44ª Divulga Escritor: Revista Literária da Lusofonia

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DIVULGA ESCRITOR DIVULGA ESCRITOR

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL COM A ESCRITORA ROSA MARIA SANTOS

Esse mald

Todo o planeta passa por um momento difícil, diria, um terrível pesadelo. Paira no ar uma ameaça que atinge todos os habitantes da terra. Um vírus estranho – ou não tanto - veio assombrar o nosso quotidiano. Ninguém está imune, ataca todos nós sem piedade, sem escolher extrato social: rico, pobre, sem abrigo, idoso, jovem, criança, todos estão sujeitos a tamanho flagelo. Não tinha o costumo de espreitar pela janela, nem tempo e nem vontade, essa era a verdade. Hoje, dou comigo a espreitar a toda a hora, tentando olhar os vizinhos dos prédios circundantes, à janela como eu, olhando ao redor o deserto em que se transformara a nossa cidade. Abrem os estores, olham para um lado e para o outro e, circunspetos, voltam para dentro. Confinados em casa, proibidos de sair à rua. Tempo para refletir sobre a nossa parca existência. Tudo o mais, o que antes era importante, parou no tempo.

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Forma estranha de encarar a vida, mas é a realidade, já lá vão dois meses. No alvor do ano de 2020, nunca me passara pela cabeça (será que passou pela cabeça de alguém?) que nos meses seguintes teríamos que passar por tamanha provação. Cada um, levava os seus dias como podia, com mais ou menos preocupações. Era um bom dia aqui, outro acolá, um sorriso, um olhar, e o tempo corria despreocupado, sem tremores no coração. De repente, a cortesia de faça o favor de passar, deixou de existir, simplesmente, não nos cruzamos. Hoje, parecemos estranhos, mesmo para os mais chegados. Se nos aproximamos esporadicamente, afastamo-nos. Cumprimentos com toque, nem pensar, é proibido. Desconfiamos de tudo e de todos. Os abraços deixaram de fazer parte do nosso quotidiano. O beijo de amizade, um anátema, perigo eminente, para quem o dá e para quem o recebe. E as mãos? Agora, como doidinhos, passando-as por água com sabão ou

www.divulgaescritor.com | junhol | 2020

gel, como se estivessem sempre infetadas. Até de nós desconfiamos. Mundo estranho este! Tudo ao redor não passa dum valente tombo, do qual não sabemos como nos levantar. Damos um espirro, tossimos casualmente e logo os olhos ao redor se viram para nós, como na presença de um inimigo, um vírus contagioso. Quem sabe, se calhar, têm razão! Uma ida ao supermercado, em busca de bens essenciais, é agora uma arriscada aventura. Tudo tem que ser planeado com rigor. O uso de máscara, como se no meio de um assalto, é agora obrigatório. Entrecruzam-se entreolhares, vigiando, medindo as distâncias, como num antro de guerra química. A boca e os olhos, protegidos agora por essa burca estranha. As mãos, protegidas por luvas de latex, como se tomadas pela lepra. Momentos de stress, as idas a uma superfície comercial. Um cansaço estranho percorre o nosso corpo… e apetece regressar bem depressa para casa.


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