Outubro| 2014 Nº 04 | Gratuito
João Nepomuceno Maluco Beleza Escadaria Selaron no Rio de Janeiro João Pires, um artesão da música em língua portuguesa Allex Miranda, um ator que chegou ao seu Porto seguro
Azulejos:
um mar azul de arte que atravessou o Atlântico
Editorial Azulejos: um mar azul de arte que atravessa o Atlântico . Os azulejos são uma forma de arte que chama por nós, que apela aos nossos sentidos mais profundos. Pela sua graciosidade e beleza eles fazem parte da nossa paisagem visual – e, nesta edição de Outubro da revista Sotaques, quisemos viajar por esse mar azul de arte que atravessa o Atlântico e une portugueses e brasileiros. A origem árabe dos azulejos é o princípio de uma longa história de paixão pela azulejaria. Foi o rei D. Manuel que, seduzido pelos belíssimos interiores das casas mouriscas de Espanha, decidiu importá-los para a sua residência oficial no Palácio de Sintra. O século XVI, com a explosão artística do Renascimento, foi uma idade de ouro do azulejo. Da importação passou-se à produção nacional de azulejos, dos motivos árabes transitou-se para uma estética católica, que reproduzia os valores religiosos do catolicismo, com extraordinárias
imagens de santos, de milagres, de episódios bíblicos. A ida dos azulejos para o Brasil foi um acontecimento. Esta nobre arte ganhou novas vidas e cores em terras de Veracruz, e a Indústria brasileira de azulejos floresceu, criando belíssimos trabalhos de artistas como Portinari. Hoje podemos dizer que esse imenso mar azul de arte atravessou o Atlântico. Juntou portugueses e brasileiros, seduziu reis, inspirou artistas, pintores, designers, tornou-se uma arte de futuro. Recordemos esta bela história de amor entre dois povos por esta arte tão singular. Esta é a proposta que deixámos aos nossos leitores neste melancólico mês de Outubro – observemos um belo azulejo, na cidade, vila ou aldeia onde vivemos, e deixemo-nos embalar pelo sonho de uma arte infinita. António Bernardini
Editor: António Bernardini Diretores: Rui Marques e António Bernardini Colaboradores Portugal - Rui Marques , Arlequim Bernardini , António Granja , Fátima Gonçalves ,Gonçalves Guerra ,António Santos, Joana Gouveia , João Nepomuceno , João Castro Brasil - Paulo César , Hernany Fedasi, Águeda Maria da Silva Cardoso Pereira
Revista Sotaques Brasil Portugal Tel. 351 917 852 955 - 351 916622513 antonio.sotaques@gmail.com - rui.sotaques@gmail.com www.sotaques.pt - www.facebook.com/sotaques
Índice 06 Mosteiro dos Jerónimos, alma de Portugal 14 Coladera, o projecto que cola o Brasil, Portugal e África 20 João Nepomuceno - Maluco Beleza 24 O Azulejo em Portugal 38 Azulejos no Brasil 46 Escadaria Selaron no Rio de Janeiro 50 Onde Ficar People Hostel 54 Os Lusíadas, um livro onde se lê Portugal 58 Allex Miranda, um ator que chegou ao seu Porto seguro 64 Ser Feliz dá trabalho... 66 João Pires, um artesão da música em língua portuguesa 72 O Brasileiro: um restaurante que serve o melhor do Brasil e de Portugal 76 Museu dos coches 82 O Círio de Nazaré 88 Ilha dos Amores
Arquitetura
Mosteiro dos Jer贸nimos, alma de Portugal 4
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Arquitetura
Mosteiro dos Jerónimos Visitar o Mosteiro dos Jerónimos é fazer uma viagem aos momentos mais gloriosos da história de Portugal. Este imponente monumento, situado em Belém, esconde no seu interior alguns dos tesouros mais preciosos da Nação lusitana. Construído no século XVI, durante o reinado de D. Manuel, o Mosteiro dos Jerónimos foi edificado para homenagear a descoberta do caminho marítimo para a Índia. Seria aumentado e concluído no reinado de D. João III. D. Manuel, um rei que deixou o seu nome indelevelmente ligado à epopeia marítima portuguesa, tinha solicitado à Santa Sé a autorização para erigir um grande monumento em Lisboa. Em 1501, iniciaram-se as obras do Mosteiro, que apenas ficariam definitivamente finalizadas um século depois. A obra era dedicada à Virgem de Belém e exibia um calcário de lioz e uma fachada de linhas horizontais de mais de 300 metros. Era inevitável reparar na sua imponência numa Lisboa que ainda não tinha a grandeza monumental que decorreria da reorganização da cidade, motivada pelo grande terremoto de 1755. Os custos eram muito onerosos, e o monarca não teve outra opção senão aplicar os dinheiros da chamada “ Vintena da pimenta”. Ou seja: cinco por cento das receitas provenientes do comércio com a África e o Oriente eram utilizadas no financiamento do Mosteiro. Texto João Castro
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Na construção do monumento participaram mestres como Diogo de Boitaca (1460-1528), João de Castilho (1475-1552), Diogo de Torralva ( 1500-1566), Jerónimo de Ruão (1530-1601). Jóia máxima da arquitectura manuelina, que se caracterizava pela valorização dos motivos e símbolos marítimos, religiosos e naturalistas e por um estilo sumptuoso, o edifício integra elementos do gótico final e do renascimento. Ficaram a viver nele os monges da Ordem de São Jerónimo – que tinham como principais funções rezar pela alma do rei e prestar assistência espiritual aos navegantes e mareantes que partiam, da praia do Restelo, para a descoberta de novos mundos. Esta comunidade manteve-se no espaço até 1833, quando foi dissolvida e o Mosteiro desocupado. A partir daí passou a ser gerido pela Igreja Paroquial de Santa Maria de Belém. Monumento nacional classificado como património mundial da humanidade, pela Unesco, desde 1984, alberga no seu interior os túmulos de grandes figuras portuguesas como o dos poetas Luís Vaz de Camões e Fernando Pessoa, do escritor Alexandre Herculano, do navegante Vasco da Gama e dos reis D.Manuel I, D. Sebastião e D. Henrique. Se a alma de um povo habita um espaço, não há dúvidas que a alma de Portugal e dos portugueses vive nos Jerónimos.
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Arquitetura
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Arquitetura
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Arquitetura
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Música
Coladera, o projecto que cola o Brasil, Portugal e África 14
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Música
Coladera
Coladera, mais que um projecto musical, é uma ideia de vida. Junta o Brasil, Portugal e África numa mistura de sons e criatividades, que atravessam os Continentes e fazem da língua portuguesa um espaço de troca, de pareria, de simbiose das diferenças em prol de um objectivo comum. A revista Sotaques quis saber mais sobre os segredos desta saborosa miscigenação, e entrevistámos o músico brasileiro, Vítor Santana, um dos mentores do Coladera.
P- Como surgiu este projecto ? V S - O Coladera surgiu em 2011 em Belo Horizonte, após um convite para uma apresentação na Casa Una de Cultura - Universidade da cidade que possui um importante Centro Cultural - sobre cultura árabe. Eu, Vitor Santana,tinha lançado há pouco o CD Beirute, que fazia justamente a ponte da música brasileira com a música árabe, africa e latinoamericana, e o Marcos Suzano tinha sido o percussionista desse trabalho. O João Pires, por sua vez, morava na minha casa desde 2010 e estávamos a desenvolver um trabalho chamado Estúdio Aberto, um CD de 16
composições colectivas com mais de 40 músicos em Belo Horizonte , da ONG CONTATO. Fiz o convite ao João para fazer esse show acústico, e tivemos a ideia de chamar o Suzano. Em três ensaios tivemos a certeza que estávamos diante de um novo trabalho, que costurava os elementos ibéricos de João, o seu forte contacto com Cabo Verde, o meu trabalho autoral e brasileiro, e a percussão sem fronteiras de Marcos Suzano. Várias músicas foram compostas nessa época e surgiram organicamente com a gravação, ao vivo, em estúdio.Em 3 dias, registramos a maior parte do Coladera.
P - Há um diálogo entre a guitarra do João Pires com os instrumentos dos músicos brasileiros Marcos Suzano e o Vítor Santana. Que afinidades descobriram nesta parceria ? V S - Principalmente o prazer de tocarmos juntos, partindo de universos musicais distintos e chegando a uma sonoridade singular.Outra percepção que nos surge é a de como as diferentes culturas, através dos tempos, conseguem transmitir emoções similares, cumprir funções rituais e mântricas no samba, no fado, na valsa, no choro e chegar a 2014 com vida nova e força artística. P - Como foi o acolhimento do público português e do público brasileiro ao vosso trabalho ? V S -Foi excelente em ambos os casos.O Coladera figurou entre os 100 melhores álbuns de música brasileira em 2013(www.melhoresdamusicabrasileira.com.br),e percorreu Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Lisboa, Coimbra e Santiago de Compostela. Nesses diferentes lugares, seja em teatros maiores, espaços abertos ou casas de espectáculos, tivemos uma boa resposta do público.Desde o B.Leza, em Lisboa, com as sua características de ser um local de encontro luso-africano e, sobretudo, cabo - verdiano, ao Museu de Arte da Pampulha em BH, nas margens da Lagoa mais importante da cidade. P - O que mais aprecia o Vítor Santana na música portuguesa ? V S - No meu caso, a maior referência que tenho da música portuguesa é o próprio João, que me trouxe o universo da cultura musical portuguesa para dentro de casa Outras referências que tenho são a Susana Travassos, o Camané, o José Maria Branco e o Sérgio Godinho 17
Música
P - Qual são as vossas principais referências musicais ? V S - Um profundo mergulho na música brasileira: Villa Lobos, Pixinguinha, Cartola, Noel Rosa, João Gilberto,Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Elomar e os cantos do interior do Brasil, do rap ao repente. P - Como vai ser a vossa agenda de espectáculos nos próximos meses ? V S - Temos 2 shows em Belo Horizonte no final de setembro, dois shows em Outubro no Rio de Janeiro, e vamos para França e para o Japão em dezembro. P - Que objectivos gostariam de concretizar com o projecto Coladera ? V S - Cumprir uma boa agenda de shows na Europa,Japão, Brasil e América Latina e gravar um DVD Coladera.
Texto Arlequim Bernardini
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O olhar do artista
Rubrica “ O olhar do artista”- Nesta rubrica procuramos desvendar o olhar que está por trás da obra de arte. Ouvir o artista a dissecar a sua criação, a vê-la ao espelho, e a mostrá-la integralmente ao público como o resultado de uma visão única e irrepetível – a sua . João Nepomuceno é um jovem artista plástico de Lisboa que venceu em 2014, o prémio “ Desafio B’teen” da sétima edição da GAB – galerias da Faculdade de Belas artes de Lisboa – subordinado ao tema “ Inovação e Empreendedorismo”. Neste texto explica-nos a paixão que sentiu ao criar este quadro – uma loucura saudável e criativa à qual deu um título “ Maluco beleza”, que é uma homenagem à irreverência criativa do grande cantor brasileiro Raul Seixas. Texto João Castro
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O olhar do artista
Maluco Beleza
Texto JoĂŁo Nepomuceno, artista plĂĄstico
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"A contradição e a complementariedade entre as ideias de aleatório e natural. A forma como estes conceitos são interpretados e representados pela loucura. A criação artificial do casual e a sua modelação para o calculado. Os vincos de papel e as irregulariedades das manchas foram provocados, mas não foram controlados. Desenvolvo este trabalho sobre a loucura, do ponto de vista que considero mais interessante. Da ausência do aleatório. Na loucura não existe aleatório. O casual, possível, ou mesmo natural, não tem espaço para existir no padrão e na trama de pensamentos e conceitos entrelaçados, contraditórios, repetitivos. A loucura não é um evento controlado nem desejado, da mesma forma, também não é de todo indesejado. A loucura é como um vírus implantado na mente. O evento não importa, mas o problema é o ambiente fértil que o vírus encontra para
se propagar. A propagação é o problema. Os desejos são o problema. A trama complicada é o problema. A ideia de claustrofobia é o problema. A loucura é uma consequência infinita. É uma equação cujas constantes nos afastam constantemente do resultado final. É o complicar e o descomplicar. É passado e futuro. É uma aversão constante ao conceito de loucura que nos cega de que ela é um elemento mental comum a todo o Ser Humano. Todos somos loucos e só reparamos nela quando se torna nociva. Daí a conotação negativa. Tenho a minha dose de loucura. Não digo que é boa, nem má. Que é positiva ou negativa. É uma coisa tão pessoal e subtil que não merece nenhum julgamento. Estes trabalhos são a desenvoltura da minha cabeça. A forma como eu vejo o mundo sem o ver realmente."
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O Azulejo em Portugal 24
SĂŠ do Porto - Portugal
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Lisboa - Portugal 26
O Azulejo em Portugal Arte de inspiração árabe, o azulejo tornou-se um elemento imprescindível na arquitectura nacional e nas casas portuguesas. Uma arte plural e democrática, sublinhe-se, pois encontramos estas peças tanto em grandes monumentos como em habitações particulares ou em cafés e restaurantes. A etimologia do termo azulejo deriva do árabe Azzelij, significando “pequena pedra polida”. Era uma expressão utilizada para designar o mosaico bizantino do Próximo Oriente. D.Manuel I, monarca ligado ao período de ouro da Expansão portuguesa, visitou Espanha, em 1498. Deslumbrado com a exuberância dos interiores mouriscos, o rei decide trazer essa arte para a sua residência oficial - importam-se, assim, para o Palácio de Sintra, em 1503, azulejos fabricados em Sevilha, e data deste momento a magnífica esfera armilar que se tornou no símbolo dos Descobrimentos portugueses. Na azulejaria há um antes e depois da introdução da majólica. Esta técnica de origem italiana, introduzida na península ibérica pelo italiano Francisco Nicoluso, em finais do século XV, permitia pintar no interior do azulejo vidrado .
Palácio Real de Queluz - Sintra - Portugal 27
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Estação CP de Aveiro - Portugal 28
O renascimento também alimentou a criatividade da nova arte. Predominava o gosto italiano combinado com elementos do maneirismo e da arte flamenga e, a partir do Concílio de Trento, abandonam-se as referências árabes e adopta-se uma estética católica, cheia de alegorias, de imagens, de figuração de santos ou de cenas bíblicas. Com a perda da independência nacional, entre 1580 e 1640, perde fulgor o azulejo tradicional e ganha importância o chamado azulejo de tapete. Um género colorido - verde, amarelo ou azul onde ploriferam os motivos florais ou as representações fantásticas e do paraíso. No século XVIII, com o auge da exploração do ouro e dos diamantes, no Brasil, a produção de azulejaria atinge níveis sem precedentes. O reinado de D. João V traz consigo uma estética inspirada pelo Barroco, onde imperam cenas religiosas ou bucólicas como caçadas. A destruição de Lisboa pelo famoso terremoto de 1755, desencadeia uma verdadeira revolução arquitectónica. Liderada pela vontade reformadora do Marquês de Pombal, a cidade vai conhecer enormes mudanças estéticas e o advento do estilo conhecido como o azulejo pombalino, de inspiração neo-clássica, mais racional e despojada.
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Nestes trabalhos merece uma menção muito especial a Fábrica de Sant’ Ana, fundada em 1741. Esta fá dos inteiramente manuais. O século XX, em termos de azulejaria, é marcado pela ligação profunda entre os artistas plásticos e esta Jorge Barradas ou Maria Keil - que cria um belíssimo trabalho de azulejaria nas Estações iniciais do Met Pomar, Júlio Resende ou Abel Manta, enriquecendo o vastíssimo acervo de azulejos portugueses.
Também muito importante foi a criação do Museu do Azulejo em Lisboa. Criado em 1965, este Museu a se no Antigo Convento da Madre de Deus.
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Azulejos no Interior da Casa da Música - Porto - Portugal
ábrica ainda existe na atualidade, e produz azulejos com méto-
a arte. Nomes incontornáveis como o de Rafael Bordalo Pinheiro, tropolitano de Lisboa - juntam-se a outros artistas como Júlio
autonomizou-se do Museu de arte antiga em 1980, localizando-
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Azulejos no Interior da Casa da MĂşsica - Porto - Portugal
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Entre os azulejos expostos destaca-se um que representa Lisboa antes do terremoto de 1755. Uma imagem reveladora das enormes transformações que viveu a cidade. O azulejo, ontem e hoje, está em todo o país. Portugal é um imenso Museu de azulejaria, e não poderíamos entender a nossa cultura sem esta extraordinária e fascinante arte pintada a azul. Texto António Santos
Mosteiro dos Jerónimos - Lisboa - Portugal
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Palรกcio Nacional da Pena - Sintra - Portugal
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Azulejos: uma arte tambĂŠm brasileira 38
Desde que vieram para o Brasil, os azulejos foram recebidos como parte integrante da cultura brasileira. Trabalhos como o painel de Portinari, no Ministério da Educação e Saúde do Rio de Janeiro ou o mural de São Francisco de Assis na Pampulha, são apenas dois exemplos de uma criação artística que se encontra disseminada em vários Estados brasileiros. Os primeiros registos conhecidos de azulejaria no Brasil, remontam ao século XVII. Terá sido entre 1620 e 1640, que chegaram de Portugal peças para ornamentar o Convento de Santo Amaro de Água-Fria, do engenho Fragoso, em Olinda, que hoje se encontram expostas no Museu regional de Olinda. Neste século, intensificaram-se as construções de templos, engenhos e palácios, e os azulejos multiplicaram-se nos novos edifícios. Em 1737 chegaram de Portugal os sumptuosos painéis da capela mor do Convento de São Francisco na Bahia, o maior repositório de azulejos portugueses no mesmo tecto, a seguir a São Vicente de Fora em Lisboa. Após a independência, a azulejaria brasileira cresceu extraordinariamente. Há referências na altura a azulejos de grande qualidade, produzidos em Niterói por Antônio Survílio & Cia, que foram expostos na primeira Exposição Nacional em 1861. No Rio de Janeiro dois fabricantes, José Botelho de Araújo e Rougeot-Ainé, participaram na II Exposição nacional em 1866. Também há registros de novos trabalhos até ao fim do século XIX.
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O século XX trouxe consigo a produção regular de azulejos. Fábricas como a de Santa Catarina, em São Paulo ou a Manufactura Nacional de Porcelana, no Rio de Janeiro, estimularam a produtividade da azulejaria. Apareceram novas fábricas, nas décadas seguintes, como destaque para unidades como a Matarazzo, a Schimidt, a Mauá, a Incepa, a Iasa ou a Steateta. Os padrões foram variando, as técnicas aperfeiçoaram-se, o azulejo passou a combinar o melhor do design com a sua elegância clássica.
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Painel de azulejos de C창ndido Portinari na Igreja de S찾o Francisco de Assis em Belo Horizonte - MG Local Belo Horizonte - MG (3)
Painel de azulejos de C창ndido Portinari na Igreja de S찾o Francisco de Assis em Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
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Igreja de Nossa Senhora da Corrente - Penedo - Alagoas - Brasil
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Hoje o Azulejo é parte importante da cultura brasileira. E é um daqueles elos de ligação entre o Brasil e Portugal que o tempo, em vez de apagar, tornando-se cada vez mais presente e visível na vida quotidiana. Texto Paulo César, correspondente no Brasil
Semáforo revestido de azulejos São Luís do Maranhão - Brasil
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Os tradicionais azulejos São Luís do Maranhão - Brasil
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Escadaria Selaron no Rio de Janeiro 46
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Escadaria Selaron
A escadaria Selaron ou Escadaria do Convento de Santa Teresa no Rio de janeiro é um dos mais significativos e representativos exemplos de azulejos no Brasil. O seu nome está associado ao artista e ceramista chileno Jorge Selarón, que vivia em frente à escadaria, e que se propôs criar este projecto para homenagear o povo brasileiro. Localizada na rua Manuel Carneiro no bairro de Santa Teresa que liga a rua Joaquim Silva na Lapa à ladeira de Santa Teresa, a construção da escadaria prolongou-se entre 1990 e 2013. Tem uma altura de 125 metros, 200 degraus e é constituída por cerca de 2000 azulejos recolhidos em 60 países. O ceramista chileno morreu em 2013, mas a sua obra ganhou fama mundial. No vídeo de promoção da candidatura do Rio de janeiro aos jogos olímpicos de 2016, não faltou uma emotiva evocação desta obra-prima brasileira da superior arte dos azulejos. Texto Paulo César, correspondente no Brasil
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Onde Ficar
People Hostel, um espaço privilegiado com vista para os Jerónimos
Localizado ao lado do histórico Mosteiro dos Jerónimos, o People Hostel destaca-se pela decoração inspirada na pop art, pela empatia dos seus responsáveis, e por um ambiente que cativa as múltiplas nacionalidades que o procuram como local de repouso. O facto de estar situado na bela zona de Belém, na vizinhança de alguns dos maiores ícones da cultura nacional, acentua ainda mais as suas qualidades como uma excelente opção a nível de alojamento na cidade de Lisboa. Belém é um ponto de atracção incontornável para os turistas. A proximidade de alguns dos mais visitados e admirados monumentos nacionais – a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, o Museu dos Coches ou o Museu da Presidência – alia-se à oferta de qualidade a nível de alojamento.
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O People Hostel localizado no nº 16 da Rua dos Jerónimos, paralelamente ao Mosteiro dos Jerónimos, é um exemplo dessa capacidade de renovação arquitectónica. Inaugurado em 2011, tem ganho cada vez mais visibilidade entre os turistas das várias nacionalidades, tornando-se numa referência entre os Hostels da capital. Ivo Pinto responsável do espaço explica-nos que este “ é um projecto novo que partiu da vontade de desenvolver um Hostel nesta zona, com preços acessíveis”. Logicamente a presença “ junto a monumentos como os Jerónimos, a Torre de Belém ou os pastéis de Belém ajuda a captar novos clientes”, acrescenta. A jovem equipa que gere o People Hostel quis deixar a sua marca no espaço. A temática pop art está omnipresente no espaço “ quisemos que o Hostel tivesse uma temática jovem, que criasse uma sensação de cor e alegria nos nossos hóspedes”, assinala. Os hóspedes são a razão de ser deste Hostel. Com múltiplos sotaques é importante que se estimule o diálogo, e que os turistas saiam do Hostel a conhecer melhor a cultura portuguesa, e a saber dizer algumas palavras em português como obrigado.
www.peoplehostel.net
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Onde Ficar
Falar de Turismo em Lisboa implica , fatalmente, referir o enorme contingente de turistas brasileiros que visitam os locais históricos de Belém. “ É um dos nossos principais públicos alvo”, diz Ivo , e “ temos registado uma crescente procura dos brasileiros”. O futuro do People Hostel passa por uma dinâmica constante. “ Estamos a desenvolver novas parcerias, a fazer obras de melhoramento do espaço, recentemente foi pintado um mural dentro do Hostel, e temos procurado apostar nesta imagem jovem e arrojada”, conclui Ivo Pinto “ Fazer um negócio, com responsabilidade, mas também com amizade”, aponta como fórmula de sucesso. E não há dúvidas que o People Hostel tem um futuro risonho numa das zonas mais turísticas e visitadas de Lisboa. A empatia da equipa, a decoração inovadora, a localização geográfica privilegiada, fazem do People Hostel um ponto de paragem obrigatório para quem quiser ficar alojado num espaço de qualidade, com preços acessíveis e rodeado de alguns dos mais belos monumentos de Portugal.
Texto Arlequim Bernardini
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Literatura
Os LusĂadas, um livro onde se lĂŞ P 54
Portugal 55
Literatura
Os Lusíadas
Os grandes clássicos são aqueles livros que se leem sempre de forma diferente. Ler um livro é como mergulhar num mar de significados, e " Os Lusíadas" de Luís Vaz de Camões são um livro infinito e nunca acabado. Há duas epopeias na epopeia que escreveu Camões. Uma é a obra propriamente dita, a outra são as enormes dificuldades que o grande poeta português teve para escrevê-la. Camões não foi propriamente um bem amado pela coroa. Viveu sem grandes recursos, e o seu espírito rebelde e insubmisso - envolveu-se num duelo em Lisboa, recebendo ordem de prisão- terá precipitado a sua ida para o Oriente à procura da fortuna que lhe era negada na pátria. Sabe-se que embarcou no Tejo, na frota de Pedro Álvares Cabral, em Março de 1553, passou por Ceuta – onde terá perdido o olho direito num confronto - e chegou a Goa no ano seguinte. Alistou-se no exército do vice-rei Dom Afonso de Noronha, e acompanhou o seu sucessor Dom Pedro de Mascarenhas, combatendo os mouros no mar vermelho. Foi neste período que começou a escrever Os Lusíadas. Os relatos históricos contam que foi preso no Oriente - desconhece-se se por dívidas ou textos satíricos que terá escrito sobre a corrupção dos governantes. Em 1561, o novo governador, Dom Francisco Coutinho pobretão e protege-o, nomeando-o Provedor mor dos defuntos e ausentes em Macau - segundo algumas teses redigiu uma parte significativa da sua obraprima numa gruta, que ficou associada ao seu nome. Na viagem de regresso a Goa, o navio em que viajava naufragou e Camões teve de resgatar, literalmente, o manuscrito de "Os Lusíadas" do mar Mekong. Um episódio de um simbolismo profundo, já que o mar é o grande interlocutor do poeta, no relato da viagem à Índia da frota de Vasco da Gama - este momento foi lembra-
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do por Camões na redondilha “ Sobre rios que sobem”, uma das obras centrais da riquíssima lírica camoniana, tão ou mais rica que a sua inspiradíssima épica. Resgatado do mar foi-lhe dada nova ordem de prisão em Malaca. Voltou a Portugal e, finalmente, conseguiu ver publicada a sua obra em 1572, sob a protecção do rei D. Sebastião. Apesar da grandeza intrínseca da obra, os seus ecos silenciaram-se com a perda da independência em 1580. Camões, curiosamente, morre nesse ano, em condições económicas precárias, um sinal do fim de um tempo glorioso do país. Dos Lusíadas pode-se dizer tudo e não se pode dizer nada. Pode-se dizer tudo porque se trata de uma obra monumental – dez cantos onde Camões transforma a viagem à Índia numa epopeia à altura da Odisseia e da Eneida, as duas grandes epopeias da Antiguidade clássica – e não se pode dizer nada, já que são tantas as leituras que se podem fazer que nenhuma palavra que se diga pode sintetizar este magnífico texto. Camões, príncipe dos poetas portugueses, está para além de todos nós. Nenhum ensaio o abarca, nenhum pensador o explica. É como um daqueles milagres inexplicáveis, daqueles fenómenos da natureza fulgurantes que fascinam os leitores e elevam os povos além de si próprios. Reler eternamente Camões, relê-lo nos seus múltiplos ângulos , é uma tarefa gigantesca. E “ Os Lusíadas” são esse navio em forma de papel que nos levará como povo para o Futuro, para um Portugal maior e melhor, um Portugal que se poderá ver integralmente reflectido no espelho da História da humanidade com lúcido e justo orgulho. Texto Rui Marques
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Teatro
Allex Miranda, um ator que chegou ao seu Porto seguro 58
O ator brasileiro Allex Miranda mostra a sua versatilidade na televisão e no Teatro no nosso país. Atualmente, actua na série da RTP na novela "Água de Mar", além de ter um percurso artístico consolidado em algumas das mais importantes companhias teatrais portuguesas. Leia esta entrevista com um ator que vê a cidade do Porto como um Porto seguro, onde estudou e cimentou muitas afinidades e ligações. P - O Allex trabalhou tanto no Brasil como em Portugal . Que semelhanças e diferenças encontrou nos dois países a nível artístico? AM - Poucas foram as semelhanças encontradas, pois mesmo Portugal sendo o berço da língua portuguesa, a fonética entre os países lusófonos não é tão próxima como julgamos ser, e muitos foram os trabalhos que não consegui angariar por conta disso. A energia das contracenas também são completamente diferente da energia do artista brasileiro. Não quero dizer com isso que seja melhor ou pior, apenas saliento que são notórias as diferenças dos trabalhos feitos por artistas de cada país. Outra gritante diferença é a falta de apoio na área da cultura que Portugal vem sofrendo –ao contrário do Brasil- e isso desestimula o artista que queira vir tentar fulgurar o seu trabalho em terras de além-mar. P - Que balanço faz do seu percurso profissional e pessoal em Portugal? AM - Penso que aos poucos o meu trabalho está a ser reconhecido e isso deve-se à minha determinação em querer sempre fazer o (meu) melhor possível nos trabalhos. Aqui em Portugal poucos são os atores negros que conseguiram singrar nesta nossa tempestuosa área teatral, mas com a minha imagem, a figura, a energia transportada na mesma, conjugadas à técnica que obtenho, dá-me vantagens perante outros atores e faz de mim o profissional que hoje sou . Peço desculpas, mas não gosto de comentar sobre a minha vida pessoal.
P - Que atores ou encenadores portugueses mais admira ? AM - António Durães, Já tive o prazer de trabalhar com ele e, para mim, é a perfeita junção de um excelente ator e de um extraordinário encenador, pois este senhor consegue –aos meus olhos- criar com as simplicidades das suas encenações coisas belíssimas, mas dramaturgicamente muito poderosas. P - Quais são os seus locais de eleição em Portugal? AM- Gosto particularmente do Palácio de Cristal. Como sou natural de um interior (NazaréBahia), agrada-me tudo que esteja envolvido pela natureza e ao passear pelos seus jardins, sinto-me engolido pelas árvores, pela melodia das fontes, pelos sons dos animais que também ali transitam e como diz a letra de uma música do cantor Geraldo Azevedo, aquele local me transmite a “paz que eu gosto de ter”. P - Que palavras ou termos portugueses mais o surpreenderam ? AM- Posso citar a palavra que mais me surpreende: oxalá! Ouço essa palavra, aqui em Portugal, por diversas vezes e faz-me mesmo muita confusão, por saber que algo tão poderoso possa a ser usado assim dessa forma descuidada. Vou tentar contextualizar a minha admiração: oxalá, aqui em Portugal, com “o” minúsculo, significa uma interjeição que exprime desejo (tomara), mas para mim, que sou do candomblé (religião AfroBrasileira), a palavra Oxalá, com “O” maiúsculo, representa o orixá ( Umbanda) associado à criação do mundo e da espécie humana e que tenho um profundo respeito.
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Teatro
P - O Allex trabalhou tanto no Brasil como em Portugal . Que semelhanças e diferenças encontrou nos dois países a nível artístico? AM - Poucas foram as semelhanças encontradas, pois mesmo Portugal sendo o berço da língua portuguesa, a fonética entre os países lusófonos não é tão próxima como julgamos ser, e muitos foram os trabalhos que não consegui angariar por conta disso. A energia das contracenas também são completamente diferente da energia do artista brasileiro. Não quero dizer com isso que seja melhor ou pior, apenas saliento que são notórias as diferenças dos trabalhos feitos por artistas de cada país. Outra gritante diferença é a falta de apoio na área da cultura que Portugal vem sofrendo –ao contrário do Brasil- e isso desestimula o artista que queira vir tentar fulgurar o seu trabalho em terras de além-mar. P - Que balanço faz do seu percurso profissional e pessoal em Portugal? AM - Penso que aos poucos o meu trabalho está a ser reconhecido e isso deve-se à minha determinação em querer sempre fazer o (meu) melhor possível nos trabalhos. Aqui em Portugal poucos são os atores negros que conseguiram singrar nesta nossa tempestuosa área teatral, mas com a minha imagem, a figura, a energia transportada na mesma, conjugadas à técnica que obtenho, dá-me vantagens perante outros atores e faz de mim o profissional que hoje sou . Peço desculpas, mas não gosto de comentar sobre a minha vida pessoal. P - Que atores ou encenadores portugueses mais admira ? AM - António Durães, Já tive o prazer de trabalhar com ele e, para mim, é a perfeita junção de um excelente ator e de um extraordinário encenador, pois este senhor con60
segue –aos meus olhos- criar com as simplicidades das suas encenações coisas belíssimas, mas dramaturgicamente muito poderosas. P - Quais são os seus locais de eleição em Portugal? AM- Gosto particularmente do Palácio de Cristal. Como sou natural de um interior (NazaréBahia), agrada-me tudo que esteja envolvido pela natureza e ao passear pelos seus jardins, sinto-me engolido pelas árvores, pela melodia das fontes, pelos sons dos animais que também ali transitam e como diz a letra de uma música do cantor Geraldo Azevedo, aquele local me transmite a “paz que eu gosto de ter”. P - Que palavras ou termos portugueses mais o surpreenderam ? AM- Posso citar a palavra que mais me surpreende: oxalá! Ouço essa palavra, aqui em Portugal, por diversas vezes e faz-me mesmo muita confusão, por saber que algo tão poderoso possa a ser usado assim dessa forma descuidada. Vou tentar contextualizar a minha admiração: oxalá, aqui em Portugal, com “o” minúsculo, significa uma interjeição que exprime desejo (tomara), mas para mim, que sou do candomblé (religião Afro-Brasileira), a palavra Oxalá, com “O” maiúsculo, representa o orixá ( Umbanda) associado à criação do mundo e da espécie humana e que tenho um profundo respeito. P - Trabalha actualmente na novela “ Água de Mar”. Como está a correr essa experiência? AM - Nesta fase inicial ainda estou a familiarizar-me com toda a estrutura montada para albergar a série, mas fui recebido por toda a equipa –sem exceção- como parte da “família” e isso ajuda-me imenso a desenvolver melhor o meu trabalho. O carinho e os conselhos que recebo a cada novo dia de gravação
P - Prefere trabalhar em Teatro ou Televisão ? AM - Todos temos as nossas preferências, mas acredito que tudo em que me envolvo tem a importância daquele momento e por isso, seria uma falta de respeito para com uma, se elegesse uma entre as duas áreas.
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Teatro
faz com que o trabalho e as contracenas, com os atores e “figurantes”, sejam desenvolvidas com uma maior cumplicidade e isso para mim é fundamental; um bom ambiente de trabalho. P - Licenciou-se no ESMAE na cidade do Porto. Que memórias guarda do seu tempo de estudante ? AM - Dos meus muitos “colegas-professores” e de tudo o que aprendi por lá. A ESMAE foi o meu primeiro contacto mais teórico com a arte da representação e que me exigia diariamente muito da pouca energia que tinha, -pois tinha que trabalhar para pagar os meus estudos e muitas vezes fazia diretas antes de algumas aulas práticas-. Mas a minha maior e mais grata lembrança da ESMAE é dos meus colegas, pois criamos uma laço muito forte e como passávamos muito tempo juntos, tornamo-nos numa família (com direito a brigas e tudo) e eu sempre dizia para eles, respeito muito todos os nossos professores, mas eu aprendi muito mais com eles, com tudo de certo e de errado que fazíamos juntos. P - O que representa para si o Porto ? AM - Literalmente um Porto seguro. Tenho os meus contactos de trabalho, um trabalho artístico já reconhecido, os meus amigos, os meus lugares de grandes colóquios, belas casas de espetáculos, “o meu lugar de paz”, os meus professores, meus colegas da faculdade, e muitas, muitas histórias de todas as casas que já morei e de tudo o que já vive por lá. P - Quais são os espaços culturais que mais gosta de visitar na cidade ? AM - As noites de Jazz no Café Concerto da ESMAE, O Café Pinguim, na baixa, onde são promovidas noites de leituras de poesias, O Espaço Compasso e o restaurante Galerias de Paris, onde se come muito bem, pode se deliciar com toda a decoração oriunda de diversos
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universos pessoais e no fim da note somos contemplados com um belíssimo baile, onde a multiplicidade cultural impera. P- A Revista Sotaques fala da diversidade dos Sotaques. O seu sotaque é tipicamente baiano ? Como o caracteriza ? AM - Não tenho um sotaque típico da Bahia. Tenho o que pode ser chamado de “sotaque neutro”, pois por conta de trabalhos que desenvolvia em outros estados do Brasil, fiz um trabalho de “limpeza” do sotaque para angariar outros projetos e não me limitei a ser escolhido somente para papéis em que precisavam do sotaque baiano. Hoje, com o novo trabalho que desenvolvo aqui em Portugal sinto que o meu sotaque brasileiro está a sofrer algumas mutações, mas não considero isso um extravio de identidade, vejo como um expandir de horizontes linguísticos. P - Qual é o estado atual do Teatro baiano ? AM - Como estou fora do Brasil há seis anos, o que sei do atual panorama teatral baiano é o que leio nos jornais (online) e confesso que estou meio incrédulo com tudo o que leio, porque uma coisa é saber qual é o estado de um estado e outra coisa é o que lemos sobre este estado, pois muito do que lá está descrito, é exposto de uma forma muito generalista e como eu sou de uma pequena parte da Bahia, sei que esse quadro não nos abrange na totalidade, como está descrito e por isso, não saberia responder –como esses jornais- de forma assertiva por todo um estado, quando só estou ciente de uma parte dele. O que quero dizer é que o que leio, é que a Bahia está a receber muitos apoios para desenvolver novos projetos teatrais, muitos editais a serem desenvolvidos, e muitos artistas baianos estão a ser consagrados, mas, é sabido que alguns desses tantos projetos são “lançados já com nome de vencedores”, muitos dos artistas baianos têm singrar fora do seu estados por
falta de apoio, enquanto os jornais vendem uma ideia utópica e muitos dos editas agora já são direcionados para trabalhos onde constam afrodescendentes, como se nós negros não tivéssemos a capacidade de ganhar um projeto por conta da nossa arte, agora temos que ganhar algo por ser negros-baianos (...) gerando assim uma nova forma de Apartheid, o Apartheid cultural. P - O que é que os baianos têm para desenvolver uma cultura tão rica nas múltiplas actividades artísticas ? AM - Devemos isso ao que se chama hoje de “Colonização”. Quando Salvador, capital da Bahia e primeira Capital do Brasil Colónia recebeu a corte real, foi fecundada com todas as correntes artísticas que os seus escravizados traziam para a nossa terra e com o passar do tempo a necessidade tratou de unificar culturas tão distintas na língua, na cultura, na religião e na sua complexa diversidade como as de Moçambique, Angola, Guiné, Congo, na nossa cultura miscigenada e tão rica.
P - Devem-se estimular mais as parcerias entre o teatro português e brasileiro ? AM - Penso que se deve estimular toda e qualquer forma de arte. Mas, como estamos neste contexto, sim, penso que ao estreitar ainda mais os laços entre Brasil e Portugal, através do teatro, estaremos a contribuir para o fortalecimento da língua lusófona, e se o teatro for o fator que culminará nesse acontecimento, a arte lusófona, assim como a língua, será reconhecida como uma grande força mundial. (...) P - Como vai ser a agenda do Allex nos próximos meses? AM- Para já tenho um contrato com a série “Água de Mar” até Novembro, que é equivalente ao número de episódios encomendados, mas já é de conhecimento geral que a RTP pretende prolongar a longevidade da série, e isso pode ou não alterar o meu cronograma.
Texto António Santos
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Crónica
Ser Feliz dá trabalho... Nos últimos tempos tenho-me deparado com uma reacção, no mínimo, interessante quando afirmo: SOU FELIZ. As pessoas, para além de parecerem surpreendidas, parece que me acham louca… “Ninguém é feliz hoje em dia… Não há condições para tal…” dizem. Mas se eu sou, porque não o heide declamar ao Mundo?... Esforcei-me muito para ser feliz. Digo mais: Tornei o “SER FELIZ” o meu objectivo de vida. E, hoje, posso dizê-lo: consegui. Sou feliz, pois tenha uma família maravilhosa, porque enredei a minha viva com a de um Homem que me completa, porque tenho um teto que me abriga, tenho comida que me alimenta, mas o mais importante… Tenho pessoas de quem eu gosto e que gostam de mim a rodear-me. Sou feliz e não tenho vergonha de o dizer… Ser Feliz dá trabalho, mas vale a pena.
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Dá trabalho aprender a valorizar o que realmente importa. Dá trabalho aprender a desvalorizar o que, no fundo, não nos acrescenta nada de bom na vida. Dá trabalho perdoar e seguir em frente. Dá trabalho lutar pelo que se acredita. Dá trabalho manter a esperança no futuro e continuar a acreditar que vale a pena acordar de manhã. Dá trabalho perceber que nunca vamos ter tudo o que queremos, mas teremos sempre o que precisamos. Dá trabalho aceitar que não somos mais importantes que ninguém e que há lugar para todos neste mundo. Dá trabalho. Dá muito trabalho, mas vale a pena. Assim, SOU FELIZ “Somos o que pensamos, tudo o que somos surge com os nossos pensamentos, com os nossos pensamentos fazemos o mundo.” Ensinamentos do Buda
Texto Joana Gouveia
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Música
João Pires, um artesão da música em língua portuguesa 66
João Pires é o que podemos chamar um artesão da música em língua portuguesa. Com parcerias e projectos comuns com músicos brasileiros e africanos, o artista português vai tecendo cumplicidades, criando novos arranjos, descobrindo novos sons para uma língua que não tem fronteiras musicais.
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Música
P- Está ligado a dois Projectos em parceria com artistas brasileiros . Pode falar-nos mais deles e dos músicos que participam consigo nestes trabalhos ? JP - O Coladera nasceu no Brasil e foi um encontro normal entre três músicos que, desde que se conheceram na Europa, sentiram uma afinidade musical e pessoal suficiente para gravar um disco e apresentá-lo ao vivo. Tocar com o Marcos Suzano e compor com o Vitor Santana foi e é um deleite. Estamos em plena tour no Brasil e iremos para Paris, e posteriormente para o Japão, no fim deste ano. Espero que haja, pelo menos, uma Lisboa e um Porto pelo caminho. Afinal, o Coladera também é um disco português. O projeto Xafu foi ao contrário. Foi criado em Lisboa e só recentemente veio para o Brasil. O Xina (Imidiwan) e o Juninho do Brasil conheceram-se em Lisboa, fundaram o Xafu, e foram agregando músicos ao redor. Eu fui só mais um. Gosto muito! É um projeto mais cosmopolista, mistura eletrónica com música popular, sons lusófonos. Lançámos o EP PAREDES NOS HORIZONTE, e agora andamos em banho maria a preparar silenciosamente o primeiro disco. É gratificante homenagear músicos que fazem parte da minha vida musical como Carlos Paredes, Bernardo Sassetti, Cesária Évora, Caetano Veloso etc. A responsabilidade também é muita, mas estamos a difundir o que melhor se tem e teve na música portuguesa, lusófona e Brasileira. Levá-la com outra roupagem, a novos públicos! P - Como se caracteriza como artista ? JP - Hmm... uns dias mais guitarrista, outros mais compositor. Uns dias mais virado para música instrumental, outros mais virado para canções. Uns dias mais português, outros mais cabo-verdiano, outros mais brasileiro, outros mais João. É a vida que tenho e a minha música não é mais que plasmar essas vivências, os lugares, as gentes, os sentimentos, a vida! 68
P - O Brasil está muito presente no seu percurso musical. Que importância tem este país para a sua evolução musical ? JP - O Brasil é dos países mais musicais do mundo. Sempre foi e continua a ser. Constato isso na minha vida diária no Brasil. A qualidade e quantidade de músicos, instrumentistas, compositores, bandas é absurdo. P - É um admirador da música popular brasileira ? JP - Sou e muito ! P - Gravou no Brasil. Como foi essa experiência ? JP - Tem sido uma experiência normal, como seria em qualquer lugar. O foco é mandar músicas cá para fora da melhor maneira possível. P - O flamengo também influenciou a sua música. O que mais admira neste estilo ? JP - É de uma autenticidade... e aquela forma de tocar guitarra. E aquele Camaron, aquele Paco e aquele Vicente Amigo. Aquilo tocou-me desde a primeira vez que ouvi. Corri atrás do flamenco até onde pude, mas o flamenco exige tudo de ti. Seja na guitarra, na dança, no canto. Hoje em dia continuo a fazer os meus exercícios diários de guitarra flamenca, e a ouvir discos. 69
Música
P - Além de músico é produtor musical. Como olha para o estado atual da música portuguesa ? JP - Eu sou produtor de música. Eu produzo música, discos. Não produzo concertos, não sou agente. Mas nos dias de hoje temos que fazer um pouco de tudo. Em relação a Portugal, é curioso que não tem sequer Ministério da Cultura, mas está a viver dos melhores momentos. Pode até ser ousado , mas vivemos das melhores épocas musicais de sempre. De criação, de estética. Há de tudo e bom. Tem festivais muito bons que estão a virar-se mais para dentro. Estou apaixonado por Portugal, conto as horas para sempre voltar. O meio musical fervilha! Em Outubro começo a gravar o meu segundo Álbum a solo que se chamará Lisboando! Um disco mais português, inspirado na minha Lisboa e nos brilhantes músicos que nela habitam. Espero que me ajude a cimentar um pouco mais a minha carreira em Portugal, afinal, verdade seja dita, sou um pouco anónimo. P - O que é que acha que falta para divulgar mais e melhor a música nacional no Brasil? JP - Sinceramente?! Olhos! O público não tem a noção da quantidade de projectos musicais luso- Brasileiros que andam por aí. Para além do Coladera e de Xafu claro, Tejo Tietê da Susana Travassos com Chico Saraiva, Banda do Mar do Marcelo Camelo com o Fred dos Buraka, O Clube, isto só para citar alguns. Não fazem ideia: a TAP e a TAM podiam abraçar um pouco mais a causa do intercâmbio . E que o ano oficial de Portugal no brasil e vice-versa fosse todos os anos. Mas a música portuguesa tem vindo aqui, a semana passada houve um Festival de fado no Rio e em São Paulo. O António Zambujo tem vindo muito, a Carminho. Enfim... Há toda uma nova geração de músicos portugueses e brasileiros que devemos conhecer melhor nos dois países. 70
P - Tem planos para ir ao Brasil, brevemente, em digressão ? JP - Neste momento estou no Brasil até fim de Outubro e, graças a deus, a agenda está cheia com concertos a solo, com o Coladera e com o Abaporu da cantora Laura Lopes, disco que produzi. P - Que mensagem envia, através da revista Sotaques, para o público brasileiro ? JP - Foi um prazer trocar uma prosa com vocês, povo bom! Bem haja!
Texto Arlequim Bernardini
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Sabaores e Paladares
O Brasileiro: um restaurante que serve o melhor do Brasil e de Portugal
Há um restaurante em Lisboa, no Centro comercial do Campo pequeno, que reúne os melhores sabores do Brasil e de Portugal. Venha connosco visitar esta referência da restauração brasileira na capital do país, com dois anos de existência, que já tem outro espaço a funcionar em Oeiras, no Taguspark.
A paulista Carla explica-nos “ já fazíamos alguns trabalhos no centro comercial e, por isso, quando o espaço que estava antes aqui fechou, vimos uma hipótese de termos um espaço”. A transição fez-se suavemente, com uma ideia clara: juntar o melhor da culinária brasileira e portuguesa.
Quando chegámos ao Centro Comercial do Campo Pequeno, deparamo-nos com a vivacidade única das cores verde e amarelas do Brasil. Encontramos o restaurante “ O Brasileiro”, um espaço com dois anos de vida cujos sabores têm conquistado brasileiros e portugueses.
O nome “ O brasileiro” surgiu naturalmente. Era uma forma de mostrar uma identidade própria e de valorizar os pratos do Brasil. E o menu escolhido não decepciona os amantes da gastronomia brasileira. Pratos típicos como o Churrasco, a feijoada o Bobo de camarão ou a muqueca fazem parte da ementa diária, e podem ser bem acompanhados por marcas de cervejas brasileiras como a Brahma ou a Avenda.
O casal brasileiro, constituído por Carla e Ricardo, gere o restaurante. Carla está em Portugal há treze anos, e Ricardo vive há seis anos por cá. 72
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Sabaores e Paladares
O público – constituído maioritariamente por portugueses e turistas brasileiros – agradece esta descoberta ou redescoberta de paladares. O facto de “ estarmos localizados no centro de Lisboa, favorece também a vinda de novos clientes”, afirma a gerente do espaço. Mas não se pense que os pratos portugueses desapareceram do cardápio diário: o indispensável bacalhau, muito solicitado pelos brasileiros, não falta, ao lado da carne à alentejana, que também faz as delícias da clientela. Nas sobremesas, a união luso-brasileira também faz a força. Temos o pudim brasileiro e o brigadeiro, o açai – que apesar da resistência inicial vai ganhando adeptos - mas também se mantém a portuguesa torta de limão da anterior gerência. A mistura é também a palavra de ordem nas nacionalidades que trabalham no restaurante. Paulistas, mineiras, cariocas, uma lituana casada com um brasileiro, duas cabo-verdianas e
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um português compõem esta família multicultural de afectos que é “ O brasileiro”. O futuro está a escrever-se com linhas optimistas. O restaurante “ O brasileiro” fará dois anos em Dezembro, no centro comercial do Campo pequeno, mas já tem outro espaço a laborar em Oeiras, no Taguspark, há quatro meses. A participação em feiras, com um quiosque próprio, servindo as tradicionais caipirinhas, os salgados e o pão com queijo, também foi um êxito. A presença recente, numa feira de Paços de Arcos, mostrou que o público português está ávido de conhecer melhor a culinária brasileira. No restaurante “ O brasileiro” a receita é clara. União luso-brasileira, sabores variados, cuidados com os clientes, e muito trabalho e talento para juntar o Brasil e Portugal à mesa. Texto Rui Marques
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Hist贸ria
Museu dos coches 76
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Hist贸ria
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O Museu Nacional dos Coches situa-se junto ao rio Tejo, na Praça Afonso de Albuquerque, na freguesia de Santa Maria de Belém, em Lisboa, Portugal.Esta antiga escola de arte equestre, o Picadeiro Real do Palácio de Belém, foi mandada construída pelo arquitecto italiano Giacomo Azzolini, em 1726. Em 1905, foi transformado num museu pela rainha D. Amélia, esposa do rei D. Carlos, sob o nome Museu dos Coches Reais que, após o golpe republicano, teve o seu nome alterado. É o museu da rede pública mais visitado de Portugal. Em 2012 foi visitado por mais de 184.000 pessoas . Construídos em Portugal, Itália, França, Áustria e Espanha, os coches abrangem três séculos e vão dos mais simples aos mais sofisticados. A galeria principal, no estilo Luís XVI, é ocupada por duas filas de coches construídos para a realeza portuguesa. A colecção começa pelo coche de viagem de Filipe II de Portugal (III de Espanha), de madeira e couro negro, do século XVII. os coches são forrados a veludo vermelho e ouro, com exteriores esculpidos e decorados com alegorias e as armas reais, trabalho denominado talha dourada. As filas terminam com três enormes coches barrocos feitos em Roma para o embaixador português no Vaticano D. Rodrigo Almeida e Menezes, futuro marquês de Abrantes, em embaixada enviada ao papa Clemente XI a mando do rei D.João V.
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História
Estes coches têm interiores luxuosos e esculturas douradas em tamanho natural, durante muitos anos nenhum monarca europeu enviou embaixadas ao Vaticano por não se conseguir igualar tamanha magnitude. Destacam-se ainda, entre outros, os Coches da Coroa, de D.João V e a Carruagem da Coroa, mandada executar por D.João VI, quando regressou do Brasil e que foi utilizado pelos dois últimos reis nas suas aclamações. A galeria seguinte tem outros exemplos de carruagens reais, incluindo cabriolés de duas rodas e berlindas da Família Real. Têm também uma sege, veículo considerado o primeiro táxi de Lisboa, pintado de preto e verde, as cores dos táxis até à década de 90. Esta sege do século XVIII, com janelas que parecem óculos, foi fabricada durante a época de Pombal. A galeria superior exibe arneses, trajos da corte e retratos a óleo da família real. O último coche deste museu que foi utilizado foi a Carruagem da Coroa, aquando da visita de Isabel II de Inglaterra a Portugal, em 1957. Depois de um período em que o Museu esteve fechado, foi solicitado ao Arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, que desenhasse um novo edifício para albergar os coches. O edifício do novo Museu dos Coches está localizado na Avenida da Índia em Belém e a sua abertura está prevista para 2015. Texto António Santos
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Brasil
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O Círio de Nazaré
A maior manifestação religiosa do Brasil é considerada um dos maiores eventos religiosos do mundo, tanto que, em dezembro de 2013, o Círio de Nazaré foi declarado, pela UNESCO, Património Cultural da Humanidade. Em 1773, o Bispo do Pará, Dom João Evangelista, colocou a Cidade de Belém sob a proteção de Nossa Senhora de Nazaré. Atualmente, o evento chega a reunir mais de 2 milhões de pessoas de todos os cultos e procissões. A devoção à Nossa Senhora de Nazaré foi introduzida no Brasil no século XVII, pelos padres jesuítas. Embora o culto se tenha iniciado no povoado de Vigia, no Pará, a tradição mais conhecida relata que, em 1700, um caboclo chamado Plácido, descendente de portugueses e de índios, ao andar pelas imediações do Igarapé Murutucú ( área que corresponde, hoje, ao fundo da Basílica erguida em honra
de Nossa Senhora de Nazaré), encontrou uma pequena estátua de Nossa Senhora de Nazaré, que se encontrava entre pedras lodosas, e estava bastante deteriorada pelo tempo e elementos naturais. Plácido, então, levou a imagem para sua casa, onde montou um altar. No entanto, inexplicavelmente, a imagem voltou para o lugar de onde foi retirada. Isso aconteu diversas vezes, até que Plácido entendeu o facto como um sinal divino. Assim, resolveu construir, com meios próprios, uma pequena capela, naquele mesmo local, como prova de sua devoção. Hoje, no mesmo local para o qual a Santinha voltava, encontra-se a Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, que começou a ser construída em 1909. Em Portugal, Nossa Senhora de Nazaré é celebrada no dia 8 de setembro, na Vila de Nazaré, enquanto que no Brasil, em Belém do Pará, são 15 dias de celebração a partir do segundo domindo de outubro, o que ficou conhecido como quadra Nazarena.
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Brasil
Mesmo antes desta data, a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré (que é uma réplica de outra que se encontra em Portugal e mede aproximadamente 28cm, entalhada em madeira) percorre em carro aberto (dentro de uma berlinda toda decorada com rosas naturais) uma romaria rodoviária, visita vários bairros da cidade e região metropolitana, e fica sob vigília dos fiéis durante à noite na Igreja Matriz de Ananindeua e, após missa campal, segue em romaria até o distrito de Icoaraci, de onde volta para Belém, desta vez numa procissão fluvial, na qual centenas de barcos acompanham a imagem peregrina, levada por uma Corveta da Marinha. A sua chegada no Cais do Porto fase por volta das 11:00 h da manhã de sábado. Em seguida, a Berlinda de Nossa Senhora de Nazaré é acompanhada por motociclistas até ao Colégio Gentil Bittencourt, de onde sai acompanhada dos fiéis, que, com suas velas, iluminam a passagem da Berlinda pela Avenida Nazaré, passando pela Presidente Vargas e Castilho França até chegar à Catedral. Na manhã do segundo domingo de Outubro
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tem início o Círio, que tem como principais símbolos : a berlinda, que leva a imagem da Santa; a corda, espaço de pagamento de promessas dos romeiros, que foi incorporada em 1868, tendo 400 metros de puro sisal torcido com o peso de aproximadamente 700 quilos, que requer dos fiéis maior sacrifício físico e emocional; o manto: cobre a imagem e é renovado a cada ano, relatando partes do evangelho, confeccionado com material luxuso e importado; as velas (ou círios): peças feitas de cera, em vários formatos, retratando partes do corpo humano ou uma vara de cera no tamanho do pagador de promessas. Velas são os símbolos dos pagadores de promessas, que através delas pagam graças alcançadas. Numa das ocasiões em que estive a acompanhar a procissão do domingo, pude sentir quão grande é a energia da fé daquele “mar de gente”, principalmente de quem fica próximo à corda, ou , como se diz, “dentro da corda”, onde já vivi um milagre. Acontece que me encontrava com uma forte crise de coluna, não movimentava a cabeça, os movimentos dos braços estavam limitados e a dor era insuportável, mesmo com os medicamentos.
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Então, resolvi acompanhar o Círio “dentro da corda”, entretanto, quando a procissão entrou na Avenida Presidente Vargas, a corda começou a se “fechar”. Cheguei a pensar que seria esmagada, mas, em vez disso, obtive a graça que humildemente fui buscar. Enfim, quando dei por mim, estava do lado de fora da corda, com movimentos normais e sem nenhuma dor. Perguntei a um guarda que estava do meu lado o que havia acontecido, e ele disse que não tinha visto nada. Sei que são muitos os relatos da ajuda de Nossa Senhora de Nazaré aos peregrinos. Venha a Belém, acompanhe o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, posso garantir que é uma experiência inigualável.
Texto Águeda Maria da Silva Cardoso Pereira Foto Hernany Fedasi
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Ilha dos Amores
Porto 88
Ruas que partem do rio e vão até lá cima, desaguando em praças com tílias e estátuas. Vielas apertadas, casas enormes e vetustas onde tudo já aconteceu, com janelas floridas e a barriga do estuque a dar de si, becos com saída para escadas, escadas debruadas com vasos e bordadas de begónias e japoneiras, escorrendo para pátios estreitos, e mais becos e mais ruas com candeeiros ensombrados. Em tudo, azulejos com barcos e flores e pássaros estilizados, anjos de pedra ou de estanho vigiando jardins discretos, cheios de lódãos e de araucárias elegantes. As camélias marcam o percurso, flores do frio, vermelhas ou azuladas, resistem rente aos muros, fazem a sesta ao pé dos tulipeiros e dos castanheiros da Índia. O empedrado parece sempre húmido, e de facto a neblina espalhou-se desde a manhã até à boca do entardecer. Veio do mar, moldou-se mais esguia nas veias do rio e plasmou-se nos casarões medievos, no granito das encostas, toldando tudo de uma cinzento azulado, frio, que escorre das clarabóias de ferro nos telhados até ás ruas pela via das caleiras ou algerozes. Monumentos sérios parecem recatados e secretos. Igrejas forradas de dourado e com nichos bizarros na frontaria, irónicos, parecem desaparecer no nevoeiro ou talvez sejam nevoeiro, assim barrocas, assim com diabos e sátiros moldados pelos mestres pedreiros, fantasistas e sonhadores. Cheira a mar e a peixe e a fumo, o céu parece pedra, ou pintura impressionista melancólica, as nuvens são de bronze macio. Chove oblíquo, o vento norte varre os portais e na Cantareira os barcos recuam, olhando o rio com apreensão cúmplice. Eis-me na cidade que me pertence, ou eu a ela. Gosto do ar retraído e firme dos edifícios, da dureza de granito das gentes, e do nome das ruas que não homenageiam homens nem datas mas atitudes e gestos: Firmeza, Alegria, Heroísmo, Liberdade. E gosto da luz infinita da Foz, da estrada marginal que une a ribeira ao mar, dos caminhos que vão entre muros de quintas muito antigas, dos miradoiros sobre o rio e o estuário, das pontes, dos socalcos onde os séculos moldaram a cidade como um presépio ou uma cascata de S.João. O Porto que me prende e ata, o porto sem navio ancorado. Ponto de partida, quem sabe, labirinto da saudade. Texto Bernardino Guimarães 89
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