PEQUENAS HISTÓRIAS
JOANA CHAVES
FICHA TÉCNICA
título: Pequenas Histórias
autora: Joana Chaves
edição: Edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro)
capa: Ângela Espinha
paginação: Alda Teixeira
1.ª Edição
Lisboa, julho 2023
isbn: 978-989-8986-74-0
depósito legal: 517298/23
© Joana Chaves
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Para um futuro escrito por mim
Ele não era excecional. Na realidade, estava orgulhoso de ser completamente banal.
Acordava às sete horas todas as manhãs e vestia o fato mais aborrecido que encontrava no roupeiro. Comia os mesmos ovos mexidos de pequeno-almoço, acompanhados de uma forte chávena de chá. Calçava um par de sapatos pretos e punha o seu chapéu usual, e saía de casa. Depois verias a porta da frente abrir um pouco e a sua mão a entrar timidamente, pegando no velho casaco de inverno castanho de que se tinha esquecido. Era nessa altura que finalmente entrava no seu carro (o qual tinha há relativamente dez anos por essa altura) e se dirigia para o banco onde trabalhava.
Como se pode ver, não havia nada nele que pudesse alguma vez ser chamado de extraordinário. Na realidade, tudo na sua vida era completamente banal.
Exceto o velho casaco castanho, obviamente.
Ao contrário do seu dono, nada no velho casaco castanho poderia alguma vez ser chamado de algo tão bárbaro como banal. Pelo menos para aqueles de nós letrados em Artes como esta. E somos bastantes mais do que se pode pensar.
Mas de volta ao casaco, deves estar a perguntar o que torna o velho casaco de inverno tão especial. Bem, comecemos, obviamente, pelo início…
O casaco tinha sido dado ao seu atual dono pelo seu pai, que o tinha recebido do seu pai, que por sua vez o tinha conseguido através do seu pai, e assim em diante até chegarmos ao século XVII quando este foi feito por um qualquer alfaiate holandês da época. O alfaiate vendeu-o depois a um homem rico no inverno frio de 1632. Um homem cujo nome era Willem Van Wit, membro de uma antiga e rica família aristocrata.
Ele não sabia naquela altura (nem nunca viria a saber), mas o casaco de inverno que tinha acabado de comprar era muito mais que uma proteção elegante do frio. Na verdade, mesmo que o casaco tivesse sido costurado umas semanas antes, era até bem mais antigo que a família do seu novo dono.
Sei que soa ridículo se não fores um de nós, mas vou tentar simplificar.
Vejamos, o casaco era feito de um tecido especial. Não era exatamente cabedal e pelo como o alfaiate o tinha vendido. Não, este casaco era feito do mesmo tecido que o próprio Universo. Com ele na sua posse, podia-se ter acesso à essência do Universo. E com o conhecimento e técnicas certos, até mesmo controlá-lo. Por isso acredito que entendas o quão importante era possuir este casaco.
O Sr. Van Wit não sabia disso. Mas havia alguém que sabia.
PEQUENAS HISTÓRIAS
Henry Smith era um inglês licenciado em Direito e nas Artes Soberanas do Universo. Procurava o tecido há anos. Ao ouvir o primeiro sussurro em relação ao casaco, preparou uma mala e entrou num barco rumo à República Holandesa.
Ficou nas sombras, sem desperdiçar tempo com diversão ou simpatia. Dessa forma não demorou muito a encontrar a casa onde viviam os Van Wit. Entrou uma noite, na escuridão, quando estavam já todos a dormir pacificamente nas suas camas. Na manhã seguinte, quando o Sr. Van Wit saiu para trabalhar, o seu novo casaco de inverno não estava no guarda-roupa do hall de entrada onde o tinha deixado. Ficou surpreendido ao saber que tinha sido assaltado na noite anterior. Surpreendido que o assaltante tinha sido capaz de entrar em sua casa como se não houvesse guardas à porta, e que ninguém se tinha apercebido. Mas ainda mais surpreendido ao saber que a única coisa que tinha sido roubada, numa mansão cheia de importantes e antiquíssimos artefactos, era um casaco de inverno castanho.
Eventualmente, ele esqueceu-se de tudo. Comprou um novo casaco e continuou com a sua vida.
Mas o Sr. Smith, esse, guardou o casaco na sua mente e na sua vida enquanto esteve vivo. E para ter a certeza de que este não cairia nas mãos de gente não confiável, passou-o para o seu filho mais velho, que tinha sido seu aprendiz nas Artes do Universo e que mais tarde deu o casaco ao seu filho mais Preview
velho e daí em diante até este chegar às mãos de um simples homem do século XXI com o nome de Anthony Smith.
Lembram-se do homem completamente banal do início da história? Bem, é ele, obviamente.
Era a última pessoa da qual se esperava ter algo tão importante como o Casaco em sua posse. E a última que ele esperava também.
Vejamos, as Artes do Universo tinham-se perdido nas gerações antes dele. Por isso estava tanto na ignorância como Willem Van Wit, naquele momento.
Mas, tal como na história de há séculos atrás, havia alguém que não estava.
Quando Anthony entrou em sua casa, às sete e meia em ponto, e pendurou o seu casaco de inverno castanho, não reparou no homem que estava lá fora. Ele não era seu vizinho. Na realidade, o homem nunca sequer tinha estado naquele bairro antes. Ou naquela cidade, mesmo.
Parecia tipicamente estrangeiro; alto, loiro, brilhantes olhos azuis. Não é que outras pessoas com aqueles traços físicos nunca tivessem sido vistas naquele sítio, obviamente. Mas ele simplesmente parecia ter vindo de longe.
E tinha, de facto, vindo de longe. Era de uma pequena vila no sítio a que nós hoje chamamos de Países Baixos.
O seu nome era Albert. Albert Van Wit. E vinha para recuperar a herança da sua família.
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