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Ano Novo, o renovar da Esperança

Era a véspera do Ano Novo e a mãe andava atarefada na cozinha, a preparar a ceia, com todos aqueles doces tradicionais de que tanto gostava. Como sempre, nada podia faltar à mesa naquele dia. Seria importante que nada viesse perturbá-lo, doutro modo, quando os filhos e outros familiares começassem a chegar das suas tarefas, não ia ser lá muito agradável não estar disponível para lhes dar atenção.

Mariana era ainda uma mulher jovem, com os seus trinta anos. Apesar disso, tinha já no seu rol cinco filhos. Por isso, tinha de cuidar dos trabalhos domésticos, enquanto o marido se encarregava de providenciar o sustento para o lar. E a sua tarefa no lar não era fácil. Educar, ensinar boas maneiras, cuidar da casa cozinhar, tratar das roupas dos filhos e do marido, além das suas, enfim, uma panóplia de trabalhos que pareciam nunca chegar ao fim.

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Manuel, o seu marido, era funcionário público, e esforçava-se no seu trabalho o quanto podia para trazer o dinheiro suficiente para sustento do lar. Para isso, tinha que recorrer tantas vezes a trabalho extraordinário que sempre lhe proporcionava mais algum rendimento.

Ano após ano, nestas ocasiões de festa, Natal e Ano Novo, ela esforçava-se para que à hora certa não faltassem as batatas com bacalhau e todas as doçarias tão enraizadas nas tradições da família. Enquanto se mantinha ocupada no seu recato a prepará-las, os filhos entretinham-se a decorar a seu gosto paredes e a mesa. É certo que já não havia aquela azáfama de partir pinhões e avelãs, os tempos são outros, e por isso, entretinham-se a ver um ou outro filme da televisão ou mesmo do clube de vídeo, a ver passar as horas até que chegasse a hora da ceia. Às vezes, lá ouviam o apelo da mãe:

- Guida, minha princesinha, Vem-me ajudar, por favor, Traz-me aquela colherinha Da gaveta, meu amor.

Portem-se bem, meus filhinhos, Tenho muito que fazer Vejam filmes caladinhos E eu preparo o comer.

Obrigado, filha minha, Põe um olho no menino, E vais ver se a avozinha Está bem no seu cantinho.

No fim do ano, é assim, Sente mais a nostalgia, Vai à varanda, ao jardim, Como em busca de alegria.

Recorda os ente-queridos Que não estão entre nós E os tempos esquecidos Vividos com seus avós.

Guidinha era a mais velha dos cinco irmãos, tinha agora dez anos de idade. Tarefas cumpridas, regressou à sala para ter mão nos irrequietos manos que encontra muito compenetrados a assistir a um filme que o pai tinha alugado no cineclube para esse dia. Aconchegou-se como pode naquela amalgama de gente, bem ao lado das irmãs, sentadas no tapete fofo estendido junto ao sofá. Julinho, o irmão mais novo, esse dormia regalado no seu berço. Marquito, Luluzinha e Mariazinha, de olhos bem arregalados, não desviavam a atenção do enorme ecrã de cores vivas cheio de magia. Foi então que viram surgir aquele simpático velhinho de barbas brancas, muito mal agasalhado e descalço, que estava sentado numa velha poltrona desconchavada ali, junto da porta da rua, numa casa muito velha e meio desbaratada pelo tempo.

Guidinha aproximou-se do pequeno ecrã a fim de melhor apreciar aquele simpático personagem, como se quisesse tocá-lo. Este parecia lamentar a sua sorte. Afinal, tinha a consciência que faltavam poucas horas para o fim do seu reinado de doze longos e penosos meses, cinquenta e duas semanas de azáfama, trezentos e sessenta e cinco dias de labuta durante vinte e quatro horas ininterruptas em cada um deles. Quantos minutos, milhões de segundos. Ufff, o fim aproximava-se. Não sabia se estava triste porque o fim se aproximava, se estava feliz porque o martírio estava prestes a terminar. Ele sabia que ao fim e ao cabo, sempre houve momentos menos atribulados, quiçá, de alegria. Mas no conjunto… um pesadelo. Guidinha olhava com vontade de conversar:

Guidinha se aproximou

Foi um momento mágico, o tempo parecia ter parado. Naquele momento, toda a sala se transformou. Os olhares das crianças entrecruzavam-se com espanto. O velhinho olhou bem no fundo de seus olhos e disse:

- Sentem-se de novo no tapete. Vou contar-vos uma história. Sempre que chega um novo ano, toda a gente se enche dum entusiasmo desmesurado, as pessoas fazem projetos, esperam um ano pleno de saúde, de prosperidade, e sonham, sonham! Parece entrarem num conto de fadas. Mas com o passar do tempo, o ano não vai ser diferente dos demais, porventura, será pior que o anterior.

- Psiiiuuuu, olá, meu velhinho, Porque te sentes aflito?

- É tão manso, coitadinhoRespondia-lhe o Marquito.

O nosso velho, admirado, Sem saber quem lhe falava, Olhava para todo o lado E a cabeça coçava.

- Estou mesmo a ficar senil, Já começo a ouvir coisas!E olhava o céu de anil Entre essas coisas e loisas.

E no grande ecrã bateu. O velhinho ouviu, olhou, Logo que se apercebeu.

- Olá, vens falar comigo?

Oh, são tantas as crianças!

- Queremos estar contigo

E encher-te de esperanças.

E nessa televisão

Logo se abre uma portinha

O velhinho estende a mão

E salta para a salinha

Os meninos, encantados, Sem saberem que dizer, Olhavam embasbacados Quando o viram aparecer.

- Como te chamas, velhinho? De onde vens? Tens filhos? E netinhos? Sabes que és muito parecido com o meu avozinho! Se calhar até o conheces! A minha mãe diz que ele partiu foi fazer uma viagem e que vai demorar muitos anos para voltar! Eu acho que ele jamais vai voltar! Ele estava muito esquecido, perdia-se com facilidade! Se calhar foi a algum lado e não sabe voltar para casa! Diz-me será que o viste por aí, por onde andaste?

- Tem calma, menino, uma pergunta de cada vez! – clamou o velhinho.

- Marquito, acalma-te, miúdo – interrompeu Guidinha - dá tempo ao nosso velhinho. – e virando-se para o ancião dos dias :

- Não o leves a mal, o Marquito é muito curioso. A mãezinha bem lhe diz que seja mais calmo,

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