1.º ano da Faculdade de Direito.

O curso universitário foi interrompido pela sua ativa parti cipação no movimento popular contra o despotismo cabralista, desencadeado pela Revolta do Minho (Maria da Fonte) em abril de 1846, e prosseguido, após a Emboscada palaciana de 6 de outubro desse ano, com a Guerra da Patuleia, insurreições que tiveram imediata repercussão em Coimbra e levariam ao encerra mento da Universidade, de outubro de 1846 até agosto de 1847.

António Jardim logo se alistou no Batalhão Académico então formado, participando em toda a campanha, designadamente na ação do Alto do Viso (Setúbal, 1 de maio de 1847), onde ficou ferido. Na fase final do conflito, que terminou com a Convenção

15 Manuel dos Santos Pereira Jardim (Coimbra, 19/7/181822/4/1887), Doutor (1840), Lente (1848) e Diretor (1872-1879) da Faculdade de Filosofia, Diretor do Gabinete de Mineralogia e Conqui liogia (1865-1870 e 1875-1879) e do Gabinete de Zoologia (1874-1879), com vasta obra científica publicada nas áreas das suas especialidades. Convictamente liberal, alistou-se, no Porto, no Regimento de Volun tários da Rainha (1833). Logo em 16 de maio de 1846, ficou responsável pela publicação do Boletim Oficial de Coimbra, como secretário da Comissão preparatória até a instalação da Junta Governativa, presi dida por José Alexandre de Campos. Aderindo à Regeração, foi Presi dente da Câmara Municipal de Coimbra. Sócio do Instituto de Coimbra e da Associação dos Artistas de Coimbra. D. Luís atribuiu-lhe o título de Visconde de Montessão (1871) e nomeou-o Par do Reino (1881). Cf. Joaquim Martins de Carvalho, “Visconde de Montessão”, em O Conim bricense, n.ºs 4138 a 4141, de 23/4/1887 a 3/5/1887.

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de Gramido, de junho de 1847, esteve preso no Forte de S. Julião da Barra.

Retomada a carreira académica, frequentava o 5.º ano de Direito quando, em 1851, ocorreu o movimento da Regeneração, a que aderiu, tendo sido nomeado Administrador do Concelho de Coimbra, cargo que exerceu até 1854.

Doutorado em Direito em 1855, dedicou-se ao exercício da advocacia.

Em 1861, foi nomeado lente substituto, lecionando, ao longo dos anos, Direito Romano, Teoria do Processo, Direito Eclesiás tico, Direito Civil e Economia Política. Em 1865 foi-lhe confiada a recém-criada cadeira de Ciência e Legislação Financeira, de que se tornou catedrático em 1868, publicando lições, de assina lável qualidade científica, que foram sucessivamente reeditadas e continuaram a ser adotadas pelos seus sucessores 16 .

Foi sócio efetivo do Instituto de Coimbra, de que foi presi dente interino. Votado a causas sociais, foi fundador do Montepio Conimbricense e diretor do Asilo da Infância Desvalida.

Dedicou os últimos anos da sua vida à redação da Notícia His tórica do Batalhão Académico de 1846-1847, que a doença não permitiu que concluísse.

4. Na presente edição, o lugar central é logicamente ocu pado pela Relação dos Voluntários do Batalhão Académico de 1846-1847, com dados biográficos, única parte da Notícia his tórica desse Batalhão que António Jardim conseguiu terminar. Relação que se complementa com novos aditamentos, além dos reunidos por António João Flores.

Precede-a uma desenvolvida notícia biográfica, da autoria do seu companheiro de lutas políticas, o jornalista e historiador

16 Sobre a qualidade científica das lições de Finanças de António Jardim, sucessivamente melhoradas, e das quais, “ainda em 1894, se reproduziam edições póstumas”, cf. Oliveira Salazar, “Doutor Marnoco e Sousa ‒ O Professor de Ciências Económicas”, no Boletim da Facul dade de Direito, vol. II, Coimbra, 1915, pág. 392.

INTRODUÇÃO 27
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Joaquim Martins de Carvalho, do qual também se publica uma nota sobre o Hino do Batalhão Académico (1846-1847), que, em nova versão (Hino Académico, 1853), seria consagrado como hino oficial da Universidade de Coimbra.

Da autoria de António João Flores, o responsável pela edição da obra de António Jardim, publica-se o artigo “Primeiro de Maio de 1847”, com desenvolvida descrição de todas as vicissitudes da campanha do Batalhão.

Seguem-se evocações biográficas de António Jardim, feitas pelo seu camarada do Batalhão, por Assis Teixeira, seu sucessor na regência da cadeira de Finanças, e pelo antigo aluno, Lomelino de Freitas.

O momento mais marcante da Guerra da Patuleia ‒ a Batalha de Torres Vedras, de 22 de dezembro de 1846 ‒ é narrado pelo membro do Batalhão, D. António da Costa de Sousa de Macedo, ao tempo em campo oposto do vencedor dessa batalha, o Duque de Saldanha, seu familiar (tio da mãe de D. António da Costa), extraído da biografia que lhe dedicou.

Em anexo, reproduz-se a correspondência trocada pelo então Visconde de Sá da Bandeira, comandante do Exército popular nas províncias do Sul, incluindo vários membros do Batalhão Aca démico, com os representantes das Potências estrangeiras cuja intervenção haveria de subjugar uma das mais populares revolu ções portuguesas: a Revolução da Patuleia.

mário araújo torres

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JOAQUIM MARTINS DE CARVALHO ANTÓNIO JARDIM *

I

Faleceu ontem [27 de fevereiro de 1888], depois do meio-dia, um filho benemérito de Coimbra, o nosso prezado amigo o Sr. Dr. António dos Santos Pereira Jardim, lente catedrático da Facul dade de Direito.

Quem quiser procurar o tipo do homem de bem, assim como daquele que tudo o que é o deve unicamente aos seus próprios esforços, achá-lo-á perfeitíssimo no falecido filho de Coimbra.

Nasceu o Sr. António Jardim no dia 25 de dezembro de 1821, e, sendo filho de pais de modesta fortuna, teve de entregar-se ao trabalho manual, porque não era possível a seus pais darem car reira literária a todos os filhos, pois que já o mais velho, o Sr. Manuel dos Santos Pereira Jardim, frequentara a Faculdade de Filosofia, em que veio a doutorar-se no dia 31 de julho de 1840.

Ainda depois do doutoramento do Sr. Manuel dos Santos, posteriormente Visconde de Montessão, continuou o Sr. António Jardim a trabalhar até ao ano de 1845, na Rua das Solas, na sua oficina de tanoeiro, enquanto o autor destas linhas trabalhava na Rua do Coruche, no seu ofício de funileiro.

Por essa época havia no Largo de Sansão, hoje 8 de Maio, ao cimo da Rua de Tingerodilhas [Rua da Louça], na loja onde agora está o estabelecimento de ferragens do Sr. José Fernandes Ferreira, um botequim, pertencente ao nosso falecido amigo, o Sr. António Joaquim de Figueiredo Serra.

* Publicado em O Conimbricense, n.ºs 4227, de 28/2/1888, 4228, de 3/3/1888, 4229, de 6/3/1888, 4230, de 10/3/1888, 4231, de 13/3/1888, 4232, de 17/3/1888, 4233, de 20/3/1888, 4235, de 27/3/1888, 4237, de 3/4/1888, e 4239, de 10/4/1888.

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