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FICHA TÉCNICA TÍTULO:
Um dia saberás o quanto te amo Grace Beatriz ® EDIÇÃO: Edições Vírgula (Chancela Sítio do Livro) AUTORA:
REVISÃO:
Liliana Simões Ângela Espinha PAGINAÇÃO: Alda Teixeira 1.a Edição Lisboa, agosto 2020 ISBN:
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CAPA:
978-989-8986-23-8 471103/20
DEPÓSITO LEGAL:
© GRACE BEATRIZ
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PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:
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À minha inesquecível amiga Mandy Smith;
Às pessoas que me criaram: Bia (a minha mãe), Beatriz e Joaquim (os meus avós);
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Ao Peter e ao Dave, que são a minha razão de ser.
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caminho da minha terra, olho pela janela do avião e vejo o mar imenso. O meu mar, que me faz mergulhar no passado e esquecer completamente o presente. É o mesmo mar que me separou da minha família quando eu tinha 18 anos de idade. A bordo do navio Alfredo da Silva, que levou duas longas semanas para chegar a Lisboa, tinha fitado esse meu mar azul e tomei assim consciência de que estava a deixar o país que me viu nascer e que não me soube amar. Estava a deixar o meu povo que tentei amar, mas que não me retribuiu. Estava também a deixar a minha família, que amei tanto, sem que esta me tenha devolvido esse amor. Prometi nunca mais voltar a Cabo Verde! O avião aterra no aeroporto de São Vicente, e, lá distante, vejo famílias a acenar para os passageiros que descem da aeronave, todos alegres, sorrindo e acenando de volta, enquanto eu sigo atrás deles, como se estivesse em estado de transe. Não tenho família nenhuma à minha espera. Aguardo a chegada da minha mala, que felizmente não demora muito, e apanho no exterior um táxi para me levar a casa.
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— Boa tarde — diz o taxista sorridente. Todos andam alegres por aqui, menos eu. — Teve boa viagem? — continua ele, puxando conversa. — Sim… — respondi, um pouco irritada. Não quero dizer mais nada. Não me apetece falar com ninguém. Olho à minha direita e vejo a Ribeira de Vinha, que está muito habitada agora. Logo a seguir, vejo as duas montanhas — o Tope de Caixa —, ali vivi os momentos mais felizes da minha vida, ali deixei tudo de mim: a minha infância, a minha alegria, o meu sorriso. Tudo ali ficou, e nunca mais regressei! A saudade aperta-me o coração e esmaga-o em mil pedaços quando passamos pelo Dji de Sal e avisto o cemitério, onde estão sepultados os meus queridos avós, Joaquim e Beatriz, que foram a minha inspiração. Sou interrompida pelo taxista que quer saber para onde desejo ir. — É mesmo atrás da Laginha, no prédio alto de catorze andares. Abro a porta do apartamento e deixo-me cair numa cadeira, com os olhos fechados, penso em como o meu mundo é tão diferente do dos outros. Em mim, há uma angústia constante que nem eu mesma compreendo. A chorar, tento telefonar à minha mãe para lhe dizer que já estou em Mindelo, mas, entre soluços sufocados, ela não conseguiu entender nada do que lhe disse. — Telefono-te logo à noite — remato e saio logo do apartamento para não ficar sozinha e angustiada. Apanho um táxi para o café Mindelo, talvez aí me alegre um pouco. Entro por uma das três portas que se encontram sempre abertas no café Mindelo. Olho para a esquerda, depois para a 8
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direita e, em frente a mim, vejo todos os olhos virados na minha direção. Não sei reagir por um instante, até que me sento num banco perto da entrada e procuro descontrair. — Boa tarde, em que posso ajudá-la? — pergunta uma empregada com um sorriso malfeito. — Um galão, uma garrafinha de água e um sorriso, se faz favor — retorno eu, com um sorriso nos lábios. Ao olhar sem querer para o lado, deparo-me com um rapaz bem vestido, de olhos verdes, moreno, a fitar-me, como se me conhecesse ou quisesse dizer-me alguma coisa. Sorrio-lhe e levo o copo com o café levemente à boca, mas não bebo porque ainda está quente. Espreito novamente para o seu lado, e ele ainda permanece a olhar para o meu. Tiro o meu telefone da bolsa, para ver se tenho alguma mensagem, e fico ali a brincar com este, dando uma olhadela pelo Facebook, para me divertir, mas sinceramente começo a ficar inquieta ao sentir os olhos do rapaz pousados em mim. Faço sinal à empregada que quero pagar e levanto-me. Ao caminhar em direção à caixa, despropositadamente, olho para o lado do rapaz e vejo todos os seus amigos a olharem para mim. Fico parada a olhar para o rapaz, sem saber o que se estava a passar comigo. A empregada entrega-me o talão, e eu, sem lhe dizer nada, saio pela mesma porta por onde tinha entrado uns minutos antes. É tão bom estar na minha terra, na minha cidade, com todas as condições para me sentir bem! Sonho sempre com a rua de Lisboa, que é a rua principal de Mindelo, onde a malta passeia
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e fica a olhar para os outros que passam por ali. É como um ponto de encontro! Curiosamente, a rua nunca mudou de estilo ao longo do tempo. Com exceção de algumas lojas chinesas que surgiram. O mais característico da rua são os homens que ficam de pé ao lado do café Royal, fitando as mulheres que passam e apreciando o corpo bem feito que a maioria tem. É interessante serem sempre os mesmos homens que ali estão de pé, fingindo conversar entre eles. Passo ainda pela rua de Lisboa para matar saudades e depois continuo o meu caminho habitual pela avenida Marginal, que vai desembocar na praia da Laginha. De repente, ouço a buzina de um carro ao meu lado. — Olá — uma voz masculina dirige-se a mim, e eu viro a cara para saber quem é. — Tu, outra vez? — digo baixinho, esboçando um sorriso ligeiro para o rapaz que já tinha visto no café Mindelo. Até parece que ele estava a seguir-me. — Quer uma boleia? — Não, obrigada — respondo, olhando para ele, enquanto este conduzia o carro devagarinho, como se andasse a pé ao meu lado. — Por acaso, moro aqui perto e gosto de fazer este passeio, se não estiver muito calor — continuo a conversa, procurando ser simpática para ele. — OK, então um bom passeio para si. Ah! A propósito, esqueci-me de me apresentar. O meu nome é José, mas sou mais conhecido por Zé. Faço um sorriso largo e respondo-lhe: — Prazer em tê-lo conhecido, Zé. O meu nome é Liza. 10
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— O prazer é todo meu em ter falado consigo, Liza, e gostaria de conversar consigo mais vezes. — Desejo-lhe uma boa tarde, Zé. Chego a casa e começo a arrumar as minhas roupas para depois ir a casa da minha mãe, que anda doente. A imagem do Zé persegue-me em todos os momentos, em cada passo que dou no apartamento que, com quatro quartos, uma vista desafogada e uma varanda, é mesmo uma maravilha. Sento-me na cama sem conseguir pensar ou concentrar-me naquilo que estava a fazer. Tenho de arrumar as minhas coisas porque aqui vou ficar três semanas de férias. O toque do meu telefone faz-me voltar à realidade. É o Piter, o meu marido, que quer saber se tudo vai bem. Fecho os olhos e digo para mim mesma: «Não, não vai nada bem…» Abro a torneira da banheira e deixo-a encher-se com água quente. Adoro isso: deitar-me na banheira e sonhar acordada com o que não pode vir a ser realidade. Novamente, o meu telefone toca, e, desta vez, é o meu pai, que quer saber como estou. Visto um vestido de verão, agarro a bolsa com prendas que trouxe para a minha mãe e desço as escadas do 13.o piso, sempre com a imagem do Zé na minha mente e relembrando as palavras dele: «Gostaria de a encontrar mais vezes.» Também eu, Zé, digo baixinho… A noite em Mindelo é muito sossegada, mesmo nos fins de semana, ainda mais para quem está de férias sozinha e sem amigos. Eu passo as noites a escrever, a ouvir música e a gozar da vista maravilhosa que o apartamento tem da varanda. No sábado, uma amiga convida-me para ir comer moreia frita no bar Caravelas, que fica perto do meu apartamento. Sentamo11
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-nos numa mesa que tem vista para a rua e pedimos dois gins tónicos e seis postas da moreia. — Não é muito, seis postas para nós as duas? — questiona a minha amiga, Elizabete, sorrindo. — Não — digo eu, decidida. Estava mesmo com vontade de comer peixe frito… Ela nem dá atenção ao que lhe digo porque olha para a porta de entrada atrás de mim. Instantaneamente, viro a cara para ver o que se passa ali e cruzo o meu olhar com o do Zé. É como se o meu coração tivesse parado e uma onda de emoções me atravessasse da cabeça até aos pés. — Boa noite — cumprimenta-nos ele. Então, Liza, estás a gostar das férias? — Sim… — respondo eu. Há um silêncio, e ele fica a olhar para mim. Para disfarçar o meu embaraço, apresento-lhe a minha amiga. — Eu já conhecia o Zé da televisão — esclarece a Elizabete, sorrindo para ele. Entretanto, alguém conhecido bate nas costas do Zé e começa uma conversa animada entre amigos. — Vocês conhecem-se há muito tempo? — quis saber a minha amiga. — Não, conhecemo-nos há uns dias no café Mindelo. — Ah! — murmura a minha amiga, um pouco incrédula. — É que vocês parecem ser amigos há muito tempo. Percebi que a Elizabete estava um pouco desconfiada quando ela me perguntou se ainda estava casada com o holandês. O ambiente torna-se pesado e só me apetece ir para o meu apartamento, sem sequer me despedir do Zé, que está muito divertido com amigos a beber cervejas. 12
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— As moreias estão uma delícia — comenta a minha amiga, talvez para quebrar o silêncio. — O gin também sabe muito bem. — O teu copo já está quase vazio… — Não te preocupes, vou pedir mais um. Comemos, bebemos e a conversa está animada, mesmo sentindo os olhos do gajo em mim. — O Zé parece estar apaixonado por ti — comenta a minha amiga, muito interessada na minha vida amorosa. — Eu não o conheço, sinceramente. Mas já sabes como são os homens. E tu, querida? Conta-me lá da tua vida amorosa! Ela nunca fala sobre as suas relações amorosas desde que se divorciou do marido. — Bem — digo eu, tirando a minha carteira —, quero ir para casa porque já se faz tarde. — OK. Dou-te boleia e depois vou também para a minha. Levantamo-nos, e vejo o Zé lá atrás, entretido a conversar com amigos. Encaminhamo-nos na direção da porta, quando ouço o meu nome, volto a cara e dou com o rosto dele tão perto do meu que quase sinto o seu corpo quente bater no meu. — Então, vais sair novamente sem te despedires de mim? Dou um passo para trás porque me dá a impressão que ele vai-me beijar em frente a toda a gente. — Gostaria de falar contigo, Liza. Onde é que moras? Queria estar contigo para conversarmos e bebermos um vinho… Não o deixo terminar a frase e digo: — Beber vinho? Eu já estou bêbeda com dois copos de gin tónico. — Então, posso acompanhar-te a casa? 13
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— Também não porque estou com a minha amiga. Ele dá-me o seu cartão de visita, pedindo por favor para lhe telefonar. Chego a casa e só tenho vontade de dormir sem pensar no Zé, nos olhos dele, no corpo musculado que quase tocou no meu. Deito-me na cama, ainda vestida com a roupa que trazia, e ponho a tocar a música do Gareth Gates. Esta fazia-me entrar no mundo do Zé, sem mesmo ainda ter falado muito com ele. Tenho vontade de estar com ele, ouvir a sua voz sensual nos meus ouvidos, olhar nos seus olhos cheios de amor por mim. Sinto que o Zé está apaixonado por mim e isso faz que também sinta algo por ele, embora tente evitar manifestar, pensando nas consequências. Dois dias depois do nosso encontro no Caravelas, encontro-me com ele novamente no café Mindelo. Duvido que ele esteja a passar na rua por acaso. Ao ver-me ali sentada a beber um café, perguntou-me: — Posso sentar-me ao teu lado? — Como é que estás, Zé? — Vou andando — diz-me ele, sorrindo. — Fala um pouco de ti, Liza. Gostaria de te conhecer melhor. Vieste sozinha de férias? És casada, tens filhos? Qual é o país em que vives? — Tu queres saber muito de mim — respondo a rir e depois faço uma pausa para começar a responder às perguntas dele. — Sim, vim sozinha de férias porque a minha mãe está doente. Sou casada e não tenho filhos. O Zé fica calado e a brincar com as chaves do seu carro, um pouco embaraçado. Talvez por eu ter dito que sou casada…
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Depois, olha para mim com um ar sério, e também eu olho para ele sem dizer nada. Subitamente, é ele que interrompe o silêncio. — Estou apaixonado por ti, Liza! Olho para o lado oposto e penso na minha vida na Holanda. Nos problemas com o meu marido, que anda estranho comigo há uns meses. Quase não me toca, apesar de dormirmos juntos todas as noites. Chega tarde a casa, fica na sala a ver televisão até madrugada e depois deita-se ao meu lado sem dizer nada. De manhã, levanto-me cedo, preparo o pequeno-almoço e saio para o meu trabalho. Estou tão imersa nos meus pensamentos que as lágrimas vêm-me aos olhos sem querer. Não sei quanto tempo é que ele esteve assim a observar-me, mas, de repente, sinto as suas mãos sobre as minhas e volto à realidade. O Zé olha para os meus olhos, cheios de lágrimas, e murmura: — Querida, estás triste? — Queria-te contar um pouco da minha vida privada, mas não consegui — vejo que ele faz sinal à empregada para pagar e olha para mim como se quisesse abraçar-me para me consolar. — Vamos? — pergunto eu. — Sim, vou pagar e vamos andando um pouco para falarmos melhor. O Zé levanta-se devagarinho, como se estivesse compenetrado nos seus pensamentos, e leva as mãos aos bolsos, de onde tira um cigarro e, enquanto espera pelo troco, fica a brincar com ele antes de acendê-lo. Eu já estou à espera na rua quando o Zé chega e faz um gesto para me abraçar, mas retira depressa 15
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os braços de mim, talvez com medo de alguém o ver abraçado a outra mulher que não a sua. Calados, caminhámos lado a lado, mas bem pertinho um do outro. De repente, ele olha para o relógio e afirma: — O meu carro está ali estacionado. Queres ir dar uma volta para descontraíres um pouco? Eu paro e olho para ele um pouco desconfiada. — Liza, quero que saibas que nada acontecerá entre nós, se tu não estiveres de acordo. Ele conduz lentamente, e, por um instante, eu penso que me está a levar para São Pedro, mas subitamente ele muda de rumo à direita, para a rua que dá para o Nazarete. Passamos pela estrada onde há muitas moradias novas já habitadas e muitas ainda em construção e chegamos, finalmente, ao último ponto do Nazarete, onde se vê o mar lá em baixo muito agitado. O ruído leva-me a mergulhar novamente nos meus pensamentos. O mar realmente deve guardar muitos segredos. Faz vento ali, e o Zé agarra-me contra ele, como se me quisesse proteger e afastar-me de tudo e de todos. Estamos completamente sozinhos, e o som do mar e do vento leva-nos a momentos amorosos. Acontece o que eu já temia. Beijamo-nos com tanta fúria que pensei que ele me mordeu os lábios. — Para, Zé! Entreolhamo-nos ainda com desejo de nos beijarmos, e eu ouço aquelas palavrinhas que gosto de ouvir: — Amo-te, Liza. O que vais fazer à noite? — pergunta-me o Zé, com uma mão a conduzir o carro e outra em cima da minha perna.
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— Eu não vou fazer nada especial. Vou refletir um pouco e ouvir as minhas músicas. — Então, queres ir jantar comigo, querida? Faço um sorriso para ele. — Bem, se souberes de um bom restaurante aqui em Mindelo, pago eu o jantar. — OK, a que horas podemos combinar? — Às vinte horas, pode ser? — Está bem. Onde é que nos encontramos? — À porta do meu apartamento… Às cinco para as vinte já eu estou à espera no corredor do apartamento. Quinze minutos após a hora marcada, o Zé nem sequer tinha enviado uma mensagem. Começo a ficar triste e dececionada, mesmo sabendo que isso é normal para os cabo-verdianos. Chegam sempre atrasados, e eu não estou acostumada. Estou irritada e volto ao elevador com lágrimas nos olhos porque já passaram trinta minutos após a hora marcada. À espera do elevador, olho para a rua, na esperança de ver o carro dele. Quero entrar no elevador para regressar ao meu apartamento, quando vejo o Zé a sair do seu carro, encaminhando-se para a porta do apartamento. Típico cabo-verdiano! O Zé está todo descontraído como se nada se tivesse passado, e eu à espera dele há mais de meia hora. Olho para ele com aquele jeito solitário, os seus olhos apaixonados retribuem o olhar, e eu senti-me também descontraída. — Desculpa, querida, tive um atraso em casa… — E não pudeste sequer enviar uma mensagem? — acrescento eu, sorrindo.
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— Vamos, Liza! Vou-te dar uma noite maravilhosa. Tu vais conhecer agora um dos melhores restaurantes de São Vicente, que fica entre a Baía das Gatas e o Monte Verde. Pedi para nos fazerem um bom polvo grelhado, gostas? — Adoro — digo eu, continuando a sorrir. Já estou envolvida no jogo e agora não sei como sair desta aventura. Se for só o jantar não faz mal, o pior é que não sei o que poderá acontecer depois. — Estamos quase a chegar, querida, estás tão calada… Vais gostar, prometo. Entramos num restaurante fino, mas quase vazio. Só há mais um casal e pelos vistos está quase a sair. — Queres vinho branco ou tinto? — Prefiro branco, combina bem com o polvo, não é? Pedimos uma garrafa de vinho do Fogo. — Ótimo — digo eu, olhando para o Zé, que não tira os olhos de mim, e isso causa-me um pouco de desconforto. Não estou acostumada a que os homens se apaixonem por mim tão depressa. Com o Piter fui eu que o conquistei, e levou muito tempo até ele me dar atenção ou mostrar-se apaixonado por mim. Digo mostrar apaixonado, porque ele nunca me disse que me ama. Já o David dizia que me amava, mas não tão exageradamente como o Zé. — Vamos começar com o nosso polvinho? Queres mais um vinho, querida? — O vinho é mesmo bom — afirmo, mas não quero ficar embriagada. Olho para o meu relógio, vejo que já são quase onze horas e digo ao Zé para irmos descendo. 18
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— Então, gostaste do jantar, querida? — interroga ele, enquanto se debruça sobre mim, ajudando-me a ajustar o cinto de segurança. Sinto o seu corpo em cima de mim. Depois beija-me, procurando beijar também os meus seios. — Para, para, Zé. Exalo um suspiro fundo e ponho-me a brincar com os meus cabelos. Ele retoma o seu lugar atrás do volante e durante toda a viagem quase que não conversamos. Apetece-me dizer algo para romper o silêncio, mas não sei o que dizer, pois não quero que se zangue novamente. Chegamos à porta do meu apartamento, ele para o carro e olha para mim sem dizer nada. O silêncio afeta-me e resolvo falar: — Preferia nunca te ter conhecido, Zé! Não foi minha intenção magoá-lo, mas as palavras saem instantaneamente do meu coração porque é o que sinto nesse momento. Confesso que é a primeira vez que me sinto confusa e dividida entre dois homens. O Piter é e será sempre o meu grande amor, o meu porto seguro. O que sinto pelo Zé, não sei. Estou sozinha na ilha onde eu nasci, mas onde praticamente já não conheço ninguém. O Zé fica a refletir um pouco, passando as mãos pelo cabelo curto, e olha para mim com aqueles olhos verdes lindos. — O que é que te fiz de mal, Liza? Estou a morrer de amor por ti, mas nada acontecerá entre nós sem o teu consentimento. Abro a porta do carro para sair, e ele faz o mesmo, mantendo a porta aberta e encostando-se nela. Chego perto dele e digo-lhe: — Até amanhã.
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— Vou contigo até lá cima à tua porta e depois desço. Não te deixo ir sozinha no elevador. Está no ar, sinto que algo vai acontecer entre nós. — Entremos no elevador, senhoras primeiro — diz ele. O elevador é tão pequeno que só há lugar para duas pessoas. Neste caso, como fui a primeira a entrar, olho para o espelho em frente a mim e vejo o Zé a mexer os seus lábios sem falar. Eu entendo «amo-te» e volto a cara para ele com os meus olhos sedutores. Ele não se contém, apesar da promessa que me tinha feito. Foi um beijo inesperado e intenso que me fez sentir quase a desmaiar. O elevador parou e saímos no 13.o andar. Ainda com a cabeça tonta, tento encontrar as chaves da porta na minha bolsa. O Zé segura-me com muito carinho, abro a porta, e ele entra comigo sem dizer nada, porque não tínhamos assim combinado. — Tu tens aqui uma excelente vista para o mar, querida. Abro todas as portas da varanda e ficamos ali de pé, ouvindo o barulho do mar e a aproveitar a serenidade da noite. O Zé agarra-me e beija-me o pescoço e as orelhas, tentando chegar aos meus seios. Desprendo-me dele com a desculpa que ia pôr uma música a tocar. Ponho a música do Gareth Gates, mas o Zé fica na varanda, a olhar para o mar. Chego ao pé dele e abraço-o, murmurando-lhe ao ouvido que quero dançar com ele. — Se não gostas de mim, diz-me que eu vou-me embora — diz ele em português com sotaque transmontano. Eu ainda não o tinha ouvido falar português porque falamos sempre o crioulo de São Vicente, visto estarmos cá na ilha. Talvez ele esteja zangado e fale a língua que aprendeu com o pai,
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que é de Trás-os-Montes. Não sabendo o que fazer, enfrento o silêncio, falando para mim mesma. — Eu gosto da tua companhia, mas estou confusa… Preciso de ti, Zé — deixo escapar da minha boca. Olhamos um para o outro e abraçamo-nos, entrando na sala onde se ouve a voz do Gareth Gates, e a letra é mesmo apropriada para nós: «Oh, my love, my darling, I’ve hunger of your touch.» Dançamos com os nossos corpos coladinhos, murmurando palavras de amor ao ouvido. Sinto-me hirta sem me poder mexer de tanta emoção. Com o seu corpo entrelaçado no meu, e com a música do Gareth Gates em repetição, esquecemos tudo e todos. — Querida, o amor não é para compreender, apenas se deve ao «deixar acontecer». Amo-te, Liza! Durante os anos que estou casada com o Piter, quase que nunca o ouvi dizer «amo-te, querida». Várias vezes já lhe perguntei se ele realmente me ama, e a resposta é sempre a mesma: «Achas que se eu não te amasse casava contigo e estávamos juntos este tempo todo?» Ao longo dos anos, aceitei isso porque nem todos os homens são iguais, mas às vezes sinto mesmo falta de ouvir essas palavrinhas que o Zé me murmura ao ouvido, tão suave, tão bom, é mais do que uma palavra, é um sentimento. Não consigo dormir depois do Zé ter ido para casa. Turbilhões de pensamentos passam pela minha mente e tenho medo! Medo de perder o meu marido. Sinto-me culpada e isso destrói-me por dentro. Levanto-me às seis horas de manhã, abro a porta da minha varanda e medito, contemplando o mar azul. Lá ao longe, vejo 21
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