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autor: Filomena
Lima
edição: Edições Vírgula ® capa:
(Chancela Sítio do Livro)
Ângela Espinha Paulo Resende
paginação:
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1.ª edição Lisboa, janeiro, 2021 isbn:
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título: Marca
978‑989-8986-36-8 476831/20
depósito legal:
© Filomena Lima
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publicação e comercialização:
www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500
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Filomena Lima
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À memória do meu tio António e do meu pai, João Maria
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Agradecimentos
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Agradeço à minha mãe, Maria Margarida, à minha tia, Maria Victória, aos meus irmãos, Pedro, Francisca, Ana, Margarida, Francisco, António, Rita, Rosário, Nuno todo o apoio prestado. Agradeço ao meu primo António o encorajamento constante e a revisão da parte portuguesa do texto, e à sua irmã Inês a escuta atenta e crítica. Agradeço ao João António e à Madalena o cuidado que puseram na revisão do texto em inglês embora, em nome da poetic licence, eu tenha optado por deixar passar algumas incorreções gramaticais na versão final pelas quais nenhum deles é responsável.
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Marca
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Traço contigo em mim a marca cega: laden list, finger print, impressão digital, constituindo sinal fatídico, fatal, vintage, roubo, audácia, cisão e tal e coisa. Segue-se, então, todo o som contido que sobeja, denso, como fumo introvertido. Presto-me à controvérsia e não temo castigo não sendo este nunca pior nem maior do que a inércia. A lógica, também ela digital, irrompe incontida, pelos campos de Thomas.
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A besta
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a besta que há em mim tragou o sangue a besta que há em mim urrou de dor um corpo que foi dança, agora exangue e seio que foi fértil, em estertor a besta que há em mim ajoelhou lançou para trás o colo e os cabelos a besta que há em mim reencontrou-se firmou-se nos dois pés, nos tornozelos finos e, o corpo em arco, lançou-se adiante.
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Dinner Party
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Foi-se a crina de cavalo Foi-se a pata de hipogrifo E da garrafa o gargalo E da cabeça o postiço. Rimos de tudo e de nada O prato ficou vazio Instalámo-nos à mesa Provámos, quiçá, feitiço. Era o pobre e a princesa Era o jogral. Era o louco Dançámos, todos, a dança. Pagámos. Ficou o troco. Trocámos olhares, moeda A noite passou veloz A conversa rumou justa E fez jus a todos nós.
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Incorporando
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tudo e ainda este troço traço de propriedades eletroquímicas combustões e ligações sinápticas toques, deflagrações mais ou menos uma ficção útil aquele ritual mediante o qual celebrámos a raça aqueloutro em que o Murger sabia que o chacal sabia que o Murger sabia estando ambos contentes com isso sobra uma lucidez, mas é isso mesmo, uma sobra, qualquer coisa que ficou o ritmo, enquanto é tempo, ar dentro ar expelido. o rasgo, o vendaval e como nos aproximámos muito e nos afastámos olhar sendo eu tu, tu eu muito mais do que quereríamos neste fluir do corpo quando se ama uma vez ama-se a vida inteira por atacado quando se ama bem nunca mais esquece grava fundo hipocampos e amígdalas dá de sobra para os infernos regulares e previsíveis tal reservatório de resiliência num tempo sem qualquer referencial arbitrário.
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Fui procurar um amor
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fui procurar um amor pela banda mais errada ficou-me aquele amargor de uma que andou enganada. fui procurar um amor pela banda mais incerta ficou-me aquele amargor de uma que foi pouco esperta. fui procurar um amor pela banda tortuosa ficou-me aquele amargor de uma há mil anos formosa. procurei na roda errada dancei de escorreita a torta esgotei todos os cantares agora já pouco importa.
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Abrigo
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era rugosa a textura das dependências da casa dos ramos, bela a mistura, no campo que a circundava bravia, a erva, na terra que bebera o frio inverno num tempo, que era o meu tempo, mas parecia ser eterno.
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o teu sorriso trocista disse de mim: ‘camponesa.’ pois são campos onde vivo é a viva natureza. são campos, não é charneca curtida a poder de sol.
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vibra meu corpo, tal folhas, sacudidas pelo vento, enquanto ensaio os meus passos. enquanto espero o momento. os olhos traem cansaço, foi mais um inverno duro. do passado me despeço o meu presente é futuro
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do escuro que vai caindo pressinto o frio da noite. vem a tombar a geada. busco abrigo onde me acoite.
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Um
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Fora qual marca de sangue em seio magro demais não somos Deuses, mas Homens como Homens, somos mortais. fora tal selo sagrado em rosto gasto e exangue gelado, em dias fatais fora tal marca de sangue. fora sinal de denodo cobri cabelos com cinzas, as mãos, com manchas de lodo. a água era cristalina corria num jorrar certo tal figura feminina em céu de abril descoberto. de abril ou talvez de maio que meses são tal degraus, um dia leram-me a sina passei o rio nos vaus fora tal marca de sangue fora tal selo secreto fora enfeitada, menina pra cruzar o portal certo portal: havia luar negror, não havia algum. soubera de bem amar: uma que mal o sabia.
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Deflagração
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Meu corpo, invólucro senciente na iminência da implosão pulsa, entretanto, ritmada e paradoxalmente na cadência ardente do desejo, urgente, pelo teu. (Onde estás? És um ponto verde no telefone?) O teu pulsa, noutra cadência direcional, ai de mim, sincronicamente, por outrem. E como conciliar tanta chama introjetada da química implícita do amor, neste planeta onde nos têm, por assim dizê-lo, algemados, oprimindo-nos prestabilidades, corveias, obrigações e desempenhos por vínculos de afetação e o vil metal que trocamos, por nosso turno, por comodidades, vinil, etc. Fica este volumoso incómodo do corpo ardente não sendo sarça, vergado, em imaginação, ao ritmo stacatto do radical desejo arcaico e do desencontro, helàs. Falharam os encantamentos. Envergamos uniformes-fachada para sermos muito públicos, eficazes e quase inodoros. Os lábios entumecidos dos sucos do sexo. A língua em movimentos, sim, quase-répteis; o réptil encapsulado por alguns bons centímetros cúbicos da matéria cinzenta à frente que é nova, mas ainda assim nem sempre leva a melhor. Dói, e alegro-me, ritmadamente. Súbito, é como se este outono se abrisse para a primavera, agora que as árvores perdem o abundante folhedo. Arde a chama nos sítios onde quereria sentir teus lábios, o teu membro viril e empino o peito como imagino o empinas alegremente. Pousaria as palmas das minhas mãos no teu peito nu. Imagino o meu corpo arco submisso ao teu, sintonizados. Vem, rápido, eu ajusto-me, eu
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adequo-me, como qualquer verdade esquecida nesta era de iPads e trocas demasiado breves e da leveza luminosa do virtual que verga à castidade, neste outono em que os sulcos não confluem e em que o outro é uma fotografia digital num écran, um deslocamento de partículas.
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Poema
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colheste-me, gentilmente, como sopro, como espuma de onda sorvida pela areia. fui ninguém. Eu fui nenhuma. tive cauda de sereia. tive voz de adamastor. de repente o teu sussurro foi sangue e eu tive cor. bordaste-me o manto de oiro. calçaste-me de cetim. colheste-me, gentilmente, e então eu achei-me, enfim.
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O tecer da mortalha
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estou a pensar em descer por essa encosta da morte é esse o fim do viver de qualquer um sua sorte jazer calma e sossegada nesse catre derradeiro sem sopro e sem madrugada no sentido verdadeiro estou a pensar: mas sem pressa a prepara-me com tempo como quem leva farnel por precisar de alimento Uma descida ligeira deste carrego da vida e donde é essa a saída a saída é essa: a morte pode soar-te cruel pode soar-te tão forte o fim que não queiras pensar nele mas eu preparo a saída sem cena nem cortinado com a distância devida com o merecido cuidado cuidado de quem não teve talvez ao curar da vida quem sabe estarei a tempo de lhe ajustar a medida.
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Tisbe
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As levadas que eram dantes para regar campos de trigo foram-se como os instantes e hoje vai seco o rio. roda a roda destes tempos e giramos, tu e eu, neste tempo que é agora, que passado se perdeu. é um outono bem quente antes do inverno da vida não te firas, ó Romeu. a fera foi de fugida. e este véu, que é o meu está, como eu, imaculado embora eu tenha pecado há um Deus que está no Céu. as levadas que eram dantes quando havia lavadeiras já não correm nestes campos já não cantam as ceifeiras. canto eu este fado triste de um encontro que não foi, da vida que ainda brilha de ferida que já não dói. que não dói mas que doeu quando tu me rejeitaste: outro amor que feneceu no instante em que o negaste. 26
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